VERDADE E RACIONALIDADE COMUNICATIVA EM HABERMAS



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Transcrição:

VERDADE E RACIONALIDADE COMUNICATIVA EM HABERMAS Regina Rossetti 1 RESUMO A partir da virada lingüística e do reconhecimento da dimensão comunicativa da linguagem, Habermas diverge do modelo epistemológico moderno da subjetividade e da consciência e propõe uma mudança de paradigma que elege a intersubjetividade comunicativa como um pressuposto da razão e propõe o consenso como condição para obtenção da verdade. Entenderse com alguém a respeito de algo em busca do consenso é a finalidade dessa racionalidade comunicativa. O objetivo deste artigo 2 é identificar a condição comunicativa da racionalidade e apontar sua participação na obtenção do conhecimento verdadeiro advindo do entendimento mútuo e do consenso social na filosofia de Habermas. PALAVRAS-CHAVE: Racionalidade comunicativa; Entendimento mútuo; Verdade e Consenso Introdução Na teoria da racionalidade comunicativa de Habermas, o saber verdadeiro não surge como uma iluminação na mente de um sujeito privilegiado, mas é o resultado da discussão social que chega a um consenso. Para que haja diálogo entre os interlocutores que buscam alcançar o consenso acerca de algo, é necessário que eles se comuniquem. Essa capacidade comunicativa do ser humano é algo inerente a sua própria racionalidade: esse 1 Docente do Programa de Mestrado em Comunicação da USCS - Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Doutora em Filosofia pela USP com pós-doutorado. rrossetti@uscs.edu.br 2 Este artigo é resultado parcial de pesquisa com apoio do CNPq.

ser não apenas conhece e age racionalmente, mas também fala. A comunicação, como processo em suas relações com o conhecimento, pode ser vista como condição da consolidação social do conhecimento e da verdade, tal como aparece na teoria da racionalidade comunicativa de Habermas. Assim, a comunicação como processo social se apresenta como condição essencial para o conhecimento, da obtenção do consenso e para a construção social da verdade. Embora criticado por muitos, a contribuição de Habermas para os estudos em comunicação é reconhecida. Para Miège (2000, p.91) algumas correntes da filosofia alemã contemporânea colocam a comunicação no centro de suas indagações e, assim, abrem caminhos para debates heurísticos acerca da comunicação. É nesse contexto intelectual que Jürgen Habermas se destaca. Conhecido por seus trabalhos acerca da esfera pública, posteriormente, a partir da crítica do paradigma da subjetividade e da consciência, Habermas se empenhou em chegar ao conceito de racionalidade comunicativa, desvelando a atividade comunicativa inerente a linguagem. Santaella (2001, p.72) também reconhece a importância do pensamento habermasiano para os estudos em comunicação. Embora a teoria de Habermas tenha, de fato, nascido dentro da sociologia filosófica, é inegável a sua contribuição específica para os estudos da comunicação. Tanto é que Habermas se insere em uma das tradições dos estudos de comunicação, a tradição das teorias crítica. O objetivo deste artigo é identificar a condição comunicativa da racionalidade e apontar sua participação na obtenção do conhecimento verdadeiro advindo do entendimento mútuo e do consenso social. Para tanto, segue-se o seguinte roteiro de exposição das ideias habermasianas: a partir da virada lingüística e do reconhecimento da dimensão comunicativa da linguagem para além de sua função representativa, Habermas critica o modelo epistemológico moderno da subjetividade e da consciência e propõe uma mudança de paradigma que elege a intersubjetividade comunicativa como um dos pressupostos da razão; o filósofo propõe que a racionalidade humana possui três raízes: a epistemológica, a teleológica e a comunicativa; destaca a racionalidade comunicativa cuja finalidade é entender-se com alguém a respeito de algo em busca do entendimento mútuo e do acordo. Nesse trajeto a

comunicação assume um status privilegiado e fundamental na obtenção do consenso social. Mudança de paradigma Habermas constrói sua teoria da racionalidade comunicativa a partir da crítica que dirige ao pensamento dos modernos, de Descartes a Hegel passando por Kant, marcado pela filosofia da consciência e pela teoria da representação, cuja relação epistêmica fundadora é a do sujeito/objeto ou consciência/mundo. Neste paradigma, há um sujeito cognoscente reflexivo que se postura frente ao mundo visando seu objeto cognoscível e representando-o por meio da linguagem. Enquanto os conceitos básicos da filosofia da consciência obrigarem a compreender o saber exclusivamente como um saber sobre algo no mundo objetivo, a racionalidade é medida pela maneira como o sujeito solitário se orienta pelos conteúdos de suas representações e de seus enunciados. (HABERMAS, 2000, p.437). Habermas assume uma postura divergente em relação a esse paradigma epistemológico ao propor o diálogo e a comunicação que buscam o consenso, no lugar do sujeito cartesiano solitário que não se constituí a partir de interações sociais. Em O futuro da natureza humana, Habermas afirma que: A subordinação ao consenso transforma a ação orientada por considerações egocêntricas em ação comunicativa (HABERMAS, 2004b, p.73). Ao rever essa teoria da reflexão dos modernos, Habermas afirma que até mesmo nesse modelo, o sujeito acaba por ser dialógico nas relações que estabelece consigo mesmo. Em sua auto-relação epistemológica o sujeito cognoscente tem uma atitude reflexiva em relação as suas crenças e convicções. Em sua auto-relação técnico-prática o sujeito atuante tem uma atitude reflexiva em relação a sua própria atividade que intervêm no mundo objetivo. E em sua auto-relação prático-moral o agente comunicativamente atuante tem uma atitude reflexiva em relação às suas ações reguladas. Então, Habermas observa

que, no fundo, esta reflexão não paira no vácuo de uma interioridade isenta de comunicação, pois que a própria reflexão se deve a uma relação dialógica prévia, ou seja, o sujeito cognoscente dialoga consigo mesmo. Em realidade, não há um conhecimento que brote da interioridade da consciência subjetiva, independentemente das relações sociais de construção de um consenso acerca da verdade. Ao contrário, as crenças, ações e expressões surgem a partir de um mundo intersubjetivamente compartilhado. A reflexão se dá necessariamente com o outro, porque cada uma das auto-relações acontece por meio da interiorização da perspectiva dos outros participantes na comunicação. Assim, no fundo, o sujeito reflexivo dialoga com uma segunda pessoa em discurso: empíricos, teóricos, pragmáticos, morais ou éticos que participaram da constituição de sua própria subjetividade. Em contrapartida, assim que concebemos o saber como algo mediado pela comunicação, a racionalidade encontra sua medida na capacidade de os participantes responsáveis pela interação orientarem-se pelas pretensões de validade que são assentadas no reconhecimento intersubjetivo. A razão comunicativa encontra seus critérios nos procedimentos argumentativos de desempenho diretos e indiretos das pretensões de verdade proposicional, justeza normativa, veracidade subjetiva e adequação estética. (HABERMAS, 2000, p.437). Em suma, Habermas crítica o paradigma kantiano de subjetividade e propõe uma filosofia da comunicação baseada em um viés lingüístico que promove a transição da reflexão monológica para a elaboração dialógica das verdades práticas. Esta mudança de paradigma lança sobre novos fundamentos a compreensão que se tem da razão, do ser humano e da sociedade, deixa de lado o paradigma da consciência e propõe que a racionalidade não depende diretamente do sujeito, mas da intersubjetividade que, por sua vez, pressupõe necessariamente a comunicação. As três raízes da racionalidade: epistemológica, teleológica e comunicativa

Desde Aristóteles, com a distinção entre o saber teórico e o saber prático, passando por Kant com a Crítica da razão pura e a Crítica da razão prática, as dimensões epistemológica do conhecimento e teleológica da ação foram tradicionalmente reconhecidas como sendo racionais. Entretanto, somente no mundo contemporâneo, a partir da virada lingüística e da afirmação da função comunicativa da linguagem, é que a dimensão comunicativa torna-se, reconhecidamente, parte integrante da racionalidade humana. Trata-se de uma dimensão esquecida pela tradição que acabou por privilegiar o conhecimento e a prática, embora a dimensão comunicativa da razão já estivesse presente no conceito de logos como palavra/pensamento. Essa racionalidade comunicativa lembra as mais antigas representações do logos, na medida em que comporta conotações de capacidade que tem um discurso de unificar sem coerção e instituir um consenso no qual os participantes superam suas concepções inicialmente subjetivas e parciais em favor de um acordo racionalmente motivado. (HABERMAS, 2000, p.438). Contrariando a tradição, a partir da identificação de uma intersubjetividade comunicativa e da crítica a teoria da consciência e da representação, Habermas apresenta a teoria tripartida da racionalidade que comporta as raízes epistemológica, teleológica e comunicativa. O ser humano conhece, age e fala e o predicado racional se refere às crenças do conhecimento, às ações e às expressões lingüísticas. Dito de outro modo, o sujeito cognoscente e agente, agora é também falante e assim, revela a estrutura tripartida da racionalidade: a estrutura proposicional do conhecimento, a estrutura teleológica da ação e a estrutura comunicativa do discurso. Não há uma relação hierárquica entre as três estruturas, embora a racionalidade comunicativa faça a interligação entre as três: Não obstante, esta racionalidade comunicativa mantém-se ao mesmo nível que a racionalidade epistemológica e teleológica, não constituindo a estrutura dominante da racionalidade mas sim uma das três estruturas nucleares que estão, contudo interligadas entre si pela racionalidade discursiva que resulta da racionalidade comunicativa. (HABERMAS, 2002, p. 185).

A racionalidade epistemológica é voltada para conhecimento. O conhecimento humano formado por proposições que podem ser verdadeiras ou falsas dependendo de sua aceitabilidade justificada num dado contexto possui uma estrutura proposicional que lhe confere uma natureza intrinsecamente discursiva. Conhecer algo implica em poder justificar discursivamente as pretensões de verdade correspondentes. Esse conhecimento também pode ser corrigido e expandido pela experiência e a reflexão acerca das ações práticas pode levar a renovação do consenso epistêmico, isto porque o ser humano é capaz de apreender com suas ações práticas e experiências, como bem assinalam Pierce e o pragmatismo. Portanto, dependente de sua incorporação no discurso e na ação, a racionalidade epistemológica não é uma estrutura auto-sustentada, mas surge interligada com a utilização da linguagem e da ação. A racionalidade teleológica é voltada para a ação orientada para a obtenção de fins. Toda a ação é intencional, e definida por Habermas como a concretização de uma intenção de um agente que escolhe e decide livremente (HABERMAS, 2002, p. 190). Sua estrutura é teleológica porque toda açãointenção tem por finalidade alcançar um objetivo preestabelecido. A racionalidade teleológica está interligada com as duas outras estruturas nucleares do conhecimento e do discurso. As considerações práticas de um plano de ação racional dependem da obtenção de informação fiável acerca dos acontecimentos do mundo e do comportamento de outros agentes. Informações que são processadas de forma inteligente quando usam o meio da representação lingüística. Assim, as ações-intenções são linguisticamente estruturadas. Tal como o conhecimento proposicional depende da utilização de frases proposicionais, também a ação intencional depende essencialmente da utilização de frases intencionais. Assim, a racionalidade teleológica também depende das outras estruturas, epistêmica e comunicativa. Tanto a racionalidade epistemológica como a racionalidade teleológica utilizam a linguagem. A partir da chamada virada lingüística, a linguagem revelou sua dimensão comunicativa para além da consagrada dimensão representativa. Portanto, ao utilizarem a linguagem de modo necessário, as

estruturas epistemológicas e teleológicas da racionalidade dependem da estrutura comunicativa para efetivarem-se. Com a racionalidade epistemológica do conhecimento, a racionalidade teleológica da ação e a racionalidade comunicativa do entendimento ficamos a conhecer três aspectos autônomos da racionalidade que estão interligados por meio comum da linguagem. (HABERMAS, 2002, p. 214). Habermas pretende resgatar o projeto e o programa originais da escola de Frankfurt que, segundo o filósofo, foram abandonados a partir da década de 40 em função de uma crítica pessimista e exagerada dirigida à razão instrumental, e herdeira dessa corrente de pensamento e alinhada, portanto, a teoria crítica, encontra-se a extensa obra do filósofo alemão Jürgen Habermas (SANTAELLA, 2001, p.40). Em sua teoria da racionalidade comunicativa, o filósofo se esforça por estabelecer a dimensão comunicativa da razão e uma visão moderna de sociedade. Por racionalidade entendemos, antes de tudo, a disposição dos sujeitos capazes de falar e de agir para adquirir e aplicar um saber falível (HABERMAS, 2000, p.437). Habermas defende um projeto em que a racionalidade mantenha-se presente e atuante e, para tanto, propõe uma mudança de paradigma racional, elegendo a Razão Comunicativa como parte integrante da racionalidade humana ao lado da estrutura do saber (epistemológica) e da estrutura da atividade orientada a fins (teleológica). Neste momento, a comunicação passa a assumir um papel fundamental na constituição da racionalidade que ao lado das dimensões epistêmica e teleológica formam a estrutura tripartida da racionalidade humana. Racionalidade Comunicativa A filosofia da consciência e da subjetividade dos modernos reconhece a função representativa da linguagem, embora não assuma que é possível a

utilização comunicativa das expressões lingüísticas. Isso somente ocorre a partir da chamada virada linguística. Essa guinada linguística (HABERMAS, 2002b, p.53-58), ao colocar a linguagem no centro das questões filosóficas, possibilita a passagem do paradigma da filosofia da consciência para o da filosofia da linguagem e propicia as condições para que se afirme que a linguagem não serve apenas para representar, mas tem também uma função comunicativa. Pois a linguagem presta-se tanto à comunicação como à representação; e o proferimento lingüístico é, ele mesmo, uma forma de agir que serve ao estabelecimento de relações interpessoais. (HABERMAS, 2004a, p.09). Com esta nova tônica alargou-se o horizonte de análise da linguagem e passou-se a focar a atenção na linguagem enquanto forma de comunicação, isto é, enquanto uso de sentenças com a intenção comunicativa. Ora, quando de usa sentenças com uma intenção comunicativa, busca-se necessariamente alcançar um entendimento. (ARAGÃO, 1997, p.29). Essa guinada ocorre a partir de Wittgenstein (1996), Habermas nos diz: afirmo então que nem Quine nem Carnap assumem um novo paradigma, mas que o único que faz isso, pelo menos a princípio, é Wittgenstein em seu Tractatus (HABERMAS, 2004 p.45). Em sua teoria do significado como uso, Wittgenstein recorre aos contextos de interação habituais em que as expressões lingüísticas servem funções práticas: Para Wittgenstein, o sentido das frases está preso à forma como são utilizadas na linguagem quotidiana; para ser mais preciso, às regras que especificam seu uso socialmente aceitável. Ao ligar o sentido às regras que governam a interação social, Habermas inaugura a transição da semântica da verdade condicional para a semântica comunicativa. (INGRAM, 1994, p.62). Segundo Freitag (1992, p.238), Habermas adere à virada lingüística ao tratar da linguagem não como um sistema lingüístico autônomo, mas como um meio no qual se realizam interações linguisticamente mediadas e socialmente utilizadas. Para Santaella (2001, p.20) quando os lingüistas discutem a função

comunicativa da linguagem, nisso fica implicado que a linguagem pode também ser usada com funções não comunicativas, e completa dizendo que alguns consideram a comunicação como a função central da linguagem. Portanto, a linguagem, além de seu poder de representação do mundo, possui a capacidade de comunicação dessa representação para o outro. A relação agora é tríade: com seu ato de fala, o falante procura se entender a respeito de algo com o ouvinte. Segundo Mílovic Habermas segue a teoria de Searle dos atos de fala. O ato de fala é a unidade primeira da comunicação, quer dizer, toda a comunicação pressupõe atos de fala (MÍLOVIC, 2002, p.196). Para o modelo da intersubjetividade ocorre a superação do dualismo sujeito e objeto, estruturante do paradigma da consciência em que bastava representar algo por meio da linguagem. No uso comunicativo da linguagem trata-se de entender-se com alguém a respeito de algo, inserindo-se assim, a dimensão social da intersubjetividade: aquele que comunica, comunica algo para alguém. Entender-se com alguém a respeito de algo, isto é, o entendimento mútuo é o objetivo da racionalidade comunicativa. Com seu ato de fala, o falante procura atingir o seu objetivo de conseguir a comunicação com o ouvinte a respeito de algo (HABERMAS, 2002, p.193). Habermas chama este objetivo de ilocutório e atribui a ele dois níveis: a compreensão e a aceitação. Primeiro, o ato de fala deve ser compreendido pelo ouvinte; segundo, e se possível ser aceito pelo ouvinte. Portanto, o sucesso ilocutório do falante depende do ato de fala ser suficientemente compreensível e aceitável pelo ouvinte. O falante gostaria que o interlocutor aceitasse aquilo que ele diz como válido, o que é decidido pelo sim ou não do interlocutor à pretensão de validade daquilo que é dito, suscitada pelo falante através do seu ato de fala. Aquilo que torna a proposta do ato de fala aceitável são, em última análise, as razões que o falante poderia apresentar, no contexto dado, para a validade daquilo que é dito. A racionalidade inerente à comunicação reside assim na ligação interna entre (a) as condições que tornam o ato de fala válido, (b) a pretensão apresentada pelo falante de que estas condições estão satisfeitas e (c) a credibilidade da garantia emitida pelo falante para que o fato de

poder, se necessário, justificar discursivamente a pretensão de validade. (HABERMAS, 2002, p. 194). Habermas também observa que o objetivo do falante não é alcançado de modo causal, pois os participantes na comunicação têm a liberdade de, mesmo compreendendo, poder dizer não ao que é dito, ou seja, o ouvinte tem a liberdade de não aceitar o que é dito pelo falante. O sucesso ilocutório de um ato de fala, além de indicar a racionalidade da utilização da linguagem orientada para se conseguir um entendimento, também indica a responsabilidade dos participantes da interação nos processos de entendimento: o que está em jogo nos processos de intercompreensão é a questão ética de reconhecimento recíproco dos participantes da interação, de forma que o sentido da prática comunicativa estaria situado sob um pressuposto geral de responsabilidade. (FERRY, 2007, p. 41). Enfim, na teoria habermasiana, a razão comunicativa é unificadora da fala orientada ao entendimento mútuo (HABERMAS, 2003, p.164), em que a consciência solitária do paradigma anterior é substituída pelo mundo social intersubjetivamente partilhado no qual os participantes da discussão podem alcançar o consenso acerca do que é verdadeiro. Entendimento mútuo, consenso e verdade A intenção comunicativa da racionalidade, naturalmente, busca alcançar o entendimento mútuo porque pressupõe a dimensão social da intersubjetividade inerente a todo agir comunicativo: com seu ato de fala, o falante procura se entender a respeito de algo com o ouvinte. Esta racionalidade comunicativa expressa-se na força unificadora do discurso orientado para o entendimento, que assegura aos falantes participantes no ato de comunicação um mundo da vida intersubjetivamente partilhado

(HABERMAS, 2002, p.192). Segundo Luís Carlos Lopes (LOPES, 2003a, p.169) entendimento mútuo significa um diálogo aceito por todos os partícipes, por meio da negociação, o que Habermas chama de entendimento mútuo, baseado no respeito entre as parte envolvidas. Ao propor o modelo da racionalidade comunicativa em substituição ao modelo que funda a verdade em juízos privados do sujeito cognoscente, o objetivo fundamental é o entendimento mútuo que leva ao consenso. Como exigências são colocadas para reconhecimento intersubjetivo; daí que a autoridade pública de um consenso alcançado discursivamente, sob condições de poder dizer não ao final, não pode ser substituída pelos juízos privados dos indivíduos que sabem mais. (HABERMAS, 2002a, p.106) É importante notar que não se trata de um consenso absoluto e universal em que toda a sociedade está em acordo, mas de consensos estabelecidos por pessoas, grupos, comunidades e setores da sociedade em determinados momentos, segundo determinados interesses e de forma dinâmica e dialógica. Consenso que se põe como uma tarefa infinita, um processo constante de sua realização (DUTRA, 2005, p. 10). O entendimento mútuo pressupõe o reconhecimento das pretensões de validade em um mundo social e também objetivo. Segundo Souza, Habermas vai buscar apoio no mundo da vida cotidiana (Lebenswelt), onde aquele alcance (verdade) seria assumido na prática, e onde ele seria imprescindível e inevitável para o funcionamento dos negócios humanos (SOUZA, 2005, p. 20). Habermas também faz uma distinção entre a ação comunicativa no sentido fraco (apenas pretensões de verdade e sinceridade do falante) e a ação comunicativa no sentido forte (acrescenta as pretensões de correção intersubjetivamente reconhecidas). Subjacente a ação comunicativa no sentido fraco está pressuposto um mundo objetivo que é o mesmo para todos. No sentido forte os participantes contam para, além disso, com um mundo social que intersubjetivamente partilham.

Ao estabelecer uma relação intersubjetiva entre falante e ouvinte, o ato de fala está ao mesmo tempo numa relação objetiva com o mundo. Se concebermos entendimento mútuo como o telos inerente à linguagem, impõe-se a co-originalidade de representação, comunicação e ação. Uma pessoa entende-se com outra sobre alguma coisa no mundo. Como representação e como ato comunicativo, o proferimento lingüístico aponta em duas direções ao mesmo tempo: o mundo e o destinatário. (HABERMAS, 2004, p. 09). É importante notar que há uma sutil diferença entre o entendimento mútuo e o acordo. O entendimento mútuo acontece quando o ouvinte reconhece que as razões do falante são boas para ele (o falante) sob certas circunstâncias dadas, entretanto, não se apropria delas como sendo as suas (do ouvinte). O acordo ou consenso somente é alcançado quando os participantes do ato de comunicação aceitam uma pretensão de validade pelas mesmas razões. Então, o acordo somente surge quando as razões de justificação da validade são compartilhadas pelos envolvidos no ato de fala. O reconhecimento intersubjetivo motivado pelas mesmas razões faz surgir um acordo sobre um fato, estabelecendo-se, assim, o consenso acerca da verdade. O falante apresenta uma pretensão de verdade relativamente àquilo que é dito. O ouvinte apenas assumirá então uma posição afirmativa a este respeito (não interessa quão implicitamente) se considerar aquilo que é dito como justificado ou, pelo menos, encarar a garantia do falante como credível no sentido em que, se necessário, poderia convencer do fato declarado com base em razões sólidas. (HABERMAS, 2002, p. 198). A verdade surge de um acordo advindo do entendimento mútuo acerca das pretensões de validade 3 justificadas discursivamente. As pretensões de verdade devem ser justificadas discursivamente aos outros em um fórum público de argumentação. 3 Para Habermas (2002, p. 194) existem três tipos de pretensões de validade: pretensões de verdade referentes ao fatos do mundo objetivo, pretensões de sinceridade referentes as experiências subjetivas do emissor e pretensões de correção referentes as normas e ordens. Como a questão tratada neste artigo é epistemológica a pretensão de validade aqui diz respeito, prioritariamente, as pretensões de verdade.

A verdade e a validade em geral não cessam, consequentemente, de ser um jogo, até nas comunicações ordinárias, já que elas devem se prolongar reflexivamente nas discussões, o que supõe o desenvolvimento de argumentos. (FERRY, 2007, p.41). Nesse sentido, a obtenção da verdade somente pode ser acordada quando a função comunicativa da linguagem é exercida com sucesso. O sucesso ilocutório de um ato de fala é proporcional ao reconhecimento intersubjetivamente atribuído à pretensão de validade que apresenta (HABERMAS, 2002, p. 195). Ao discorrer sobre o entendimento mútuo, chegase ao momento principal da questão epistemológica da racionalidade comunicativa para a obtenção da verdade. A conseqüência epistemológica, ao se passar do modelo da consciência para o modelo da linguagem, é que verdade deixa de ser compreendida como correspondência entre idéia e fatos e passa a ser compreendida como coerência do discurso, porque a ênfase agora é dada a dimensão comunicativa da linguagem que gera o consenso. Em A ética da discussão e a questão da verdade Habermas afirma que: O conceito de conhecimento como representação é indissociável do conceito de verdade como correspondência. Não podemos abrir mão do primeiro sem perder também o segundo. Se a linguagem e a realidade se interpenetram de uma maneira que para nós é indissociável, a verdade de uma sentença só pode ser justificada com a ajuda de outras sentenças tidas como verdadeiras. Esse fato aponta para uma concepção antifundacionista do conhecimento e da justificação e, ao mesmo tempo, para a noção de verdade como coerência. (HABERMAS, 2004a, p.59). Portanto, no novo paradigma não basta apenas, por meio da representação, dar a entender que algo é verdadeiro condição suficiente para paradigma da subjetividade e da consciência o que importa em uma ação comunicativa é chegar ao entendimento mútuo acerca de algo e se possível alcançar um consenso acerca da verdade. É só na qualidade de participantes de um diálogo abrangente e voltado para o consenso que somos chamados a exercera a virtude cognitiva. (HABERMAS, 2004a, p.10). Dito de outro modo,

o falante realiza um ato de fala a respeito de algo, o ouvinte compreende e aceita, o entendimento mutuo se estabelecesse acerca da validade racional do ato de fala. Em sentido restrito, a verdade acerca deste algo surge como um acordo entre o falante e o ouvinte que compartilham as mesmas razões e assim, reconhecessem a validade racional do que é dito e do ato. Neste momento, a comunicação exerce sua função epistemológica no processo de obtenção do conhecimento verdadeiro. Sem a função comunicativa da linguagem, ao lado de sua função representativa, o consenso não seria possível e o conhecimento verdadeiro não surgiria. Conhecimento e renovação do saber consensual A verdade não é absoluta e única, mas mutável e dinâmica porque advinda do processo dialógico que a constante inovação da sociedade estabelece em sua teia de relações comunicativas. Do mesmo que, não apenas o objeto das Ciências Sociais é dinâmico e mutável, mas também as verdades e comprovações produzidas por esta ciência (LOPES, 2003, p.37) em função das novas condições histórico-sociais e de novos objetos. Discutindo com a obra de Adorno (HABERMAS, 1980) acerca do tema da não-identidade, Habermas, assim como Adorno, se distancia da filosofia da identidade pertencente, notadamente, à tradição hegeliano-marxista (FREITAG e ROUANET, 1980, p.35-45). Esta filosofia da identidade tem por postulado epistemológico a idéia de um saber absoluto. O absoluto para Hegel (1989) estaria na origem e no fim da história, e a história nada mais seria do que o trajeto de desenvolvimento do absoluto original rumo ao encontro de si mesmo. O verdadeiro é o todo. Mas o todo é somente a essência que atinge a completude por meio de seu desenvolvimento. Deve-se dizer do Absoluto que ele é essencialmente resultado e que é o que na verdade é apenas no fim. (HEGEL, 1989, p.17). O mero desenvolvimento daquilo que já é no início, exclui a possibilidade do advento do verdadeiramente novo. Portanto, em um sistema em que tudo já é dado, o fim já está contido na origem e a história é o mero desdobramento daquilo que já é, o verdadeiramente novo não faz sentido.

Enquanto conceito filosófico, o postulado da identidade supõe a idéia de um fim já presente na origem (a essência preexistindo à existência) o que funda uma concepção da história que exclui o verdadeiramente novo: a história enquanto mero desdobramento das virtualidades do Espírito (ou de Deus) é simplesmente o trajeto pelo qual o homem se torna aquilo que é. (FREITAG e ROUANET, 1980, p.41). Essa impossibilidade do surgimento do novo é algo incompatível com a idéia habermasiana de um saber comunicativo, porque este saber é obtido em um processo de interação dos que buscam a validação consensual da verdade de seus saberes (INGRAM, 1994, p.99-101). No processo de obtenção do saber comunicativo o novo é produzido gradativamente a cada renovação do consenso. Embora não seja o absolutamente novo criado a partir do nada, mas surgido a partir de alguma realidade preexistente. Em escritos mais antigos Habermas já se referia à prática comunicativa como necessária à execução, manutenção e renovação de um consenso. Assim, ação comunicativa tem o poder renovar o consenso social. a consecução, manutenção e renovação de um consenso que repousa sobre o reconhecimento intersubjetivo das pretensões de validez susceptíveis de crítica (HABERMAS, 1987, p.37). No processo de obtenção e renovação do consenso o fim não é conhecido nem existente desde o início, nesse processo intersubjetivo e comunicativo, gradualmente, a novidade surge, sem modelos pré-concebidos tanto na esfera das forças produtivas quanto na esfera da interação comunicativa. No âmbito comunicativo o novo é produzido em direção às formas de convivência cada vez menos dominadoras segundo as exigências de um projeto emancipatório cada vez mais próximo do modelo de ação comunicativa pura, isto é, de um modelo de interação social caracterizada pela eliminação de todas as formas de coação externa e interna. Trata-se de uma situação utópica que remete a uma ordem social ainda inexistente, mas que poderia lançar as bases de um novo consenso, distinto do consenso deformado de hoje baseado em ações estratégicas que somente visam o poder. O pensamento habermasiano não despreza o novo e dá

ensejo a pensar a realidade social como espaço em que o novo surge a partir dos processos comunicativos. Considerações finais Em suma, ao lado da racionalidade epistemológica e teleológica surge a racionalidade comunicativa a partir da virada lingüística e da consagração da função comunicativa da linguagem para além de sua já reconhecida função representativa. Isso significa que o racional depende da comunicação para efetivar-se no mundo social e objetivo e que, portanto, também a ciência e o conhecimento possuem em sua gênese uma racionalidade comunicativa que participa de sua constituição. Epistemologicamente falando, primeiro, a comunicação, como uma das três raízes da racionalidade, é uma das fontes primeiras ou ponto de partida de todo conhecimento; segundo, participa do processo que faz com que os dados do mundo objetivo se transformem em juízos ou afirmações acerca de algo que são comunicados a alguém; terceiro, promove a transição do antigo papel do sujeito cognoscente frente ao objeto cognoscível para uma intersubjetividade compartilhada que por meio do acordo e do entendimento mútuo estabelece as condições do conhecimento verdadeiro; quarto, o conhecimento novo surge por meio da renovação do consenso; e por fim, propõe uma epistemologia politizada cuja busca pela verdade está submetida às condições sociais que geram o acordo que a define. Segundo Rorty: Habermas quer, então, substituir essa tradição por algo de maior utilidade social, algo que ele chama de uma filosofia da intersubjetividade. (...) Essa filosofia da intersubjetividade encontrase centrada numa característica prática das sociedades liberais a de tratar como verdadeiro seja lá o que for que possa ser acordado durante uma discussão livre e desconsiderar a questão referente à existência de algum objeto metafísico ao qual o resultado dessa discussão corresponda ou não. Esse tipo de filosofia politiza a epistemologia, no sentido de considerar que o que importa na busca pela verdade são as condições sociais (e, em particular, as políticas)

sob as quais essa busca é realizada, e não a natureza interior profunda dos sujeitos que empreendem a busca. (RORTY, 2005, p.386-387). A teoria da racionalidade comunicativa em Habermas tem por paradigma a filosofia da intersubjetividade em que as condições sociais são fundamentais para se alcançar a verdade obtida pelo consenso advindo do entendimento mútuo, que por sua vez somente é possível porque existe a dimensão comunicativa da racionalidade. Essa teoria também pode também servir como aporte para a elaboração de uma epistemologia da comunicação que privilegia os aspectos sociais das relações entre conhecimento e comunicação que propiciam condições para o surgimento de novos saberes. BIBLIOGRAFIA ARAGÃO, Lucia M. C. Razão comunicativa e teoria social crítica em Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. DUTRA, Delamar, J. V. Razão e consenso em Habermas. Florianópolis: Editora de UFSC, 2005. FERRY, Jean-Marc. Filosofia da comunicação. São Paulo: Paulus, 2007. FREITAG, Bárbara. Itinerários de Antígona: a questão da moralidade. Campinas: Papirus, 1992. FREITAG, B. et ROUANET, P. (Orgs). Habermas: sociologia. São Paulo: Ática, 1980. HABERMAS, Jürgen. Theodor W. Adorno Pré-história da subjetividade e auto-afirmação selvagem. In: FREITAG E ROUANET (Orgs). Habermas: sociologia, São Paulo: Ática, 1980. HABERMAS, Jürgen. Teoria de la accion comunicativa. Madrid: Taurus, 1987. HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2000. HABERMAS, Jürgen. Racionalidade e comunicação. Lisboa: Edições 70, 2002. HABERMAS, Jürgen. Agir comunicativo e razão destranscendentalizada. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002a. HABERMAS, Jürgen. O pensamento metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002b.

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