Processos de formação de palavras nos nomes de fantasia



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Transcrição:

Processos de formação de palavras nos nomes de fantasia Carlos Genésio de Oliveira Seixas e Francisco Eduardo Vieira da Silva * 23 Resumo Neste artigo serão demonstrados alguns mecanismos empregados por publicitários, profissionais de marketing e lojistas em geral, ao criarem o nome de um estabelecimento comercial. O corpus é formado por 28 nomes de fantasia extraídos de shopping centers da Região Metropolitana do Recife. A análise é baseada em Alves (1994), Carvalho (1989), Kehdi (1999), Sandmann (1993) e Silva e Koch (1997). Analisamos o processo de formação de tais nomes com o intuito de mostrar um dos inúmeros usos da morfologia em nosso cotidiano. Na área do Direito Comercial, nos deparamos com a expressão nome de fantasia, que deve ser entendida como o nome que se dá ao estabelecimento comercial, ou a um local de atividades (Führer 1993:39). O referido termo, além de individualizar a atividade comercial desenvolvida, serve também para atrair o consumidor aos produtos e serviços oferecidos. Partindo dessa premissa e em função do ramo de atividade explorado, os profissionais de marketing e lojistas em geral realizam um verdadeiro trabalho criativo quando combinam elementos lingüísticos para a identificação de seus estabelecimentos comerciais. Não poderia ser diferente nos shopping centers, onde os comerciantes devem pôr à disposição dos consumidores a mais variada gama de produtos e serviços. Esta pesquisa tem como objetivo analisar os processos de formação dos nomes de fantasia, buscando a correlação com os já conhecidos mecanismos de formação de palavras da língua portuguesa. O corpus, composto de 28 itens 1, foi escolhido após coleta e seleção de nomes de lojas e quiosques encontrados nos principais shopping centers da Região Metropolitana do Recife (Shopping Boa Vista, Guararapes, Plaza Casa Forte, Recife e Tacaruna). A escolha de nomes de fantasia, como o material da pesquisa, deve-se ao uso hábil e inteligente que se faz da língua quando se nomeia um estabelecimento comercial. Além disso, a criação desses nomes é uma das inúmeras provas do uso dos aspectos morfológicos no nosso linguajar cotidiano. Alguns desses nomes, possuindo um alto grau de difusão perante a população, deixam de designar apenas o estabelecimento ao qual se referem e incorporam um novo sentido à sua forma, passando, assim, a fazer parte do vocabulário coloquial de uma determinada comunidade 2. * Trabalho realizado na disciplina Língua Portuguesa IV, sob orientação da Profª. Angela Paiva Dionisio, em 1999.1 1 A lista dos componentes do corpus, com seus respectivos logotipos, encontra-se em anexo. 2 É o caso da rede de supermercados Bompreço. Em determinadas áreas do Estado de Pernambuco, algumas pessoas utilizam a expressão fazer bompreço como sinônimo de fazer compras, designando o ato de comprar alimentos em qualquer supermercado.

24 Os pressupostos teóricos utilizados na análise derivam dos conceitos expostos por Alves (1994), Carvalho (1989), Kehdi (1999), Sandmann (1993) e Silva e Koch (1997), em cujos livros encontramos estudos morfológicos sobre os mecanismos de formação de vocábulos no português brasileiro. Tais obras nos levaram a classificar os elementos componentes do corpus em quatro categorias básicas: (a) composição, (b) derivação, (c) onomatopéia, (d) decalque. 1. Formação de palavras na língua portuguesa O léxico da língua portuguesa é formado basicamente por palavras de origem latina (em sua maioria); unidades léxicas provenientes de outras línguas (empréstimos lingüísticos); e palavras criadas dentro da própria língua. Assim, a ampliação do vocabulário da nossa língua ocorreu, e vem ocorrendo, por intermédio de dois mecanismos formadores de palavras: a derivação e a composição. O primeiro mecanismo refere-se àquelas palavras cuja formação se dá através de afixos (prefixos e/ou sufixos) atrelados a um radical. As derivações dividem-se em: prefixal, que ocorre quando o afixo ligado à palavra base é um prefixo (infeliz); sufixal, que ocorre quando esse afixo é um sufixo (felizmente); parassintética, quando um prefixo e um sufixo agregam-se ao radical simultaneamente (esclarecer); regressiva, quando a formação da palavra derivada ocorre através da eliminação do sufixo (suposto ou real) da palavra base (o substantivo agito derivando-se do verbo agitar); e imprópria, ocorrendo nas palavras que passam de uma classe gramatical a outra sem aparentar mudanças formais (brilhante de adjetivo a substantivo). Já o segundo mecanismo a composição contém os vocábulos formados a partir de bases distintas já existentes. Se essas bases forem justapostas, sem a perda de nenhum elemento que as constitui, ocorrerá a composição por justaposição (pãode-ló, passatempo). Do contrário, havendo a fusão das duas palavras num todo fonético, verificar-se-á uma composição por aglutinação (aguardente = água + ardente, planalto = plano + alto). Outros processos também contribuem para a ampliação do vocabulário da língua portuguesa: a onomatopéia, que cria palavras cujo significante é ligado à percepção dos sons de seres animados ou objetos (tique-taque, cacarejar, zumbido); a reduplicação (ou redobro), que consiste na repetição da sílaba radical de um vocábulo (Kehdi 1999:59) e apresenta-se nos nomes de parentesco na linguagem infantil e nos hipocorísticos (titio, Dudu); o hibridismo, que se refere ao processo de junção de elementos provenientes de duas línguas diferentes (televisão = tele + visão, grego e latim, respectivamente); a abreviação, que se refere à forma reduzida de um vocábulo (foto = abreviação de fotografia); e, por fim, a sigla, mecanismo em que longos títulos ficam reduzidos às letras iniciais das palavras que os constituem (Kehdi 1999:51), como no caso de CAC (Centro de Artes e Comunicação). 2. Análise dos processos de formação dos nomes de fantasia A pesquisa demonstrou que, entre os processos de formação de palavras, o que se apresentou de maneira mais produtiva foi o mecanismo de composição. Esse pro- 3 Os nomes de fantasia estão numerados para facilitar a localização de seus respectivos logotipos no anexo.

cesso esteve presente em 18 dos 28 nomes de fantasia catalogados. Encontramos, ainda, cinco nomes produzidos por derivação, 04 formados por onomatopéia, e apenas uma ocorrência por decalque. 25 2.1. O mecanismo de composição nos nomes de fantasia a) por justaposição de bases vernáculas No nome de fantasia SODILER (01) 3, referente a uma livraria, ocorreu a presença do advérbio só (= apenas), da preposição de e da forma infinitiva do verbo ler. Esses elementos foram justapostos com o intuito de criar um novo vocábulo que nos propiciasse a idéia, por intermédio de recursos fonológicos e semânticos, de que aquele estabelecimento destina-se à venda de livros (seu produto principal). Assim, Só para ler transformou-se em Só de ler (uso coloquial) através da permutação da preposição para por de, e posteriormente, com o objetivo de facilitar a memorização do nome, a lexia complexa foi transformada em um único vocábulo, utilizando-se da mudança morfofonêmica da vogal e (da preposição) pela vogal i. De maneira similar, uma lanchonete foi designada pelo nome de fantasia BONQUISSÓ (02): a expressão bom que só, bastante comum no português coloquial e composta ortograficamente de três vocábulos, transformou-se em apenas um. Para que houvesse coerência com o sistema ortográfico da língua, foram necessárias algumas mudanças: a consoante m foi substituída pela n, devido à letra q, que a sucedia; a vogal e foi transformada em i (da mesma forma que no exemplo anterior); e a consoante s foi dobrada, por se encontrar entre duas vogais. O mecanismo da justaposição foi utilizado também para criar o nome de uma loja de linhas, rendas e derivados. Nesse caso, a preposição entre justaposta ao substantivo plural linhas, originou o nome ENTRELINHAS (03). Diferencia-se dos exemplos anteriores porque o vocábulo criado encontra-se dicionarizado, entretanto com outro sentido, pois o nome formado transmite a idéia de estarmos no meio de linhas, ou melhor dizendo, entre linhas. Portanto, nos dois primeiros casos houve um neologismo sintático e, no segundo, semântico. Elementos de bases vernaculares também foram empregados de maneira justaposta na formação dos nomes AKYDISCOS (04) (loja de CDs e artigos similares), KIBON (05) (quiosque de venda de sorvetes), KI-TANGA (06) (loja de moda praia) e SAKAPRAIA (07) (loja de confecção esportiva e para praia). Para as referidas criações, atualizaram-se então, respectivamente: o advérbio de lugar aqui com o substantivo plural discos; a conjunção que com o adjetivo bom; a conjunção que com o substantivo tanga; e a forma verbal saca com o substantivo praia. Utilizando-se de recursos visuais, o dígrafo qu e a consoante c foram substituídos pela letra k (inexistente no alfabeto português), a vogal i foi substituída pela letra y (também inexistente no nosso alfabeto), a vogal e foi trocada pela vogal i, e a consoante m do adjetivo bom foi trocada pela letra n, traço incomum no final de palavras portuguesas. Dessa forma, o uso de letras ou combinação de letras que chamamos de exóticas ou de estranhas, porque não fazem parte do nosso sistema ortográfico comum (Sandmann 1993:52), tornou diferenciados os nomes de fantasia criados. b) por aglutinação de bases vernáculas Para designar uma clínica odontológica foi utilizado o processo de composição por aglutinação, levando a frase imperativa Me escove 4 a originar o nome MISCOVE (08). Para tal, as vogais e fundiram-se num todo fonético e foram permutadas com a

26 vogal i. Fato parecido ocorreu na composição do nome de fantasia TRAJESPAÇO (09), designação de uma loja de roupas: os substantivos traje e espaço transformaram-se no referido nome, com a crase das vogais e. Na designação de uma farmácia de manipulação, cujos produtos são, geralmente, destinados à pele, aglutinaram-se as palavras pharmácia (forma arcaica de farmácia) e pele. Da primeira, foram mantidas apenas suas duas primeiras sílabas e, da segunda, a palavra por inteiro. Nasceu, assim, o nome de fantasia PHARMAPELE (10). Na criação dos nomes TECNOPÉ (11) (referente a uma loja que trata de problemas nos pés) e BRONTOBURGUER (12) (nome designado a uma lanchonete), o raciocínio foi idêntico: no primeiro, os substantivos tecnologia e pé foram amalgamados, sendo suprimidas as três últimas sílabas do primeiro vocábulo; e no segundo, os substantivos brontossauro 5 e hambúrguer fundiram-se, sendo eliminadas sílabas de ambas as palavras. Finalizando o rol das aglutinações com bases vernáculas, temos o nome de fantasia de uma das lojas que se popularizaram pelos preços únicos de suas mercadorias (geralmente R$ 1,99): PAG LEV (13). Sua formação obedeceu ao seguinte processo: do período pague e leve, composto por duas orações coordenadas imperativas, foi eliminada a conjunção aditiva e; das formas verbais restantes utilizaram-se apenas os radicais. Dessa forma, o criador do nome tentou exprimir a facilidade do ato da compra praticado pelo cliente, fazendo uso, nesse caso, de um slogan bastante comum na publicidade: é pagar e levar 6. c) com bases estrangeiras Detectamos também na formação dos nomes de fantasia alguns elementos de origem não vernácula. Os substantivos phone (telefone) e center (centro, núcleo) e a preposição in, palavras da língua inglesa, foram utilizados da seguinte forma: os dois primeiros vocábulos foram justapostos, designando a loja de aparelhos telefônicos PHONECENTER (14); a preposição foi associada ao substantivo português pacto, nomeando a loja de roupas INPACTO (15). Se nos fixarmos no significado dos componentes dessa última formação, poderemos afirmar que tal nome de fantasia insinua que a loja e seus consumidores estão em pacto um com o outro 7. Mas não só o mecanismo da justaposição foi efetivado: a aglutinação também foi detectada entre os elementos de base estrangeira. Formaram-se através desse processo os nomes de fantasia INFOBOX (16), RAPDOG (17) e NATIBABY (18), designando respectivamente uma loja de informática, uma lanchonete e uma loja de artigos para bebê. No primeiro caso, aglutinaram-se o substantivo informática e o substantivo da língua inglesa box (caixa). No segundo, o adjetivo rápido e o substantivo da 4 A frase Me escove não está gramaticalmente correta, pois, de acordo com a norma culta da língua, a próclise não é permitida no início de orações. 5 O resgate do nome brontossauro deve-se à imagem de um animal pré-histórico junto ao logotipo da lanchonete. 6 Apesar de o nome de fantasia PAG LEV ser composto por duas palavras ortograficamente distintas, classificamolo no processo da aglutinação devido à perda de alguns fonemas da estrutura da frase. De maneira análoga, a expressão lava a jato foi transformada em lava-jato, vocábulo bastante produtivo no português brasileiro contemporâneo. 7 O nome de fantasia INPACTO não será considerado um estrangeirismo se for analisado como uma variação ortográfica do substantivo português impacto. Nesse caso, o motivo da troca da consoante m pela n, na sílaba im, seria idêntico ao da permuta das mesmas consoantes na formação do nome de fantasia KIBON (05). Dessa forma, justifica-se a criação do nome na medida que ele carrega consigo a idéia de que a loja e, conseqüentemente, seus produtos causam um impacto na clientela

língua inglesa dog (cachorro), enfatizando-se com o nome formado o suposto rápido atendimento da lanchonete em questão. E, no terceiro caso, fundiram-se o substantivo próprio Natália 8 (nome da filha de uma das proprietárias da loja) e o substantivo da língua inglesa baby (bebê). 27 2.2. O mecanismo de derivação nos nomes de fantasia a) por prefixação Com o intuito de realçar as qualidades intrínsecas dos produtos de uma loja de brinquedos, o criador do nome de fantasia SUPERBRINQ (19) fez uso de um dos tipos de prefixo chamado intensivo (que indica caráter superior à base a qual se atrela). Logo, o termo super- foi associado ao morfema lexical brinq- (referente a brinquedo). Com isso, tenta-se passar ao destinatário a idéia de que, naquele estabelecimento comercial, os brinquedos vendidos são de melhor qualidade. Também na formação do nome HIPER BOMPREÇO 9 (20) verificamos a presença de outro prefixo intensivo. O criador do nome adicionou Hiper- (prefixo que denota exagero) antecedendo o nome do supermercado Bompreço, para mostrar que a loja nomeada é um grande supermercado, ou seja, que é maior que o supermercado Bompreço. Este último nome é formado pela composição por justaposição do adjetivo bom e do substantivo preço, na tentativa de persuadir os clientes de que os produtos do magazine em questão possuem um bom preço. Sabemos que os nomes de fantasia são uma espécie de mini-propaganda de um estabelecimento. Por isso, vários lojistas, a fim de chamar a atenção dos clientes, criam nomes causadores de um estranhamento imediato, dificultando a compreensão do vocábulo lido. Este jogo com a palavra, ocorreu no nome DZARM (21) (loja de roupas). O cliente em potencial poderia realizar uma primeira leitura, não entendendo o porquê da junção das letras d e z, antecedendo o morfema lexical -arm do verbo armar. Numa análise mais atenta, descobrirá o cliente que essas duas consoantes substituíram o prefixo des- (= negação), muito produtivo na nossa língua, e que o vocábulo criado corresponde a uma mudança ortográfica da forma verbal desarme (-se). b) por sufixação A derivação sufixal ocorreu com um dos sufixos mais comuns na língua portuguesa: o sufixo aumentativo -ão, representado aqui pelo alomorfe -zão. Esse foi acrescentado à palavra som, dando origem ao vocábulo SONZÃO (22). Observa-se também na sua formação a permuta da consoante m pela n. Assim, o nome passou a designar uma loja de aparelhos eletrônicos de suposta boa qualidade, pois uma das idéias inerentes a esse sufixo é a de excelência. c) regressiva O nome de fantasia ARRASO (23), que designa uma loja de roupas, é um exemplo de derivação regressiva. Nele, houve a criação de um novo item lexical pela supressão da desinência -r. Arraso é substantivo deverbal regressivo do verbo arrasar. Assim, tenta-se fazer com que o cliente associe o nome da loja à idéia de maravilha, espetáculo, sentido conotativo do substantivo criado. 8 As informações referentes à origem da partícula Nati- foram fornecidas por uma das funcionárias da loja. 9 Dois processos de formação de palavras foram encontrados no nome de fantasia HIPER BOMPREÇO: a derivação prefixal (hiper + bompreço) e a composição por justaposição (bom + preço). Classificamos esse exemplo como um processo de derivação prefixal, de acordo com a análise em C.I. (constituintes imediatos) apontada em Kehdi (1999).

28 2.3. A onomatopéia nos nomes de fantasia Os processos onomatopaicos, bastante produtivos nos textos dirigidos ao público infantil (desenhos animados, fábulas, histórias em quadrinhos), ocorreram na formação dos nomes de fantasia ZOOMP (24), PIUI (25), NHAC NHEC (26) e ESQUINDÔ LELÊ (27). No primeiro, referente a uma loja de confecção, reproduz-se o som da trajetória de um raio cuja imagem está representada ao lado do logotipo. No segundo, que designa uma loja de brinquedos, representa-se o som de um apito de trem cuja imagem também pode ser visualizada ao lado do logotipo. No terceiro, a intenção é imitar ortograficamente o processo de mastigação humana, para designar um estabelecimento que vende peças do vestuário infantil. Por fim, ESQUINDÔ LELÊ (loja de roupas infantis) reproduz, na primeira parte, o som dos instrumentos de samba e, na segunda, o som do cantarolar de indivíduos, além de se referir a uma cantiga de roda. 2.4. O decalque nos nomes de fantasia Na língua francesa encontramos o termo bande dessinée equivalente ao nosso gibi ou tiras de jornal. Uma loja foi designada pela tradução literal desse termo: BANDA DESENHADA (28). Ocorreu, assim, o decalque, uma das forma de ocorrência dos empréstimos lingüísticos que consiste na versão literal do item léxico estrangeiro para a língua receptora (Alves 1994:32). Entretanto, o estabelecimento vende roupas infantis, fato que nos leva a inferir que o vocábulo, quando traduzido, desvencilhou-se de seu significado anterior, pois, nas roupas comercializadas, há desenhos que não possuem nenhuma relação com gibis ou tiras. Assim, BANDA DESENHADA remete às estampas na frente da peça, visto que apenas uma banda da roupa é desenhada. Conclusão As análises nos demonstraram a presença dos mecanismos de composição (maior produtividade), de derivação, de origem onomatopaica e de decalque na formação dos nomes de fantasia, associados aos traços semânticos da criação dos vocábulos. Os processos de formação de palavras, com certeza, representam um dos mais ricos aspectos morfológicos da nossa língua, tanto pela dinâmica envolvida quanto pela sua presença nos mais variados segmentos da comunicação na sociedade. Seja nos jornais, revistas, programas e comerciais televisivos e, como foi aqui demonstrado, nos nomes de fantasia, os referidos mecanismos instigam a inteligência humana e a capacidade de trabalho com a língua. Quem já não freqüentou um shopping center e se deparou com a enorme variedade dos nomes designativos das lojas e quiosques? Nomes curiosos que por diversas vezes convidam as pessoas a entrar no estabelecimento para conhecer os produtos a eles atrelados comprovadores da utilidade e eficiência comunicativa da morfologia no ramo do comércio. Referências Bibliográficas ALVES, Ieda Maria (1994). Neologismo: criação lexical. São Paulo, Ática. CARVALHO, Nelly (1989). Empréstimos lingüísticos. São Paulo, Ática. FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo (1993). Resumo de Direito Comercial. São aaapaulo, Malheiros. KEHDI, Valter (1999). Formação de palavras em português. São Paulo, Ática. SANDMANN, Antônio José (1993). A linguagem da propaganda. São Paulo, Contexto. SILVA, M. Cecília P. de Souza e KOCH, Ingedore Villaça (1997). Lingüística aplicada ao aaaportuguês: Morfologia. São Paulo, Cortez.

ANEXO 29