Processo de identificação das manifestações patológicas em fachadas com revestimento cerâmico Elton Bauer (1) Eliane Kraus de Castro (1) Giselle Reis Antunes (2) (1) UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. elbauerlem@gmail.com, kraus@unb.br (2) UFRGS/NORIE: giselle_ra@hotmail.com RESUMO A identificação das manifestações patológicas é elemento fundamental tanto na avaliação do grau de deterioração, como também no estudo dos mecanismos intervenientes. Tanto a terminologia empregada nessa identificação, como também a identificação errônea das tipologias das manifestações permitem erros significativos no diagnóstico dos problemas dos revestimentos. O presente estudo tem por objetivo sistematizar a identificação das principais manifestações patológicas em revestimentos cerâmicos de fachada, bem como discutir os resultados observados a partir de levantamentos de campo efetuados em Brasília. Palavras-chave: patologia, revestimento cerâmico, argamassa, índice de defeitos.
Process of identification of pathological manifestations in facades with ceramic tiles ABSTRACT The identification of pathological manifestations is a fundamental element not only in the assessment of the degree of deterioration, but also in the study of the intervening mechanisms. Both the terminology used in that identification and the erroneous identification of the typologies of the manifestations can lead to significant mistakes in the diagnosis of the problems of the facade coverings. The aim of this study is to systemize the identification of the main pathological manifestations in ceramic coverings of facades, as well as to discuss the results observed based on field research carried out in Brasília. Key-words: pathology, ceramic coverings, mortar renders, fault rate. 1. INTRODUÇÃO Brasília, capital do Brasil, é o primeiro núcleo urbano no século XX considerado Patrimônio Histórico da Humanidade pela UNESCO. Aos 50 anos, apresenta seus edifícios com vários sintomas de deterioração. Se observa intensa deterioração em edifícios jovens, com grandes manifestações de patologias graves. O presente estudo se foca na abordagem das fachadas dos edifícios. As fachadas são constituídas de alvenarias de blocos cerâmicos e de concreto, revestidas em sua grande maioria por placas cerâmicas e também, em menor freqüência, em argamassa e em revestimentos de pedra. A investigação de patologias pode ter vários objetivos, dentre os quais enumera-se: investigação local das falhas e danos, estudos da deterioração dos elementos, definição de mecanismos de desenvolvimento das patologias, retroavaliação das causas e efeitos para correção de falhas futuras (apreender com os erros). O presente estudo faz uso de metodologia desenvolvida no Laboratório de Ensaio de Materiais (LEM) da UnB (1), focada basicamente no estudo da incidência das diferentes patologias, na avaliação da gravidade dos casos e na definição dos diagnósticos mais prováveis. Basicamente a mesma subdivide o estudo em 4 etapas principais, a saber :
- Obtenção de informações preliminares: onde se busca identificar a história de intervenções, a disposição arquitetônica do edifício, a exposição a intempéries, bem como documentar as principais regiões deterioradas. É comum nessa etapa um registro fotográfico amplo de todas as fachadas do edifício. - Inspeção: nessa etapa já se faz uma avaliação detalhada das regiões críticas ou de todas as fachadas. Busca-se tanto documentar a composição e detalhes construtivos (espessura) dos materiais de revestimento (argamassas, cerâmicas, alvenaria), como também identificar proximamente as patologias e sua extensão de ocorrência. Para a execução da inspeção é necessário o emprego de rapel, ou acesso por guindastes. O resultado final é um mapeamento de patologias nas diferentes fachadas do edifício. - Ensaios: A execução de ensaios in loco, como o de aderência à tração (pullout) é um dos elementos necessários na identificação da estabilidade mecânica da fachada. Ensaios de características dos materiais, como a absorção e gretamento das peças cerâmicas auxiliam no entendimento do mecanismo de ocorrência de patologias. Muitas vezes são desenvolvidos experimentos específicos para investigar determinado mecanismo de ocorrência. Nesse sentido, por exemplo, já se desenvolveu em algumas situações o emprego de painéis térmicos para estudo do descolamento por retração da argamassa de revestimento efetuado em inspeção pelo LEM-UnB (3). - Diagnóstico: A etapa de diagnóstico emprega todas as informações obtidas nas etapas anteriores na formulação dos mecanismos específicos do desenvolvimento das patologias. Identificam-se as causas, a intensidade dos fenômenos de deterioração, bem como define-se a estabilidade mecânica e segurança das fachadas. O foco básico a sempre se manter em um levantamento de patologias de fachada consiste na análise de todos os casos observados no contexto geral de interação do edifício com o meio ambiente, particularmente associando fatores a deterioração e degradação dos elementos observados. Toda a abordagem necessita obrigatoriamente de grande sistematização. Para tal é necessário identificar as patologias, quantificá-las e posicioná-las na região da fachada. A determinação de regiões mais suscetíveis à deterioração é um enfoque importante tanto no
entendimento dos mecanismos de deterioração, como também como retroalimentação às atividades de especificação e projeto de novos edifícios (5). O emprego de índices de capazes de quantificar os danos observados é de grande auxílio no diagnóstico e no estudo da degradação dos elementos. A mera distribuição percentual entre os danos observados é ferramenta útil, mas limitada quando se busca, por exemplo, comparar edifícios diferentes arquitetonicamente (2)(1). Assim busca-se sempre determinar índices que identifiquem: grau de incidência das patologias é necessário quantificar e observar a intensidade dos casos observados. localização - associar as regiões ou elementos de fachada em que se manifestam casos específicos. gravidade das patologias a classificação de riscos, por exemplo: quanto a segurança, permite, a partir das patologias observadas, separar as situações mais graves. associação a fatos ou aspectos que sejam decisivos para o diagnóstico levantamentos associados, por exemplo a exposição solar das fachadas. possibilidade de comparação da deterioração de fachadas em diferentes edifícios e diferentes arquiteturas permite estudar quantitativamente a degradação da fachada e de seus materiais em condições diferenciadas (por exemplo: idade) 2. MATERIAIS E MÉTODOS O presente estudo ateve-se a análise de 4 edifícios, optando-se por analisar 2 situações de idade, saber 10 anos e 40 anos (2 edifícios de cada). A tipologia construtiva na amostra de estudo é relativamente similar, obviamente mudando os materiais básicos de revestimento principalmente em função da idade (tipo de cerâmica, argamassas, rejuntes). Nos edifícios de maior idade (40 anos), o assentamento do revestimento cerâmico foi feito com pasta de cimento, e o rejuntamento com cimento branco. Nos edifícios mais novos (10 anos) empregou-se argamassa colante para o assentamento das placas cerâmicas, e para o rejuntamento utilizou-se um rejunte industrializado comercial. A tabela 1 apresenta os detalhes da amostra de estudo.
Tabela 1 - Características gerais dos edifícios estudados. Edifício Andares Idade (anos) Área de fachada (m 2 ) A 6 11 3350 B 6 40 1200 C 6 40 3400 D 12 10 3840 Preliminarmente na etapa de coleta de informações buscou-se identificar e quantificar quais patologias de fachada ocorrem nos edifícios estudados. Optou-se por fazer uma quantificação geral das manifestações patológicas observadas utilizando o índice de defeitos (1)(2). Esse índice é um índice global, ou seja, que leva em conta todos os defeitos observados, que nos permite avaliar a ação da idade no desenvolvimento das patologias, a ação da incidência solar sobre as fachadas, dentre outros aspectos. O índice de defeitos é determinado pela equação (A) a seguir: (A) Onde: FI índice de defeitos NF número de defeitos (quantidade) FA área da fachada (m 2 ) Em relação às patologias observadas, as mesmas foram identificadas e classificadas conforme (2) : descolamento de cerâmica: a peça cerâmica perdeu a continuidade com a argamassa mas não se desprendeu do revestimento; desplacamento de cerâmica: a peça cerâmica se desprendeu da fachada; falha de rejunte: o rejuntamento entre as peças cerâmicas fissurou e/ou se desprendeu; permitindo o acesso de água da chuva internamente fissuração: observou-se fissura no revestimento; eflorescência: manchas brancas formadas pela deposição de sais oriundos da alvenaria ou do próprio revestimento; falha de vedação: danificação de juntas principalmente na circunvizinhança de janelas e aberturas, por onde ocorre penetração de água de chuva. A distribuição percentual entre as patologias observadas foi agrupada por idade, para melhor entendimento das situações observadas.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES A figura 1 apresenta os resultados observados por fachada e por edifício para o índice de defeitos. Nessa figura não se identificou a orientação solar das fachadas por questão de ajuste da análise frente às diferentes tipologias dos edifícios Detalhes e demais informações podem ser obtidos em Antunes, (2010) 1. Observase que o edifício B apresenta os maiores valores globais, seguido do edifício C (observar que o índice de defeitos está em escala logarítmica). Nesses 2 casos temse os edifícios com maior idade (B e C) (40 anos), com maior índice FI (índice de defeitos) o que leva a conclusão de uma maior degradação dos elementos componentes das fachadas. Cabe enfatizar que esses edifícios não possuem plano de manutenção, sendo que as intervenções pontuais (ou recuperações) sempre são feitas quando o grau de deterioração é extremamente elevado. Os edifícios A e D, embora com idades bem menores (11 e 10 anos) apresentam um significativo valor do índice de falhas. Particularmente o edifício D apresentou o menor índice observado. A variação de FI entre as fachadas de um mesmo edifício pode ser entendida como resultante de diferentes solicitações sobre cada orientação de fachada, diferenciando graus distintos de agressividade do meio ambiente (micro). Também a tipologia da fachada (diferentes aberturas, projeções,) pode ser favorável a deteriorações diferenciadas. Isso pode explicar as diferenças significativas entre as fachadas identificadas no estudo (figura 1). 2,56 1,28 Índice de defeitos/m² (log) 0,64 0,32 0,16 0,08 0,04 0,02 Fachada 1 Fachada 2 Fachada 3 Fachada 4 Edifício 0,01 A B C D Edifícios Figura 1 Índice de defeitos.
Quanto aos percentuais de incidência das patologias estudadas, a Tabela 2 e a Figura 2 apresentam os percentuais relativos aos 4 edifícios estudados. Na Figura 2, os percentuais mostrados foram agrupados em função das idades (10 e 40 anos). Tabela 2 Incidência percentual de defeitos observados nos edifícios Edifícios A B C D Descolamento de cerâmica 169 (82%) 926 (55%) 514 (83%) 183 (91%) Desplacamento de cerâmica 6 (3%) 113 (7%) 0 (0%) 18 (9%) Falha de rejunte 23 (11%) 410 (24%) 39 (6%) 0 (0%) Fissuração 6 (3%) 201 (12%) 54 (9%) 0 (0%) Eflorescência 2 (1%) 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%) Falha de vedação 0 (0%) 25 (1%) 11 (2%) 0 (0%) Total de casos 206 1675 618 201 10 anos Descolamento de cerâmica 1% 0% 6% 6% 1% 86% Desplacamento de cerâmica Falha de rejunte Fissuração Eflorescência Falha de vedação (a) 40 anos 63% 0% 1% 11% 20% 5% (b) Figura 2 Distribuição percentual de patologias observadas: (a) edifícios com 10 anos, (b) edifícios com 40 anos.
Identifica-se que o defeito com maior incidência (acima de 55% em todos os casos) é o descolamento das placas cerâmicas. É interessante observar que as maiores incidências ocorrem para os edifícios A e D, justamente os de menor idade e com menor índice de falhas (figura 1). Deduz-se desse fato que a falha preponderante dos edifícios mais novos (A e D) é o descolamento das placas cerâmicas. Da observação da Figura 2, identifica-se claramente a diferença entre os 2 grupos estudados (10 e 40 anos). Para toda a amostra é evidente que o descolamento é o caso mais incidente, mas observa-se nitidamente que outras patologias se tornam também relevantes com o passar do tempo, como é o caso da fissuração, falhas de rejunte e falhas de vedação. O alto valor de descolamento cerâmico para edifícios mais jovens enseja discussões quanto às causas dessa patologia tão incidente. Pode-se raciocinar que grande parte desse problema esteja associada a falhas de execução e falhas de materiais. Na verdade observou-se nas inspeções, que havia significativa parcela de cerâmicas com falhas de ligação, ou seja, não houve o correto esmagamento dos cordões da argamassa colante quando do assentamento das placas cerâmicas. Póvoas (2005) (4) estudou a formação de película sobre a argamassa colante, a qual prejudica a adesão da peça cerâmica, e observou que o tempo para surgimento da película é proporcional à evaporação de água. Nas condições de baixa umidade relativa do ar em Brasília, existe grande probabilidade de facilmente se atingir essa situação. Pode-se, sem grande chance de erro, afirmar que os descolamentos observados nos edifícios jovens (10 anos), muito provavelmente tem origem no processo de execução, particularmente no não atendimento do tempo em aberto exigido. Também deve se ponderar sobre as características de desempenho das argamassas colantes. Caso as mesmas não tenham sido especificadas e controladas adequadamente, pode ter havido insuficiência de desempenho das mesmas para o atendimento dos quesitos mínimos necessários. O segundo defeito com maior ocorrência é a falha de rejunte a qual ocorre principalmente para os edifícios A e B. É interessante observar que esse tipo de defeito normalmente ou é associado a fachadas com grande incidência térmica (grandes esforços nos revestimentos) ou em situações de deterioração do rejunte em longas idades. Essa última situação parece ser o caso do edifício B, em que o
rejunte deteriorou-se devido à degradação ao longo do tempo. Novamente ponderase sobre a falta de manutenção preventiva nos edifícios, o que leva a danos maiores ao longo do tempo. A fissuração aparece no edifício B em maior percentagem, principalmente associada a carregamentos na vizinhança das janelas. Outra região com incidência de fissuras é a platibanda. Para o edifício B, devem estar associadas possíveis deformações estruturais de longo prazo, as quais sobrecarregam as alvenarias de vedação. Os cantos das aberturas (janelas), por sua vez são regiões de concentração de tensões, ocorrendo daí o significativo número de fissurações (2). Falhas de vedação foram observadas mais intensamente nos edifícios B e C. Tipicamente esse defeito é associado a falta de manutenção, uma vez que o seus efeitos, como infiltração de água de chuva, são fortemente detectados pelo usuário do edifício e exigem reparo imediato. Os edifícios B e C, com maior idade (figura 2), apresentam maior grau de deterioração generalizado (figura 1) o que pode explicar o maior número de defeitos de vedação. Também a fissuração na região das aberturas pode ser um elemento coadjuvante permitindo infiltrações de água da chuva, incrementando as falhas de vedação. A questão da ciclagem térmica também é fato a ser analisado. A abordagem do estudo da fadiga pelas variações cíclicas de carregamentos é um fato já em estudo, mas que carece de maiores aprofundamentos. Pode se dizer que, o mecanismo de descolamento cerâmico nas fachadas, com a formação de bolsões que expulsam as peças cerâmicas do plano da fachada (também chamada de flambagem), progride paulatinamente à medida que continuam os ciclos de carregamento térmico (6). Assim, a abordagem do estudo de fadiga traz respostas específicas ao comportamento dos materiais nas condições do desenvolvimento do descolamento. 4. CONCLUSÕES Do estudo efetuado, pode-se, enumerar as seguintes conclusões principais: A utilização de índices para quantificar os danos ou defeitos é extremamente importante para a identificação da gravidade e extensão das patologias observadas. Nos estudos comparativos, o índice de danos permite uma avaliação significativa inclusive para estudo de vida útil das fachadas.
O levantamento de informações, envolvendo a vistoria preliminar, a inspeção e os ensaios, é o ponto crucial para a tomada de situação sobre as fachadas do edifício. Deve-se sempre um grau de profundidade de análise que permita conclusões abrangentes capazes de orientar o diagnóstico. A sistematização das informações coletadas é fundamental para uma análise conclusiva. Assim, a classificação em grupos das patologias observadas auxilia na determinação da incidência de ocorrência, gravidade e extensão das mesmas. O diagnóstico é sempre elaborado com vistas a identificar e propor os mecanismos de desenvolvimento das patologias. O mesmo deve sempre ser precedido pelos estudos preliminares (levantamento de informações), e deve claramente identificar as condições atuais de serviço da fachada. A ausência de planejamento de manutenção preventiva é um dos elementos que eleva os índices de deterioração observados. Somente se atua quando a vida útil dos elementos de fachada já foi ultrapassada. 5. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Laboratório de Ensaio de Materiais (LEM/UnB), ao Centro de Apoio ao Desenvolvimento tecnológico (CDT/UnB) o apoio para o desenvolvimento dos estudos objeto deste trabalho. Agradecem também ao CNPq e a CAPES o apoio na forma de bolsas de estudo e pesquisa. 6. REFERÊNCIAS 1. Antunes, G.R. Estudo de manifestações patológicas em revestimento de fachada em Brasília Sistematização da incidência de casos. 2010. Dissertação (Mestrado em Estruturas e Construção Civil) Departamento de Engenharia Civil e Ambiental, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil. 2. Bauer, E., Kraus, E., Antunes, G.R, Patologias mais correntes nas fachadas de edifícios em Brasília. 2010.Proc. 3º. Congresso Português de Argamassas de Construção - APFAC, Lisboa, Portugal. 3. Pereira, C.H. Contribuição ao estudo da fissuração, da retração e do mecanismo de descolamento de revestimentos à base de argamassa. 2007.Tese
(Doutorado em Estruturas e Construção Civil) Departamento de Engenharia Civil e Ambiental, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil. 4. Póvoas, I. Avaliação de formação de película na argamassa colante e sua influência na adesão. 2005. Tese (Doutorado em Engenharia) Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. 5. Gaspar, P. Brito, J. Mapping defect sensitivity in external mortar renders. Journal of Construction and Building Materials, 19{8}, 571-578.2005. 6. Bauer, E. Bezerra, L.M. Uchoa, J.C.B. Das Chagas, S.V.M. Estudo do comportamento em relação à fadiga aplicado as argamassas de revestimento. 2010. Proc. 3º. Congresso Português de Argamassas de Construção - APFAC, Lisboa, Portugal.