OS NEXOS ENTRE O CIRCUITO INFERIOR LAPENSE E O CIRCUITO ESPACIAL PRODUTIVO DE ARTIGOS RELIGIOSOS

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Transcrição:

OS NEXOS ENTRE O CIRCUITO INFERIOR LAPENSE E O CIRCUITO ESPACIAL PRODUTIVO DE ARTIGOS RELIGIOSOS Sueli Almeida dos SANTOS Universidade Estadual de Campinas Campinas-SP 1. INTRODUÇÃO E OBJETIVO O objetivo desta pesquisa é compreender a dinâmica socioespacial da economia urbana de Bom Jesus da Lapa - BA a partir da teoria dos dois circuitos da economia urbana (SANTOS, 1979/2008). O município de Bom Jesus da Lapa localiza-se na região oeste do estado da Bahia, a sua sede dista 796 quilômetros da metrópole de Salvador e 667 quilômetros de Brasília. Com uma população total de 63.480 habitantes, dos quais 43.111 são urbanos, é um dos municípios mais populosos desta região e a cidade após a década de 1990 vem apresentando um importante crescimento urbano-populacional (IBGE, 2010). Bom Jesus da Lapa tem a sua gênese como centro de peregrinação há mais de três séculos (NOGUEIRA, 2011; STEIL, 1996) e nas últimas décadas com a implantação de novos serviços e de um comércio mais moderno, a cidade vem adquirindo uma importante influência na sua região. Neste contexto, para compreendermos a manifestação da pobreza urbana, buscamos investigar o circuito inferior constituído pelo comércio de rua, o qual é favorecido pelo fluxo de romeiros que visitam o Santuário lapense durante ano todo, sobretudo no segundo semestre, período em que ocorrem as grandes romarias. De acordo com o reitor do Santuário 1, não há um dado exato sobre o total de romeiros que visitam o Santuário, estima-se que são aproximadamente dois milhões de pessoas por ano. Entre os meses de julho e novembro concentra-se o maior número de visitantes estimado em mais de um milhão de pessoas. E, em função da oferta de serviços na cidade às populações da região, isso gera diariamente um importante fluxo de pessoas que contribui para a dinâmica do circuito inferior da economia urbana lapense. Buscamos também investigar a participação do circuito inferior do comércio de rua em circuitos espaciais produtivos mais amplos, uma vez que, de acordo com Santos & Silveira (2001, p. 143) para entender o funcionamento do 1 Título do pároco que administra uma instituição religiosa e entrevista realizada em 25/01/2014.

território é preciso captar o movimento, daí a importância em analisarmos os circuitos espaciais da produção, pois estes compreendem a circulação de bens e produtos e, por isso, oferecem uma visão dinâmica, apontando a maneira como os fluxos perpassam o território (SANTOS & SILVEIRA, 2001, p. 143). Neste trabalho, objetiva-se contribuir para o entendimento dos circuitos da economia urbana nos espaços não metropolitanos (PEQUENO & ELIAS, 2010) do território brasileiro. Para tanto, analisamos os nexos do circuito inferior do comércio de rua lapense com o circuito espacial produtivo de artigos religiosos. 2. METODOLOGIA Realizamos levantamentos bibliográficos com o objetivo de aprofundar a discussão sobre a teoria dos circuitos da economia urbana e o processo de urbanização de Bom Jesus da Lapa no contexto da rede urbana regional e do país. Para isso, utilizamos as bibliotecas das seguintes Universidades: Universidade Estadual de Campinas Unicamp; Universidade de São Paulo - USP; Universidade Federal da Bahia - UFBA; Universidade do Estado da Bahia UNEB. Consultamos também o banco de teses da CAPES a fim de levantar as dissertações e teses produzidas sobre a região do oeste do estado da Bahia. Realizamos quatro trabalhos de campo em períodos distintos (dois no período de grandes romarias em agosto de 2013 e de 2014 e dois fora deste período durante os meses de janeiro de 2014 e de 2015). Aplicamos aproximadamente 130 questionários em estabelecimentos do pequeno comércio de rua. Realizamos diversas entrevistas nas principais instituições da cidade. A fim de levantar dados sobre a urbanização, a economia e a população da cidade, buscamos informações e dados em fontes secundárias: IBGE e REGIC-2007, SEPLAN-BA, SEI-BA, CODEVASF, etc. Fizemos um constante uso de sites da internet como o site de jornais da cidade, do estado da Bahia, entre outros. Por fim, realizamos diversos trabalhos técnicos (mapas, gráficos, tabelas, etc.) a partir dos dados coletados. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Para desenvolver esta pesquisa partimos da concepção de espaço geográfico, proposta por Santos (1996/2012), como um conjunto indissociável de sistemas de ações e sistemas de objetos. Nesse sentido, entendemos que as instituições públicas e privadas instaladas em Bom

Jesus da Lapa, bem como a presença de um dos maiores santuários-católicos do país constituem-se em sistemas de objetos incrustados na cidade e também configuram em sistemas de ações na medida em que articulam fluxos populacionais tanto da região, através da oferta de serviços, como nacionais em função das romarias. Assim, partindo da teoria dos circuitos da economia urbana (SANTOS, 1979/2008), problematizamos a manifestação da pobreza na cidade de Bom Jesus da Lapa através da investigação do circuito inferior do comércio de rua. De maneira sucinta, as características típicas dos dois circuitos da economia urbana são: o circuito superior utiliza tecnologia de capital intensivo, apresenta uma organização burocrática, oferece uma quantidade reduzida de empregos (predominantemente assalariada), possui acesso ao crédito institucional, os preços são fixos e a publicidade é necessária. Já no circuito inferior, a tecnologia é de trabalho intensivo, os capitais são reduzidos, a organização burocrática é dispensável, os empregos são volumosos, o salário não é obrigatório, o crédito não é institucional e a publicidade é nula (SANTOS, 1979/2008) 2. O estudo da cidade a partir da teoria dos circuitos da economia é uma das formas de buscarmos compreender a sua totalidade. De acordo com Arroyo (2008, p. 30) é importante enxergar a cidade sempre como uma totalidade, independentemente de seu tamanho ou localização. E, segundo esta autora, uma outra forma de nos aproximarmos do entendimento de como se articula essa totalidade pode ser por meio da análise dos circuitos espaciais de produção. Estes, segundo Santos (1994b), abarcam a produção propriamente dita, circulação, distribuição e consumo. É neste sentido, que buscamos analisar a participação do circuito inferior do comércio de rua lapense no circuito espacial produtivo de artigos religiosos, para tanto, através da aplicação de questionários, investigamos os principais locais de origem das mercadorias comercializadas por esse pequeno comércio de rua. A partir do mapeamento das procedências dos produtos comercializados pelos estabelecimentos entrevistados constatamos que os principais locais de origem dos artigos religiosos e souvernirs são as cidades de Canindé-CE (25%), Aparecida-SP (14%) e São Paulo-SP (9%), ou seja, aproximadamente 50% dos agentes compram mercadorias ou as adquirem através de intermediários que se abastecem nestas cidades. No caso das mercadorias procedentes de Goiânia (7%) trata-se de camisetas personalizadas com imagens de santos, 2 Vale ressaltar que alguns estudos como Montenegro (2011), Silva, S. C. (2012), Silva, F. C. (2012), entre outros, apontam uma renovação das características do circuito inferior da economia urbana, no entanto, este contexto não será analisado neste trabalho.

etc., uma vez que esta cidade é um dos grandes pólos têxteis do país (SILVA, S. C., 2012). Em relação a Juazeiro do Norte que também fornece produtos religiosos para 7% dos entrevistados é uma cidade que, por acolher uma das maiores romarias católicas do Brasil, apresenta um importante comércio de artigos deste setor. Nas demais cidades mencionadas (Salvador, Feira de Santa e Vitória da Conquista na Bahia) são adquiridas peças como souvenirs, velas, etc. MAPA 01 PRINCIPAIS PROCEDÊNCIAS DOS PRODUTOS COMERCIALIZADOS PELOS AGENTES ENTREVISTADOS NO CIRCUITO INFERIOR DO COMÉRCIO DE RUA LAPENSE (%) Constatou-se que 31% dos entrevistados desse setor não souberam informar a procedência dos produtos por se abastecerem na própria cidade nas lojas de atacados e através de fornecedores que freqüentam a cidade de Bom Jesus da Lapa semanalmente ou uma vez por mês. Conforme explicou um dos agentes entrevistados, estes atacadistas visitam os estabelecimentos para entregar as mercadorias e, ao mesmo tempo, aproveitam para receber parte do pagamento, este é realizado de acordo com o volume de vendas, isto é, não há uma parcela fixa a ser paga por semana ou mensalmente ao fornecedor. Com relação à forma de

aquisição das mercadorias, 30% dos agentes do setor de artigos religiosos realizam compram in loco e 70% adquirem as mercadorias através de intermediário. Segundo Leandro Santos 3 - Gerente de uma loja distribuidora (atacado e varejo) de artigos religiosos da cidade de Bom Jesus da Lapa, as mercadorias adquiridas pelas lojas de atacado também são procedentes das cidades acima mencionadas. Ainda de acordo com este entrevistado, as imagens de resinas, adquiridas em Aparecida-SP, uma parte é moldada nesse município com resinas importadas da Itália e outra parte dos atacadistas aparecidenses importa as imagens italianas já prontas para o comércio. Além da produção de imagens em resinas, há também algumas fabriquetas localizadas em Aparecida que produzem imagens de gesso, conforme apontou Pimenta (2012). FOTO 01 FABRIQUETA DE IMAGENS DE GESSO LOCALIZADA EM APARECIDA-SP Fonte: Pimenta, 2012. Em Canindé-CE são fabricadas imagens de gesso, terços, etc. De acordo com o Jornal Diário do Nordeste, na cidade de Canindé existem 821 fabriquetas de santos localizadas, muitas vezes, na própria residência dos trabalhadores. Todas elas fabricam santos diversos que são comercializados no Ceará, Bahia, Pará, Rio Grande do Norte, Sergipe, Alagoas e Piauí. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2012). Com relação ao transporte, os produtos adquiridos em Aparecida-SP são transportados por uma empresa da região que presta esse tipo de serviço, já as mercadorias procedentes de Canindé-CE os lojistas as adquirem no local da produção ou a própria fábrica realiza a entrega em Bom Jesus da Lapa. 3 Entrevista realizada em: 29/01/2014.

Além dessas formas de aquisição das mercadorias, vários agentes durante a aplicação dos questionários, assim como o gerente entrevistado, afirmaram que durante o período de maior fluxo, alguns atacadistas de Canindé alugam imóveis em Bom Jesus da Lapa para o depósito das mercadorias. E, no período que antecede as grandes romarias, geralmente no mês de junho, diversos agentes desse segmento comercial disseram que realizam uma compra maior para o abastecimento do comércio durante os meses de julho, agosto e setembro, isto é, no período em que há o maior número de romeiros. De acordo com a Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal 4 e também segundo o Gerente Leandro, em Bom Jesus da Lapa não existe nenhum fábrica de produtos religiosos, apenas algumas peças artesanais que são produzidas residualmente. Bom Jesus da Lapa não possui nenhum souvenir que simboliza um ícone da cidade como a gruta, o chapéu do romeiro, etc. Na cidade não há nem fábrica de velas, embora o consumo seja muito grande afirma a secretária de Turismo, Maria Betânia. A quantidade de mercadorias estocadas pelos estabelecimentos típicos de cada um dos dois circuitos da economia urbana é o que também os diferenciam, conforme Santos (1979/2008), os estoques das atividades do circuito inferior são reduzidos, já as do circuito superior manipulam grandes volumes, exceto no caso de produtos de alta qualidade e/ou de luxo. No caso dos agentes do pequeno comércio de rua lapense, destaca-se que 46% repõem os seus estoques conforme a necessidade. Segundo o Gerente entrevistado Leandro Santos, a loja em que ele trabalha fornece produtos no atacado para cerca de 50 comerciantes e alguns destes compram apenas uma unidade, mais de uma vez por dia, mas mesmo assim consegue o preço de atacado pela freqüência de compra nesta distribuidora. GRÁFICO 01 FREQUÊNCIA DE REPOSIÇÃO DOS ESTOQUES POR PERCENTUAL DE ENTREVISTADOS 4 Entrevista realizada em 10/02/2014.

Fonte: Trabalho de campo, 2014 (Questionários aplicados nos estabelecimentos comerciais). A partir do contexto apresentado nota-se que as dificuldades enfrentadas pelos agentes do circuito inferior do comércio de rua lapense são socioeconômicas e geográficas, dada a ausência na cidade da produção propriamente dita e em função da dependência dos intermediários, quanto mais pobre é o indivíduo, mais ele depende dos intermediários para se abastecer (SANTOS, 1979/2008, p. 225). Neste sentido, buscar investigar os circuitos espaciais produtivos é uma das maneiras de compreender a dinâmica da economia urbana, neste caso, da cidade lapense, sobretudo da economia urbana pobre. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na cidade de Bom Jesus da Lapa, constatamos que partir da década de noventa, houve uma expansão das atividades econômicas de maior capital relacionadas ao circuito superior da economia urbana. No entanto, como os empregos gerados neste circuito são incapazes de ocupar toda a população, há também um crescimento das atividades de capital diminuto como forma de geração de trabalho e renda para os pobres urbanos. Tal processo aponta um aprofundamento da divisão territorial do trabalho na cidade lapense e um empobrecimento maior da sua população, pois verificamos que 61% dos entrevistados iniciaram a sua atividade por pressão para obter uma renda, isto é, devido à falta de emprego. Nesse sentido, a investigação sobre o circuito inferior do comércio de rua lapense atesta a importância das pequenas atividades econômicas na geração de renda para a população pobre que, muitas vezes, conta apenas com este circuito para o abrigo das suas necessidades. O trabalho dos de baixo se realiza em grande parte no circuito inferior economia urbana dado ao fracionamento das tarefas que é inerente a este circuito. Estes agentes participam cada vez mais das etapas de circuitos espaciais produtivos mais amplos graças a sua capacidade de invenção e de criatividade a partir de um uso, ainda que desigual, das possibilidades técnicas e informacionais do período contemporâneo. 5. AGRADECIMENTOS Este texto é resultado de uma pesquisa em andamento do mestrado em geografia na Universidade Estadual de Campinas, com auxílio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Neste sentido, agradecimento a esta agência pelo financiamento e também a todos que nos concederam entrevistas ao longo da pesquisa.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARROYO, M. A economia invisível dos pequenos. In: Le Monde Diplomatique. Brasil, ano 2, no. 15, outubro de 2008. MONTENEGRO. M. Globalização, trabalho e pobreza no Brasil metropolitano. O circuito inferior da economia urbana em São Paulo, Brasília, Fortaleza e Belém. Tese (Doutorado em Geografia Humana) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. NOGUEIRA, G. A. Viver por si, viver pelos seus: famílias e comunidades de escravos e forros no certam de sima do Sam Francisco (1730-1790). Dissertação (Mestrado em História), Universidade do Estado da Bahia, Santo Antônio de Jesus, 2011. PEQUENO, R; ELIAS, D. Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul./dez., 2010. PIMENTA, D. Ensaio sobre a promessa: circulação de devotos, palavras, graças e objetos. Dissertação (Mestrado em Antropologia) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. SANTOS, M. O Espaço dividido: Os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Edusp, [1979] 2008.. Técnica, Espaço, Tempo Globalização e meio técnico-científicoinformacional. São Paulo: Edusp, 1994b.. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: Edusp, [1996] 2012. SANTOS, M; SILVEIRA, M. L. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001. SILVA, F. C. O circuito inferior da economia urbana em Campinas-SP: análise sobre a mobilidade espacial e o acesso ao crédito. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. SILVA, S. C. Circuito espacial produtivo das confecções e exploração do trabalho na Metrópole de São Paulo. Os dois circuitos da economia urbana nos bairros do Brás e Bom Retiro (SP). Tese (Doutorado em geografia) Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012. STEIL, C. A. O Sertão das romarias: Um estudo antropológico sobre o santuário de Bom Jesus da Lapa - Bahia. Petrópolis: Vozes, 1996. 7. SITES CONSULTADOS http://www.ibge.gov.br/home/ http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/