Racismo científico, definindo humanidade de negras e negros

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Transcrição:

Racismo científico, definindo humanidade de negras e negros Emanuelle Goes Esse artigo foi pensado para iniciar um diálogo sobre o quanto a ciência contribuiu para a estruturação do racismo na sociedade, hierarquizando humanos e não humanos a partir da raça/etnia e atribuindo estereótipos negativos aos não brancos. Os povos indígenas das Américas e os/as africanos/as escravizados/as eram classificados/as como espécies não humanas como animais, incontrolavelmente sexuais e selvagens. O homem europeu, burguês, colonial moderno tornou-se um sujeito/ agente, apto a decidir para a vida pública e o governo, um ser de civilização, heterossexual, cristão, um ser de mente e razão. A mulher europeia burguesa não era entendida como seu complemento, mas como alguém que reproduzia raça e capital por meio de sua pureza sexual, sua passividade e por estar atada ao lar a serviço do homem branco europeu burguês (Lugones, 2014). Nos séculos XVIII e XIX não havia dúvida quanto à hierarquização social que devia traçar uma linha de escala intelectual que começava com os brancos europeus, os indígenas abaixo dos brancos e os negros abaixo de todos os outros (Wesolowski, 2014). Os/as negros/as e a medida do racismo As práticas eugênicas e higienistas utilizaram recursos validados pela ciência para definir as raças humanas em raças superiores e raças inferiores, raças puras e as outras, sendo a supremacia racial branca a referência do belo ou puro. Na saúde o racismo científico estruturou a medicina legal, com a figura do perito que, ao lado da polícia, explica a criminalidade e determina a loucura. Posteriormente, entra em cena a prática eugenista, que passa a separar a população enferma da sã (Schwarcz, 1993). Blogueira, Enfermeira, Coordenadora do Programa de Saúde das Mulheres Negras Odara Instituto da Mulher Negra, Doutoranda em Saúde Pública (ISC/UFBA). Email: emanuellegoes@gmail.com.

Dessa forma, foram utilizadas algumas teorias que dariam sustentação à continuidade desse projeto médico-eugênico no campo da saúde, como a tese lombrosiana, que atuava a partir da craniometria, ou seja, a medida do crânio, para definir o perfil do criminoso com base nas características físicas e nos seus hábitos, e a teoria do darwinismo social, que apontaria o cruzamento racial como o maior mal para a população, condenando a hibridação das raças e sua consequente degeneração e apostando na seleção natural para a eliminação da população negra. No Brasil, o projeto médico-eugênico se fortaleceu em dois locais diferentes na Bahia, com a medicina legal liderada por Nina Rodrigues, e no Rio de Janeiro, com a atuação dos médicos higienistas. O tema racial é de suma importância para esse período, pois integra o arsenal teórico na saúde. Na Bahia é a raça, mais especificamente o cruzamento racial, que iria tentar explicar a criminalidade, a loucura, a degeneração. O determinismo biológico foi (para muitos ainda é) uma afirmação de que a forma de ser do humano como suas características intelectuais eram transmitidas de maneira hereditária. A craniometria contribuiu para fortalecer o determinismo biológico por meio de dados precisos referentes aos crânios de diferentes raças de pessoas, onde se tinha a inteligência como uma entidade única, mantida no cérebro e determinada pelo seu tamanho e pelos detalhes na formação do crânio (A Falsa Medida do Homem, Gould, 1991). A Escala Unilinear das Raças Humanas e Seus Parentes Inferiores, de Nott e Gliddon (1868), demonstra comparações feitas em imagens com crânios de negros falsamente alargados para se parecerem com os de chimpanzés, enquanto os crânios dos brancos são considerados normais. Ainda na atualidade as sociedades têm como base o critério do racismo científico para definir o perfil de um criminoso. Por exemplo, um estudo do EUA identificou a existência de um viés desumanizador que associa os negros a macacos e que essa desumanização tem consequências reais (Goff et al., 2008 apud Williams; Priest, 2015). Nesse estudo, os pesquisadores examinaram matérias de jornal sobre todos os réus condenados por crimes capitais ao longo de um período de 20 anos e descobriram que essas matérias tendiam a descrever os sentenciados negros, mais do que os brancos, com palavras desumanizadoras como besta, bruto, monstro, sorrateiro. No Brasil, os jovens negros são assassinados a cada 23 minutos. Segundo o relatório final da CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens, todo ano 23.100

jovens negros de 15 a 29 anos são assassinados, mais de 70% dos jovens assassinados no Brasil são negros e os jovens são assassinados por conta do legado racista estruturante do País. Em outro estudo sobre estereótipos de negros na cultura americana, sendo mais comuns os estereótipos negativos, o estudo analisou dados do projeto BEAGLE (Bound Encoding of the Aggregate Language Environment). BEAGLE é um banco de dados que contém cerca de 10 milhões de palavras, construído por meio de uma amostra de livros, jornais e outros materiais, com o objetivo de representar a cultura americana e ser comparável ao que uma pessoa americana média, com educação universitária, leria ao longo de sua vida (Verhaeghen et al., 2011 apud Williams; Priest, 2015). A análise estatística sobre a força associativa entre pares de palavras revelou que a palavra negro/a estava mais frequentemente associada com, em ordem de frequência, pobre, violento/a, religioso/a, preguiçoso/a, alegre, perigoso/a. Em comparação, a palavra branco/a estava com mais frequência associada a rico/a, progressista, convencional, teimoso/a, bem-sucedido/a e educado/a. Mulheres Negras, cobaias da ginecologia As mulheres negras passaram por situações de experimentos no campo da ginecologia como cobaias. O médico James Marion Sims (1813-1883), chamado por muitos pai da ginecologia moderna, realizava experiências em negras escravizadas nos EUA. Ele relatou que os africanos tinham uma tolerância fisiológica incomum para a dor, que era desconhecida pelos brancos, desta forma ele não usava anestesia em seus pacientes negros/as. O médico Sims contribuiu para a saúde reprodutiva com inovação de técnicas e procedimentos, no entanto, nunca se discutiu como, pois na época ele inaugurou uma série de longas e chocantes cirurgias ginecológicas experimentais, em mulheres escravas, e tudo feito sem o benefício de anestesia ou qualquer tipo de antisséptico, o que levava à morte de muitas dessas mulheres. Um dos seus experimentos foi com uma mulher jovem escravizada chamada Anarcha. No momento do nascimento do seu filho, dr. Sims fez uso de uma pinça na cabeça do feto na hora do parto ele relatava ter pouca experiência de usar o instrumento. O bebê nasceu nenhum registro se vivo ou morto e a mãe sofreu várias fístulas, resultando em incontinência.

No início do século XX as mulheres negras eram vistas como ameaça para a reprodução das raças dos grosseiramente degenerados, então os médicos eugenistas lançam mão de técnicas como a esterilização para o controle de natalidade; a proposta de controle de natalidade da população negra era de mais filhos dos capazes e menos dos incapazes (Roland, 1995). Raça, racismo e gênero foram igualmente importantes para a eugenia, pois era pelas uniões sexuais que as fronteiras entre as raças eram mantidas ou transgredidas. Por isso, a eugenia, gênero e raça ficaram ligados à política de identidade nacional. Na atualidade as mulheres negras estão mais expostas a sofrer violências institucionais nos serviços de saúde, sendo aquelas que mais morrem de morte materna (60% dos casos), menos se beneficiam de analgésicos (medicação para dor) e de anestesia na hora do parto, assim como são menos tocadas pelos profissionais de saúde para realização de procedimentos preconizados na consulta de pré-natal. São as mulheres negras também que levam mais tempo esperando para serem atendidas e ficam menos tempo em atendimento com o profissional. As práticas racistas realizadas no passado ainda se refletem na atualidade, pois o racismo institucional e a discriminação racial são determinantes no cuidado, no atendimento nos serviços de saúde e na abordagem policial. Estes são os legados que a ciência racista deixa na construção de uma sociedade hierarquizada racialmente, determinando lugares, oportunidades e privilégios, definindo humanos e não-humanos. Referências LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, n. 3, v. 22. Florianópolis, jan. 2015. ROLAND, Edna. Direitos Reprodutivos e Racismo no Brasil. Estudos Feministas, n. 506, ano. 3. Rio de Janeiro, 1995. SCHWARCZ, Lilia Moritz. As faculdades de medicina ou como sanar um país doente. In: SCHWARCZ, Lilia. O Espetáculo das Raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

WESOLOWSKI, Patrick. O Racismo Científico A Falsa Medida do Homem, Geledes, 2014. WILLIAMS, D. R., & PRIEST, N. Racismo e Saúde: um corpus crescente de evidência internacional (Racism and Health: A Growing Body of International Evidence). Sociologias, 17 (40), 124-174, 2015.