TAXA DE CÂMBIO E A ECONOMIA BRASILEIRA

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Transcrição:

ESTUDOS TÉCNICOS FGV-EESP TAXA DE CÂMBIO E A ECONOMIA BRASILEIRA Uma série de estudos realizados por professores da FGV-EESP e convidados, pesquisam as relações entre a taxa de câmbio e diversas dimensões da economia brasileira, seja com relação ao comércio exterior, aos preços de commodities em mercados internacionais, à mudança na estrutura da indústria brasileira, às finanças públicas, ao crescimento econômico brasileiro e, ainda, sobre a eficiência dos mercados futuros cambiais no Brasil. Estes estudos são uma produção independente da FGV-EESP, não contando com apoio financeiro de empresas, governo ou clientes de qualquer natureza. Os estudos foram generosamente financiados pelo CNPq, conforme Edital Universal 14/2008, e pela própria FGV-EESP. Estes estudos foram desenvolvidos no âmbito do CEMAP (Centro de Macroeconomia Aplicada) da FGV-EESP. As opiniões expressas nos trabalhos são de responsabilidade exclusiva dos autores e não necessariamente representam opinião da instituição. Nestes estudos, procurou-se analisar cuidadosamente e com base em análise rigorosa dos dados, através de técnicas econométricas adequadas, questões como: a) a taxa de câmbio é mesmo relevante para explicar o dinamismo das exportações brasileiras? b) como a taxa de câmbio pode afetar as exportações e importações brasileiras? c) o comportamento da taxa de câmbio explica mudanças nas arrecadações municipais?

d) como a taxa de câmbio pode afetar o nível de poupança doméstica e os déficits de transações correntes no Brasil? e) a taxa de câmbio influencia eventuais alterações na indústria de transformação, bem como e sua importância no PIB brasileiro? Há evidências de doença holandesa no Brasil? f) a economia brasileira pode ser caracterizada como uma commodity currency? g) as cotações futuras da taxa de câmbio em mercados futuros brasileiros são um bom previsor para as cotações a vista no futuro? OS ESTUDOS E SEUS AUTORES 1. Taxa de câmbio, rentabilidade e quantum exportado: existe alguma relação afinal? Evidências para o Brasil Emerson Marçal e Márcio Holland 2. Hysteresis e o comércio exterior de produtos industrializados brasileiros Sérgio Kannebley, Diogo de Prince e Maíra Camargo Scarpelli 3. Câmbio e arrecadação municipal no Brasil: uma análise empírica de 2004 a 2007 Enlinson Mattos e Lucas Teixeira 4. Efeitos da taxa de câmbio na poupança interna: análise teórica e evidências empíricas para o caso brasileiro Paulo Gala, Eliane Araújo e Luiz Carlos Bresser-Pereira 5. Taxa de câmbio e mudança na composição setorial da produção: sinais de doença holandesa? Nelson Marconi e Fernando Barbi 6. Transmissão dos preços internacionais de commodities agrícolas sobre o comportamento da taxa de câmbio real no Brasil Mário Margarido, Felippe Cauê Serigati e Bruno Perosa 7. O mercado futuro de câmbio no Brasil é eficiente? Cláudio Fernandes e Márcio Holland

SUMÁRIOS DOS ESTUDOS 1. Bem sabido, a taxa de câmbio é uma das variáveis mais relevantes de uma economia, especialmente a economia brasileira, por ser uma economia emergente, exportadora de produtos baseados em recursos naturais, importadora de bens de capital e de insumos industriais, ter um mercado financeiro razoavelmente bem desenvolvido. Ou mesmo, pelo fato da economia brasileira ter tido, até recentemente, grande parte da dívida pública indexada em moeda estrangeira (Dólar Americano). Ou por ainda emitir no mercado internacional grande parte de títulos ainda indexados em Dólar. Contudo, a diversidade e complexidade de sua estrutura produtiva, associada com grande heterogeneidade regional, pode tornar muito difíceis avaliar os efeitos de alterações na taxa de câmbio sobre o conjunto desta economia. De qualquer forma, a correlação entre o comportamento da taxa de câmbio e o saldo comercial, como observado na figura abaixo, demonstra a grande importância desta variável para o comercial exterior brasileiro. Note que movimentos de desvalorizações na taxa de câmbio estão sempre associados com ganhos de saldo comercial, enquanto que períodos de grandes valorizações cambiais acabam por refletir em redução de tais saldos, senão déficits comerciais. No estudo de Kannebley, de Prince & Scarpelli, pode-se notar, contudo, que, ao longo dos anos de 1990 e 2000, os saldos comerciais brasileiros respondem às variações cambiais de forma lenta (defasada) e assimétrica (resposta à desvalorização mais intensa que a valorização).

Figura 1. Brasil: Saldo Comercial e Taxa Real de Câmbio (1980-2010) 50,000 40,000 Saldo Comercial Taxa Real de Câm bio 180 160 30,000 140 20,000 120 10,000 100 0 80-10,000 60 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 Fonte: BACEN. Elaboração: Márcio Holland 2. [Marçal & Holland] Contudo, ao estudar os efeitos da taxa de câmbio sobre a dinâmica das exportações brasileiras, em termos de crescimento do quantum exportado, desagregada por setores de atividade econômica, ou por destinos das exportações, não se pode facilmente dizer que haja uma relação forte entre tais variáveis. Em outras palavras, parece que a taxa de câmbio ajuda a explicar o comportamento das exportações somente de alguns setores, especialmente aqueles voltados para a produção de bens finais (consumo durável e não durável e de capital), assim como para as regiões da União Européia e Ásia-Pacífico. As exportações de produtos primários ou intensivos em recursos naturais se mostram muito pouco influenciadas pela taxa de câmbio. Dado que o Brasil exporta para a China, seu principal parceiro comercial, predominantemente produtos primários, a taxa de câmbio, por exemplo, explica muito pouco a dinâmica de nossas exportações para esse importante parceiro comercial. Note, na figura 2, que a China se tornou nosso maior parceiro comercial em detrimento de clara perda de mercado com os Estados Unidos e com a Área do Euro. Esta alteração na direção das exportações brasileiras vem

acompanhada de mudança também na nossa pauta de exportações, ainda mais concentrada em produtos primários e baseados em recursos naturais. Figura 2. Brasil e seus parceiros comerciais (1990-2009) 30 1990 2009 25 20 15 10 5 0 ESTADOS UNIDOS ÁREA DO EURO AMÉRICA DO SUL CHINA Fonte: FMI. Direction of Trade Statistics on line. Acesso em 01/05/2010 Dada a forte relação entre a taxa de câmbio e o saldo comercial, como mostrado anteriormente, haveria uma explicação plausível, então, de porque a taxa de câmbio explica pouco o comportamento das exportações brasileiras: provavelmente os nosso estudo está analisando apenas o lado da demanda de exportação; seria importante analisar também o lado da oferta de exportações. Talvez os empresários brasileiros já ajustem a sua produção para exportação somente de produtos competitivos por vantagens muito além de uma taxa de câmbio. De outra parte, a taxa de câmbio afetaria o saldo comercial tão fortemente por meio das importações. 3. [Kannebley, de Prince & Scarpelli]. Assim, o estudo sobre os efeitos da taxa de câmbio sobre o comércio exterior se voltou para investigar a dinâmica das importações brasileiras, bem como a análise das exportações pelo seu lado da demanda. Haveria auto-seleção para exportar, e os testes para essa hipótese

em contraposição à hipótese de aprendizado e seus desdobramentos sobre a evolução da produtividade das empresas exportadoras. O que se observou na experiência recente brasileira é uma relação defasada e assimétrica entre taxa de câmbio e balança comercial. Teoricamente, essas evidências remontam à teoria de hysteresis para o comércio internacional. Segundo essa proposição teórica, em razão da existência de custos de entrada e saída, os exportadores/importadores não entram ou saem do mercado externo prontamente em resposta às mudanças na taxa de câmbio real. Preferem adotar estratégias de esperar e ver para tomar decisões que devem implicar custos de saída ou reentrada, fazendo com que valorizações ou desvalorizações não gerem um efeito imediato e simétrico sobre as exportações/importações. Com isso, torna-se preocupante a possibilidade da resposta do volume importado/exportado ter um caráter permanente a despeito do caráter transitório porém intenso da variação cambial. Ou seja, uma das implicações da hipótese de hysteresis no comércio exterior seria de que variações cambiais, ao alterarem as perspectivas de rentabilidade das atividades de exportações/importações, e ao induzir movimento de entrada/saída do comércio exterior, alterariam, por conseguinte, a estrutura de comércio. Sendo assim, o retorno ao nível pré-valorização, não necessariamente estaria garantindo que a estrutura de comércio prevalecente anteriormente ao movimento contínuo de valorização fosse restabelecida 1. 1 A recente apreciação cambial teve efeito danoso, principalmente, sobre as exportações de produtos manufaturados, já que o aumento da demanda mundial pressionou relativamente para cima os preços dos produtos básicos e semi-manufaturados, bem como seus volumes exportados. Já as importações apresentaram um redirecionamento da pauta em direção aos bens intermediários, responsável, nos anos de 2000, por quase 60% do total importado pelo país.

Para melhor compreender a reposta das funções do comércio exterior às variações cambiais deveria se levar em conta a hipótese de hysteresis, já que a desconsideração dessa hipótese poderia levar à produção de estimativas de elasticidade viesadas, em razão da omissão dos efeitos de alterações estruturais nessas funções provenientes de alterações na estrutura de comércio subjacentes. O teste para a hipótese de hysteresis, e a produção de estimativas de elasticidades que incorporassem seus efeitos, permitiria inferir a sensibilidade das exportações e importações às variações cambiais recentes sob tal hipótese e melhor avaliar os efeitos da política cambial sobre o comércio exterior brasileiro. 4. [Gala, Araújo, Bresser-Pereira]. No debate brasileiro sobre a relação entre taxa de câmbio e poupança duas linhas argumentativas se destacam. Uma delas defende que, em virtude das baixas taxas de poupança da economia brasileira, um maior crescimento econômico pode ser conseguido pela aceitação de déficits em conta corrente. Nessa visão, a absorção de poupança externa complementa a poupança interna, aumentando a poupança total da economia, o investimento e, consequentemente, o crescimento econômico. De fato, com a ajuda da figura 3, pode-se observa a forte correlação negativa entre a poupança doméstica brasileira e o uso de poupança externa (ou seja, déficits em transações correntes). Outra linha de argumentação ressalta que um país com a estratégia de crescimento baseado em poupança externa, a primeira conseqüência é a apreciação da taxa de câmbio. Do lado da oferta, isso implica aumento artificial dos salários, e, em consequência, aumento do consumo e redução da poupança interna. Do lado da demanda, o resultado é a diminuição das oportunidades de investimento lucrativo voltados para a exportação, que reduz o investimento e a poupança interna. Nesse caso, a poupança externa

em grande parte substitui ao invés de se constituir em um acréscimo à poupança interna. Figura 3. Brasil: Taxa de Poupança Doméstica e Uso de Poupança Externa (1947-20007) % do PIB 7 6 5 4 3 2 1 0-1 Uso Poupança Externa (% PIB) Poupança Dom éstica (% PIB) 36 32 28 24 20 16 12 8 4-2 0 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 00 05 10 Fonte: Ipeadata: Elaboração: Márcio Holland O trabalho de Gala, Araújo e Bresser-Pereira apresentou perspectivas teóricas e empíricas que exploram o canal macroeconômico dos efeitos do câmbio sobre a poupança doméstica. Os argumentos apresentados procuraram discutir os impactos do nível do câmbio real nos salários reais, taxas de lucro, investimento agregado, poupança externa e interna. Dentro do modelo explorado, em casos de sobrevalorização, de um lado, a elevação dos salários e a redução de margens de lucro nos setores de produção de bens comercializáveis e, de outro, a diminuição das expectativas de lucro ou das oportunidades de investimento voltados para a exportação implicarão queda na no investimento e na poupança agregada. Alguns autores têm argumentado que o modelo asiático não seria implementável no Brasil ou América Latina devido ao baixo nível de poupança privada. Tratando a conta corrente dos países como resíduo,

argumentam que a baixa propensão individual a consumir dos asiáticos seria responsável pelos altos níveis de poupança doméstica e superávits em conta corrente. O modelo de Gala, Araújo e Bresser-Pereira inverte essa relação: não é a propensão a poupar que explica a poupança elevada e a conta corrente superavitária, mas é a taxa de câmbio competitiva ao invés de sobreapreciada que, de um lado, reduz o consumo agregado e aumenta a poupança interna, e, de outro, cria oportunidades lucrativas de investimento. Assim, o segredo para o alto nível de poupança dos asiáticos estaria, segundo o modelo, na política de manter a taxa de câmbio competitiva ou de impedi-la de se sobreapreciar que implica em salários reais relativamente reduzidos no curto prazo, dado um nível de produtividade, para que possam, com o crescimento mais rápido, aumentar mais no médio prazo. Vale notar que toda essa discussão é feita a partir de determinados níveis de produtividade. A elevação do salário real sem contrapartida de aumentos de produtividade é problemática, porque acaba por colocar a economia numa trajetória insustentável, que geralmente termina em crise de balanço de pagamentos. Por outro lado, numa situação de câmbio competitivo, há um aumento de lucratividade dos investimentos e exportações que tende a aumentar o nível de produtividade da economia no longo prazo, permitindo o aumento dos salários reais de forma equilibrada. A análise econométrica apresentada no trabalho indica que uma taxa de câmbio competitiva eleva a taxa de crescimento econômico e a taxa de poupança doméstica. Os resultados das estimativas apontam uma robusta e significativa relação positiva entre a desvalorização relativa da taxa de câmbio real e a poupança doméstica/pib.

Além disso, é interessante notar que os resultados do modelo econométrico indicam que a poupança externa, efetivamente, tem um grau de displacement na poupança interna, ou, em outras palavras, que a taxa de substituição da poupança interna pela externa tende a ser elevada. Isto fica claro na medida em que elevações na poupança externa precedem, temporalmente, reduções na poupança doméstica. 5. [Mattos & Teixeira]. Este estudo apresenta evidências empíricas sobre a relação positiva, mas heterogênea entre a taxa cambial e o montante arrecadado de IPTU nos municípios do Brasil no período de 2004 a 2007. Os autores encontraram que a depreciação do real em relação ao dólar em um real (comparativamente a dois anos atrás) eleva entre R$ 1,80 a R$11,50, o montante arrecadado em média por habitante através do IPTU. Uma possível explicação seria que a depreciação cambial faz com que agentes econômicos podem preferir investimentos no setor imobiliário e/ou na construção civil, o que tende a afetar o IPTU e suas políticas de arrecadação. No entanto, não encontraram evidência de efeitos da taxa de câmbio real sobre a arrecadação do ISS de forma direta. Portanto, as administrações municipais devem ter maior preocupação com o efeito de variáveis agregadas como taxa cambial em suas administrações locais. Os desdobramentos da crise do subprime ocorrida entre 2008 e 2009 sugere que a queda de receita do município pode independer do esforço fiscal dos gestores públicos locais. 6. [Marconi e Barbi]. O estudo procurou identificar também se o comportamento da taxa de câmbio, e do comércio exterior por consequência, contribuiu para reduzir a participação da indústria de transformação no valor adicionado da economia. A análise restringe-se ao período 1995-2007 em virtude da disponibilidade de dados das Contas Nacionais.

Os resultados obtidos sugerem que as exportações de todos os setores considerados - subdivididos em tipos de commodities e de manufaturados - evoluíram no período, mas que as importações, principalmente dos produtos de média-alta e alta tecnologia, cresceram bem mais e geraram déficits comerciais que podem ter contribuído para a redução da participação da indústria de transformação no PIB. Este fato configuraria um processo de doença holandesa, agravado pela valorização da taxa de câmbio decorrente, por sua vez, do fluxo de capitais positivo. Adicionalmente, ressalta-se que as importações aumentaram principalmente dentre os insumos utilizados no processo produtivo. Isso indica que os exportadores compensariam o efeito da valorização do câmbio sobre suas receitas com a redução de custos via importação de insumos mais baratos, o que reforça o processo de desindustrialização. Os testes econométricos demonstraram que a participação da indústria de transformação no PIB realmente se reduz quando a taxa real de câmbio (reais/dólares) se valoriza e vice-versa. 7. [Margarido, Serigati e Perosa]. Diante do intenso debate em relação à apreciação cambial no Brasil, em que se argumenta que a apreciação está diretamente relacionada com a expressiva exportação de commodities, sobretudo agrícolas, o estudo de Margarido, Serigati e Perosa analisa essa questão. É necessário realçar que o delineamento dos efeitos de choques de preços de commodities sobre a taxa de câmbio é relevante, especialmente nos casos de economias que são exportadoras de commodities, como é o caso do Brasil, e que, além disso, possuem política cambial com taxa flutuante. Sendo assim, nesse estudo, são utilizados modelos de séries temporais para analisar a transmissão de como variações dos preços internacionais de commodities agrícolas para a taxa de câmbio real no Brasil, tanto para o curto quanto longo

prazo. Caso essa elasticidade de transmissão seja igual ou superior a unidade, pode-se considerar que a elevação dos preços de commodities, ou seja, choques reais têm impacto expressivo sobre a formação da taxa de câmbio brasileira. No entanto, se essa elasticidade estiver mais próxima de zero do que da unidade, este argumento não se sustenta, havendo outras variáveis que contribuem de forma mais significativa para a apreciação cambial. Os resultados obtidos por este estudo demonstram que variações nos preços internacionais de commodites agrícolas não são transmitidas para a taxa de câmbio real no Brasil, no longo prazo, sendo que essa transmissão se resume ao curto prazo, e, além disso, essa transmissão é inelástica. 8. [Fernandes & Holland]. Um tópico importante na economia brasileira recente diz respeito à previsibilidade das taxas de câmbio e sua eficácia. Afinal, nossa moeda apresentou um claro movimento de apreciação por um razoavelmente longo período de tempo (entre 2003 e 2008) e ainda assim havia claramente um viés de desvalorização de nossa moeda. No período de análise, o forward Real/Dólar (a taxa futura de câmbio) é um estimador viesado para paridade futura do câmbio spot. Esse viés deve-se a rejeição da hipótese de racionalidade das expectativas em todos os horizontes de prazo e a eficiência do mercado para os prazos médio e longo. De fato, as tendências estocásticas do forward e do spot de longo prazo não são relacionadas ou não são estacionárias. Para 1 mês, o mercado é eficiente, muito em função da liquidez do mercado spot. Noutras palavras, para o médio e longo prazos, mesmo quando a taxa de câmbio apresenta uma clara tendência a apreciação, as cotações futuras não são uma boa previsão para as taxas de câmbio que deverão vigorar no futuro.