Defeitos cristalográficos e deformação. Rui Vilar Professor Catedrático Instituto Superior Técnico

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Transcrição:

Defeitos cristalográficos e deformação Rui Vilar Professor Catedrático Instituto Superior Técnico 1

Defeitos em sólidos Não existem cristais perfeitos O que são defeitos cristalográficos? Qual a sua importância? Muitas propriedades importantes dos materiais são controladas pela presença de defeitos 2

Tipos de defeitos Lacunas Át. intersticiais Át. substitucionais Deslocações Limites de Grão Falhas de Empilhamento Maclas Defeitos Pontuais Defeitos Lineares Defeitos Planares 3

Defeitos pontuais Lacunas: posição atómicas não ocupadas distorção da rede Lacuna At. intersticiais: átomos alojados em insterstícios da rede distorção da rede Auto-intersticial 4

Defeitos pontuais: átomos intersticiais e substitucionais 5

Concentração de lacunas em equilíbrio A concentração de lacunas em equilíbrio depende da temperatura N.º de lacunas/m 3 N.º de posições potenciais para lacunas por m 3 = n.º pos. at./m 3 N v N =exp E v k T Energia de activação para a formação de uma lacuna Temperatura (K) constante de Boltzmann (1.38 x 10-23 J/(átomo.K)) (8.62 x 10-5 ev/(átomo.k)) Todas as posições atómicas são potencialmente ocupáveis por lacunas 6

Determinação da energia de activação E v pode ser determinado N v experimentalmente N = exp E v k T Medindo... Representando... N v N Dependência exponencial N v ln N declive - E v /k fracção de defeitos T 1/ T 7

Cálculo da concentração de lacunas Calcular o número de lacunas em equilíbrio em 1 m 3 de Cu a 1000 C Dados: ρ = 8.4 g /cm 3 M Cu = 63.5 g/mol E V =0.9 ev/átomo N A = 6.02 x 10 23 átomos/mol 0.9 ev/átomo N E v = exp v = 2.7 x 10-4 N k T 1273K 8.62 x 10-5 ev/(átomo.k) N Em 1 m 3 A, N = ρ x x 1 m 3 = 8.0 x 10 28 posições cristalográficas M Cu Resultado: N v = (2.7 x 10-4 )(8.0 x 10 28 ) = 2.2 x 10 25 lacunas 8

Defeitos Lineares Deslocações: Defeitos unidimensionais: região em torno da qual os átomos estão fora das posições de equilíbrio é uma linha Defeito caracterizado pela linha de deslocação e pelo vector de Burgers b (que mede a distorção da rede). A linha de deslocação e o vector de Burgers definem um plano que é o plano de escorregamento deslocação cunha deslocação parafuso deslocação mista 9

Deslocação cunha Deslocação cunha semi-plano adicional de átomos inserido na estrutura cristalina linha de deslocação b Linha de deslocação Plano de escorregamento 10

Movimento das deslocações cunha 11

Deslocação parafuso: Deslocações parafuso resulta de uma deformação por corte parcial do cristal linha de deslocação b τ Plano de escorregamento τ Linha de deslocação Vector de Burgers 12

Vector de Burgers e circuito de Burgers τ b τ 13

Deslocações mistas Deslocação mista Cunha Parafuso 14

Movimento de deslocações Deslocações e deformação plástica Metais cúbicos e hexagonais - deformação plástica por escorregamento de uma parte do cristal em relação à outra num plano de átomos por movimento de deslocações A deformação plástica faz-se essencialmente por movimento de deslocações 15

Movimento de deslocações A deslocação move-se no plano de escorregamento e na direcção do vector de Burgers (direcção de escorregamento ) Deslocação cunha Deslocação parafuso 16

Deformação por escorregamento Sistemas de escorregamento Plano de escorregamento - plano de fácil deslizamento Distâncias interplanares elevadas (índices baixos) Planos de máxima compacidade (densidade atómica planar elevada) Direcção de escorregamento - direcção do movimento Direcções de maior compacidade (densidade atómica linear elevada) CFC escorregamento ocorre em planos {111} (compactos) em direcções <110> (compactas) => total de 12 sistemas de escorregamento CCC: planos {110} e direcções <111> HC: planos basais 17

Deformação plástica e movimento de deslocações Deslocações quando as deslocações se movem ocorre deslizamento entre planos cristalinos a deformação produzida é permanente (deformação plástica) Deformação do zinco (HC): antes da deformação após deformação em tracção Degraus de escorregamento 18

Tensões aplicadas e movimento de deslocações O escorregamento é devido a uma tensão de corte no plano τ R Essa tensão é gerado pela tensão de tracção aplicada σ Tensão aplicada (tracção) : σ = F/A Tensão de corte resolvida: τ R =F S /A S Relação entre σ e τ R A F Normal ao plano de escorregamento, n s τ R F τ R = F S /A S cos λ A / cos φ F S A S F λ n S φ A F τ R F S A S Lei de Schmid τ R = σ cos λ cos φ Factor de Schmid 19

Tensão crítica de corte Condição para movimento de deslocações: τ R > τ TCRC Orientação cristalina: pode ser mais fácil ou mais difícil mover uma deslocação Tipicamente 10-4 τ R = σ cosλcosφ σ σ σ a 10-2 GPa τ R = 0 λ=90 τ R = σ/2 λ=45 φ=45 τ R = 0 φ=90 τ máxima para λ = φ = 45º 20

Deformação de monocristais Direcção da força Plano de escorregamento 21

Deformação de monocristais a) Irá o monocristal ceder para a tensão aplicada? b) Se não, que tensão seria necessário aplicar? φ=60 τ TCRC = 20 MPa λ=35 τ = σ cos λ cos φ σ = 45 MPa τ = ( 45 MPa) ( cos 35 )(cos 60 ) = ( 45 MPa) ( 0.41) τ = 18, 45 MPa < τ TCRC = 20 MPa σ = 45 MPa A tensão aplicada de 45 MPa não causa a cedência do cristal. 22

Deformação de monocristais Valor da tensão de cedência, σ ced τ TCRC = 20 MPa = σ ced cos λ cos φ = σ ced ( 0.41) σ ced = τ TCRC cos λcos φ = 20 MPa 0, 41 = 48,8 MPa Para ocorrer deformação a tensão aplicada teria que ser igual ou superior a σ ced σ σ ced = 48,8 MPa 23

Escorregamento em policristais σ Mais resistentes do que os monocristais: fronteiras de grão limitam a deformação Planos e direcções de escorregamento (λ, φ) variam de cristal para cristal τ R varia de cristal para cristal O cristal com maior factor de Schmid deforma-se primeiro Os cristais com orientações menos favoráveis deformam-se mais tarde 300 µm Equação de Hall Petch σ y = σ 0 + k y d 24

Defeitos planares: fronteiras de grão Limites ou fronteiras de grão regiões entre cristais efectuam a transição entre as duas redes cristalinas os átomos encontram-se afastados das posições de equilíbrio densidade atómica baixa mobilidade elevada difusividade elevada reactividade química elevada Microestrutura em grãos 25

Defeitos planares: falhas de empilhamento e maclas Falhas de empilhamento Em metais CFC: erros na sequência de empilhamento dos planos atómicos Ex: ABCABABC em ABCABC (CFC) Maclas Translação dos planos atómicos de uma distância proporcional ao plano de macla Selenite 26

Observação microscópica de defeitos Defeitos num leito de bolhas 27

Observação microscópica de defeitos Limites de grão Superfície polida Sulco Limite de grão Liga Fe-C Imagem HR - TEM de SrTiO3 Fronteira de grão (Ruhle, Science, 2003) Small angle boundary in YBaCuO 28

Observação microscópica de defeitos Configurations of a mono-vacancy in two dimensional colloidal crystal (microscopic view and modelling) Pertsinidis, Nature 413 (2001)147 29

Observação microscópica de defeitos AFM images of a NaCl surface with atomic resolution showing two point defects on the surface and how they move over a period of about two hours. There is no way to determine the nature of the defect from these images alone, and this must be investigated by modelling... HR STM image of a PtRh (100) suface after exposure to pure oxygen. Oxygen adatoms. 30

Observação microscópica de defeitos Contact-mode AFM images (15x15 µm) showing growth spirals in MBE PbTe arising from threading dislocations of partially screw type character http://www.hlphys.jku.at/groupsites/iv-vi/gallery/iv-vi_gallery.htm 31

Observação microscópica de defeitos Deslocações e uma macla num aço inoxidável austenítico 32

Observação microscópica de defeitos HR TEM image of a dislocation in TiAl. It is a b = ½ [bar110] dislocation taken with the beam down the [10 bar1] direction. (Beverly Inkson, University of Cambridge,1994) 33