Estadiamento do Carcinoma do Colo do Útero por Ressonância Magnética Comparação com os Achados Anátomo-Patológicos

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Transcrição:

Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XXV, nº 97, pág. 21-25, Jan.-Mar., 2013 Estadiamento do Carcinoma do Colo do Útero por Ressonância Magnética Comparação com os Achados Anátomo-Patológicos Staging Cervical Cancer with Magnetic Resonance Imaging Comparison with Pathological Findings Maria Helena Valentim 1, Teresa Margarida Cunha 2 1 Interna do Internato Complementar de Radiologia Hospital de S. Francisco Xavier, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental 2 Assistente Hospitalar Graduada de Radiologia Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, Serviço de Radiologia Director: Dr. José Venâncio Resumo Recebido a 27/11/2012 Aceite a 19/01/2013 Objectivo: Avaliar a acuidade da Ressonância Magnética (RM) no estadiamento do carcinoma do colo do útero, comparando os achados em RM com os resultados Anátomo-Patológicos da peça operatória. Material e Métodos: Foi efectuado um estudo retrospectivo que incluiu 41 doentes operadas com o diagnóstico de carcinoma do colo do útero e previamente submetidas a RM para estadiamento, entre Janeiro de 2007 e Dezembro de 2009. Foram analisados os seguintes factores de estadiamento e prognóstico: dimensão do tumor, invasão dos paramétrios, invasão da vagina e metástases ganglionares. A dimensão do tumor determinada por RM foi comparada com a medição na peça operatória através da análise do declive e ordenada na origem de uma recta de regressão entre os dois métodos. Resultados: O tumor foi visualizado por RM na maioria dos casos (35 doentes, 85.4%). Nas restantes 6 doentes a avaliação anátomo-patológica revelou um tumor com menos de 6 mm de diâmetro. A dimensão do tumor foi adequadamente avaliada por RM, sem diferenças estatisticamente significativas entre a medição por RM e na peça operatória. Foi confirmado o elevado valor preditivo negativo da RM na exclusão de invasão dos paramétrios previamente reportado, com apenas 2 falsos negativos em que a anatomia patológica demonstrou apenas invasão microscópica focal. A invasão da vagina foi correctamente avaliada em 30 doentes (85.7%), tendo-se verificado nos restantes casos 2 falsos negativos e 3 falsos positivos. Em relação às metástases ganglionares verificaram-se 4 falsos negativos, no total das 41 doentes avaliadas. Conclusão: A dimensão do tumor, invasão dos paramétrios, invasão da vagina e metástases ganglionares foram adequadamente avaliadas por RM, confirmando a capacidade da RM no estadiamento do carcinoma do colo do útero. Palavras-chave Carcinoma do Colo do Útero; Estadiamento; Ressonância Magnética. Abstract Purpose: To evaluate the accuracy of MRI in staging cervical cancer, by comparing MRI and pathological findings. Methods and Materials: A retrospective study included 41 patients with the diagnosis of cervical cancer submitted to surgery that underwent staging by MRI, between January 2007 and December 2009. The following staging and prognostic factors were analysed, comparing the MRI findings with the pathological reports: tumour dimension, parametrial invasion, vaginal invasion and lymph node metastases. Tumour dimension determined by MRI was compared with pathological measurements by analysis of the slope and intercept of a linear regression between both methods. Results: The tumour was visualized by MRI in the majority of patients (35 patients, 85.4%). In the remaining 6 patients pathology revealed a tumour with less than 6 mm in diameter. Tumour dimension was adequately evaluated with MRI, with no statistically significant difference between MRI and pathological findings. The previously reported high negative predictive value of MRI in excluding parametrial invasion was confirmed, with only 2 false negative cases in which pathology showed focal and microscopic invasion. Vaginal invasion was adequately evaluated in 30 patients (85.7%) and there were 2 false negatives and 3 false positives. Regarding lymph node metastases there were 4 false negative cases with MRI, in the total of 41 patients evaluated. Conclusions: Tumour dimension, parametrial, vaginal invasion and lymph node metastases were adequately evaluated with MRI, confirming the ability of MRI in staging cervical cancer. Key-words Cervical Cancer; Staging; Magnetic Resonance Imaging. ARP21

Introdução O carcinoma do colo do útero é a neoplasia ginecológica mais comum em Portugal, com uma incidência de 11.28 em 100.000 mulheres em 2005, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde [1]. A taxa de mortalidade em 2009, de acordo com os mesmos dados, é reportada em 3.76/100.000. O estadiamento da neoplasia do colo do útero é essencialmente clínico, de acordo com os critérios da classificação da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) [2,3]. No entanto, a avaliação clínica tem uma percentagem significativa de erros no estadiamento, com uma taxa de erro de 32% no estádio IB e de cerca de 65% no estádio III [4]. As principais dificuldades no estadiamento clínico são: a avaliação das dimensões do tumor, a avaliação da invasão dos paramétrios e da parede pélvica e a avaliação de metástases ganglionares. Estes aspectos constituem contudo importantes factores de prognóstico, sendo a sua apreciação essencial para a decisão terapêutica. Na revisão da classificação da FIGO em 2009, apesar de não terem sido incluídos critérios radiológicos, é encorajada pela primeira vez a utilização de técnicas radiológicas (RM/TC) para avaliação de alguns factores importantes no prognóstico, como o tamanho do tumor (volume tumoral), a invasão dos paramétrios ou dos órgãos adjacentes e extensão e tamanho das adenomegalias [2,3,5]. Assim, a Radiologia assume um papel complementar à avaliação clínica, sendo a Ressonância Magnética (RM) a técnica de eleição na avaliação do carcinoma do colo do útero [4,6-8]. O factor mais importante no estadiamento consiste na existência ou não de invasão dos paramétrios, uma vez que permite a distinção entre o estádio IIA e IIB, com importantes implicações terapêuticas [7]. Em lesões com estádio inferior a IIA com mínima invasão vaginal o tratamento é cirúrgico, excepto nos casos em que as dimensões do tumor excedem os 4 cm. Para os tumores nos restantes estádios o tratamento consiste preferencialmente em radioterapia, com ou sem quimioterapia associada [9-11]. Material e Métodos Com o objectivo de determinar a acuidade da RM no estadiamento pré-operatório da neoplasia do colo do útero, realizámos um estudo retrospectivo de 41 doentes submetidas a cirurgia por carcinoma do colo do útero no Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPOLFG) no período compreendido entre Janeiro de 2007 e Dezembro de 2009. Foram comparados os seguintes parâmetros avaliados por RM com a descrição anátomo-patológica da peça operatória: dimensões do tumor (maior diâmetro determinado), invasão dos paramétrios, invasão da vagina e presença de adenomegalias. Caracterização da Amostra Foram inicialmente incluídas no estudo todas as doentes submetidas a cirurgia por carcinoma do colo do útero no IPOLFG entre Janeiro de 2007 e Dezembro de 2009. Da amostra inicial foram excluídas as doentes que realizaram RM fora da nossa instituição, tendo sido posteriormente referenciadas apenas para tratamento, uma vez que se verificava grande discrepância nos protocolos utilizados, não permitindo obter resultados comparáveis. Excluímos também as doentes previamente submetidas a conização, nas quais não se verificava a existência de tumor residual. Assim, a amostra final era constituída por 41 doentes do sexo feminino, com idades compreendidas entre 34 e 70 anos, com uma média de idades de 49,3 anos ± 9,1. O diagnóstico histológico foi na maioria dos casos de carcinoma pavimento-celular (29 doentes 70,7%), em 9 casos de adenocarcinoma (22%), em 1 caso de carcinoma misto com componente de adenocarcinoma e carcinoma neuroendócrino (2,4%), em 1 caso de adenocarcinoma com áreas de tipo glassy cell (2,4%) e em 1 caso de carcinoma linfoepitelial (2,4%). As doentes foram submetidas a intervenção cirúrgica num intervalo de tempo compreendido entre 13 e 134 dias após a realização da RM (média 45,4 dias ± 23,8). Protocolo RM Até ao 1º trimestre de 2009 os exames foram realizados num equipamento de 1.0 Tesla (modelo Gyroscan NT; Philips) e posteriormente num equipamento de 1.5 Tesla (modelo Intera; Philips). Todas as examinadas cumpriram um período de jejum de 4 a 6 horas. Foi efectuada administração endovenosa de 40mg de butilescopolamina (Buscopan ) para reduzir os artefactos condicionados pelo peristaltismo intestinal. O protocolo utilizado no IPOLFG inclui sequências ponderadas em T1 axial, T2 axial até ao nível dos hilos renais, T2 sagital, T2 coronal oblíquo (perpendicular ao canal cervical) e estudo de difusão na pélvis no plano sagital/axial. São ainda efectuadas aquisições em T1 sagital/axial com saturação de gordura após administração de gadolínio com estudo dinâmico, nas seguintes situações: ausência de visualização do tumor em T2, suspeita de fístula, suspeita de invasão vesical/rectal. Análise das Imagens As imagens foram analisadas por um radiologista com experiência em radiologia ginecológica (T.M.C.) e por um radiologista em formação (M.H.V.), sem conhecimento prévio do resultado anátomo-patológico. A dimensão do tumor foi avaliada com base na determinação do maior diâmetro na sequência em que este fosse melhor demonstrado (Fig. 1). Foi considerada a existência de invasão dos paramétrios nos casos em que se identificou uma disrupção do sinal hipointenso do estroma cervical com extensão do sinal intermédio do tumor ao tecido parametrial adjacente [10]. A invasão da vagina foi considerada quando se verificou disrupção da parede hipointensa da vagina pelo tumor de intensidade intermédia em T2 [10]. Foi ainda determinada a extensão da invasão, aspecto com importância no estadiamento de acordo com a classificação FIGO, sendo valorizada sobretudo a presença ou ausência de invasão do terço inferior da vagina. Como delimitação dos vários 22 ARP

Fig. 1 - Determinação do maior diâmetro do tumor em duas doentes. Em ambos os casos foi seleccionada uma sequência sagital T2, em que o tumor é identificável pelo sinal intermédio, contrastando com o hipossinal do estroma cervical. No segundo caso o tumor tem crescimento infiltrativo, com extensão ao istmo. segmentos da vagina considerou-se que o terço superior corresponde aos fundos de saco vaginais, o terço médio estende-se até ao pavimento vesical e o terço inferior localiza-se abaixo do pavimento vesical, em topografia posterior à uretra [11]. Na avaliação de adenomegalias foram considerados como suspeitos os gânglios pélvicos com mais de 8 mm de curto eixo no plano axial [4,10,11]. Foi ainda considerada adicionalmente a alteração da morfologia ganglionar, considerando-se como potencialmente suspeitos os gânglios de morfologia arredondada. Para esta avaliação foram utilizadas sobretudo as sequências ponderadas em T2 que permitem uma melhor distinção das adenomegalias, com sinal intermédio, dos vasos e estruturas musculares que apresentam hipossinal [4,10]. Fig. 2 - RM sagital T2 e sagital T1 com saturação de gordura após administração de gadolínio, com normal sinal do colo do útero, sem visualização do tumor. Análise Estatística No que diz respeito à dimensão do tumor, as medidas obtidas por RM foram comparadas com as medidas obtidas na avaliação anátomo-patológica da peça operatória (AP), com base na análise da ordenada na origem e declive da recta de regressão de RM em AP. A igualdade das duas medidas implicaria um declive (b) igual a 1 e uma ordenada na origem (a) nula. Assim foram realizados os testes t- student para b=1 e para a=0. RM (mm) 60 50 40 30 20 Regressão de RM em AP Resultados Em 6 doentes (14.6%) não foi visualizado o tumor por RM (Fig. 2), tendo a análise anátomo-patológica da peça operatória confirmado a existência de tumor de reduzidas dimensões (inferior a 6 mm). Nos restantes casos a diferença entre o maior diâmetro do tumor avaliado por RM e o diâmetro avaliado na peça operatória variou entre 0 mm e 11 mm, com uma média de 4.4 ± 2.7 mm. Em 29 doentes (70.7%) a diferença foi inferior ou igual a 5 mm. Se considerarmos o limite de 6 mm a percentagem é ainda mais elevada, sendo de 82%. A medição efectuada por RM sub-estimou em 16 casos (39%) e sobre-estimou em 23 casos a medição da peça operatória (56%). A figura 3 mostra o gráfico da relação entre as medidas obtidas por RM e AP, bem como a respectiva recta de regressão. A estimativa do declive da recta de regressão de RM em AP foi de 0.90 com um erro padrão de 0.06, o que não implica a rejeição da hipótese de que b=1 (p-value = 0.11). No caso da ordenada na origem obteve-se uma 10 0 0 10 20 30 40 50 60 recta 1:1 AP (mm) Fig. 3 - Recta de regressão de RM em AP. recta de regressão estimativa igual a 1.34, com um erro padrão de 1.76, valores que mais uma vez não implicam a rejeição da hipótese de que a=0 (p-value = 0.45). Estes valores encontram-se esquematizados na tabela 1. Assim, pode considerar-se que, de acordo com os testes realizados, a diferença entre as medições do tumor efectuadas por RM e as medições efectuadas na peça operatória não foi estatisticamente significativa. Nos casos em que o tumor foi visualizado por RM, a ausência de invasão dos paramétrios foi confirmada na peça operatória em 33 das 35 doentes, correspondendo a uma percentagem de 94.3% (Figs. 4 e 5). Nas restantes 2 doentes, a avaliação anátomo-patológica detectou invasão ARP23

Tabela 1 Estimativa Erro padrão t-student p-value Ordenada (a) 1,34 1,76 0,76 0,45 Declive (b) 0,90 0,06 1,64 0,11 número 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Avaliação por RM da invasão dos paramétrios, vagina e metastização ganglionar Invasão dos paramétrios Invasão da vagina Metastização ganglionar falsos positivos falsos negativos verdadeiros negativos Fig. 6 - Avaliação da invasão dos paramétrios, vagina e metástases ganglionares por RM. Discussão e Conclusões Fig. 4 - RM axial T1 com difícil visualização do tumor que tem hipossinal semelhante ao estroma cervical; RM axial T2 oblíquo perpendicular ao canal cervical e sagital T2 em que se distingue o tumor com sinal intermédio do hipossinal do estroma cervical. Na sequência axial oblíqua é visível que se encontra nitidamente preservada a integridade do hipossinal do estroma cervical, confirmando a ausência de invasão dos paramétrios. Fig. 5 - RM sagital T2 e axial T2 oblíquo perpendicular ao canal cervical, com visualização do tumor do colo do útero com hipersinal (provável lesão de elevada celularidade), sem evidência de invasão dos paramétrios, não se visualizando disrupção do hipossinal do estroma cervical na sequência axial oblíqua. dos paramétrios que era contudo apenas focal e microscópica (Fig. 6). No que diz respeito à invasão da vagina houve concordância entre os achados da RM e da análise anátomo-patológica da peça operatória em 30 doentes (85.7%). Em 2 doentes (5.7%) foi detectada invasão da vagina na peça operatória que não tinha sido previamente detectada por RM. Em 3 doentes (8.6%) a RM levantou a suspeita de invasão da vagina, que não foi confirmada na peça operatória. A ausência de metástases ganglionares foi confirmada na peça de linfadenectomia em 37 doentes (90.2%). Em 4 casos (9.8%) foram detectadas metástases ganglionares na avaliação anátomo-patológica que não tinham sido previamente detectadas por RM (Fig. 6). O prognóstico do carcinoma do colo do útero correlacionase, entre outros factores, com as dimensões do tumor, sendo este aspecto importante nomeadamente na orientação terapêutica. Os valores reportados para a acuidade da RM na determinação da dimensão do tumor são em geral positivos, embora sejam referidas algumas limitações. Estas incluem factores de ordem técnica como os artefactos de movimento ou a presença de edema circundante que influencia a medição. Neste último caso Boss et al [11] referem que a avaliação das dimensões nas sequências com contraste pode ajudar na melhor definição das margens tumorais. No entanto, num estudo publicado por Hricak et al [12], pelo contrário, verificou-se uma sobre-estimação das dimensões tumorais com a administração de contraste endovenoso. No estudo actual foi possível uma adequada caracterização das dimensões do tumor, sem diferenças significativas comparativamente com as dimensões da peça operatória. Numa percentagem significativa das doentes (70.7%), a diferença entre a RM e a AP foi igual ou inferior a 5 mm, sendo estes resultados concordantes com os valores reportados na literatura [8]. A acuidade da RM na avaliação da invasão dos paramétrios reportada na literatura varia entre 80 e 87% [4]. No entanto, a RM tem um elevado valor preditivo negativo no que diz respeito à invasão dos paramétrios, reportado em cerca de 94-100% [8]. A confirmação da integridade do hipossinal do estroma cervical permite excluir virtualmente a existência de invasão dos paramétrios. Os valores obtidos no presente estudo estão de acordo com estes dados, tendose obtido um valor preditivo negativo de 94.3%. No entanto, se considerarmos que os dois falsos negativos consistiam em invasão focal e microscópica detectada na avaliação da peça operatória, o valor preditivo negativo da RM será ainda mais elevado. Na avaliação da invasão da vagina a RM teve uma acuidade relativamente elevada, determinada em 85.7%, com concordância dos achados da RM e da análise anátomopatológica da peça operatória em 30 doentes (85.7%). Nos dois casos em que a RM não detectou invasão da vagina, esta não atingia em nenhum dos casos o terço inferior. Em 3 doentes a RM levantou a suspeita de invasão da vagina, que não foi confirmada na peça operatória. Em dois destes casos tinha sido considerada a existência de invasão possível, mas de difícil avaliação por RM. Existem menos 24 ARP

dados na literatura no que diz respeito à acuidade da RM na avaliação da invasão da vagina, uma vez que é neste caso menos relevante o papel da Radiologia, permitindo habitualmente a observação clínica uma avaliação adequada. No entanto a acuidade obtida no presente estudo está de acordo com as referências encontradas na literatura de 83-94% [10]. A classificação da FIGO não contempla o envolvimento ganglionar. No entanto, este é um dos factores mais importantes no prognóstico do carcinoma do colo do útero [4,7]. Em geral, a acuidade da RM na avaliação da metastização ganglionar é baixa, com uma sensibilidade de 38-89% e uma especificidade de 78-99% [4]. Habitualmente os gânglios suspeitos são identificados com base no critério dimensional (curto eixo no plano axial superior a 8 mm). No entanto devem ser considerados outros aspectos, como a morfologia arredondada, contornos espiculados, intensidade de sinal semelhante ao tumor primário e presença de necrose [4]. No presente estudo, utilizando como critério de suspeição um diâmetro superior a 8 mm no plano axial, bem como a presença de morfologia arredondada, não foram detectados gânglios suspeitos por RM. Houve no entanto quatro casos em que a anatomia patológica detectou metástases ganglionares não evidenciadas por RM, de acordo com as limitações conhecidas da RM na avaliação ganglionar. Será no entanto uma limitação do presente estudo a baixa probabilidade da existência de metastização ganglionar na população de estudo, uma vez que foram seleccionadas as doentes submetidas a cirurgia por carcinoma do colo útero, o que implica a presença de doença em estádio relativamente precoce, com a consequente indicação cirúrgica. 10. Nicolet, V.; Carignan, L.; Bourdon, F.; Prosmanne, O. - MR Imaging of Cervical Carcinoma : A Practical Staging Approach. Radiographics, 2000, 20:1539-1549. 11. Boss, E. A.; Barentsz, J. O.; Massuger, L. F. A. G.; Boonstra, H. - The role of MR imaging in invasive cervical carcinoma. Eur Radiol, 2000, 10:256-270. 12. Hricak, H.; Lacey, C. G.; Sandles, L. G.; Chang, Y. C. F.; Winkler, M. L.; Stern, J. L. - Invasive Cervical Carcinoma: Comparison of MR Imaging and Surgical Findings. Radiology, 1988, 166:623-631. Correspondência Maria Helena Valentim Hospital de S. Francisco Xavier, Serviço de Radiologia Estrada do Forte do Alto do Duque 1495-005 Lisboa email: mariahelenavalentim@gmail.com Referências 1. WHO/Europe, European Mortality Database (MDB), January 2012. 2. Pecorelli, S. - Revised FIGO staging for carcinoma of the vulva, cervix and endometrium. Int J Gynecol Obstet, 2009, 105:103-104. 3. Pecorelli, S. - Corrigendum to Revised FIGO staging for carcinoma of the vulva, cervix and endometrium. Int J Gynecol Obstet, 2009. 4. Balleyguier, C.; Sala, E.; da Cunha, T. et al. - Staging of uterine cervical cancer with MRI: guidelines of the European Society of Urogenital Radiology. Eur Radiol, 2011, 21(5):1102-10. 5. Pecorelli, S.; Zigliani, L.; Odicino, F. - Revised FIGO staging for carcinoma of the cervix. Int J Gynecol Obstet, 2009, 105:107-108. 6. Hori, M. et al. - Uterine Cervical Carcinoma: Preoperative Staging with 3.0-T MR Imaging Comparison with 1-5-T MR Imaging. Radiology, 2009, 251:96-104. 7. Koyama, T.; Tamai, K.; Togashi, K. - Staging of carcinoma of the uterine cervix and endometrium. Eur Radiol, 2007, 17:2009-2019. 8. Sala, E.; Wakely, S.; Senior, E.; Lomas, D. - MRI of Malignant Neoplasms of the Uterine Corpus and Cervix. AJR, 2007, 188:1577-1587. 9. Viswanathan, A. N.; Buttin, B. M.; Kennedy, A. M. - Oncodiagnosis Panel: 2006 Ovarian, Cervical and Endometrial Cancer. Radiographics, 2008, 28:289-307. ARP25