UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PRÁTICA JUDICANTE PRISCILLA ARAÚJO DE ALMEIDA

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Transcrição:

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PRÁTICA JUDICANTE PRISCILLA ARAÚJO DE ALMEIDA EFEITOS DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO JOÃO PESSOA 2015

PRISCILLA ARAÚJO DE ALMEIDA EFEITOS DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Monografia apresentada à Universidade Estadual da Paraíba UEPB, em parceria com a Escola Superior de Magistratura da Paraíba ESMA-PB, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em Prática Judicante. ORIENTADOR: Mestre Antônio Carlos Iranlei João Pessoa 2015

É expressamente proibida a comercialização deste documento, tanto na forma impressa como eletrônica. Sua reprodução total ou parcial é permitida exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, desde que na reprodução figure a identificação do autor, título, instituição e ano da dissertação. A447 Almeida, Priscilla Araújo de Efeitos da paternidade socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro [manuscrito] / Priscila Araújo De Almeida. - 2015. 77 p. : il. Digitado. Monografia (Prática Judicante) - Universidade Estadual da Paraíba, Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, 2015. "Orientação: Prof. Mc. Antonio Carlos Iranlei, ESMA". "Co-Orientação: Prof. Esp. Euler Jansen 1. Direito de família. 2. Paternidade. 3. Afetividade. I. Título. 21. ed. CDD 342.16

AGRADECIMENTOS A Deus, pelo dom da vida, pelo desenvolvimento das múltiplas inteligências, pela capacidade de superação dos momentos difíceis durante a pesquisa. À minha família, pelo apoio incondicional durante todo o estudo. A meu esposo Mário Eugênio Zenaide Cavalcanti, pelo seu amor, dedicação e incentivo, fazendo-me acreditar que eu posso. À minha filha Lara Maria, pelas minhas ausências e omissões, mas que é por ela que sempre busco evoluir. Ao meu Orientador, a minha gratidão, pela sábia orientação, pelas indicações de leitura, pela crítica propositiva e pela firmeza como acompanhou a trajetória de construção deste trabalho. Aos Professores do Curso de Especialização em Prática Judicante da ESMA, pelas vivências positivas e múltiplas aprendizagens, durante o Curso. A Ataídes Silva, funcionário exemplar da ESMA-PB, o meu muito obrigada pela atenção e generosidade, não só comigo, mas com todos os alunos. Aos amigos e amigas do Curso de Especialização, pela oportunidade de aprendermos uns com os (as) outros (as).

RESUMO O tema da pesquisa a ser realizada discute sobre a paternidade no Direito de Família contemporâneo, observando suas formas típicas e atípicas, ou seja, as formas biológicas e não-biológicas. Na atualidade, existem três espécies de paternidade: a biológica; a jurídica; e a socioafetiva. Esta pesquisa busca distinguir as diversas formas de paternidade, dando ênfase a paternidade socioafetiva, já que essa é uma realidade da nossa sociedade. Destacando que o real sentido nas relações entre pai e filho vai além da lei e do sangue, pois o elo afetivo é mais forte e profundo, e é isto que se deve ter em mente para ser um verdadeiro pai ou mãe, uma vez que os verdadeiros pais são os que amam, educam, dedicam sua vida a um filho, assim, surge um novo valor que sobrepõe a filiação biológica: o afeto. Palavra-chave: Direito de Família - Paternidade Afetividade

ABSTRACT The theme of the research to be conducted discusses fatherhood in Right of contemporary family, watching its typical and atypical forms, ie the biological and nonbiological forms. Currently, there are three species of paternity: the biological; legal; and the socio-affective. This research seeks to distinguish the various forms of fatherhood, emphasizing the socio-affective paternity, since this is a reality of our society. Noting that the real meaning in relations between parent and child is beyond the law and the blood because the affective link is stronger and deeper, and this is what you should keep in mind to be a true parent, since the real parents are those who love, educate, dedicated his life to a child, as well, a new value overrides the biological parentage: affection. Keyword: Family Law - Parenting - Affection

LISTA DE SIGLAS CC ECA CF CP PL STF STJ TJMG TJRS DNA Código Civil Estatuto da Criança e do Adolescente Constituição Federal da República do Brasil Código Penal Projeto de Lei Supremo Tribunal Federal Superior Tribunal de Justiça Tribunal de Justiça de Minas Gerais Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Composto orgânico que contêm instruções genéticas

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO... 11 1.1 Objetivos.... 12 1.1.1 Objetivos Gerais.... 12 1.1.2 Objetivos Específicos.... 12 2. A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA E DA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL... 14 2.1 A evolução do conceito jurídico de família... 14 2.2 A evolução da relação paterno-filial... 15 3. FILIAÇÃO... 19 3.1 Filiação Jurídica... 20 3.2 Filiação Biológica... 21 3.3 Filiação Socioafetiva... 23 3.4 Tipos de filiação.26 3.4.1 Filiação pela adoção legal... 26 3.4.2 Filiação pela adoção à brasileira... 27 3.4.3 Filiação pela técnica de reprodução assistida heteróloga...29 3.4.4 Filiação originária da posse do estado de filho... 30 3.4.5 Filiação do filho de criação... 31 4. O AFETO E A FILIAÇÃO... 32 4.1 O afeto como princípio jurídico na filiação... 35 4.2 Laços afetivos entre pais e filhos: socioafetividade... 40 4.2.1 Função do pai socioafetivo... 41 4.2.2 Desafeto posterior do pai afetivo... 43 5 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO... 45 6. DIREITO DE ESCOLHA REGISTRAL... 49 6.1 Garantia da segurança jurídica... 53 6.2 Proteção da dignidade da pessoa humana... 55 7. EFEITOS DO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA: PROTEÇÃO INTEGRAL DA FAMÍLIA... 58 7.1Efeitos pessoais.... 61

7.1.1 Estado da pessoa... 61 7.1.2 Nome... 62 7.1.3 Poder familiar.... 63 7.2 Efeitos patrimoniais... 65 7.2.1 Alimentos.... 65 7.2.2 Sucessão.... 66 8. CONCLUSÃO... 68

1. INTRODUÇÃO O presente trabalho monográfico aborda os efeitos da paternidade socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como objetivo evidenciar a relação entre pai e filho, um dos vínculos mais importante dos indivíduos. Para tanto, faz-se necessário demonstrar a evolução da definição de filiação, passando a dar ênfase ao mais puro e importante sentimento que se forma num relacionamento, que é o afeto, indo além dos laços de consanguinidade. Diante do desenvolvimento da sociedade, a instituição familiar passou por novas formações, protegendo-se o elo criado a partir do afeto entre as partes da relação familiar. Nesse novo contexto, não se revela tão importante apenas o laço biológico ou natural, pois, além destes, deve-se proteger os sentimentos criados entre os indivíduos, principalmente nas situações de não existir qualquer conexão natural. Com o nascimento de um novo conceito de família, o ordenamento jurídico passou a ter um novo conceito acerca da filiação, sendo de grande relevância conhecer a natureza da filiação socioafetiva, como uma das formas de filiação que está presente na realidade de muitas famílias brasileiras, sobrelevando a biológica que não está mais em evidência como a mais importante. A filiação é uma reunião de direitos e deveres daqueles que geraram ou adotaram um filho, com a responsabilidade em suprir as suas necessidades, ministrar-lhe educação e prepará-lo para a vida. Poderá ter natureza jurídica, biológica e socioafetiva. No tema em questão, será aprofundada a questão da filiação socioafetiva, aquela baseada no afeto, que embora inexistente qualquer laço consanguíneo entre o pai/mãe e filho/filha, existe algo mais importante, que é a afeição, marcada pela convivência familiar, responsável e permanente. Pela nossa atual Constituição Federal, que permite concluir por essa abordagem, verifica-se que em seu art. 227 determina ser dever da família e da sociedade, a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, afora outros deveres que estão previstos no caput do referido dispositivo. 11

Assim, o estado de filiação é dado àquele que se responsabilizou pelos deveres e obrigações de origem da paternidade, sendo essa a principal obrigação para a configuração da relação de parentesco. Portanto, é certo aquele ditado, que diz: pai é aquele que cria. A filiação socioafetiva tem que ser baseada em laços de afeto e solidariedade que se expressa através da adoção, da técnica de reprodução assistida heteróloga ou da posse do estado de filho, caracterizada pela adoção à brasileira e pelo filho de criação. Esse estudo tem como objetivo destacar os problemas acerca da paternidade socioafetiva, em seus mais variados aspectos, através de uma análise do bojo constitucional e da legislação brasileira com relação ao tema em questão, estabelecendo o vínculo de filiação, diante da moderna visão do Direito de Família. Por fim, é bom frisar que o real sentido nas relações entre pai e filho vai além da lei e do sangue, pois este elo é mais forte e profundo, e é isto que se deve ter em mente para ser um verdadeiro pai ou mãe, pois os verdadeiros pais são os que amam, educam, dedicam sua vida a um filho, assim, surge um novo valor que sobrepõe a filiação biológica: o afeto. 1.1 OBJETIVOS 1.1.1 Objetivos Gerais Proteger os direitos do filho afetivo, onde terão os mesmos direitos e qualificações do filho biológico, sendo proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. 1.1.2 Objetivos Específicos O objetivo geral será alcançado por meio das seguintes ações: entender os vários tipos de paternidade existentes no ordenamento jurídico brasileiro; discutir a igualdade entre os filhos, biológicos e não-biológicos; 12

debater a paternidade socioafetiva por meio eficaz; identificar uma demanda específica para atestar a paternidade socioafetiva, embora já precedente. analisar a impossibilidade da desconstituição posterior da filiação socioafetiva. 13

2. A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA E DA RELAÇÃO PATERNO- FILIAL 2.1 A evolução do conceito jurídico de família A entidade familiar deve ser observada no novo ordenamento jurídico, como um grupo social definido a partir de um vínculo afetivo. Os novos valores sociológicos trouxeram com a evolução histórica, um moderno modelo de instituição familiar, que antes era tipicamente patriarcal, para uma visão contemporânea, relação essa que foi evoluindo com as mutações ocorridas na sociedade. Assim, a família definida como romana foi sendo desconstituída, a partir do início do movimento feminista, instigado pela figura do adultério, pela possibilidade de divórcio, e com as novas formações familiares. No Direito Romano as normas eram mais severas, o que tornava a família numa instituição patriarcal, bem diferente do modelo contemporâneo, que não mais se apresenta como a antiga definição romana, a qual, com o passar dos tempos, vem dando espaço para as novas tendências do que vem a ser família, tirando do pater famílias o direito de decidir sobre a vida de seus familiares. O modelo ideal de igualdade entre pais e filhos aparece como novo conceito de família, fundamentado na dignidade humana e na afetividade. Com esse pensamento, o professor Cristiano Chaves afirma que os novos valores que inspiram a sociedade contemporânea sobrepujam e rompem, definitivamente, com a concepção tradicional de família. E continua opinando que a arquitetura da sociedade moderna impõe um modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado, sendo que o escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto, como mola propulsora. No mesmo sentido, HIRONAKA dispõe de um conceito de que a família é entidade ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da história, 14

mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria história através dos tempos. Portanto, não deixa dúvidas de que a família é caracterizada por uma realidade atual, que vai além do fenômeno exclusivamente biológico, para buscar um sentido mais amplo, fundado na busca da realização pessoal dos indivíduos ligados por algum laço. Permite-se, com a evolução demonstrada, que a família pós-moderna em seu bojo jurídico e sociológico, no afeto, na ética, na solidariedade recíproca entre os seus membros e na preservação da dignidade deles revelam os referenciais da família contemporânea, que variam de acordo com os valores e ideais predominantes em cada momento da humanidade. Assim sendo, diante do modelo de família contemporânea, é importante demonstrar as mudanças que foram causadas no desenvolvimento social, emocional e patrimonial, interfamília e na sociedade. Pois, com a nova definição de família, que é baseado no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e no Princípio da Afetividade, deu origem a novas formas de constituição familiar, podendo a filiação ser monoparental, homoafetiva e a socioafetiva, formada a partir da relação familiar, pouco importando a origem do filho. 2.2 A evolução da relação paterno-filial Com a evolução no conceito de entidade familiar, a relação paterno-filial passou por várias inovações. A forma de tratar os filhos foi reformada, sendo relevante a educação, o cuidado e o amor, zelando-se pelo bem estar da criança, caracterizando-se a nova concepção do que vem a ser família. No art. 227, 6º da Constituição Federal explica que: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá- 15

los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Assim, se faz necessário mencionar que a filiação é uma relação de parentesco consanguínea, em primeiro grau e em linha reta, que une uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se as tivessem gerado. Verifica-se a confirmação da existência da filiação, embora não exista o laço sanguíneo e a igualdade que deve ser mantida entre eles. Os filhos gerados por pessoas não casadas entre si, antes não tinham o reconhecimento jurídico, pois eram vistos como filiação ilegítima. Mas, com o advento da Constituição Federal de 1988 e o Novo Código Civil, houve a quebra da ligação que existia entre o casamento e a legitimidade dos filhos, formando assim, novas uniões independentes do casamento, e, consequentemente, novas formas de filiação. A mudança da família de uma característica econômica para uma concepção solidária e afetiva, propensa ao desenvolvimento da personalidade de seus membros, traz consigo a afirmação de um novo aspecto, fundada na ética e na solidariedade. Nesse sentido, colhem-se os ensinamentos de João Batista Villela, que informa sobre a nova concepção que se desdobra no Direito de Família, dissertando que: As relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por muito complexas que se apresentem, nutrem-se, todas elas, de substâncias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar: afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido à arte e à virtude do viver em comum. E arremata: a teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência em dar e receber amor. Nessa linha, a família passa a ser essencialmente fundada em laços de afetividade, pois a outra conclusão não se pode chegar à luz do texto constitucional. 16

A importância do afeto é a base para a compreensão da pessoa humana, sendo fundamental entender que a possibilidade de que da afeição decorram efeitos jurídicos, dos mais diversos possíveis. Maria Berenice Dias esclarece que o novo olhar sobre a sexualidade valorizou os vínculos conjugais que passaram a se sustentar no amor e no afeto (...) o direito de família instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto. Desse modo, percebe-se que a afetividade caracteriza-se, como o grande vetor que recebe todos os elementos do Direito das Famílias, devendo ser o fundamento jurídico de soluções postas para os mais variados conflitos de interesses firmados nesse ramo. Ainda, tem-se que com a evolução da relação paterno-filial, o legislador brasileiro vem adotando critérios legislativos com base na afetividade que é inerente ao direito de família, vindo a elaborar leis com os fundamentos modernos de família. A Lei nº 11.924/09 (Lei Clodovil) é um exemplo dessa nova tendência, pois, permite o acréscimo de sobrenome de padrasto ou madrasta pelo enteado, exatamente com base no vínculo afetivo estabelecido entre eles ao longo do tempo de convivência. Sendo assim, uma vez firmado o afeto como base da moderna concepção de família, vislumbra-se que o parentesco, dessa maneira, tem de se amoldar à nova realidade da família, abandonando a interconexão com o matrimônio e a feição hierarquizada e patriarcal para ser compreendido como um vínculo predestinado a afirmação de valores constitucionais contemplados na Lei Maior. Nessa linha de raciocínio, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, percebe que a relação de parentesco é destinada a: Preservar e desenvolver as qualidades mais relevantes entre familiares: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe, com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas. Com isso, é possível reconhecer o parentesco por vínculo socioafetivo ao lado dos modelos tradicionais já estabelecidos. Através da filiação socioafetiva, existe um vínculo firmado não pelo sangue, mas pela relação cotidiana de carinho, respeito e 17

solidariedade entre os membros de uma determinada convivência familiar, reciprocamente, como parentes. E tal vínculo vem ganhando força com o passar do tempo, tendo sido objeto de estudos no encontro das Jornadas de Direito Civil, que resultou na elaboração Enunciado n 339, no qual visa proteger a manutenção da relação de parentesco após a sedimentação do afeto, a saber: a paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho. Por fim, os vínculos tradicionais (biológico e registral) e o socioafetivo não são conflitantes. Entretanto, havendo discordância entre eles, deve-se o interprete observar às circunstâncias do caso concreto para que se determine qual deles merece aplicação. 18

3. FILIAÇÃO São vários os debates sobre os tipos de filiação as quais devem se sobrepor, gerando, assim, mais o que se comentar sobre a definição de paternidade, sendo de extrema relevância para o desenvolvimento do presente trabalho. Como já dito anteriormente, a filiação teve seu conceito baseado no Direito Romano que regulamentava como legítimo o filho originado da união entre homem e mulher, e ilegítimo os originados fora do casamento. Dando identificação jurídica do pai pelo momento do nascimento do filho. A filiação no casamento era provada a partir da maternidade por parte da esposa e a paternidade por parte do marido. E os filhos oriundos de pessoas não casadas, não possuíam o devido reconhecimento jurídico, pois eram vistos como filhos ilegítimos. O novo modelo do instituto da filiação deu-se pela evolução constitucional, que demonstrou como principal característica o princípio da afetividade, mostrando que a relação baseada no afeto é a principal fundamentação da paternidade. Assim, dessas relações afetivas, vieram a existir novas espécies de filiação. Mesmo não existindo vínculo biológico, nova vertente denominada socioafetividade, se faz necessário definir as espécies de filiação existentes na sociedade e no direito, para esclarecer o tema exposto nesse trabalho. São três as espécies de filiação, a biológica, fundada no vínculo consanguíneo, e a socioafetiva, formada pelos laços afetivos das relações entre pai e filho, e a filiação jurídica, demonstrada através do registro publico. A relação da filiação é um dos vínculos mais importantes da união e da formação familiar. Constitui um elo originado da própria natureza, que nasce e se prolonga ao decorrer da vida de todos os seres humanos, e esta ligação nunca desaparece por ser proveniente do mais perene e profundo sentimento que pode ter qualquer outro relacionamento. 19

3.1 Filiação Jurídica No Código Civil de 1916 a dedução da paternidade era fundamentada na proteção à família, para que se houvessem conflitos em relação a filiação biológica e a jurídica, a presunção da paternidade decidiria a realidade. Filho era apenas filho no sentido jurídico. A origem genética deveria coincidir com a concepção do direito. Portanto, a consolidação da família tinha maior relevância do que a verdade dos fatos. Nesse contexto, a deliberação pela atividade da paternidade obriga que haja a execução de um ato jurídico, efetivado pelo pai, podendo este não ser o pai biológico, independentemente da verdade real, haverá o direito a sucessão a partir do registro em cartório do nascimento da criança, declarando este como seu filho. Desse modo, o registro público é prova da filiação jurídica, possuindo este presunção de veracidade e publicidade, junto aos documentos públicos oficiais. Ainda, o registro público é um instrumento hábil a gerar efeitos de direitos e deveres imediatos perante o pai registral, não importando a consanguinidade. A importância que fundamentava a era patrimonialista do Direito Civil se materializava no direito de filiação, através do estado de filho, derivado da presunção pater is est 1. Entretanto, o Direito Civil à luz da Constituição Federal, revela nova roupagem do direito de família, no qual fica então demonstrada a preocupação com o bem estar familiar, onde se precisa superar o conceito de que a relação filiatória não é apenas aquela decorrente da transmissão de carga genética, pois o seu elemento essencial está na vivência e crescimento cotidiano, o realizar como ser humano, de prosseguir a sua felicidade. É preciso levar em conta que se no ambiente familiar, o afeto persiste de forma que pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado 1 Máxima do Direito romano pater is est quem justae nuptiae demonstrant é uma regra essencial ao casamento, e por ela pode-se definir como a união formal que atribui de pleno direito ao homem os filhos de sua mulher, sendo o casamento uma forma de dar um pai ao filho, automaticamente. 20

não apenas considerar o vínculo meramente sanguíneo para se reconhecer a existência de filiação jurídica, mas sim e também, aquele decorrente da socioafetividade. 3.2 Filiação biológica Embora existam várias definições acerca da paternidade, é indiscutível que é por meio do vínculo sanguíneo que advém os demais direitos juntos à filiação, como o direito ao nome, sobrenome, identidade genética ou meramente registral, como também o direito econômico-patrimonial. que: Entretanto, de acordo como a Constituição Federal prevê, em seu art. 226, 7º Art. 226 A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento família é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Assim, o exercício da paternidade deve ser de maneira responsável, restando ao direito dar assistência aos fatos que possam gerar conflitos por causa das várias formas de relação paterno-filial. Para a Biologia, Pai é aquele que em uma relação sexual, fecunda uma mulher, e esta dará a luz a um filho. Enquanto que, para o Direito, Pai, apenas, é o marido da mãe. A paternidade biológica tem vínculo com a consanguinidade, que pode ser provada pelo exame de DNA, que afirma qual é a verdade técnica sobre a paternidade, que é almejada cada vez mais nos dias atuais. Tamanha é sua importância para a identificação de cada indivíduo através da leitura de sua carga genética, que a jurisprudência consolidou o entendimento de presunção relativa da prova que se pretendia produzir na hipótese de recusa injustificada da parte em se submeter ao exame DNA. 21

Nesse sentido, temos a Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça que assevera que em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade. Portanto, vem se afirmando nos entendimentos dos Tribunais que se o suposto pai se recusa à realização do exame pericial, faz presumir relativamente, a paternidade que se pretendia provar. O principal objeto para o reconhecimento da filiação biológica é a quebra da dedução da paternidade, que surge no casamento, a partir da busca pela verdade real. A busca da verdade real foi admitida como um princípio investigatório da informação através da realização do exame de DNA. A lacuna que existia pela incerteza da presunção da paternidade, passou a ser preenchida pela certeza da prova material. O direito ao reconhecimento do estado de filiação teve origem com a Constituição Federal de 1988, fundamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 27, como um direito de caráter personalíssimo, imprescritível e indisponível: O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça. Assim, os filhos de um casamento poderão saber de sua origem, conhecendo seus ascendentes, sua identidade pessoal, características e semelhanças genéticas, ficando seguro também no âmbito jurídico com relação aos fins sucessórios e de caráter alimentar. O vínculo biológico deduz o estado de filiação ainda não composto, mesmo sem a prova de convivência familiar, formando-se apenas a relação sanguínea. Ocorre que por esse critério científico, determina-se a filiação com base gene do ser humano, ou seja, o estado de filiação é definido com esteio no vínculo biológico existente, afastando-se outros debates, relativos, por exemplo, à herança cultural, afetiva, emocional etc. Nas lições de CRISTIANO CHAVES, "cuida-se, pois, de uma forma determinativa fria, puramente técnica. E, aqui, tem domicílio a impossibilidade de seu acolhimento de forma absoluta". 22

É preciso chamar a atenção para a insuficiência desse critério na determinação da paternidade e da maternidade. O que se está a propor é que o critério biológico não determina a paternidade de maneira absoluta, devendo-se promover a ponderação entre o critério biológico e o critério socioafetivo, para que se possa estabelecer o estado de filiação. Assim, este trabalho pretende informar que não existe apenas uma verdade real e sim três, que são: a Biológica com a finalidade de parentesco para designar a paternidade; a Biológica sem a finalidade de parentesco quando há vínculo afetivo com outro pai, e a Socioafetiva, quando já está composto o estado de filho. 3.3 Filiação Socioafetiva O conceito do estado de filiação socioafetiva está ligado àquele quem cria, convive e educa. Com as relações familiares de hoje, se opor que este tipo de filiação fundamentada no afeto e carinho é menos importante que a fundada na consanguinidade constitui um equívoco. O critério socioafetivo mostra sua importância, já que se fundamenta nos princípios do melhor interesse da criança e da dignidade da pessoa humana, segundo o qual o pai deve ser aquele que exerce tal função, mesmo que não haja o vínculo de sangue. Como dito anteriormente, a filiação biológica não é mais o principal conceito no que concerne a filiação, porque a criação de um filho se dá por circunstâncias diferentes à imposição legal ou natural que a paternidade impõe. A Constituição Federal de 1.988 determinou que a filiação fosse única, proibindo qualquer forma de discriminação aos filhos. Com isso, todos os filhos passaram a merecer idêntico tratamento, não mais havendo distinção entre filhos do casamento (que traziam consigo a presunção pater is est) e os filhos extramatrimoniais e os afetivos. Sabe-se que a filiação socioafetiva se trata de uma ligação que advém do afeto existente entre pais e filhos, tendo como principais características o amor, o carinho e o 23

cuidado, chegando-se a conclusão de que o melhor pai nem sempre tem o vínculo biológico com o filho. A importância do estudo sobre a paternidade socioafetiva surgiu a partir do seu confronto com a verdade biológica, e os conflitos existentes da junção dessas ligações, trazendo os fatos que acontecem na sociedade, para o Direito, a problemática que nasceu pela desbiologização da paternidade. A filiação socioafetiva encontra sua justificativa nas relações afetivas constituídas pelo dia-a-dia, do carinho, companheirismo, dedicação, doação entre pais e filhos. Esta espécie de filiação está cada dia mais firme não só na sociedade, mas também no mundo jurídico, definindo a distinção entre pai e genitor, no direito ao reconhecimento da filiação, como também, no direito registral, entendendo-se como pai aquele que desempenha o papel protetor, educador e emocional. A filiação socioafetiva consiste no vínculo entre pai e filho, não existindo um laço sanguíneo, sendo o afeto o principal elemento formador desta relação. Esse último critério, embora não tenha ainda recebido com o devido acolhimento pelos tribunais, é o que mais bem representa a atual estrutura das entidades familiares, formadas pela reunião de afetos e, reconhecidas pelo Direito, como o ambiente ideal de formação do indivíduo e do seu desenvolvimento como ser humano. Nesse sentido, a importância do pai para a formação da personalidade do indivíduo tem sido demonstrada amplamente pela Psicologia, afirmando-se que, o pai é antes e tudo o representante de uma função. Seu ofício é representar as leis da cidade e o interdito maior que as fundamenta (a proibição do incesto), antes de tudo transmitindo seu nome (o patronímico). Ainda, explica Rodrigo da Cunha Pereira que a filiação constitui, segundo a Psicanálise, uma função. E continua o renomado autor afirmando que: É essa função paterna exercida por um pai que é determinante e estruturante dos sujeitos. Portanto, o pai pode ser uma série de pessoas ou personagens: o 24

genitor, o marido da mãe, o amante oficial, o companheiro da mãe, o protetor da mulher durante a gravidez, o tio, o avô, aquele que cria a criança, aquele que dá seu sobrenome, aquele que reconhece a criança legal ou ritualmente, aquele que fez a adoção..., enfim, aquele que exerce uma função de pai. É inegável que a Constituição Federal de 1.988 foi, efetivamente, um divisor de águas no que concerne aos valores da família contemporânea brasileira. Em seu art. 1, inciso III, disserta que o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, somado ao art. 3, do mesmo diploma legal, que consagra o princípio da solidariedade, permite-se idealizar o fenômeno da repersonalização das relações entre pais e filhos, deixando para trás o caráter patrimonialista que sempre os vinculou para dar espaço a uma nova ordem axiológica, a um novo sujeito de direito nas relações familiares e, até mesmo, a uma nova face da paternidade: o vínculo socioafetivo que une pais e filhos, independentemente de vínculos biológicos. Paulo Luiz Netto Lôbo assevera que na Constituição Federal Brasileira podemos encontrar três fundamentos essenciais do princípio da afetividade que desenham os personagens da nova família, a saber: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, 6); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, 5 e 6); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, 4). Nesse contexto, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, 6º, da CF/88, envolve não apenas a adoção, como também parentescos de outra origem, conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural, que deve ser vista como cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. Portanto, diante de uma hipótese de filiação socioafetiva, merecedora de idêntica proteção constitucional, em razão do sistema unificado de filiação, não se pode negar a tutela jurídica a todo e qualquer tipo de relação paterno-filial. 25

3.4 Tipos de filiação 3.4.1 Filiação pela adoção legal A adoção é um negócio jurídico pelo qual se realiza a admissão de um indivíduo, menor ou maior de idade, capaz ou incapaz, como sendo filho na família do adotante, mesmo que entre elas não exista uma vínculo consanguíneo, tendo o adotado todos os direitos e deveres próprios da filiação. É através da adoção que é instituído um vínculo entre pessoas que, no plano biológico, não se colocam como genitor e filho. É uma espécie de filiação jurídica, que é definida através de uma realidade não biológica. Com relação ao vínculo socioafetivo estabelecido através da adoção, podemos dizer que este não é menos significativo que a paternidade biológica, pois, com a evolução do Direito de Família, a adoção é um tipo de paternidade bem presente nas famílias. Não há dúvidas de que na filiação adotiva está baseada a afetividade, onde envolve a figura do adotante, de um lado, e o adotado, de outro, concedendo para este todos os direitos e qualificações a que tem direito um filho, na forma do art. 227, 6º, da Constituição Federal e repetida pelo art. 1.596 do Código Civil de 2002. Nos ensinamentos de Cristiano Chaves (op. cit.) é aquela marcada por um conjunto de atos de afeição e solidariedade, que explicitam, com clareza, a existência de uma relação entre pai/mãe e filho onde o afeto é o fator marcante, decisivo, daquela relação, representado, rotineiramente, por dividir conversas e projetos de vida, repartir carinho, conquistas, esperanças e preocupações, mostrar caminhos, ensinar e aprender, concomitantemente. Nesse tipo de filiação, a característica marcante é a convivência cotidiana, de uma construção diária, não se explicando por laços genéticos, mas pelo tratamento estabelecido entre pessoas que ocupam reciprocamente o papel de pai e filho, respectivamente. 26

3.4.2 Filiação pela adoção à brasileira A adoção definida como à brasileira é quando uma pessoa reconhecer outra como sendo seu filho através do registro de nascimento, sem existir vínculo biológico entre elas e sem obedecerem aos trâmites obrigatórios para o reconhecimento de paternidade, caracterizando assim, um procedimento errado e tipificador do crime de falsidade ideológica, previsto no artigo 299 do Código Penal. Art. 299 Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Mesmo sendo configurado como crime de falsidade ideológica, não cabe a anulação do registro de nascimento, pois, mesmo o suposto pai tendo ciência de que o filho não era seu, promoveu o seu reconhecimento voluntário da paternidade perante o Cartório do Registro Civil e essa conduta é caracterizada como uma adoção, sendo esta, irrevogável. A lei não autoriza reclamar acerca da paternidade após o registro de nascimento. Assim, o registro de filho alheio como próprio, mesmo ocorrendo o conhecimento de que aquele não era seu filho biológico, impede a anulação do registro. A jurisprudência brasileira tem se posicionado pela não-invalidação do registro de nascimento, uma vez que, fica caracterizada a filiação socioafetiva fundada na adoção à brasileira. TJMG - EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. CAUSA DE PEDIR. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO. EXAME DE DNA. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. NÃO EVIDENCIADO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IRREVOGABILIDADE DO RECONHECIMENTO. O reconhecimento de filho, mesmo não sendo pai biológico, realizado em registro de nascimento, é irrevogável, salvo comprovação de vício de vontade, cujo ônus probatório incumbe à parte interessada em anulá-lo. Não demonstrado vício formal ou material 27

necessários à procedência do pedido, tampouco a ausência da paternidade socioafetiva, não há como desfazer, fundamentado na inexistência de vínculo biológico, ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade, notadamente à vista do direito da criança de ter preservado seu estado de filiação. Mas, também existem outras linhas de inteligência que diz que, quando o pai foi levado a erro e registrou a criança como se sua fosse, e com este não criou nenhuma ligação de afeto, não há por que se reconhecer a adoção à brasileira, neste caso, há meios de acontecer a invalidação do registro civil de nascimento. TJMG - EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. EXAME DE DNA. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO. AUSÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA NÃO CARACTERIZADA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. A prova de erro ou falsidade do registro elidem a presunção de veracidade do registro civil de nascimento. Procede o pedido de declaração negativa da relação jurídica de filiação, se não provada a paternidade biológica nem a paternidade socioafetiva. O reconhecimento da paternidade é válido quando este se constitui da existência duradoura do elo afetivo entre pais e filhos. Apenas a ausência da relação biológica não é motivo que caracterize a falsidade da declaração de vontade demonstrada no ato do reconhecimento. Nos casos em que há conflitos familiares, e que não há a presença do vínculo, não se podem impor os deveres inerentes ao pai, não sendo esse o pai biológico e também não quer ser pai socioafetivo da criança. Já no sentido contrário, se pais e filhos consolidam um vínculo forte de amor, cuidado, carinho, respeito e amparo, se faz necessário descartar a importância da relação sanguínea para haver o reconhecimento da filiação jurídica. 28

3.4.3 Filiação pela técnica de reprodução assistida heteróloga No método de reprodução assistida heteróloga será reconhecido como pai aquele que não forneceu do material genético para a fertilização do óvulo, e não será considerado pai aquele que doou o seu sêmen. Portanto, o genitor não será reconhecido como pai da criança. No artigo 1.597 do Código Civil de 2002 define as formas de filiação, inclusive em seu inciso V destaca a presunção de serem concebidos na constância do casamento os filhos havidos pelo procedimento da reprodução assistida heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. Serão considerados filhos havidos na constância do casamento aqueles incididos do procedimento de reprodução assistida de óvulo do cônjuge feminino e o esperma de um terceiro doador, desde que exista autorização anterior do marido, o qual não precisa ser estéril, ou que não tenha a possibilidade de gerar um filho, por qualquer motivo físico ou psíquico. O terceiro, no caso, o doador, realizará a doação de seu sêmen, através de documento escrito, destinado à pessoa indefinida, devendo ser sigiloso a identificação do casal receptor do sêmen. Esta autorização deverá ser feita por escrito, podendo ser através de instrumento particular, e esta autorização para a fertilização artificial através de doação de sêmen não admite o direito de retratação. Trata-se, então, de presunção absoluta, deixando claro que abandona-se a paternidade biológica, levando-se em consideração a jurídica. Apesar de o Código Civil não externar, pode haver mais duas formas de filhos decorrentes do procedimento de reprodução assistida heteróloga, que são: o procedimento de reprodução assistida heteróloga com o uso do esperma do esposo e do óvulo de doadora, desde que autorizado anteriormente pela esposa, e assim, com o nascimento da criança fica consolidada a presunção da maternidade socioafetiva; Outra forma de técnica de reprodução assistida heteróloga, é a que utiliza o esperma de um doador anônimo e de um óvulo de uma doadora anônima, no qual, será inserido no útero de uma mãe substituta 29

para que seja gerado. Esta é uma teoria que deve ser observada com muito cuidado, pois os possuidores dos materiais genéticos doados não serão considerados pais. O filho que foi gerado por meio da técnica de reprodução assistida heteróloga tem o direito de ter ciência sobre sua origem, como também, quem foram os doadores, através de Ação de investigação de paternidade ou de maternidade, contra o pai biológico ou mãe biológica, sem que isso modifique a declaração do estado de filho natural, pois, já é reconhecido como o pai e mãe socioafetiva, aqueles que lhe criaram como se seus pais biológicos fossem. Em caso do doador vier a ter ciência de quem é a criança que foi originada a partir do seu material genético, este não poderá contestar pela nulidade, pois a partir da doação de seu material genético deixa clara a renúncia, sem arrependimento ou a possibilidade de voltar a traz, bem como, não é permitido ao marido ou companheiro, ou à mulher ou companheira, o direito de contestar a paternidade jurídica, isto porque a aceitação para a fecundação assistida heteróloga é irrevogável. 3.4.4 Filiação originária da posse do estado de filho A que emana da posse do estado de filho é aquela em que existe uma relação paterno-filial, solidificada da convivência que existe entre pais e filhos, e o reconhecimento da condição de filho perante a sociedade. São essas circunstâncias apropriadas para comprovar a qualidade de filho legítimo, pois deixa claro quem desempenha a função de criar e educar. A posse do estado de filho é concretizada com a manifestação da conduta das pessoas que se responsabilizam pelos deveres de pai ou de mãe na educação e proteção daqueles considerados como filhos. Esse tipo de filiação é ligado ao princípio da aparência, que corresponde a uma condição de caráter sólido à relação, que produz segurança jurídica. 30

Esse princípio deve ser lembrado, pois destaca o tratamento e a reputação que existe da relação, sendo a pessoa protegida e atendida por um pai, como se seu filho fosse. A posse do estado de filho fica comprovada com a demonstração da paternidade sociológica, idealizado pelos cuidados dedicados ao filho, assim caracterizando a posse do estado de filho, que deve ser tratado em condição de igualdade com relação aos outros filhos, em busca da equidade e da justiça. 3.4.5 Filiação do filho de criação Os filhos de criação são aqueles que, embora tendo sua origem diversa, são sustentados, educados e amados por casais que os querem como sendo filhos próprios, apesar de estarem apenas sob a sua guarda, e não resguardados por uma adoção. Criação denota afeição, adoção, aceitação e guarda. Podendo ser tidos como filhos de criação: os órfãos, os parentes distantes, ou ainda, os filhos da empregada que os deixou na casa da patroa diante da dificuldade de criá-los, como também, os filhos de um compadre ou comadre, os filhos de um amigo pobre, ou seja, um indivíduo de qualquer origem. Esse tipo de filiação versa sobre uma adoção sem formalidades, onde existem entendimentos que não os consideram como filhos adotivos e não os igualam aos filhos biológicos, por não existir acolhimento legal desse tipo de filiação. Enquanto que, para outros, o que prevalece é a convivência fundamentada pela existência da posse do estado de filho que possibilita o reconhecimento judicial da filiação. Algumas jurisprudências têm reconhecido a filiação socioafetiva caracterizada pelo filho de criação, dando-lhe o contexto dos filhos jurídicos. TJRS - EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. CRIANÇA QUE FOI ACOLHIDA AOS TRÊS MESES DE IDADE, CRIADA COMO SE FILHO FOSSE ANTE A IMPOSSIBILIDADE BIOLÓGICA DO CASAL EM GERAR FILHOS. ADOÇÃO NÃO FORMALIZADA. A verdade real se sobrepõe a 31

formal, cumprindo-nos conhecer o vínculo afetivo-familiar criado pelo casal e a criança, hoje adulta, ainda que não tenha havido adoção legal. Paternidade socioafetiva que resulta clara nos autos pelos elementos de prova. Como também existem posições contrárias a este tipo de filiação, não a reconhecendo como filiação, onde apoiam-se na tese de que a condição de filho de criação que não gera direito de obter o reconhecimento da paternidade, já que em vida os pais afetivos não manifestaram o desejo de igualá-lo aos filhos naturais. TJRS - EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. HIPÓTESE TÍPICA DE FILHO DE CRIAÇÃO, NÃO ADOTADO QUANDO AINDA EM VIDA PELOS PAIS DDE CRIAÇÃO. DECLARAÇÃO PARA FIM EXCLUSIVO AO DIREITO SUCESSÓRIO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CARÊNCIA DA AÇÃO INTERPOSTA. Criança que, com pouco mais de um ano de idade dada para criação em outra família, desvinculandose da família biológica. A condição de filho de criação não gera qualquer efeito patrimonial, nem viabiliza o reconhecimento de adoção de fato. A paternidade caracterizada pelo filho de criação é um ato de escolha, baseada no livre-arbítrio de quem ama. E o reconhecimento desta paternidade não denota o desapreço à relação biológica, mas chama a atenção aos novos paradigmas oriundos da instituição das entidades familiares, que deverão ser respeitados. 32

4 O AFETO E A FILIAÇÃO O termo afeto denota um estado de sentimento e afeição de uma pessoa para outra, mas no trabalho monográfico em questão deve-se levar em consideração o afeto paterno-filial. O direito ao afeto é a liberdade que um indivíduo possui para afeiçoar-se a outro, constituindo-se o afeto em um direito individual: uma liberdade que o Estado deve assegurar a cada indivíduo, sem discriminações, senão as mínimas necessárias ao bem comum de todos. Esse direito individual a que tem direito qualquer pessoa vem amparado pelo art. 5º, 2º da Constituição Federal. Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O afeto nas relações familiares, sobretudo, na filiação já se fazia presente antes mesmo da Constituição Federal de 1988, uma vez que a filiação era fundada na afeição, acima dos vínculos de sangue. No entanto, é certo que o afeto ganhou força com a Constituição Federal de 1988, com o Estatuto da Criança e do Adolescente e com o Código Civil de 2002, que lhe deram um apoio jurídico e o colocaram em discussão a superioridade ou não da paternidade biológica. Nas discussões sobre a afetividade, esta tem sido tratada como princípio constitucional do direito de família, embora a Constituição Federal não o consigne expressamente, não se podendo negar a presença marcante desse sentimento nas relações familiares, principalmente no atual contexto social onde existe uma pluralidade familiar. A filiação é formada com o afeto que vincula pais e filhos, independentemente da sua origem, fazendo com que haja distinção entre pai e mãe e genitor e genitora. Incontestavelmente, existem genitores que são pais, mas todos nós sabemos que algum 33

não fazem nem o mínimo pelos filhos. Assim, é indispensável que a paternidade, ou a maternidade, seja exercida com responsabilidade, com convivência diuturna e saudável. Ser pai e mãe é educá-lo para a vida com amor e muito afeto. A afetividade é conectada ao princípio da solidariedade, harmonizado nos laços que unem as pessoas, independente das diferenças de cada indivíduo. De fato, o afeto transcende limitações individuais e se complementa com a compreensão e o amor, acima de tudo, devendo sempre prevalecer o melhor interesse da criança. A afetividade é uma verdade social e a lei precisa garantir o respeito para com as relações que são formadas de acordo com a vontade de cada um, proporcionando assim, a liberdade de amar e mantendo-se a dignidade humana. Por isso, é o afeto que norteia a paternidade e forma uma família. O legislador nacional, todavia, já se sensibilizou e reconheceu a importância da filiação socioafetiva, sendo apresentado em 03 de junho de 2013, a PL 5.682/2013 para alterar o art. 27 da Lei n 8.069, de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, de modo a possibilitar a busca do reconhecimento de vínculo de filiação socioafetiva. Nesse sentido, dispõe o referido projeto, em seu art. 2º, que o artigo 27 da Lei n 8.069, de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais, biológicos ou socioafetivos, ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça. Parágrafo único. O reconhecimento do estado de filiação socioafetiva não decorre de mero auxílio econômico ou psicológico. E a justificativa para essa mudança é dada pelo Deputado Federal Newton Cardoso de Minas Gerais que assim afirma: Os conceitos de família e relação de parentesco sofreram profundas modificações nas últimas décadas, sendo conferida cada vez mais ênfase pela sociedade e pelo direito aos laços de carinho, afeição e solidariedade existentes entre os integrantes de um grupo familiar em detrimento das relações puramente biológicas. Neste contexto, a filiação deixa também de fundamentar-se na 34