Citologia do derrame papilar

Documentos relacionados
AVALIAÇÃO CITOLÓGICA DO FLÚIDO DUCTAL MAMILAR POR SUCÇÃO NA DETECÇÃO DE LESÕES MAMÁRIAS BENIGNAS E MALIGNAS.

Artigo Original TUMORES DO PALATO DURO: ANÁLISE DE 130 CASOS HARD PALATE TUMORS: ANALISYS OF 130 CASES ANTONIO AZOUBEL ANTUNES 2

Transitional Metaplasia in Cervical Smears: a Case Report

Patologia da mama. [Business Plan]

REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA DE MEDICINA VETERINÁRIA ISSN: Ano IX Número 18 Janeiro de 2012 Periódicos Semestral

MANUAL DE ORIENTAÇÃO DE CONTROLE DE QUALIDADE

Glandular Cells Atypia: which Diagnosis?

PALAVRAS-CHAVE lesões de tireóide, citologia, ultrassonografia, epidemiologia.

PERCENTUAL DE EXAMES ALTERADOS FRENTE À PRESENÇA DE CÉLULAS DA JUNÇÃO ESCAMOCOLUNAR NO RASTREAMENTO DO CÂNCER DO COLO UTERINO EM PONTA GROSSA

CORRELAÇÃO ENTRE A CITOLOGIA ASPIRATIVA COM AGULHA FINA E HISTOPATOLOGIA: IMPORTÂNCIA PARA O DIAGNÓSTICO DE NEOPLASIAS MAMÁRIAS EM CADELAS 1

Rastreio citológico na doença anal

Palavras-chave: Corrimento vaginal. manejo clínico. diagnóstico.

ENFERMAGEM ATENÇÃO BÁSICA E SAÚDE DA FAMÍLIA. Parte 14. Profª. Lívia Bahia

Validade da citologia cervicovaginal na detecção de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas de colo de útero

Punção Aspirativa com Agulha Fina Guiada por Ultrassonografia Endoscópica PAAF-USE primeira linha suspeita de neoplasia do pâncreas

MANUAL DE ORIENTAÇÃO COLETA, ACONDICIONAMENTO E PRESERVAÇÃO DE AMOSTRAS BIOLÓGICAS

A PRESENÇA DE LACTOBACILLUS EM EXAMES CITOPATOLÓGICOS E SUA CORRELAÇÃO COM CITÓLISE NO PAPANICOLAOU

AVALIAÇÃO DOS ACHADOS MAMOGRÁFICOS CLASSIFICADOS CONFORME SISTEMA BI RADS¹. Beatriz Silva Souza², Eliangela Saraiva Oliveira Pinto³

GINCANA DE ULTRASSOM. Ana Cláudia Mendes Rodrigues Radiologista Rio de Janeiro

Serviço de Patologia. Hospital Universitário ufjf Serviço de Anatomia Patológica e Citopatologia Prof. Paulo Torres

Citologia Oncótica, Colposcopia e Histologia no Diagnóstico de Lesões Epiteliais do Colo Uterino

Fatores Associados ao Material Insuficiente em Punção Aspirativa por Agulha Fina nos Nódulos Sólidos da Mama

ata Emissão:10/05/2016 Data Aprovação: 11/05/2017 Página 01 de 05

CASO CLÍNICO Pós graduação em Mastologia 28 Enfermaria Santa Casa da Misericórdia RJ María Priscila Abril Vidal

SAÚDE MAMÁRIA E CÂNCER DE MAMA

ESTUDO DOS CRITÉRIOS PARA CLASSIFICAÇÃO HISTOLÓGICA DOS TUMORES MISTOS MAMÁRIOS CANINOS

Atypical Endometrial Cells Post-menopause- Case Report

Efeitos celulares actínicos pós-radioterapia por câncer de colo uterino

LIGIA MAIA CARNEIRO(UNINGÁ)¹ FÁBIO BRANCHES XAVIER(UNINGÁ)¹ MARIA ELOÍSA PARRA(G-UNINGÁ) 2

J. Health Biol Sci. 2018; 6(1):17-22 doi: / jhbs.v6i p

Presença de células endocervicais no rastreamento do câncer do colo do útero por Unidade de Saúde em Ponta Grossa-PR

MANUAL DE COLETA, ACONDICIONAMENTO, PRESERVAÇÃO, RECEBIMENTO E REJEIÇÃO DE AMOSTRAS.

Colpocitologia Oncótica Anormal na Gestação. O exame citopatológico da cérvice é ainda o método de rastreio por excelência

Punção Aspirativa por Agulha Fina: Desempenho no Diagnóstico Diferencial de Nódulos Mamários Palpáveis

CORRELAÇÃO ENTRE A CITOPATOLOGIA E ANATONOPATOLOGIA NO EXAME DE PAPANICOLAOU NO RASTREAMENTO DO CÂNCER DO COLO UTERINO EM PONTA GROSSA

Punção Biópsia Aspirativa (PBA) com Agulha Fina no Diagnóstico Diferencial de Patologias da Mama

MANUAL. Contexto do Processo: Macroprocesso Geral. Fase Pré Analítica Geral. RRA s ; Responsável: Disponibilização:

TÍTULO: UTILIZAÇÃO DA MAMOGRAFIA PARA O DIAGNÓSTICO DO CÂNCER DE MAMA MASCULINO

ISSN ÁREA TEMÁTICA: (marque uma das opções)

ANÁLISE DE DADOS DO SISTEMA DE INFORMAÇÕES DO CÂNCER DO COLO DO ÚTERO: EXAMES CITOPATOLÓGICOS E ANATOMOPATOLÓGICOS DE VIÇOSA, MG

Relato de dois casos de condiloma imaturo: descrição dos achados colposcópicos, cervicográficos, cito-histológicos e moleculares

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM MASTOLOGIA UNIDADE DA MAMA DO HNSG

RELAÇÃO ENTRE O RESULTADO DO EXAME PAPANICOLAOU E A REPRESENTATIVIDADE DA JUNÇÃO ESCAMO-COLUNAR

Lesões pavimentosas com envolvimento glandular: citologia convencional versus citologia de base líquida

NEWS artigos CETRUS Ano 2 - Edição 16 - Dezembro/2010

PRESENÇA DE ASC-US E ASC-H NO RASTREAMENTO DO CÂNCER DO COLO DO ÚTERO NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA- PR, NOS ANOS DE 2014 E 2015

Yara Furtado Professora Adjunta UFRJ/UNIRIO Chefe do Ambulatório de Patologia Cervical IG/UFRJ e HUGG Presidente ABPTGIC Capítulo RJ Secretária

CITOLOGIA E HISTOPATOLOGIA DE PACIENTES ASSISTIDAS EM UM CENTRO DE SAÚDE DA MULHER

Lesões simuladoras de malignidade na RM

CURSO DE FARMÁCIA Reconhecido pela Portaria MEC nº 220 de , DOU de PLANO DE CURSO

FIBROADENOCARCINOMA, CARCINOSSARCOMA E LIPOMA EM CADELA RELATO DE CASO FIBROADENOCARCINOMA, CARCINOSARCOMA AND LIPOMA IN BITCH - CASE REPORT

PREVALÊNCIA DE CITÓLISE EM PREPARADOS CERVICOVAGINAIS NO EXAME PAPANICOLAOU

Aplicação do teste do HPV na citologia LSIL/ASC. Flávia de Miranda Corrêa

TÉCNICAS DE ESTUDO EM PATOLOGIA

Nódulos Tireoideanos. Narriane Chaves P. Holanda, E2 Endocrinologia HAM Orientador: Dr. Francisco Bandeira, MD, PhD, FACE

Especialidade Número de Vagas Duração do programa

resumo abstract unitermos key y words

ANDRÉ MULLER TEIVE FATORES ASSOCIADOS AO DIAGNÓSTICO CITOLÓGICO DE MALIGNIDADE EM PUNÇÃO ASPIRATIVA POR AGULHA FINA NOS NÓDULOS DE MAMA

Problemas na Interpretação do Esfregaço Atrófico

PATOLOGIAS DIAGNOSTICADAS NO EXAME PAPANICOLAU

Interpretação da colpocitologia

Guia de Serviços Atualizado em 04/04/2019

DIAGNÓSTICO E MANEJO DAS DISPLASIAS DE LARINGE

COMPARAÇÃO ENTRE AS COLORAÇÕES DO TIPO ROMANOWSKY RÁPIDO E NOVO AZUL DE METILENO NO DIAGNÓSTICO CITOPATOLÓGICO DE NEOPLASIAS MAMÁRIAS.

PALAVRAS-CHAVE Colo do Útero, Anticoncepcionais, Teste de Papanicolaou.

TeleCondutas Nódulo de Tireoide

Teoria do ACR BI-RADS : Ultrassonografia com exemplos práticos Rodrigo Hoffmeister, MD

Nódulos de Tireoide: Valor da PAAF no Diagnóstico de Câncer

PRÁ-SABER DIGITAL: Informações de Interesse à Saúde SISCOLO Porto Alegre 2007

ENFERMAGEM ATENÇÃO BÁSICA E SAÚDE DA FAMÍLIA. Parte 15. Profª. Lívia Bahia

LESÕES MAMÁRIAS BENIGNAS MIMETIZADORAS DE MALIGNIDADE

Cadernos da Escola de Saúde. Avaliação de alterações reativas e lesões celulares em esfregaços

ANÁLISE DOS SINTOMAS MOTORES NA DOENÇA DE PARKINSON EM PACIENTES DE HOSPITAL TERCIÁRIO DO RIO DE JANEIRO

Casos Práticos: Aplicação do ACR BI-RADS Ultrassonográfico Álvaro Antonio Borba, MD

Teoria do ACR BI-RADS : Ultrassonografia Rodrigo Hoffmeister, MD

Departamento de Anatomia Patológica Laboratório de Multiusuário em Pesquisa UNIFESP

UNIDADE DA MAMA DO HOSPITAL NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS. Especialidade Número de Vagas Duração do programa. Mastologia 1 2 anos

UNIVERSIDADE PAULISTA CENTRO DE CONSULTORIA EDUCACIONAL DELANE CRISTINA DA SILVA AVALIAÇÃO CITOLÓGICA DO PAPILOMAVÍRUS HUMANO-HPV

MANUAL DE PROCEDIMENTOS

O EXAME DE ULTRASSONOGRAFIA DE MAMA

MANUAL DE RECEBIMENTO E REJEIÇÃO DE AMOSTRAS

TÍTULO: FATORES QUE INTERFEREM NA QUALIDADE DO DIAGNÓSTICO CITOPATOLÓGICO INSTITUIÇÃO: CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

CÂNCER DE BOCA E OROFARINGE

Relato de caso de um cão de 4 anos SRD portador de Linfossarcoma atendido no Hospital Veterinário da Anhanguera (UNIAN), São Bernardo do Campo - SP

DIAGNÓSTICO CLÍNICO E HISTOPATOLÓGICO DE NEOPLASMAS CUTÂNEOS EM CÃES E GATOS ATENDIDOS NA ROTINA CLÍNICA DO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVIÇOSA 1

Imagiologia Mamária. Manuela Gonçalo. Director: Prof. Doutor F. Caseiro Alves. Serviço de Radiologia HUC

PREVALÊNCIA CITOPATOLÓGICA DE ALTERAÇÕES COLO UTERINAS EM RESIDENTES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, ENTRE 2006 A

Tumores Malignos do Endométrio

US DE MAMAS MARATONA DE CASOS LUCIANO FERNANDES CHALA

ENFERMAGEM NA ANÁLISE DE LAUDOS CITOPATOLÓGICOS CERVICAIS

Evidências científicas da efetividade da detecção e tratamento das lesões precursoras para a prevenção do câncer do colo do útero

20º CONGRESSO BRASILEIRO DE MASTOLOGIA PROGRAMA PRELIMINAR

Carcinoma adenoescamoso: um estudo de caso em citologia ginecológica

Prevalência de candidíase vulvovaginal e tricomoníase na citologia cérvicovaginal. corada por harris-shorr e sua associação com os sistemas de saúde

Que respostas esperar?

EDUARDO GONDIM DE OLIVA PAAF DE TIREÓIDE: CORRELAÇÃO CITO-HISTOLÓGICA DE 159 CASOS OPERADOS EM UM HOSPITAL TERCIÁRIO.

Patologia - orientações

Orientações sobre a Colheita do Material para Unidade Básica de Saúde

Transcrição:

J Bras Patol Med Lab v. 42 n. 5 p. 333-337 outubro 2006 ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL PAPER Citologia do derrame papilar Primeira submissão em 14/02/06 Última submissão em 07/08/06 Aceito para publicação em 24/08/06 Publicado em 20/10/06 Cytology of nipple discharge Carlos Eduardo de Andrea 1 ; Ana Cristina Lira Sobral 1 ; Élide Sbardellotto Mariano da Costa 2 ; Joel T. Totsugui 3 ; Samuel Regis de Araújo 4 ; Luiz Martins Collaço 5 unitermos Derrame papilar Citologia da descarga papilar Câncer mamário resumo Introdução: A avaliação citológica do derrame papilar é um método bem estabelecido para o diagnóstico rápido de carcinoma mamário em mulheres. Objetivos: Estabelecer a freqüência das diferentes categorias diagnósticas, as características citomorfológicas das descargas papilares e, ainda, a relação entre o aspecto macroscópico dessas secreções e o citodiagnóstico. Material e método: O presente estudo analisou o resultado obtido do derrame papilar de 423 pacientes no período de janeiro de 1997 a abril de 2002. Os derrames foram classificados em positivo, negativo ou suspeito para células neoplásicas. Resultados: Dos 423 casos analisados, os derrames papilares foram positivos em quatro casos, suspeitos em 11 e negativos em 408. O aspecto macroscópico hemorrágico esteve presente em dois casos positivos, sete suspeitos e 62 negativos. Os achados citológicos mais freqüentes, nos casos positivos ou suspeitos, foram de grupamentos papilares de células epiteliais com hemácias ou células ductais com atipias. Discussão e conclusões: Com base nessa experiência, conclui-se que os esfregaços catalogados como hemorrágicos, macroscópica ou microscopicamente, devem ser cuidadosa e sistematicamente analisados, pois neles há uma maior possibilidade de serem detectadas lesões significativas. abstract Background: The cytological evaluation of nipple discharge is a well-known method for the fast diagnosis of breast carcinoma in females. Objectives: To establish the frequency of different diagnosis categories, the cytomorphologic features of nipple discharge and, in addition, the relationship between the macroscopic aspect of those secretions and cytodiagnosis. Material and method: This study examined the results obtained from 423 patients with nipple discharge during the period from January 1997 to April 2002. The discharges were classified in positive, negative or suspicious for neoplastic cells. Results: Of the 423 examined cases, nipple discharges were positive in four cases, suspicious in 11 and negative in 408. The bloody macroscopic appearance was present in two positive cases, suspicious in seven and negative in 62. The most frequent cytological features, in the positive or suspicious cases, were papillary clusters of epithelial cells with erythrocytes or ductal cells with atypical findings. Discussion and conclusions: Based on this experience, we concluded that the smears classified as bloody, macroscopic or microscopically, should be careful and systematically analyzed because there is a larger possibility of detecting significant lesions in them. key y words Nipple discharge Nipple discharge cytology Breast neoplasm 1. Médicos residentes em Anatomia Patológica do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC/UFPR). 2. Acadêmica de Medicina da UFPR. 3. Professor-assistente da disciplina de Anatomia Patológica da UFPR. 4. Médico patologista da Associação Paranaense de Patologia (APP). 5. Professor-adjunto da disciplina de Anatomia Patológica da UFPR. 333

Introdução Descarga ou derrame papilar é a saída de secreção através da papila mamária, quando não associada à gravidez e à lactação (descarga papilar fisiológica). É o sintoma mais freqüente, depois do nódulo e da dor mamária, constituindo cerca de 7% das queixas das pacientes. É um sinal inespecífico, decorrente de causa mamária ou extramamária e, neste caso, pode ser encontrado em diversas situações, tanto no homem quanto na mulher, devido à estimulação do epitélio mamário por mecanismos neuroendócrinos, caracterizando assim a galactorréia (3). O derrame do mamilo tem sido descrito em 10% a 15% das mulheres com doença benigna da mama e em 2,5% a 3% está relacionado com carcinoma (8, 10, 14). A secreção é classificada, segundo seu aspecto macroscópico, em leitosa, verde, castanha, sangüínea, serosa, turva ou purulenta (1). O termo descarga papilar sangüínea ou hemorrágica só pode ser aplicado nos casos em que a secreção, à microscopia, revelar elementos hemáticos (3). A importância do estudo dos derrames sangüíneos se deve à sua associação com papiloma intracanalicular, carcinoma papilífero e outras lesões (1). Em homens, a relação do derrame papilar com o câncer de mama é maior do que em mulheres, estando presente em cerca de 20% dos homens com câncer de mama e sendo geralmente hemorrágico (3, 9). O significado clínico do derrame papilar torna-se extremamente importante quando não existe nenhuma massa palpável na mama (4, 6). O presente trabalho tem como finalidade avaliar a freqüência das diferentes categorias diagnósticas e o aspecto citomorfológico concomitante nas descargas papilares. O estudo tem ainda como objetivo estabelecer a relação entre o aspecto macroscópico dessas secreções e o citodiagnóstico. seis esfregaços citológicos de cada paciente. Dados clínicos relevantes, como informações quanto à lateralidade e características do derrame papilar, foram registrados. Do ponto de vista macroscópico, os derrames papilares foram classificados em hemorrágico, seroso, leitoso (galactorréico) e não-especificado. As preparações secas ao ar ou fixadas com álcool foram coradas pelos métodos de Giemsa (57 lâminas) ou Papanicolaou (366 lâminas). Elas foram classificadas, para fins diagnósticos, como positivas, negativas ou suspeitas para células neoplásicas, com laudo complementar descritivo dos elementos celulares presentes. Resultados Dos 423 casos analisados, a idade variou entre 14 e 82 anos, sendo que em 34 pacientes (8%) a idade não foi mencionada. A faixa etária que apresentou maior número de casos (159) foi a compreendida entre 30 e 39 anos (37,6%), seguida pelas faixas de 40 a 49 anos, com 97 casos (22,9%); 20 a 29 anos, com 65 casos (15,4%); 50 a 59 anos, com 38 casos (9%); 60 a 69 anos, com 17 casos (4%); dez casos entre 14 e 20 anos (2,4%) e três casos entre 70 e 89 anos (0,7%). Em relação à lateralidade, 24,6% dos casos analisados representavam derrame papilar em mama esquerda (104 casos); 30,7% em mama direita (130 casos) e 25,3% em ambas as mamas (107 casos). Em 19,4% dos casos constava como ignorado se a coleta do material fora uni ou bilateral (82 casos). Quanto ao aspecto macroscópico do derrame papilar, 71 casos (16,8%) foram hemorrágicos, 49 (11,6%) sero- 37,6% Material e método A casuística do presente estudo corresponde à análise de 423 amostras citológicas de descargas papilares provenientes de 423 pacientes do sexo feminino, no período de janeiro de 1997 a abril de 2002, atendidas pelo serviço de Anatomia Patológica do Hospital Nossa Senhora das Graças, Curitiba (PR), e através do Programa de Prevenção do Câncer Ginecológico do Estado do Paraná. As pacientes foram examinadas clinicamente e, a seguir, foi realizada a coleta do derrame papilar, sendo confeccionados de um a 15,4% 2,4% 8% 0,7% 4% 9% 22,9% não avaliada 14 a 20 anos 20 a 29 anos 30a39anos 40 a 49 anos 50 a 59 anos 60a69anos 70 a 89 anos Figura 1 Distribuição por faixa etária das pacientes do sexo feminino que apresentaram descarga papilar 334

sos, nove (2,1%) foram catalogados como galactorréicos e em 294 casos (69,5%) o derrame foi classificado como não-especificado. Correlacionando as características celulares que predominaram na microscopia com o aspecto macroscópico da descarga, 40 amostras apresentaram hemácias, sendo que desses casos 35% foram classificados como derrames não-especificados (14 casos) e 65% como hemorrágicos (26 casos). Em 26 amostras identificaram-se células epiteliais, sendo que 61,54% foram classificados como derrames não-especificados (16 casos) e 38,46% como hemorrágicos (dez casos). Em 249 amostras encontraram-se células espumosas, sendo que 76,71% foram classificados como derrames não-especificados (191 casos), 9,64% como hemorrágicos (24 casos), 11,24% como serosos (28 casos) e 2,41% como galactorréicos (seis casos). Em 93 amostras apareceram leucócitos, predominantemente neutrófilos, sendo que 72,04% foram classificados como derrames não-especificados (67 casos), 11,83% como hemorrágicos (11 casos), 12,9% como serosos (12 casos) e 3,23% como galactorréicos (três casos). Ainda 15 amostras foram classificadas como acelulares por apresentarem apenas material amorfo de fundo e negativas para malignidade. Dessas amostras, 40% foram classificadas como derrames não-especificados (seis casos) e 60% como serosos (nove casos). Quanto ao diagnóstico citológico final, 408 casos (96,4%) foram considerados negativos para malignidade, e destes, 288 amostras (70,59%) haviam sido classificadas como derrames não-especificados, 62 (15,2%) como hemorrágicos, 49 (12,01%) como serosos e nove (2,2%) como galactorréicos. Onze casos (2,60%) foram considerados suspeitos para malignidade, e destes, quatro amostras (36,36%) haviam sido classificadas como derrames não-especificados e sete (63,64%) como hemorrágicos. Quatro casos (0,9%) foram considerados positivos para malignidade, e destes, duas amostras (50%) haviam sido classificadas como derrames não-especificados e duas (50%) como hemorrágicos. Em todos os casos suspeitos prevaleceram os esfregaços hemorrágicos com macrófagos e grupos papiliformes tridimensionais de células ductais com núcleos ovóides de cromatina homogênea. Já nos casos positivos para malignidade, os esfregaços continham células cuboidais atípicas, isoladas ou em pequenos blocos, com núcleos pleomorfos, hipercromáticos e de cromatina grosseira. Relação entre as características citológicas predominantes nas descargas papilares para cada Tabela 1 categoria diagnóstica e a quantidade de casos em que foram observadas Categoria diagnóstica Número de casos (%) Negativo (408) Células espumosas 249 (61,03) Leucócitos, predominantemente neutrófilos 93 (22,79) Hemácias 40 (9,8) Células epiteliais sem atipias 11 (2,7) Ausência de células, somente material amorfo de fundo 15 (3,68) Suspeito (11) Células epiteliais com discretas atipias 11 (100) Núcleos ovóides 11 (100) Cromatina homogênea 11 (100) Outros elementos observados: freqüentes células espumosas, esparsos linfócitos e hemácias Positivo (4) Células epiteliais com atipias 4 (100) Núcleos pleomorfos 4 (100) Nucléolo evidente 4 (100) Cromatina grosseira 4 (100) Células epiteliais isoladas 4 (100) Outros elementos observados: fundo hemático, raros linfócitos e neutrófilos 335

Tabela 2 Descarga papilar: correlação entre o aspecto macroscópico das secreções e o citodiagnóstico Aspecto macroscópico Diagnóstico citológico Negativo Suspeito Positivo Total Não-especificado 288 (70,59%) 4 (36,36%) 2 (50%) 294 Hemorrágico 62 (15,2%) 7 (63,64%) 2 (50%) 71 Seroso 49 (12,01%) 0 0 49 Galactorréia 9 (2,2%) 0 0 9 Total 408 11 4 423 Figura 2 Grupamento de células neoplásicas formando blocos tridimensionais, com arranjo glanduliforme e pleomorfos, hipercromáticos e de cromatina grosseira (coloração de Papanicolaou, 400x) Figura 3 Descarga papilar mostrando um grupamento papiliforme de células ductais benignas (coloração de Papanicolaou, 100x) Discussão e conclusões A citologia da descarga papilar é um exame inicial de rastreio e deve ser realizada nos casos de descarga papilar espontânea, preferencialmente na faixa etária de maior incidência de câncer de mama. Segundo Takeda et al., esse exame é passível de maior percentual de falso-negativos em relação aos resultados falso-positivos (13). Como as células malignas não apresentam caráter citológico ou citoquímico particular, é necessária a análise de uma grande população celular para o diagnóstico correto (5). Atribui-se a esse método menor sensibilidade em relação à punção aspirativa por agulha fina, uma vez que as células neoplásicas da mama tendem a diminuir e/ou desaparecer na descarga papilar, levando a uma baixa celularidade e tornando o diagnóstico mais difícil (3, 5). Por outro lado, Lee destaca que não parece haver diferença significativa de especificidade entre a punção aspirativa por agulha fina e a citologia da descarga papilar (7). O diagnóstico citológico das amostras de derrame do mamilo tem se mostrado extremamente bem-sucedido em associação a câncer central da região do mamilo e a papiloma ou doença papilar benigna (4, 12). Os derrames sangüíneos ou hemorrágicos sabidamente apresentam estreita relação com papilomas intracanaliculares, carcinomas papilíferos e outras lesões (1). De acordo com Saphir (11), grupamentos de células epiteliais na citologia da secreção papilar são fortemente sugestivos de papiloma ou carcinoma. Para Donnelly (2), 53% de 115 pacientes com derrame papilar hemorrágico apresentavam um esfregaço citológico sugestivo de lesão maligna. Takeda (13) conclui que grupamentos papilares compostos por mais de 30 células ductais são encontrados somente em casos de carcinoma ou papiloma, e que células ductais com atipias ou células ductais em grupamentos papilares com hemácias podem ser indicadores de carcinoma ou papiloma. No total dos casos analisados no presente estudo, 15 mostraram-se suspeitos para malignidade ou malignos (3,5%), sendo que na maioria deles (60%) predominaram os esfregaços de aspecto hemorrágico. Com base nessa experiência, conclui-se que os esfregaços catalogados como hemorrágicos, macroscópica ou microscopicamente, devem ser cuidadosa e sistematicamente analisados, pois neles há maior possibilidade de serem detectadas lesões significativas. 336

Referências 1. BLAND, K. I.; COPELAND III, E. M. A mama: tratamento compreensivo das doenças benignas e malignas. São Paulo, S.P.: Editora Manole, 1994. 2. DONNELLY, B. A. Nipple discharge: its clinical and pathologic significance. Ann Surg, v. 131, n. 3, p. 342-55, 1950. 3. FRANCO, J. M. Mastologia formação do especialista. São Paulo, S.P.: Editora Atheneu, 1997. 4. FUNDERBURK, W. W.et al. Evaluation of nipple discharge in benign and malignant diseases. Cancer, v. 24, n. 6, p. 1290-6, 1969. 5. HALBE, H. W. Tratado de Ginecologia. São Paulo, S.P.: Editora Roca, v. 1, 1993. 6. KILGORE, A. R.et al. The incidence of cancer with nipple discharge and the risk of cancer in the presence of papillary disease of the breast. Surg Gynecol Obstet, v. 96, n. 6, p. 649-60, 1953. 7. LEE, W.Y. Cytology of abnormal nipple discharge: a cyto-histological correlation. Cytopathology, v. 14, n. 1, p. 19-26, 2003. 8. LEIS, H. P. et al. Nipple discharge: significance and treatment. N Y State J Med, v. 67, n. 23, p. 3105-10, 1967. 9. LÓPEZ-RÍOS, F. et al. Breast carcinoma in situ in a male. Report of a case diagnosed by nipple discharge cytology. Acta Cytol, v. 42, n. 3, p. 742-4, 1998. 10. MURTA, E. F. C. et al. Descarga papilar. J Bras Ginecol, v. 104, n. 11/12, p. 403-7, 1994. 11. SAPHIR, O. Cytologic examination of breast secretion. Am J Clin Pathol, v. 20, n. 11, p. 1001-10, 1950. 12. SHINZATO, J. Y. et al. Importância da descarga papilar na detecção precoce do câncer da mama. J Bras Ginecol, v. 104, n. 4, p. 81-5, 1994. 13. TAKEDA, T. et al. Nipple discharge cytology in mass screening for breast cancer. Acta Cytol, v. 34, n. 2, p. 161-4, 1990. 14. URBAN, J. et al. Non-lactational nipple discharge. CA Cancer J Clin, v. 28, n.3, p. 130-40, 1978. Endereço para correspondência Luiz Martins Collaço Departamento de Patologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná Rua General Carneiro, 181 CEP 80060-900 Curitiba-PR e-mail: lmcollaco@uol.com.br 337