INSULINO-RESISTÊNCIA



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Transcrição:

Manual sobre INSULINO-RESISTÊNCIA Realizado pelo: GEIR Grupo de Estudo da Insulino-Resistência da Sociedade portuguesa de endocrinologia, diabetes e doenças do metabolismo

Índice 3 Índice Introdução Manuela Carvalheiro 0 Insulino-Resistência: O que é? Manuela Carvalheiro 0 Sensibilidade à Insulina: como medir Luís Raposo 0 Síndromo de Resistência à Insulina, S. Metabólico - Definições Sandra Paiva Etiopatogenia 00 Etiopatogenia da insulino-resistência Martim Martins 00 Causas genéticas Mariana Monteiro 00 Iatrogenia Claudia Horta 00 Estilo de vida Helena Cardoso Insulino-resistência e morbilidades 00 Insulino-Resistência e Obesidade Helena Cardoso 00 Insulino-Resistência e Alterações do Metabolismo Glicídico Sequeira Duarte 00 Insulino-Resistência e Hipertensão Silva Nunes 00 Insulino-Resistência e Dislipidemia Isabel Palma Prevenção e tratamento 00 Insulino-Resistência e Exercício Themudo Barata 00 Insulino-Resistência e Alimentação Mª João Oliveira 00 Síndroma Metabólico: Estratégias de prevenção Elisabete Rodrigues 00 Síndromo Metabólico: Tratamento Mª Helena Ramos 00 Conclusões Helena Cardoso

Introdução 5 INTRODUÇÃO Manuela Carvalheiro Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital da Universidade de Coimbra No momento actual, o conceito de insulino-resistência ou diminuição da sensibilidade à insulina a nível dos tecidos alvo (principalmente músculo, fígado e rim) é da maior importância para a compreensão de um conjunto de entidades clínicas, que partilham entre si idêntica base etiopatogénica. De entre elas, teremos de referir as "epidemias" de doenças não transmissíveis que ensombram o nosso século como a obesidade e a diabetes tipo 2, com o corolário de dismetabolismos que originam e cuja história natural termina na doença cardio-vascular, causa primeira de morte nos países ditos desenvolvidos A possibilidade de se poder quantificar o grau de resistência á insulina, pelo uso de técnicas específicas, o conhecimento mais aprofundado dos seus mecanismos indutores quer a nível molecular quer bioquímico, e consequentemente à cascata de eventos patológicos a que pode dar origem, veio aguçar a curiosidade científica, na perspectiva do diagnóstico, da prevenção e do tratamento. É imperioso ter presente a relação directa entre o estilo de vida ocidental e o aumento da resistência à insulina o que desde logo implica o reforço da vertente dita comportamental, não farmacológica na sua prevenção e tratamento A indústria farmacêutica não tem ficado alheia a esta modernidade e hoje temos ao alcance um armamentário terapêutico que é preciso saber quando e como utilizar. Todos estes e outros aspectos relacionados com a resistência à insulina, levaram a que o Grupo de Estudo da Insulino-resistência (GEIR), da SPEDM, considerasse premente escrever sobre o tema, um pequeno manual de caracter educativo e informativo Os textos nele reunidos foram da responsabilidade dos diversos membros do grupo, entusiasticamente coordenados pela Prof. Doutora Helena Cardoso. Não pretende o GEIR, que o manual seja interpretado como um consensus, mas apenas, um instrumento de consulta cientificamente correcto e actual adaptado à realidade nacional.

6 Manual sobre Insulino-resistência Insulino-resistência. O que é? Insulino-resistência é um estado patológico comum, no qual as células alvo têm uma resposta insuficiente aos níveis normais de insulina circulante O conceito engloba toda a acção biológica da insulina: crescimento e desenvolvimento, metabolismo glicídico, lipídico e proteico, função endotelial e expressão genética. Mecanismos moleculares indutores de insulino-resistência: 1. mutações ou modificações de post-translação do receptor à insulina (RI), ou das suas moléculas efectoras 2. defeitos na ligação da insulina a nível do IR ou a nível do pósreceptor 3. da actividade da cinase a nível do RI, com eventuais mutações do gene do RI. 4. da expressão do TNF-α, translocação dos GLUT4, e eventuais mutações das moléculas PPARγ. Na base destes processos celulares alterados há sempre uma componente genética e ambiental, nomeadamente através da acção dos ácidos gordos livres A resistência à insulina, com carácter transitório ou definitivo é uma alteração fisiopatológica de base nas seguintes situações: Fisiológicas: puberdade, gravidez, menopausa... Patológicas: obesidade,dm tipo 2, dislipidemia, HTA, S. metabólico, PCOS...

Insulino-resistência. O que é? 7 Insulino-resistência. O que é? Manuela Carvalheiro Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital da Universidade de Coimbra O conceito de insulino-resistência ou mais exactamente diminuição da sensibilidade à insulina (sinónimo de insulino-resistência), foi introduzido por Himsworth e Kerr em 1939, para definir a relação entre uma deficiente resposta glicémica à insulina exógena, encontrada num grupo de pessoas obesas com diabetes. O avanço tecnológico (destaca-se a capacidade de medir a insulina pelas técnicas RIA na década de 60) permitiu rapidamente esclarecer este conceito. Primeiro, mostrou-se pela evidência que a obesidade induzia um aumento da resistência à insulina, que por sua vez aumentava o stresse secretor da célula b pancreática, conducente à sua insuficiência e posterior exaustão. Depois, veio a evidenciar-se que o hiperinsulinismo, estimado em valor absoluto, poderia estar presente independente- -mente do habitus corporal e ser um marcador de um estádio pré-diabético. Posteriormente verificou-se um grande avanço em termos conceptuais, ao demostrar-se que a resistência à insulina, definida como uma resposta biológica diminuída à insulina, quer endógena quer exógena, não se confinava ao metabolismo dos hidratos de carbono. De facto estende-se a toda e qualquer acção biológica da insulina, o que deve incluir o crescimento e desenvolvimento, o metabolismo glicídico, lipídico e proteico, a função vascular endotelial e a expressão genética. O avanço da biologia molecular e celular, também se revelou extremamente proveitosa na compreensão dos mecanismos indutores de insulino-resistência. A insulina circulante atinge rapidamente os tecidos alvo onde interage com o seu receptor, (uma tirosina cinase transmembranária), largamente expresso a nível tecidular. A redução da acção da insulina parece resultar de mutações ou modificações de posttranslação do receptor à insulina (RI) em si mesmo, ou das suas moléculas efectoras. A insulino-resistência pode ser devida a defeitos na ligação da insulina a nível do IR ou a nível do pós-receptor. Foram ainda encontrados outros tipos de defeitos relacionados com a redução da actividade da cinase a nível do RI, com ocorrência ou não de mutações do gene do RI. Outras alterações a nível celular têm vindo a ser demonstradas, embora os seus efeitos interajam directamente na cascata metabólica desencadeada pela ligação da insulina ao RI. Referimo-nos ao aumento da expressão do TNF-α, à translocação dos GLUT4 de

8 Manual sobre Insulino-resistência que resulta redução da actividade destes transportadores de glicose, e eventuais mutações das moléculas PPARγ. Na base de todos estes processos celular alterados há sempre uma componente genética e ambiental, nomeadamente através da acção dos ácidos gordos livres. Tendo em conta estes conhecimentos, podemos redefinir insulino-resistência como um estado patológico comum, no qual as células alvo (por diminuição do "insulin signaling") têm uma resposta insuficiente aos níveis normais de insulina circulante. A noção de que a insulino-resistência é um estado patológico comum capaz de induzir aumento de morbilidade e mortalidade, é da maior relevância. São hoje conhecidas diversas situações fisiológicas, (puberdade, gravidez, menopausa etc.) e patológicas (obesidade, diabetes tipo 2, dislipidemia, hipertensão arterial, síndroma metabólico, síndroma do ovário poliquístico (PCOS), infecções crónicas entre outras), em que a resistência à insulina, com carácter transitório ou definitivo é uma alteração fisiopatológica de base. Acresce ainda, que o estado de insulino-resistência, pode preceder por vezes em anos o eclodir das situações de morbilidade. Concluindo, poderemos afirmar, que o conhecimento quanto à natureza da insulinoresistência, nomeadamente o seu impacto na saúde e na doença, as suas bases bioquímicas e as formas da sua avaliação, permitem compreender e implementar um conjunto de medidas de ordem preventiva e terapêutica, que privilegie e combata esta alteração fisiopatológica.

Sensibilidade à insulina: como medir 9 Sensibilidade à insulina: como medir Luís Raposo Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Egas Moniz A resistência à insulina é um fenómeno de reconhecida importância na patogénese da diabetes mellitus tipo 2, estando ainda associada a diversas entidades patológicas de que se destaca a obesidade, a hipertensão arterial e outros factores de risco vascular. A avaliação da sensibilidade à insulina reveste-se assim, de grande interesse na prática clinica. De um ponto de vista genérico, podemos considerar duas metodologias para a medição da sensibilidade à insulina: na sequência de uma intervenção dinâmica (por exemplo a injecção ou perfusão de glicose e/ou insulina) ou em condições basais. As técnicas de maior rigor utilizadas para a determinação da sensibilidade à insulina recorrem a uma intervenção dinâmica e são de execução complexa e não apropriadas à prática e investigação clínicas; destacam-se o clamp euglicémico hiperinsulinémico 1 e o teste de tolerância à glicose iv (TTGIV) com a análise do modelo mínimo - "minimal model analysis" 2. O clamp euglicémico hiperinsulinémico é a técnica de referência na avaliação da sensibilidade à insulina (SI). Consiste na infusão contínua de insulina com o objectivo de induzir uma hiperinsulinémia; durante o exame a glicémia é fixada ("clampada") dentro de valores normais, à custa de uma infusão variável de glicose, que acaba por atingir uma fase estacionária ("steady-state"). O cálculo de S I é feito com base nas necessidades de glicose e nos níveis de insulinémia em condições de "steady-state". O teste de tolerância à glicose iv com colheitas frequentes (para doseamentos de glicose e insulina) apresenta uma grande correlação com a técnica anterior. O cálculo de S I é efectuado de acordo com a análise do modelo mínimo, que utiliza os resultados dos vários doseamentos de glicémia e insulinémia efectuados no decurso do teste. Em condições basais fisiológicas (após um jejum nocturno) os níveis sanguíneos da insulina (I 0 ) e da glicose (G 0 ) podem ser correlacionados e permitem o cálculo de um índice da sensibilidade (ou resistência) à insulina. Destacam-se a razão glicose / insulina 3, o índice de resistência à insulina do HOMA (homeostasis model assessment) 4,5, o índice de resistência à insulina FIRI (fasting insulin resistance index) 6, o índice de sensibilidade à insulina QUICKI (quantitative insulin sensitivity check index) 7,8.

10 Manual sobre Insulino-resistência Estes índices são de simples determinação, têm uma boa correlação com as técnicas mais fiáveis de medição da sensibilidade à insulina e são reprodutíveis; poderão ser por isso adequados para uma utilização alargada em estudos de investigação clínica. Os índices referidos têm porém algumas limitações: não podem ser aplicados em indivíduos com defeitos da secreção de insulina (como é o caso da diabetes mellitus); fornecem alguma informação indirecta sobre a retroalimentação entre o figado e as células beta mas muito pouca sobre o efeito da insulina nos tecidos periféricos (nomeadamente no tecido adiposo e músculo); de referir ainda, que nestas equações é apenas considerado um valor de insulinémia, pelo que os resultados dependem da precisão da sua medição. Tendo em atenção as limitações dos índices de sensibilidade à insulina, o valor da insulinémia em jejum poderá ser usado, em sua substituição como mero indicador da sensibilidade à insulina, desde que exista um estudo populacional que suporte especificamente a população em que é aplicado. Cálculo dos diversos índices de sensibilidade (resistência) à insulina: A razão glicose / insulina é dada por: Razão G / I = G 0 (mg/dl) / I 0 (µu/ml) (uma razão < 6 sugere resistência à insulina) 3 O índice de resistência à insulina determinado por HOMA é definido pela equação: HOMA-RI = I 0 (µu/ml) / 22.5 e Ln Go ( mmol/l ) ou HOMA-RI = [ I 0 (µu/ml) x G 0 ( mmol/l ) ] / 22.5 (valores médios: 2.06 ± 0.14) 5 O índice de resistência à insulina FIRI é definido por: FIRI = [ I 0 (µu/ml) x G 0 ( mmol/l ) ] / 25.0 (valor médio teórico de 1) 6 O índice de sensibilidade à insulina denominado por QUICKI é definido por: QUICKI = 1 / [ log I 0 (µu/ml ) + log G 0 (mg/dl) ] (valores médios: 0.382 ± 0.007) 7

Sensibilidade à insulina: como medir 11

12 Manual sobre Insulino-resistência Síndroma de insulinoresistência, síndroma metabólica: definições Sandra Paiva Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital da Universidade de Coimbra A constatação da coexistência frequente de hipertensão arterial, alterações da homeostase da glicose, obesidade e dislipidémia em determinados grupos populacionais ou no indivíduo, levou à descrição de uma síndroma clínica que as associa e agrupa. Assim, em 1988, G. Reaven propõe a designação de síndroma X, que engloba alterações da glicose, aumento das VLDL, diminuição das HDL e hipertensão arterial 1. Propõe também serem a insulinoresistência e o consequente hiperinsulinismo os responsáveis fisiopatológicos desta associação, que determina um risco cardiovascular acrescido. No entanto, a descrição inicial não incluiu a obesidade, posteriormente referida com base na evidência de que a acumulação de tecido adiposo intra- abdominal é fundamental para o aparecimento das alterações metabólicas descritas. Em 1995, em artigo de revisão, Reaven propõe integrarem a síndroma X a elevação do PAI-1 (inibidor do activador do plasminogénio) bem como a hiperuricémia 2. A importância desta síndroma torna-se cada vez mais conhecida, tomando designações múltiplas na literatura: síndroma de insulinoresistência, síndroma plurimetabólica e quarteto mortal 3. Os componentes que a definem variam também nas diversas publicações, o que acentua a confusão terminológica. Alguns autores sugerem que as alterações homorreológicas (alterações da homeostase e da reactividade vascular) 4 e elevação dos níveis séricos de leptina 5 estão frequentemente presentes nesta entidade. O relatório da Organização Mundial de Saúde de 1999 6 propõe a designação de síndroma metabólica (argumentando não estar a obesidade central incluída na definição original de Reaven ), definida como: intolerância á glicose (diminuição da tolerância ou diabetes mellitus) e/ou insulinorresistência (definida como captação da glicose inferior ao quartil mais baixo para a população estudadad em clamp euglicémico) associadas a dois ou mais dos seguintes componentes: hipertensão arterial ( 140/90 mmhg) hipertrigliceridémia ( 150 mg/dl) e/ou diminuição do colesterol-hdl (< 35 mg/dl nos homens e < 39mg/dl nas mulheres)

Síndroma de insulinoresistência, sindrome metabólica: definições 13 obesidade central ( relação cintura anca > 0,9 nos homens e > 0,85 nas mulheres) e/ou IMC >30 Kg m-2 microalbuminúria 20 gg/24 horas ou relação albumina creatinina 30 mg/g outras componentes da síndroma foram descritas mas não são necessárias para o diagnóstico Esta definição impõe a realização de clamp euglicémico hiperinsulinémico, só realizado em centros especializados, facto que lhe fez merecer algumas críticas. Neste contexto, o EGIR (European Group for the Study of Insulin Resistance) defende a utilização de uma definição com critérios mais simples e aplicáveis na prática clínica, sugerindo a seguinte definição (aplicável apenas a indivíduos não diabéticos dada a dificuldade em determinar a resistência à insulina nos últimos) 7 : insulinoresistência ou hiperinsulinémia de jejum e dois dos seguintes critérios: hiperglicémia (>110 mg/dl mas < 126 mg/dl) hipertensão arterial ( 140/90 mmhg) dislipidémia ( trigliceridios > 180 mg/dl ou colesterol-hdl < 40 mg/dl ) obesidade central (cintura 94 cm nos homens e 80 cm nas mulheres). Salienta-se que os componentes da síndroma metabólica podem anteceder por mais de dez anos as alterações à homeostase da glicose, pelo que se torna mandatório o seu reconhecimento para a prevenção e diminuição do risco cardiovascular.

14 Manual sobre Insulino-resistência

Etiopatogenia

16 Manual sobre Insulino-resistência

Etiopatogenia da insulino-resistência / hiperinsulinismo 17 Etiopatogenia da insulino-resistência / hiperinsulinismo Martim Martins Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Curry Cabral Em termos conceptuais a insulino-resistência define-se como uma situação com uma resposta biológica insuficiente à insulina endógena ou exógena. Para manter a homeostase da glicemia é então necessário o desenvolvimento de um hiperinsulinismo mantido, o que requer a capacidade adaptativa e de reserva da célulaβ; quando esta falha, em geral ao fim de algumas décadas, surge então a hiperglicemia e a Diabetes Mellitus 1-3. Sob o ponto de vista metabólico, a insulino-resistência evidencia-se nas células hepáticas, musculares e adiposas. O músculo e o tecido adiposo são os principais órgãos responsáveis pela utilização periférica da glicose em condições pós-prandiais; assim a diminuição da produção dos transportadores de glicose GLUT-4, responsáveis pela captação de glicose e defeitos de actividade da glicogénio sintetase muscular, contribuem para hiperglicemia pós-prandial. O fígado é o principal responsável pela produção de glicose em condições de jejum; assim a insuficiente inibição da glicogenólise e gliconeogénese hepática, aparentemente em relação com alterações da glicocinase hepática, contribuem para a hiperglicemia de jejum. O aumento relativo dos níveis da glicemia e dos ácidos gordos circulantes que ocorrem nessas circunstâncias podem contribuir para a insulino-resistência e para a lesão progressiva da célulaβ - glico- e lipotoxicidade. O receptor de insulina é constituído por quatro subunidades; 2 subunidades α, extracelulares e duas subunidades β, transmembrana, formando dois pares αβ. A insulina liga-se à subunidade a, e estimula a auto-fosforilação de três resíduos de tirosina da subunidade b adjacente, o que resulta numa estimulação marcada da actividade da ATP-ase incluída nessa subunidade β. Pelo contrário a fosforilação dos resíduos de serina e treonina da subunidade β, que ocorre noutras circunstâncias, resulta numa inibição da actividade da referida ATP-ase. A estimulação da actividade desta ATP-ase resulta na activação de diversos mensageiros intracelulares de natureza proteica, genericamente designados de substratos do receptor de insulina (IRS). Estes activam por sua vez múltiplas outras proteínas intracelulares, nomeadamente as fosfatidilinositol-3-cinases (PI3Ks) numa cascata amplificadora que afecta o metabolismo intracelular das proteínas, hidratos de carbono e lípidos, além de resultar em importantes efeitos sobre o crescimento celular. Os defeitos básicos da insulinoresistência não são completamente conhecidos, mas devem ocorrer na autofosforilação dos resíduos de tirosina da subunidade β, ou nos fenómenos celulares pós-receptor.

18 Manual sobre Insulino-resistência Embora os mecanismos exactos da insulino-resistência não sejam conhecidos e possam até ser variáveis, tem sido possivel isolar vários factores. Assim o hiperinsulinismo de qualquer causa determina insulino-resistência desde logo por fenómenos de regulação homóloga negativa dos receptores de insulina ("receptor downregulation") e também por fenómenos pós-receptor dessensibilização. A este respeito poderão ser relevantes os dados relativos á hiperactividade parassimpática pelo menos relativa, que ocorre na resistência à leptina que caracteriza a obesidade humana, na medida em que esse é um factor conhecido da secreção de insulina. O defeito da insulino-resistência é em grande parte reversível, podendo depender de eventuais inibidores endógenos, ou diversas hormonas e factores nalguns casos de identificação recente e com origem no tecido adiposo, como o factor de necrose tumoral a e a resistina. De facto outras alterações do tecido adiposo, por exemplo ao nível dos PPARs, ou dos receptores adrenérgicos β3, poderão justificar a insulino-resistência a nível deste tecido. De uma forma mais geral insulino-resistência e/ou o hiperinsulinismo podem ocorrer em diversas fases do desenvolvimento e em diversas situações patológicas: 1) puberdade, gravidez e idade avançada; 2) sedentarismo; 3) plano alimentar inadequado; 3) obesidade, sobretudo a obesidade abdominal visceral; 4) Diabetes Mellitus tipo 2; 5) endocrinopatias com excesso de hormona de crescimento (acromegalia), glicocorticóides (síndrome de Cushing), catecolaminas (feocromocitoma), insulina (insulinoma), glicagina (glucagunoma), hormonas tiroideias (hipertiroidismo) ou androgénios (sindrome dos ovários poliquísticos). 6) Insuficiência hepática e insuficiência renal; 7) Hipertensão Arterial; 8) Aterosclerose; 9) síndromes genéticos de insulinoresistência extrema como o Leprecaunismo ou o síndrome de Rabson- Mendenhall, em algumas situações de lipodistrofia, a ataxia de Friedreich, a distrofia miotónica e o síndrome de Alstrom; 10) autoanticorpos adquiridos contra o receptor de insulina muitas vezes no contexto de outras doenças autoimunes, incluindo as conectivites ou associado a uma forma de ataxia com telangiectasias; 11) autoanticorpos adquiridos contra a insulina associados ou não à administração de insulina; 12) alguns fármacos como os corticoesteróides, os progestagénios, agentes β-adrenérgicos, diuréticos do tipo das tiazidas, ciclosporina e alguns anti-virais do tipo dos inibidores das proteases 1-3. O problema é que ainda antes do aparecimento da diabetes com a sua fisiopatologia própria, esta situação de insulino-resistência e hiperinsulinismo é em si mesma patogénica constituindo o vulgarmente designado de Síndrome X, vulgarizado por Reaven, que será discutido noutra secção deste manual.

Etiopatogenia da insulino-resistência / hiperinsulinismo 19

20 Manual sobre Insulino-resistência Causas genéticas Mariana Pereira Monteiro Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Geral de Santo António A espécie humana debateu-se com milhares de anos de escassez nutricional condição à qual teve de se adaptar desenvolvendo mecanismos de defesa favorecedores do armazenamento energético em detrimento do gasto de energia. È possível que tenham sido seleccionados genes que assegurassem o armazenamento óptimo da energia nos períodos de jejum prolongado 1. O aumento da prevalência do síndrome metabólico, que tem sido observado nas últimas décadas, pode, em parte, ser explicado por modificações ocorridas no ambiente, nomeadamente o acesso fácil a alimentos de alta densidade energética associado a estilos de vida com escassa actividade física. No entanto, estudos epidemiológicos que demonstram a agregação familiar deste síndrome sugerem que factores genéticos que condicionam insulino-resistência possam ter uma influência nos efeitos do ambiente sobre o aumento das manifestações do síndrome metabólico 1,2. Os estudos a decorrerem com o objectivo de identificar os genes é baseada nos conhecimentos actuais da cadeia de sinalização da insulina, desde a sua ligação ao receptor até à activação do transporte da glicose 4. A insulina ao ligar-se ao seu receptor na membrana celular, estimula a autofosforilação da porção intracelular da subunidade beta, que por sua vez induz a fosforilação ao nível de resíduos de tirosina de um segundo mensageiro - o Substrato do Receptor da Insulina (IRS), que actua como intermediário entre o receptor de insulina e outros substratos intracelulares, como o fosfatidilinositol 3-cinase, activando-os. Inicia-se então uma cascata de fosforilações com consequente activação de proteínas citoplasmáticas, que permite a translocação de transportadores da glicose insulino-dependente 4 (GLUT4) do citoplasma para a membrana e concomitantemente a entrada de glicose para o fluído intracelular. Os principais genes que podem estar implicados na patogénese da insulino-resistência são: o gene do receptor da insulina, os genes do IRS-1 e 2, o gene do PI 3-cinase e o gene do GLUT4 4,5. Estudos em animais transgénicos sugeriram que mutações com inactivação do gene do receptor da insulina causa um síndroma de insulino-resistência grave com atraso de crescimento intra-uterino e morte pós-natal precoce. Os animais com delecção do gene IRS-1 desenvolvem insulino-resistência mas não hiperglicemia e a delecção do gene

Causas genéticas 21 IRS-2 causa um fénotipo idêntico ao da diabetes tipo 2 humana 4. Quando a pesquisa de mutações destes genes candidatos é aplicada em humanos com insulino-resistência constata-se que as mutações do gene do receptor da insulina com inactivação do mesmo ocorrem em síndromes muito raros com insulino-resistência grave e incompatíveis com a vida, como o leprechaunismo e o síndrome de Rabson- Mendenhall. As mutações do gene do IRS-1 e 2, ocorrem com igual frequência em populações com insulino-resistência e populações normais, ou seja, não concordantes com os dados obtidos em animais de laboratório. As mutações do gene do PI 3-cinase são difíceis de pesquisar por existirem múltiplas isoformas no homem. Em relação a outros genes candidatos, como o GLUT 4, os dados são ainda escassos 3,4,5. Pode concluir-se que embora pareça existir um substrato genético para a insulinoresistência, não existem ainda dados definitivos que nos permitam afirmar qual o gene ou genes implicados nesta entidade patológica 2,5.

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Insulino-resistência e iatrogenia 23 Insulino-resistência e iatrogenia Cláudia Horta Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Geral de Santo António Na prática clínica, são utilizados vários fármacos que podem induzir fenómenos de resistência à insulina, com implicações metabólicas mais ou menos importantes para o doente. Os corticosteróides são os mais frequentemente implicados. Podem ter acção directa diminuindo o número de receptores de insulina e estimulando a produção de glicose hepática por gluconeogénese 1, ou actuar indirectamente aumentando a actividade da lipoproteíno-lipase com o consequente aumento da captação de lípidos pelo tecido adiposo visceral 2. No contexto de diminuição da acção da insulina, a mobilização de lípidos está deficiente, pelo que o resultado é a acumulação de gordura visceral. Por outro lado, os corticosteróides aumentam a secreção de glucagon, hormona hiperglicemiante por excelência, que naturalmente agrava o quadro de hiperinsulinémia e resistência à insulina 3. Os progestativos aumentam a secreção de hormona de crescimento, mas o maior contributo para a insulino-resistência advém do seu efeito glicocorticóide 4. O papel dos estrogénios e androgenios não é tão claro. Apesar de alguns dados serem contraditórios, pensa-se que os estrogénios não induzam insulino-resistência clinicamente significativa 1. Relativamente aos androgénios, é bem conhecida a sua capacidade de reduzir a acção da insulina in vivo, diminuindo a ligação da insulina ao seu receptor e induzindo defeitos pós-receptor em mulheres com hiperandrogenismo 1. Todavia, tanto os estrogénios como os androgénios utilizados como forma terapêutica em mullheres e homens com hipogonadismo e insulino-resistência, demonstraram que facilitavam a mobilização de lípidos e diminuíam a acumulação de gordura visceral, pelo que contribuíam para uma melhoria do síndrome 2. Um estudo recente demonstrou que a Diabetes tipo 2 era seis vezes mais frequente em crianças tratadas com hormona de crescimento 5. Sabe-se que o seu efeito antiinsulínico faz-se sentir não só na utilização periférica e hepática de glicose, como no aumento da lipólise e libertação de ácidos gordos livres, contribuindo para o quadro de insulino-reistência. Alguns anti-hipertensores, como os diuréticos, beta-bloqeantes selectivos e não selectivos e hiralazina, são passíveis de induzir resistência à insulina, intolerância à glicose e dislipidemia 6.

24 Manual sobre Insulino-resistência Utilizados em menor escala, mas com repercussões não menos importantes, encontram-se os inibidores da protease retroviral usados no tratamento da infecção HIV, que diminuem de uma forma significativa a actividade do transportador de glicose GLUT4 e que com grande probabilidade serão a causa da lipodistrofia, dislipidemia, intolerância à glicose e Diabetes encontradas nestes doentes 7. O interferon também demonstrou ser capaz de induzir resistência à insulina nos tecidos periféricos e esplâncnicos em doentes com hepatite crónica activa 8. A própria insulina regula o seu receptor por um mecanismo de "feed-back" negativo, pelo que a hiperinsulinémia endógena ou exógena, é um potente antagonista da sua acção 1. Concluindo, numerosos fármacos são capazes de induzir fenómenos de insulinoresistência mais ou menos acentuados, que num terreno susceptível, se traduzirão em repercussões metabólicas mais ou menos importantes. Cabe ao clínico conhecê-los e pesquisá-los, sempre que a instituição terapêutica tenha sido prioritária.

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26 Manual sobre Insulino-resistência Insulino-resistência e estilo de vida Helena Cardoso Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Geral de Santo António, Porto Para além dos factores genéticos, também os factores ambientais parecem estar envolvidos na ocorrência da resistência à insulina, da diabetes tipo 2 e dos restantes elementos da síndrome metabólica, como o demonstra a natureza epidémica da obesidade e da diabetes tipo 2 a nível mundial. A dimensão do problema em Portugal é semelhante. Segundo um estudo patrocinado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, 49,6% da população portuguesa tem excesso de peso e 14,4% tem obesidade 1. Outro factor de preocupação é o aumento da prevalência da obesidade que se tem vindo a verificar nos últimos anos, como ficou demonstrado num estudo realizado em mancebos presentes à inspecção militar, em que se mostra que a prevalência do excesso de peso aumentou de 8,1% para 18%. de 1960 para 1990 2. A nossa geração é provavelmente uma das mais sedentárias na história do mundo e na verdade seria de espantar que com estas alterações do estilo de vida não houvesse repercussões na prevalência das doenças a que nós chamamos doenças da civilização. É interessante a correlação encontrada entre a sensibilidade à insulina e o número de passos médios diários 3. O aumento da prevalência da obesidade, da resistência à insulina e da diabetes tipo 2 associado à mudança de uma alimentação rica em grãos, frutos e vegetais para uma alimentação de grande densidade energética rica em gorduras e hidratos de carbono e à alteração dos padrões de actividade física com a mudança para um estilo de vida sedentário, fisicamente inactivo, tem sido observado em diferentes populações 4,5. Demonstrou-se em animais a rápida indução de resistência à leptina e à insulina provocadas pelo excesso de nutrientes, com colapso de todo o sistema da leptina e da sua capacidade de inibição do apetite, num processo sugestivo de facilitação do armazenamento de nutrientes sob a forma de reservas lipídicas 6. Estes mecanismos estarão particularmente bem desenvolvidos nos individuos e animais predispostos ao ganho de peso e à diabetes em consistência com a hipótese do genótipo poupador 7 e chamam a atenção para a importância da prevenção versus tratamento pela sua maior eficácia. Também a recente constatação de um risco aumentado de diabetes tipo 2 associado ao tabagismo materno durante a gravidez e ao tabagismo em jovem vem reforçar a

Insulino-resistência e estilo de vida 27 importância da mudança do estilo de vida em várias vertentes 8. Como médicos, devemos ter sempre presente a dualidade do nosso papel: a nível da micro-intervenção e da macro-intervenção. Na micro-intervenção actuando a nível do nosso doente, pensando sempre que é mais fácil prevenir que tratar e, uma vez que a resistência à insulina surge antes do aparecimento dos restantes elementos da sindrome metabólica torna-se importante identificar essas pessoas uma vez que o seu tratamento terá maior eficácia preventiva. Deve suspeitar-se de insulino resistência perante a existência de antecedentes familiares de diabetes mellitus tipo 2, história pessoal de diabetes gestacional, tolerância alterada à glicose ou síndrome de ovário poliquístico e obesidade, principalmente obesidade visceral 9. Nestes doentes as alterações do estilo de vida com aumento da actividade física diária, aumento da ingestão de fibras e a obtenção de um peso saudável são atitudes prioritárias devendo ser bem explicadas ao doente as implicações de atingir este objectivo na alteração da história natural da doença. Devemos também tentar intervir a nível da família do nosso doente demonstrando que cada um de nós individualmente tem de tomar medidas para se proteger e proteger a sua família lutando contra a criação e manutenção de hábitos que a sociedade actual estimula e pressiona a adquirir e que vão desencadear ou facilitar todo um processo metabólico dirigido à reserva de nutrientes que numa época de abundância nutricional e de sedentarismo vai ser altamente prejudicial. A nível da macro-intervenção devemos actuar com a consciência que cada um de nós deve também tentar intervir socialmente tentando lutar contra este estado de coisas. Para impedir que a anunciada pandemia de obesidade e de diabetes tipo 2 se torne realidade é urgente que em cada país as autoridades de saúde lancem campanhas para promover mudanças do estilo de vida e dos hábitos nutricionais 10,11. campanhas estas que para serem eficazes terão de ser acompanhadas de intervenções a nível da política dos transportes, da educação, das obras públicas, com acções concertadas visando combater o sedentarismo - e estas acções, se bem publicitadas, serão bem recebidas pela população. Só com este tipo de intervenção conseguiremos impedir o aumento galopante das doenças da civilização: a obesidade, a diabetes, as doenças cardiovasculares 11. Torna-se urgente criar organismos estatais de promoção da saúde e controlo e prevenção das doenças crónicas, tal como já há noutros países, organismos esses que estando sensibilizados para as medidas sociais que conduzem à prevenção destas e de outras doenças, intervenham em prol da adopção deste tipo de medidas. Há urgência em desenvolver planos globais e nacionais para prevenção da obesidade, diabetes mellitus tipo 2 e toda a síndrome metabólica.

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Insulino-resistência e obesidade 31 Insulino-resistência e obesidade Helena Cardoso Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Geral de Santo António A associação entre obesidade e resistência à insulina parece corresponder a uma relação de causa efeito. Um dado a favor é o facto de, quer nos modelos de experimentação animal, quer no Homem, o aumento de peso diminuir a sensibilidade à insulina e a perda de peso aumentá-la, com repercussões também a nível da tolerância à glicose 1,2. O mecanismo subjacente a esta relação é porém discutível. Os ácidos gordos livres parecem constituir uma importante ligação entre obesidade, resistência à insulina e diabetes mellitus. Os ácidos gordos elevados provocam resistência à insulina a nível hepático e periférico 3,4,5. Os mecanismos possíveis para esta relação entre a resistência à insulina e o nível plasmático de ácidos gordos livres são a inibição da fosforilação e do transporte da glicose e a diminuição da actividade da sintase do glicogénio muscular 6. Os ácidos gordos livres também estimulam a secreção de insulina nos indivíduos não diabéticos 7, compensando assim a resistência periférica à insulina que eles próprios medeiam. Outros autores propõem como explicação para a hiperinsulinemia uma redução da captação de insulina pelo figado em resultado da sua exposição a níveis elevados de ácidos gordos livres 8. Boden defendeu que nos indivíduos predispostos geneticamente à diabetes tipo 2 os ácidos gordos livres seriam incapazes de promover uma secreção de insulina capaz de compensar o aumento da resistência à insulina, o que resultaria em hiperglicemia 9,10. Vários autores demonstraram uma associação entre as reservas aumentadas de triglicerídeos intramusculares e a diminuição da sensibilidade muscular à insulina medida pela determinação da síntase de glicogénio estimulada pela insulina, e os índices de resistência à insulina determinados pelo clamp euglicémico 11. O estudo cardiovascular de Quebec Cardiovascular Study demonstrou a associação da obesidade visceral com a hiperinsulinemia, a resistência à insulina, a hipertrigliceridemia, o aumento da concentração da apolipoproteína B, o aumento da proporção das LDL pequenas e densas e a diminuição das concentrações do colesterol HDL. Das variáveis estudadas foi a apolipoproteína B a que se correlacionou mais fortemente com a doença cardíaca isquémica 12,13,14. Perante a frequente observação de níveis de colesterol total muito próximos do normal em doentes com obesidade visceral, com história de doença cardíaca isquémica, Després descreve uma tríada aterogénica de que fazem parte a hiperinsulinemia, o aumento das partículas LDL pequenas e densas e o aumento da apolipoproteína B, associada a risco aumentado de doença coronária mesmo na ausência dos factores de risco clássicos como a diabetes tipo 2, a hipercolesterolemia e a hipertensão 15,16. O nível dos triglicerídeos de jejum de 12 horas (>180mg/dl)

32 Manual sobre Insulino-resistência associado ao perímetro da cintura (>90cm) tem demonstrado boa capacidade par identificar esta tríada metabólica aterogénea em homens 17. A importância do perímetro da cintura na identificação da obesidade visceral resulta de ser o parâmetro antropométrico com maior correlação com a área de tecido adiposo visceral medida por TAC ou RM. A OMS e a SPEO consideram os valores de 80 e 88 cm na mulher e de 94 e 102 cm no homem indicadores de dois níveis crescentes de risco. A associação da hipertrigliceridemia ao aumento do perímetro da cintura será um fenótipo identificador de obesidade/excesso de peso de alto risco. É de salientar a importância da resistência à insulina como factor de risco cardiovascular chamando a atenção para os diferentes fenótipos que o síndrome metabólico pode apresentar, o perímetro da cintura devendo ser usado como um parâmetro vital a medir em todos os doentes pela sua capacidade de identificar a obesidade visceral e de monitorizar a sua modificação no tempo.

Insulino-resistência e alterações do metabolismo glicídico 33 Insulino-resistência e alterações do metabolismo glicídico J. Sequeira Duarte Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Egas Moniz A resistência à insulina e a falência da célula β do pâncreas, representam as duas características mais marcantes da diabetes tipo 2 relacionada com a obesidade, mas não é ainda claro como decorrem estas duas perturbações. Há no entanto um crescente número de provas que indicam que estas duas alterações podem resultar, pelos menos em parte, de uma modificação da normal dinâmica dos lípidos. Foi proposto que o problema inicial, presumivelmente de origem genética, seja um defeito na via da leptina de que resulta uma diminuição do tonus simpático do SNC e a reduzida capacidade dos tecidos periféricos para oxidar os ácidos gordos livres (FFAs). Recentemente foi isolada uma proteína desta família, denominada Resistina, num modelo experimental com troglitazona. Os autores reclamam que a resistina pode explicar a etiopatogenia do sindrome metabólico mas este trabalho precisa de ser confirmado e desenvolvido. Neste modelo, a concomitante produção de acyl-coa (LC-CoA) de longa cadeia na célula muscular, para a qual a acumulação de gordura no interior das células musculares é um marcador indirecto, interfere com a captação de glicose mediada pela insulina e produz Insulino-Resistência. Paralelamente a redução do tonus simpático na célula b causa hipersecreção de insulina que compensa a Insulino-Resistência, muscular mas também promove a excessiva acumulação de gordura no fígado, em conjunto com a produção excessiva de VLDL e o aparecimento de hipertrigliceridemia. A maior captação de FFA das VLDL pelo músculo e a deposição de gordura exacerba a insulinoresistencia e leva à obesidade. A certa altura a gordura torna-se refractária ao efeito antilipolítico da insulina, pelo que os níveis circulantes de FFA começam a subir. Isto agrava o grau de hiperinsulinemia, hipertrigliceridemia e a resistência muscular à insulina, e também reduz a capacidade da insulina para suprimir a produção hepática de glicose, conduzindo assim à tolerância diminuída à glicose (IGT). Nos indivíduos geneticamente predispostos, suspeita-se que a exposição crónica da célula β do pâncreas aos FFA é prejudicial à sua função e tem um papel importante na progressão de IGT para um quadro completo de diabetes tipo 2. As provas que suportam este modelo têm algum valor. Daqui resulta que qualquer estratégia que reduza a sobrecarga de lipídios no músculo, fígado e nas células b possa conduzir a salutares efeitos nas perturbações metabólicas da diabetes tipo 2.

34 Manual sobre Insulino-resistência A resistência à insulina sobre os tecidos alvo traduz-se por um aumento da produção hepática de glicose (também aumentada pela hiperglucagonémia) e uma diminuição da sua utilização muscular. 0 aumento da lip6lise no tecido adiposo provoca um aumento da produção de ácidos gordos livres cuja oxidação estimula a neoglucogénese hepática e inibe a utilização muscular da glicose. Não está provado que a resistência à insulina é o primeiro defeito da Síndrome metabólica. Um defeito genético (X) ainda não identificado deverá ser o problema inicial.

Insulino-resistência e hipertensão arterial essencial 35 Insulino-resistência e hipertensão arterial essencial José Silva Nunes Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Curry Cabral 1) Hipertensão arterial (HTA) essencial como componente da síndrome de insulinoresistência (IR) A HTA essencial constitui um dos componentes da síndrome de IR, conforme descrito por Reaven em 1988. Contudo, a primeira descrição de aumento dos níveis de insulina na HTA foi efectuada por Welborn na revista "Lancet", em 1966. Vários estudos posteriores demonstraram a associação presente entre os níveis de insulina, não só com os níveis tensionais (uma duplicação nos níveis de insulina associa-se a um aumento médio de 31% nos níveis tensionais sistólicos e de 25% nos diastólicos), mas também com outros factores de risco cardiovascular (triglicéridos, HDL-colesterol, ácido úrico, fibrinogénio, PAI-1,...). Contudo, só em 1987, Ferrannini demonstrou um aumento do grau de IR, em doentes hipertensos, recorrendo à técnica padrão (clamp euglicémico hiperinsulinémico); foi demonstrado que os doentes hipertensos apresentavam uma redução média de 37% de sensibilidade à insulina, comparativamente aos controlos. Foi também demonstrado que filhos, normotensos, de doentes com HTA essencial apresentam já uma redução média de 15% na sensibilidade à insulina, redução esta semelhante à verificada em filhos, normoglicémicos, de doentes com diabetes mellitus tipo 2. Estes dados comprovam o papel da hereditariedade na transmissão do estado de IR e que este estado precede o aparecimento da HTA. Apesar da correlação comprovada entre IR e HTA, a HTA essencial é uma condição multifactorial e nem todos os doentes com HTA essencial se apresentam com IR, nem todos os doentes com IR têm HTA. A questão que persiste é saber se a IR, em indivíduos geneticamente predispostos, induz o desenvolvimento de HTA ou se IR e HTA são o resultado de um factor etiopatogénico comum que induza as duas condições, eventualmente, com desfasamento temporal. 2) Mecanismos etiopatogénicos Em indivíduos com IR, e geneticamente predispostos, vários mecanismos são sugeridos como tendo um papel etiopatogénico no desenvolvimento da HTA: a) hiperactividade adrenérgica; b) acção anti-natriurética por aumento da reabsorção de sódio, a nível do tubo contornado proximal níveis aumentados de aldosterona (secundários à hiperactividade adrenérgica e, possivelmente, devido ao efeito dos níveis aumentados de amilina a nível do sistema renina-angiotensina-aldosterona)

36 Manual sobre Insulino-resistência redução da secreção de péptido natriurético auricular; c) hiperactividade do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal; d) hipersensibilidade ao sal ingerido na dieta; e) redução na síntese de prostaglandinas vasodilatadoras; f) vasoconstrição secundária ao aumento do cálcio intracelular (a IR conduz à estimulação da bomba Na + /H + e à inibição da actividade da Na + -K + -ATPase e da Cálcio-ATPase ). Contudo, embora estes mecanismos possam explicar a elevação dos níveis tensionais, não são os responsáveis pela manutenção crónica daqueles. A HTA mantida deve-se, possivelmente, ao aumento da resistência vascular periférica (RVP) induzida pela acção trófica de vários factores e pela disfunção endotelial. A insulina, bem como vários outros factores de crescimento, actua a nível da parede vascular, resultando na hipertrofia desta e aumento da relação parede / lúmen. Por outro lado, a disfunção endotelial com comprometimento da secreção de substâncias vasodilatadoras, como o óxido nítrico, e aumento na secreção de factores vasoconstritores, como a endotelina, perpetua uma RVP aumentada e subsequente aumento dos níveis tensionais. 3) Implicações na terapêutica da HTA no doente com SIR Se a HTA é induzida pela IR, é óbvio que a melhoria do estado de IR, conduz a uma melhoria da HTA. Estudos têm demonstrado uma redução dos níveis tensionais proporcional à redução do grau de IR, independentemente da redução do peso corporal. A adopção de medidas básicas de terapêutica, como a dieta e o exercício físico, conduzem, por si só, à redução dos níveis tensionais e da insulinémia, em doentes com grau significativo de IR. Além destas medidas, a introdução de terapêutica com biguanidas ou tiazolidinedionas conduz a uma adicional melhoria da sensibilidade à insulina e, assim, favorece a redução dos níveis tensionais. Se, nestes indivíduos, a introdução das medidas básicas de terapêutica para combater a IR e a HTA (dieta, exercício físico e restrição salina), junto com a terapêutica específica para redução da IR, não são suficientes para normalizar os níveis de tensão arterial, há que recorrer à terapêutica com agentes hipotensores. Um dos principais elos de ligação entre a IR e a HTA parece residir na disfunção endotelial. Uma terapêutica hipotensora que melhorasse, também, a função do endotélio pareceria ter um duplo efeito benéfico; tal objectivo é conseguido com os inibidores da enzima de conversão da angiotensina. Em relação aos restantes grupos de agentes hipotensores, existe alguma variabilidade quanto ao nível de interferência sobre o grau de IR, sendo consensual a contra-indicação relativa do uso de diuréticos tiazídicos, nestes doentes.

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Insulino-resistência e dislipidemia 39 Insulino-resistência e dislipidemia Isabel Palma Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo; Hospital Geral de Santo António Insulinoresistência e hiperinsulinemia associam-se muitas vezes com outros factores de risco vascular, condicionando um risco elevado de doença coronária. Entre estes factores de risco inclui-se: a obesidade visceral, a hipertensão arterial, a intolerância à glicose, a dislipidemia e as alterações da coagulação. O facto do metabolismo de todas as lipoproteínas estar interrelacionado, leva a que alterações em uma ou duas lipoproteínas expliquem o perfil lipídico que caracteriza a insulinoresistência (fig. 1). Os três componentes major da dislipidemia que ocorre na insulinoresistência são: 1. aumento dos níveis plasmáticos de triglicerídeos (TG). 2. diminuição das lipoproteínas de alta densidade (HDL). 3. alteração na composição da lipoproteína de baixa densidade (LDL). A hiperinsulinemia e a obesidade central que tipicamente acompanham a insulinoresistência contribuem para a excessiva produção hepática de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL). As VLDL são constituídas por um núcleo lipídico (80-95% TG e 2-7% colesterol) rodeado por fosfolipidos, colesterol livre e apoproteínas (apo) (B 100, CI, Cll, Clll, e apo E). Então, as alterações metabólicas da insulinoresistência que levam à excessiva produção de partículas VLDL são: 1. aumento dos níveis plasmáticos de Ácidos gordos livres e glicose, os quais regulam a produção de VLDL a nível hepático (aumento da produção de VLDL). 2. aumento dos níveis de TG no fígado, que inibem a degradação de apo B, a qual tem como papel principal transportar lipídeos para fora do fígado. 3. diminuição dos níveis de lipoproteína lípase (LPL). Esta enzima é sintetizada no tecido adiposo e muscular e actua na lipólise das lipoproteínas ricas em TG. A sua diminuição leva a diminuição da "clearance" destas partículas. 4. aumento da síntese de apo CIII (componente apoproteico major das VLDL). Esta apo interfere com a acção da LPL, diminuindo-a e interfere com a captação dos remanescentes VLDL por intermédio dos receptores hepáticos das LDL. Como resultado final temos aumento de lipoproteínas ricas em TG. As HDL são constituídas por 5-10% TG, 15-25% colesterol, 20-30% fosfolipidos e por uma variedade de apoproteínas (apo AI, II, IV, Apo CI, II, III, e Apo E). Apesar dos mecanismos que regulam o metabolismo da HDL não serem completamente conhecidos, a diminuição do potencial aterogénico levada a cabo por estas lipoproteínas é por todos incontestável.