Mortalidade por agressões Estado no Rio Grande do Sul. Mortality for aggressions at Rio Grande do Sul. Kramer Dutra, Celmar Correa de Oliveira.

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Transcrição:

Mortalidade por agressões Estado no Rio Grande do Sul Mortality for aggressions at Rio Grande do Sul Marize do Socorro Vulcão Leão, Maria de Lourdes Drachler, Fabrício Badalotti, Carla Kramer Dutra, Celmar Correa de Oliveira. Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - Brasil e-mail : marize-leao@uergs.edu.br, Resumo: Este estudo investiga desigualdade nas taxas de mortalidade de 0 a 29 anos por agressões e eventos cuja intenção é indeterminada no Rio Grande do Sul de 1997 a 2002. Foram calculadas: a) proporção de óbitos por essas causas em relação ao total de mortes b) coeficientes de mortalidade por faixa etária (0-4, 5-14 e 15-29 anos) e coeficientes de mortalidade de 0-29 anos por essa causa, brutos e padronizados para a idade. Estes indicadores foram estimados segundo gênero e microrregiões. A mortalidade de 0 a 29 anos por essas causas foi em média 19,23 e 23,5/100.000 habitantes (bruta e padronizada); calculada em 2,8 óbitos por dia. A sobremortalidade masculina foi de 7:1, a mortalidade de 15 a 29 anos foi 10 vezes maior do que de 0 a 4 anos e a razão entre as microrregiões de maior e de menor mortalidade foi de 5:1. A violência confirma-se como problema de saúde pública, exigindo ações positivas do Estado, por meio de estratégias de prevenção e de atenção que priorizem o perfil de desigualdades observado. Palavras-chaves: violência, mortalidade, homem, mulher.

2 Abstract: This study investigates inequality in the mortality rates between 0 and 29 years caused by aggressions and events whose intention is uncertain in Rio Grande do Sul from 1997 to 2002. Were calculated :a) proportion of deaths for those causes in relation to the total of deaths b) mortality coefficients for age group (0-4, 5-14 and 15-29 years) and coefficients of 0-29 yearold mortality for that cause, rough and standardized for the age. These indicators were estimate according to gender and microregions. The mortality between 0 to 29 years for those causes was 19,23 and 23,5/100.000 inhabitants on average (rough and standardized); calculated in 2,8 deaths a day. The masculine overmortality was of 7:1, the mortality from 15 to 29 years was 10 times larger than the mortality form 0 to 4 years and the reason between the microregions of larger and smaller mortality was of 5:1. Violence is confirmed as problem of public health, demanding positive actions of the State, through prevention strategies and of attention prioritizing the profile of inequalities observed. Keyword: violence, mortality, man, woman. INTRODUÇÃO As injúrias físicas (trauma) intencionais contra outra pessoa, grupo ou comunidade (as agressões), juntamente com os suicídios, constituem o grande problema da violência, cuja busca de soluções tem mobilizado a sociedade internacionalmente (WHO ¹). No mundo, no ano 2000, aproximadamente 1,6 milhões de pessoas morreram violentamente, representando 28,8 mortes por 100 mil habitantes, um terço por agressões (WHO ¹). Dentre as mortes violentas, 199 mil ocorreram na faixa etária de 15 a 29 anos. Destas, 75% correspondem a óbitos masculinos. A gravidade do problema da violência é ainda maior do que estas estimativas, pois muitas mortes por agressões são notificadas como outras enfermidades ou causas naturais, principalmente em mulheres, crianças e idosos (WHO ¹).

3 As maiores taxas de mortalidade por agressão estão na África e na América Latina enquanto as mais baixas estão na Europa Ocidental e em alguns países da Ásia e do Pacífico (WHO ¹). No Brasil, as mortes por causas externas (agressões, acidentes de trânsito e outras lesões) são a segunda principal causa de mortes, correspondendo a quase 120 mil óbitos anualmente, 13% do total de óbitos. As agressões constituem a quarta causa de morte no Brasil, acometendo 41 mil cidadãos ano (NORONHA ²). Estudos realizados pelo Ministério da Saúde mostram que no Brasil nas duas últimas décadas os problemas relacionados à violência tiveram, em média aumento de 115%, atingindo principalmente jovens na faixa etária de 15 a 24 anos (SOUZA ³). Em 1998, as mortes por agressão (24 óbitos por 100 mil habitantes) superaram as mortes por acidentes de trânsito (18 óbitos por 100 mil habitantes), representando 35% das mortes por causas externas (MINAYO 4 ). No Rio Grande do Sul, os poucos estudos encontrados mostram que as mortes por causas externas representam a quarta principal causa de morte, superada apenas pelas doenças do aparelho circulatório, neoplasias e doenças do aparelho respiratório (CIS/SES/RS 5 ). De 1970 a 1999 houve aumento na proporção de mortes por causas externas, sendo que as agressões ocuparam, em 1999 o oitavo lugar entre essas causas. As causas externas representam a terceira principal causa de mortes entre os homens e a sétima entre as mulheres de 20 a 29 anos (CIS/SES/RS 5 ). Pessoas vítimas de agressão adoecem mais e usam mais os sistemas de saúde, principalmente os serviços de emergência. No Brasil, 20% dos recursos destinados à saúde são utilizados com mortes e invalidez resultantes de atos violentos (MENDONÇA 6 ). Cerca de 14% das disfunções crônicas, como as lesões medulares ou cerebrais, mutilações, depressão, ansiedade, gravidez indesejada, transmissão de doenças sexuais e alcoolismo, na população masculina e 7% na população feminina tem sido atribuídas a violência, gerando custos sociais e financeiros, de adequação de serviço de equipamento e profissionais (WHO¹).

4 Diante desse contexto, o tema torna-se de primeira importância, exigindo que vários atores abordem o mesmo com o intuito de esclarecer o assunto e contribuir para que haja uma compreensão maior sobre essa questão. É necessário a elaboração da epidemiologia da doença (MINAYO E SOUZA 7 ), pensando a violência não como algo inerente à pessoa humana, mas sim como algo que pode ser estudado, prevenido e combatido (WHO ¹). Salienta-se a importância de considerar esse tema dentro do conceito ampliado de saúde não mais enfatizando a saúde como ausência da doença, mas sim pelo conjunto de fatores condicionantes da mesma como alimentação, segurança, emprego, entre outros. Este estudo estima a taxa de mortalidade por agressão e por eventos cuja intenção é indeterminada no Rio Grande do Sul nos anos de 1997 a 2000 para a faixa etária de 0 a 29 anos, identificando desigualdades sociais nessa mortalidade, especificamente as diferenças na mortalidade relativa às diferenças de gênero, faixa etária, condições sócio-econômicas e por microrregiões do estado. METODOLOGIA Dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e estimativas populacionais provenientes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foram usadas para calcular: a) proporção de óbitos por agressões e eventos cuja intenção é indeterminada em relação ao total de mortes b) coeficientes de mortalidade por faixa etária (0-4, 5-14 e 15-29 anos) e coeficientes de mortalidade de 0-29 anos por essa causa, brutos e padronizados para a idade. Estes indicadores foram estimados segundo gênero e microrregiões administrativas estaduais da saúde no período de 1997 a 2002. Para isso, as causas básicas dos óbitos selecionados foram às agressões e os eventos cuja intenção é indeterminada, registradas sob o código X 85 a Y 34 na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) em sua 10º revisão. Essas causas incluem as injúrias intencionais (homicídios, lesões infligidas por outra pessoa, empregando qualquer meio, com intenção de

5 matar) e eventos cuja intenção é indeterminada, nos quais a informação não é suficiente para permitir que as autoridades médicas ou legais possam fazer a distinção entre tratar-se de um acidente, de uma lesão auto-infligida ou de uma agressão. As taxas de mortalidade de 0-29 anos foram padronizadas tendo como referência a estimativa populacional feita pela Organização Mundial da Saúde para 2000 a 2025. A padronização leva em conta possíveis efeitos de diferença na estrutura demográfica entre gênero, períodos anuais e microrregiões estudadas. Utilizou-se o programa Tabwin para o agrupamento dos dados na base geográfica. RESULTADOS No Estado do Rio Grande do Sul, de 1997 a 2002, ocorreram 43.304 óbitos, na faixa etária de 0 a 29 anos, sendo 14% (n= 6.089) decorrentes de agressão ou eventos cuja intenção é indeterminada, o que corresponde 84,56 óbitos por mês ou 2,8 óbitos por dia. Dentre esses óbitos, 92,32% ocorreram na faixa etária de 15 a 29 anos; 88% dos óbitos (5.394) entre 0 e 29 anos eram do sexo masculino; 12,45% do total de óbitos nessa faixa etária. Dentre as vítimas, 7,87% (190 óbitos) tinham de 5 a 14 anos e menos de 1% (98) eram da faixa etária de 0 a 4 anos. A seguir, na tabela 1 são apresentadas às porcentagens de óbitos nas faixas etárias analisadas neste estudo. Tabela 1: Proporção de óbitos por agressões e eventos cuja intenção é indeterminada em relação ao total de óbitos no Rio Grande do Sul. Faixa Etária Total Masculino Feminino (anos) 1997 1998 1999 2000 2001 2002 1997 1998 1999 2000 2001 2002 1997 1998 1999 2000 2001 2002 % % % % % % % % % % % % % % % % % % 0 a 4 0,8 0,7 0,9 1,1 1,1 1,3 0,8 0,7 0,8 0,9 1,3 1,0 0,8 0,7 1,0 1,3 0,9 1,8 5 a 14 8,4 6,2 8,8 9,8 9,8 6,6 4,4 4,0 5,7 6,4 4,4 4,9 5,1 1,9 4,0 4,2 2,5 3,4 15 a 29 26,0 24,6 26,7 28,4 28,4 29,5 30,4 29,2 31,3 34,4 34,7 36,6 11,4 11,1 11,3 8,8 11,3 10,5 Total 13,2 11,7 13,6 14,6 15,2 15,2 16,3 14,9 17,2 19,4 19,4 21,0 4,7 3,8 4,6 4,0 4,2 4,8 A tabela 2 apresenta as taxas de mortalidade por agressão e eventos cuja intenção é indeterminada, como também o coeficiente padronizado para idade de 0 a 29 anos.

6 A taxa de mortalidade, nessa série (1997-2002), foi de 23,5 óbitos por 100 mil habitantes. Os homens apresentaram coeficiente padronizado de 41,5 óbitos por 100 mil habitantes de 0 a 29 anos. Na fixa etária de 15 a 29 anos essa taxa passou para 66,2. As mulheres apresentaram coeficiente padronizado de 5,4 óbitos por 100 mil habitantes, de 0 a 29 anos. Em relação às faixas etárias femininas, a mais expressiva foi de 15 a 29 anos, que apresentou 6,76 óbitos por 100 mil habitantes. A sobremortalidade masculina, de 0 a 29 anos, chegou a ser de 7:1, ou seja, a cada óbito feminino existem 7 masculinos. Entre 15 e 29 anos, a sobremortalidade apresentou 10:1 óbitos masculinos. Tabela 2: Coeficiente de mortalidade por agressão e eventos cuja intenção é indeterminada na faixa etária de 0 a 29 anos para1997 a 2002 no Rio Grande do Sul, padronizado pela população mundial estimada pela OMS para 2000-2025. Faixa Etária Total Masculino Feminino (anos) 1997 1998 1999 2000 2001 2002 1997 1998 1999 2000 2001 2002 1997 1998 1999 2000 2001 2002 0 a 4 3,2 3,0 3,4 4,1 3,9 4,2 3,4 3,4 3,4 3,4 5,0 3,4 2,9 2,6 3,5 4,5 2,8 5,1 5 a 14 3,0 2,1 2,8 3,2 2,1 2,2 3,4 3,0 3,7 4,2 2,9 3,0 2,6 1,1 1,8 2,2 1,2 1,4 15 a 29 37,5 33,9 35,6 35,7 37,1 39,4 67,2 60,1 64,1 65,8 67,5 72,3 7,7 7,7 7,0 5,2 6,4 6,1 Coeficiente padronizado de 0 29 24,0 21,6 22,9 23,4 23,7 25,2 41,8 37,6 40,3 41,8 42,4 44,5 6,2 5,5 5,6 4,9 4,9 5,2 A microrregião de Porto Alegre apresentou a maior taxa de mortalidade por 100 mil habitantes pelas duas causas estudadas. Foram cerca de 36 óbitos por 100 mil habitantes, já a menor taxa foi a de Não-Me-Toque com o coeficiente de 7 óbitos por 100 mil habitantes. Porto Alegre foi à microrregião que apresentou a maior proporção de óbitos pelas causas analisadas, 53% (3.285); em média 45 vítimas por mês ou 1,5 óbitos por dia na faixa etária de 0 a 29 anos. A faixa etária de 15 a 29 anos apresentou maior proporção de óbitos entre as microrregiões, cerca de 91% das baixas.

7 DISCUSSÃO A violência, de um modo geral, tornou-se uma constante na vida das pessoas, ou somos vítimas diretas da mesma, ou sofremos com o medo que ela nos impõe. Dentro do rol de ações contra outro indivíduo, que constituem o sentido geral da palavra violência estão as agressões e eventos cuja intenção é indeterminada. A partir da Constituição de 1988, o conceito de saúde sofreu algumas mudanças, a saúde passou a ser considerada legalmente não mais como ausência da doença, mas sim como um conjunto de fatores condicionantes da mesma. Quando afirmamos que as agressões têm como conseqüências diretas prejuízo às condições físicas e psicológicas das pessoas, devemos reportar nosso pensamento ao Sistema Único de Saúde - SUS, que almeja o combate a todos os agravos à saúde. Para tanto, devem ser garantidos os direitos presentes na Constituição, tendo em vista que o SUS é um instrumento para garantia dos mesmos. Ao qual, cabe também estabelecer estratégias de ação que possibilitem diminuir as injúrias. Observarmos, que a mortalidade por agressões e eventos cuja intenção é indeterminada, de 1997 a 2002, representa 14%(6.089) de todas as mortes no Rio Grande do Sul (43,304) na faixa etária de 0 a 29 anos. Num estudo realizado pela UNICEF, nos países desenvolvidos, constatou-se que os seguintes fatores estão associados aos maus-tratos de criança classe e raça, pobreza, pais solteiros, famílias separadas, crianças que não vivem com os pais biológicos, crianças doentes ou com alguma incapacidade, drogas e abuso do álcool, pais adolescentes, baixo nível de educação e pais que foram abusados em sua própria infância (UNICEF 8 ). No Rio Grande do Sul, houve um aumento significativo na proporção de óbito por agressão em relação ao total de mortes, na faixa etária de 0 a 4 anos, visto que, essa proporção em 1997 era de 0,79%, já em 2002 foi de 1,31%, representando um aumento de 65% (Tabela

8 1). Na faixa etária de 5 a 14 anos passamos de 8,39% em 1997 para 6,6% em 2002. Houve, portanto, uma diminuição de 21% no período. Estima-se que, no ano 2000, ocorreram, no mundo, 57 mil mortes por agressões na faixa etária menor de 15 anos. São as crianças entre 0 e 4anos que correm maior risco. Sua taxa de mortalidade é duas vezes maior que a faixa etária entre 5 a 14 anos, respectivamente 5,2 e 2,1 mortes por 100 mil habitantes. As principais causas são: 1º) traumatismos cranianos 2ª) traumatismos abdominais e 3º) asfixia intencional (WHO ¹). No Rio Grande do Sul a mortalidade por injúrias intencionais na faixa etária de 0 a 4 anos foi de aproximadamente 47% maior do que na faixa etária de 5 a 14 anos em 2002. Como demonstra o nosso estudo, apesar de existirem leis internacionais, que, no Brasil, foram relidas e transcritas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), visando garantir a proteção de crianças e adolescentes, o número de mortes por essa causa continua aumentando. Assim, vem sendo observado que não basta somente respaldo legal para proteção da sociedade, são necessários, também, meios de se fazer cumprir a Lei e dar viabilidade ao mesmo através de estratégias adequadas às diferentes realidades do nosso Estado. Quanto ao gênero, confirmamos, também, a nossa hipótese de que os homens apresentam maior risco de morrer por agressão do que as mulheres. Pela observação de óbitos por agressão e eventos cuja intenção é indetermina no período de 1997 a 2002, os homens apresentaram as maiores porcentagens de mortalidade, ficando esse número na marca de 94,67%. A discrepância entre os gêneros é preocupante. A sobremortalidade masculina é de 7 óbitos para cada morte feminina na série dos seis anos. As mulheres apresentaram baixas taxas no período. Tal padrão de comportamento repete-se em todas as 35 microrregiões do Estado, acompanhando o perfil nacional e mundial. Com a distribuição geográfica por microrregiões, observamos que há uma variação

9 considerável muito grande entre os coeficientes de mortalidade. Como mencionamos nos resultados, a microrregião de Porto Alegre, apresentou 36 óbitos por 100 mil habitantes, a maior taxa de mortalidade padronizada na faixa etária de 0 a 29 anos. Essa microrregião possui também a maior proporção de óbitos no Estado, fato preocupante que exige ações positivas do Estado. A microrregião de Não-Me-Toque apresentou a menor taxa de mortalidade padronizada na faixa etária estudada, atingindo o índice de 7 óbitos em cada 100 mil habitantes. O estudo remete a várias considerações. É dever do Estado, firmado na Constituição, como um direito positivo, assegurar à sociedade ações preventivas, ações de atenção e de promoção contra a violência. Essa pesquisa e outras aqui mencionadas afirmam e comprovam cada vez mais essa necessidade. A Organização Panamericana da Saúde, já em 1995, (WHO ¹) admitia que a violência havia ganhado caráter endêmico, causando problemas sociais sérios. Cabe, portanto, principalmente ao Estado tomar a iniciativa de combater esse mal, cumprindo com sua função provedora de saúde. No entanto, notamos que o diagnóstico estratégico da situação epidemiológica implica a interpretação social da epidemiologia, trazendo para a nossa discussão essa idéia. Observamos, porém, que o Estado encontra-se ainda apático diante dessa nossa realidade. Poderíamos dizer que um dos nossos objetivos enquanto agentes de mudança da realidade da violência e, em específico, a mortalidade por agressão, seria compreender a mesma como um todo, no seu processo saúde-doença. Nesse sentido, não há uma solução simples ou único. Outro sim, os planejamentos e estratégias devem abordar essa questão em vários níveis de forma simultânea, ou seja, os programas e as políticas de prevenção da violência devem ser direcionados aos indivíduos, as relações, às comunidades e às sociedades em seu conjunto e aplicados em diferentes setores da sociedade, como escolas, lugares de trabalho e outros centros (WHO ¹).

10 Baseados nos resultados obtidos, a política de prevenção do SUS no Rio Grande do Sul deve levar em consideração as faixas etárias mais atingidas por esses agravos. Deve-se, ainda, elaborar ações que dêem conta da sobremortalidade masculina apontada em nossos estudos, pois observamos que, além de serem os que mais morrem, são, segundo a (WHO ¹), os que mais matam. É necessário, portanto, que sejam desenvolvidos programas calcados na realidade tanto financeira, como cultural, social e racial das microrregiões (WHO ¹). Chamamos atenção principalmente para a mortalidade masculina na faixa etária de 15 a 29 anos, com um sobremortalidade de 7:1 em relação à mortalidade feminina na mesma faixa etária, apontando um problema grave e crescente a ser enfrentado pelo Estado. As taxas de mortalidade padronizadas das 35 microrregiões do Estado ratificam a hipótese de que as taxas de agressões são heterogêneas nas sociedades, mesmo aquelas que estão em ambientes e culturas tão próximas regionalmente como ocorre no Rio Grande do Sul. Podemos concluir também que, na maioria das microrregiões as taxas são baixas, havendo exceções, como Porto Alegre, que apresentou uma elevada taxa de mortalidade e de proporção de óbitos. Portanto, essa microrregião deve ser alvo de ações que previnam e combatam esse agravo. Dessa forma, a pesquisa sobre esse problema e o monitoramento do mesmo deve ser uma ação constante em todo o Estado, objetivando a existência de um controle efetivo da mesma. REFERÊNCIAS BIBIOGRAFICAS 1. World Health Organization. Injury: a leading cause of the global burden of disease. Geneva; 1999. Disponível em: www.who.int/violence_injury_prevention/pdf/injuryburden.pdf. Acesso: 10/10/2003. 2. Noronha J. Trauma: a epidemia do começo de um novo século. Revista de Saúde

11 2002; 3:42. 3. Souza ER, Reis AC, Minayo MCS, Santana FS, Malaquias JV. Sant'anna AR; Lopes MJM.. Homicides among teenagers in the city of Porto Alegre, Rio Grande do Sul State, Brazil: vulnerability, susceptibility, and gender cultures. Caderno de Saúde Pública, io de Janeiro, 8 (6):1509-1517,nov-dez,2002. 4. Minayo MCS; Souza ER: Violência e Saúde como um campo interdisciplinar e de ação coletiva. História, Ciência, Saúde Manguinhos nov.1997 fev.1998, IV (3):513-531, nov.1997 fev.1998. 5. Secretaria Estadual da Saúde - RIO GRANDE DO SUL Estatística de Saúde: mortalidade 1997. P. Alegre, 1999. 6. Mendonça RNS, Alves JGB, Cabral FJE. Gastos hospitalares com crianças e adolescentes vítimas de violência, no Estado de Pernambuco, Brasil, em 1999. Cad. Saúde Pública, nov./dez.2002; vol.18, no. 6, p.1577-1581. 7. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. 10. Relatório do Censo Demográfico. 2000. Disponível em: <www.ibge.gov.br/home/estatistica>.acesso em 20 agosto 2003. 8. United Nations Childrens Fund. A league table of child deaths by injury in rich nations. Innocenti Rport Card Nº.2. Florence: UNICEF Innocenti Research Centre; 2001. Disponível em: www.unicef-icdc.og. Acessado: 10/10/2003. COLABORADORES Marize do Socorro Vulcão Leão: elaboração do projeto de pesquisa, revisão bibliográfica, coleta de dados, tabulação de dados, análise e interpretação dos dados, revisão e revisão crítica. Maria de Lourdes Drachler: - elaboração do projeto de pesquisa, análise e interpretação dos dados, redação e crítica. Fabrício Badalotti elaboração do projeto de pesquisa, revisão bibliográfica, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica.

12 Carla K. Dutra - elaboração do projeto de pesquisa, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica. Carlos Aberto Melotto: elaboração do projeto de pesquisa, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica. Celmar Correa de Oliveira: elaboração do projeto de pesquisa, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica. Jackeline Amantino - elaboração do projeto de pesquisa, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica.