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Transcrição:

PARECER Ementa: Proposta de Emenda à Constituição nº 20, de 2016, do Senado Federal. Objeto: antecipação das eleições presidenciais para outubro de 2016. Inconstitucionalidade. Rejeição que se recomenda à Proposta. Capítulos: 1- Introdução. 2- As garantias constitucionais da periodicidade do voto e da temporariedade dos mandatos. Seus fundamentos textuais. 3- Relativizações constitucionais das referidas garantias. 4- Um suposto (equivocadamente) precedente judicial. 5- Conclusões. 1- Trinta Senadores da República, em listagem encabeçada pelo Senador Walter Pinheiro, propõem a inserção, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de um artigo 101, determinando a convocação de eleições presidenciais simultaneamente às eleições municipais de 2016, com o dia 02/10 para o primeiro turno e o dia 30/10 para um eventual segundo turno. Como decorrência os mandatos dos atuais ocupantes dos cargos de Presidente e Vice- Presidente da República encerrar-se-iam em 1º de janeiro de 2017, mesma data apontada para a posse dos que eleitos para tais cargos em outubro vindouro (segundo o Projeto). Por sua vez, os empossados em 01/01/2017 teriam seus mandatos exauridos em 01/01/2019.

Transcreve-se, por exigência de fidelidade, o texto do projeto de Emenda: Insere artigo no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para prever a realização de eleições presidenciais simultaneamente às eleições municipais de 2016. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º - O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte artigo: Art. 101 Serão realizadas eleições presidenciais em 2 de outubro de 2016, simultaneamente ao pleito municipal. 1º - O segundo turno das eleições presidenciais de que trata o caput, se houver, será realizado em 30 de outubro de 2016. 2º - Os mandatos dos atuais ocupantes dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República encerrar-seão em 1º de janeiro de 2017, com a posse dos eleitos, cujos mandatos se encerrarão em 1º de janeiro de 2019. 3º - O Tribunal Superior Eleitoral expedirá as instruções necessárias à realização das eleições presidenciais, observada a legislação eleitoral e admitida, quando necessário, a abreviação dos prazos nela estabelecidos, para adaptá-los à data de realização do pleito. Art. 2º - Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. 2

Passo ao exame da proposta acima reproduzida. --------------- 2- As poucas referências comentadoras, com o cunho de objeção, que tenho ouvido ou lido sobre a PEC, procuram atrelar-se ao artigo 60 4º, inciso II, da Constituição da República. Com tal invocação, os que assim argumentam sustentam que a antecipação das eleições presidenciais, que a PEC almeja, contrariaria a cláusula da periodicidade, tema alçado, no referido artigo 60, à estatura da cláusula pétrea, insuscetível sequer de deliberação, conforme a letra da Lei Maior, que abaixo se transcreve: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:... 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:... II - o voto direto, secreto, universal e periódico; Anote-se, como primeira observação, que, em meu entendimento a cláusula da periodicidade, acima focalizada, é qualificadora não só do voto, mas também dos mandatos eletivos. O voto constitui a afirmação maior do cidadão, no exercício da soberania popular, tal como estatuído no artigo 14 da Constituição (e ecoado no 3

artigo 1º da Lei nº 9.709/98). Como a Constituição quer ouvir e auscultar, com frequência, a manifestação da soberania popular, não se admite qualquer projeto de emenda à Constituição que cerceie ou anule esse apanágio básico da cidadania. Como bem observou Ingo Wolfgang Sarlet 1, da periodicidade do voto decorre naturalmente a periodicidade dos mandatos. E é óbvia a razão de ser desta assimilação: o eleitor vota com base numa prescrição constitucional definidora da duração dos mandatos. Daí que, assim entendo, emenda redutora de mandatos ofende cláusula pétrea, não podendo por isso ser objeto de deliberação. Tanto a Constituição democrática de 1946, quanto a autoritária de 67/69, não se preocuparam em mencionar a característica da periodicidade. Mas cuidaram sim, em sua parte permanente, do tópico da temporariedade das funções eletivas, atribuindo-lhe a nota de princípio constitucional sensível: é dizer, princípio que, uma vez desrespeitado, poderia ensejar, se provida representação do Procurador-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal, para obter a declaração de inconstitucionalidade do ato ofensivo ao princípio, a intervenção federal nos Estados (artigos 7º, VII, a e 8º parágrafo único, da Constituição de 1946; artigos 10, VII, b e 11 1º, c, da Constituição de 1967/69). 1 in Comentários à Constituição do Brasil, J.J. Gomes Canotilho e outros, Saraiva, pp. 1134/5 4

Praticamente sem discrepância os juristas afirmam que o elenco das cláusulas pétreas não se esgota na enunciação do prefalado artigo 60 4º. Tem-se também como pétrea a moldura institucional nacional fundamental, estipulada nos artigos 1º a 4º. É por isso que, por exemplo, se ostentam intocáveis os constructos da república e da federação (art. 1º); mas não o do presidencialismo, exatamente porque não resguardado seja nos artigos 1º a 4º, seja no 60. Mas é intocável o descritivo da soberania popular, consagrado a ferro e fogo no parágrafo único do artigo 1º. O exercício dessa soberania, que se expressa sobretudo (mas não unicamente) por meio do voto, não pode ser atenuado ou extinto por qual via que se imagine, somente cabendo atingi-lo nos estritos termos do que a própria Constituição admite. E a esse relevantíssimo ponto regressarei pouco mais adiante. Por enquanto, o que se impõe é afirmar uma primeira conclusão: o direito de voto, como expressão da soberania popular que é, constitui uma cláusula pétrea. Ao votar o eleitor em favor, por exemplo, de um candidato a Presidente da República, afinal vencedor no hipotético pleito, está ele PETREAMENTE afirmando que o ungido ocupará a cadeira presidencial pelo prazo assinado na Constituição, somente afastável esse escudo de imutabilidade nos parâmetros estabelecidos na própria Constituição. Aliás, não é por outra razão que as leis eleitorais só vigoram para pleitos e mandatos supervenientes à sua edição, como decorre da previsão do artigo 16 da Constituição. 5

3- A garantia constitucional de imutabilidade da manifestação contida no voto popular, segundo antes referido, apenas cede passo nas pautas estritas que a própria Constituição determina. Algumas dessas relativizações constitucionais se prendem a fatos da vida ou da natureza, isto é, circunstâncias em tese independentes da vontade do homem (seja o eleitor, seja o eleito). Assim, a morte, a incapacitação física e/ou mental do eleito, seu desaparecimento (por exemplo, se ele é passageiro de um avião que desaparece e não mais é localizado, ou seu corpo não é encontrado). Já outras hipóteses de vacância se conectam à vontade do próprio eleito, que assim cria circunstância objetiva, impeditiva da realização da vontade do eleitor quanto à temporariedade do exercício do cargo (por exemplo: não assunção do cargo, no caso do parágrafo único do artigo 78; renúncia; abandono do cargo; permanência no exterior por mais de quinze dias, sem licença do Congresso Nacional). Por último, há que se citar como exceção à petrificação da duração de mandato os casos da perda do cargo como sanção: é o que se dá quando do julgamento condenatório do Presidente da República, seja por crime de responsabilidade (isto é, na dicção do artigo 85 da Constituição e dos diplomas infraconstitucionais pertinentes), seja por crime comum (eis que aí, além de perder seus direitos políticos na forma do artigo 15, torna-se fisicamente impossibilitado de ocupar a cadeira). 6

4- Vem sendo erradamente lembrado (com ênfase, aqui, a um pronunciamento do Senador Randolfe Rodrigues além do que consta da própria Justificação apensada à REC 20/16), que o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou, em certa ocasião, em contrário à petrificação da temporariedade dos mandatos (e, pois, quanto à periodicidade do voto). Tal seria o caso do julgamento, em nossa Corte Maior, do Mandado de Segurança 20.257-DF. Equívoco lapidar existe em tal invocação, como se há de ver. Trata-se, na hipótese, de um Mandado de Segurança impetrado em 1980 (antes, pois, da elevação da periodicidade do voto e da temporariedade do mandato ao patamar de cláusula pétrea, o que viria com a Constituição de 1988) pelos Senadores Itamar Franco e Antônio Canale, em face da Mesa do Congresso Nacional, objetivando obstar a tramitação de propostas de emenda constitucional que ampliavam em dois anos os mandatos de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Assinale-se, de passagem, que o debate, então travado no Supremo Tribunal Federal, foi extremamente sucinto, praticamente não trazendo luzes para a matéria objeto do presente parecer. Mas mesmo assim pode-se, com facilidade, afirmar a total ausência de serventia do julgado no MS 20.257, como precedente para o exame da PEC 20/16 do Senado Federal. E explique-se a assertiva. A uma: a impetração em questão apontava, como normas de confronto, as regras constitucionais atinentes à Federação e à 7

República, o que faziam com alegado supedâneo no artigo 47 1º da Constituição de 67/69, verbis: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a Federação ou a República. Não tenho dúvidas em dizer que se afigura extremamente difícil divisar em que grau a prorrogação dos mandatos por dois anos, como previsto nas emendas então levadas à consideração do Supremo, pudessem abolir ou ameaçar os mencionados dois pilares do Estado brasileiro. A duas: a PEC 20/16 veicula a introdução de um preceito transitório (trata-se da criação de um artigo 101, a ser acrescentado ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) em aberta contradição não só com os escudos pétreos da periodicidade do voto e da soberania popular que o voto concretiza, como também com a regra permanente da duração do mandato presidencial (artigo 82). E o que é pior: no caso do MS 20.257-DF havia uma finalidade concreta de interesse público maior, nas emendas constitucionais àquela época discutidas: tratava-se de provocar a coincidência de mandatos estaduais e municipais, com unificação das eleições, tudo em um suposto intento de racionalização da matéria. Nada disso ocorre com a PEC 20/16 do Senado: nessa iniciativa, o que se tem é um mero casuísmo político-partidário, a fulanização de uma disputa marcada de 8

diatribes de cunho pessoal, em aberta contumélia ao princípio constitucional (cláusula pétrea, pois) da impessoalidade (artigo 37, caput). A três, uma distinção nítida a mais, entre o MS 20.257-DF e a PEC 20/16, há de ser enfatizada. No caso julgado pelo Supremo, a emenda era benéfica aos ocupantes dos cargos e, pois, a seus eleitores. Já a PEC 20/16 contém um mandado restritivo, eis que interromperia a duração dos mandatos conferidos pelos milhões de votantes da eleição de 2014. É dizer: a PEC 20/16 não só atinge a temporariedade dos mandatos tal como consagrada na soberania popular (voto), como viola o voto em si. Em suma, a PEC 20/16 atenta contra o próprio voto, conforme dado pela população. E aqui reside a principal indagação jurídica que a PEC em questão suscita: pode o Legislativo, agindo casuisticamente, afastar, em dispositivo transitório, uma regra permanente, revogando o mandato dado a agentes políticos? Obviamente a resposta é não. A consequência perseguida pela PEC 20/16 é totalmente diversa da moldura que resulta da aprovação de um pedido de impeachment. Aqui, o Legislativo não revoga mandato algum: ele apenas declara o Presidente culpado de crime de responsabilidade, com a consequência que a Constituição traça perda do mandato; lá, na PEC 20/16, o que se faz é revogar, sem causação jurídica estabelecida na Constituição, mandatos em curso. Nem se pretenda argumentar, para sustentar estranha flexibilidade na temporariedade dos mandatos, que a hipótese da reeleição relativizaria 9

o cânone da temporariedade: posto à parte o mérito do tema da reeleição, nenhuma a semelhança entre esta emenda que instituiu a reeleição e a meta visada pela PEC 20/16. No caso da reeleição o que se fez foi permitir que ocupantes de cargos eletivos se candidatassem à recondução num mandato imediatamente subsequente. Ou seja, nada se revogou, no terreno da temporariedade. Seja-me permitido repetir: com a reeleição não se atentou contra voto exercido pelo povo. Já a PEC 20/16 revoga o próprio voto. Com uma agravante: o constituinte, ao estabelecer na parte permanente da Constituição uma determinada duração para o mandato, excluiu da competência do constituinte derivado (o que propõe emendas) ou do legislador infraconstitucional a possibilidade de editar norma transitória incompatível 2. Cabe não olvidar que os notáveis Canotilho e Vital Moreira, ao comentarem o artigo 10º da Constituição Portuguesa (preceito no qual haurido o princípio geral da periodicidade do voto e do mandato) expressamente referem que só se admite o encurtamento dos mandatos presidenciais nos casos de destituição (por impedimento) e de vacância, tais como textual e originariamente postos na Lei Maior (Constituição da República Portuguesa, volume I, 1ª ed. brasileira e 4ª ed. portuguesa, p. 286). Importa então ver, a título de arremate ao presente segmento, o que decidiu o Supremo Tribunal Federal no multicitado 2 ver a propósito, embora com referência a outras questões, Tercio Sampaio Ferraz Junior, Direito Constitucional, Ed. Manole, especialmente p. 59 10

Mandado de Segurança 20.257-DF. Para tanto, transcrevo a ementa do respectivo acórdão, lavrado pelo Ministro Moreira Alves: EMENTA Mandado de segurança contra ato da Mesa do Congresso que admitiu a deliberação de proposta de emenda constitucional que a impetração alega ser tendente à abolição da república. - Cabimento do mandado de segurança em hipóteses em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da Lei ou da emenda, vedando a sua apresentação (como é o caso previsto no parágrafo único do artigo 57) ou a sua deliberação (como na espécie). Nesses casos, a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo, e isso porque a Constituição não quer em face da gravidade dessas deliberações, se consumadas que sequer se chegue à deliberação, proibindo-a taxativamente. A inconstitucionalidade, se ocorrente, já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformar em lei ou em emenda constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita, frontalmente, a Constituição. - Inexistência, no caso, da pretendida inconstitucionalidade, uma vez que a prorrogação de mandato de dois para quatro anos, tendo em vista a conveniência da coincidência de mandatos nos vários níveis da Federação, não implica introdução do princípio de que os mandatos não mais são temporários, nem envolve, indiretamente, sua adoção de fato. Mandado de segurança indeferido. 11

Nenhuma, como se constata, a semelhança entre o que acima discorrido e o teor da PEC 20/16 do Senado Federal. Em 1980 se discutia o tópico da periodicidade, em face do princípio republicano. Na PEC 20/16 o que se mira é revogar o voto popular calcado numa previsão constitucional permanente, de periodicidade e de duração do mandato. Ou seja, o julgamento de 1980 em tela não constitui precedente que pudesse fundamentar a Proposta de Emenda à Constituição cuja análise ora se conclui. 5- Por tais razões, esclarecendo ademais que o presente parecer teve suas dimensões reduzidas em razão da injunção do prazo restrito conferido ao opinante, conclui-se pela rejeição à Proposta de Emenda à Constituição nº 20, de 2016, do Senado Federal, maculado que está seu conteúdo de patentes inconstitucionalidades, aqui deduzidas. São Paulo, 09 de maio de 2016. SERGIO FERRAZ Livre Docente Universidade do Estado do Rio de janeiro Membro Efetivo Instituto dos Advogados de São Paulo Ex-Presidente Instituto dos Advogados Brasileiros 12