O ensino médio no Brasil nos governos FHC: um estudo a partir da teoria althusseriana da escola como aparelho ideológico de Estado

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Transcrição:

O ensino médio no Brasil nos governos FHC: um estudo a partir da teoria althusseriana da escola como aparelho ideológico de Estado Carmen Aline Alvares Nogueira Faculdade de Educação/Unicamp Pós-Graduação em Educação Campinas, SP Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq Eixo temático: Pesquisa, Educação e seus Fundamentos Categoria: Comunicação INTRODUÇÃO O trabalho buscou identificar as principais transformações na legislação que regulamenta o ensino médio e técnico de 1995 a 2002 e analisá-las de acordo com o contexto histórico em que foram produzidas. Também procurou estudar, de modo aprofundado, a teoria da escola como aparelho ideológico de Estado, de Louis Althusser, explicitando alguns de seus pressupostos teórico-metodológicos, das categorias e dos conceitos em que se baseia e suas teses fundamentais, a fim de, a partir dela, compreender as transformações do ensino médio no Brasil durante o período delimitado. Por fim, procurou verificar se e em que medida essas alterações podem ser relacionadas com a reprodução do sistema capitalista e da sociedade de classes, conforme pensa Louis Althusser a respeito do aparelho ideológico de Estado escolar. Segundo Althusser (1999), a escola pública, mantida e controlada pelo Estado, cumpriria o papel de AIE, a serviço da classe dominante, que dela se utilizaria como meio de reprodução e perpetuação da sociedade de classes. Nesse sentido, também podemos retomar as palavras de Sanfelice (2005), quando aponta que a escola pública no Brasil não é efetivamente pública, mas estatal. O Estado não só financia a educação, o que faz minimamente, mas é ele quem dita as regras do que deve ser ensinado, que estabelece diretrizes e que, muitas vezes, atribui à escola a tarefa da resolução de problemas de ordem social. Desse modo, o ensino estatal é aquele que está sob o controle do Estado e, sendo este o principal responsável pelas decisões que tangem à educação, podemos ponderar que, também nas condições atuais, a escola pode ser considerada um AIE. Na escola também se aprendem as regras de bom comportamento, da moral, da consciência cívica e profissional (respeito à divisão social-técnica do trabalho) que servem à reprodução da estrutura social. De acordo com Althusser (1999), a força de trabalho deve ser

(diversamente) qualificada, e essa reprodução da qualificação é garantida pelo sistema escolar. A distinção quanto ao posto que os jovens ocuparão no mundo do trabalho e na sociedade darse-á, via de regra, de acordo com a trajetória escolar de cada um, e podemos considerar que isso ocorre, prioritariamente, no ensino médio, historicamente marcado pela dualidade entre o ensino propedêutico e o ensino profissionalizante. Com as transformações sociais ocorridas nas últimas décadas, sobretudo em relação ao processo produtivo, com o crescente desenvolvimento científico e tecnológico, o mercado passou a exigir a formação de um novo profissional. Nessa perspectiva, o ensino médio tem se configurado historicamente como um divisor de águas para os alunos que chegam a concluílo, pois alguns prosseguem nos estudos, enquanto a maioria, se já não está inserida no mercado de trabalho, ingressa nele. Nessa transição, a maioria dos estudantes atinge mais ou menos o mesmo nível de ensino, constituindo a massa de trabalhadores que irá suprir as necessidades do sistema capitalista. Enquanto isso, a minoria que ingressa no ensino superior ou profissionalizante formará a mão de obra qualificada, como no exemplo de Althusser (1999, p. 168), constituindo os técnicos e os engenheiros que ocuparão os melhores postos de trabalho. JUSTIFICATIVA E METODOLOGIA A pesquisa justifica-se pela necessidade de compreender como e por que o ensino médio adquiriu essa configuração, principalmente na década de 1990, articulando-se, cada vez mais, com a qualificação e a reprodução da mão de obra para o sistema capitalista, por meio das relações entre Estado, ideologia, educação e trabalho. Cabe salientar, ainda, a atualidade e as contribuições da obra de Althusser na elucidação de aspectos relacionados a: reprodução da ideologia de Estado, por meio da superestrutura político-jurídica e ideológica; contribuição do ensino de certos saberes práticos, teóricos e da ideologia dominante para o funcionamento do sistema produtivo; reprodução da qualificação da força de trabalho por intermédio da escola; distinção do posto que os jovens ocuparão na sociedade a partir da trajetória escolar, dentre outros. A pesquisa tem um caráter bibliográfico-documental. Como referencial teórico, destacamos as obras Sobre a Reprodução (1999), Aparelhos Ideológicos de Estado (1985) e A Favor de Marx (1979), de Althusser, além de outras, que contribuem para a elucidação de sua teoria; e autores que auxiliam na compreensão do tema do ensino médio e da legislação educacional, como Hermida, Kuenzer, Ribeiro, Romanelli, Sanfelice, Saviani, dentre outros. Foi realizado um levantamento dos documentos que organizaram o ensino médio e técnico a partir de 1995, com destaque para a LDB, o Plano Nacional de Educação (2001), o

Decreto n.º 2208/1997, o Parecer n.º CNE 1 /CEB 2 17/1997, a Portaria MEC n.º 646/1997, a Portaria n.º 438/1998, a Resolução CNE/CEB n.º 3/1998, o Parecer CNE n.º 15/1998 e a Resolução CNE/CEB n.º 4/1999. Também foram utilizados, nessa análise, os projetos da LDB e do PNE, elaborados pelos setores populares da sociedade brasileira, para observarmos a contradição entre os anseios representados nesses documentos e as decisões tomadas pelo governo. No primeiro capítulo foi elaborada uma resenha historiográfica sobre o surgimento e a constituição do ensino médio no Brasil 3 (de 1549 à década de 1980), a fim de elucidar não apenas suas transformações ao longo da história da educação no País, mas também a forma como elas influenciaram na configuração assumida por este nível de ensino, no período estudado (1995 a 2002). No segundo capítulo, buscamos compreender o contexto em que foi elaborada a legislação educacional durante o governo Fernando Henrique Cardoso e realizar uma análise dos documentos que nortearam o ensino médio e profissionalizante durante esse período, a saber: a Lei n.º 9.394/1996 (LDB), a Portaria n.º 438/1998, a Resolução CNE/CEB n.º 3/1998, o Parecer CNE/CEB n.º 15/1998, o Parecer CNE/CEB n.º 17/1997, o Decreto n.º 2.208/1997, a Portaria MEC n.º 646/1997, o Parecer CNE/CEB n.º 16/1999, a Resolução n.º 4/1999 e o Plano Nacional de Educação aprovado pela Lei n.º 10.172/2001. O terceiro capítulo tem como objetivo apresentar um estudo sobre a teoria althusseriana, sobretudo em relação à sua teoria da escola como aparelho ideológico de Estado, destacando os principais fundamentos utilizados pelo autor. Além disso, busca também analisar a legislação educacional dos anos de 1996 a 2002, referente ao ensino médio e ao ensino profissional, à luz dessa teoria. 1 Conselho Nacional de Educação. 2 Câmara de Educação Básica. 3 O nível de ensino atualmente denominado de ensino médio corresponde à escolaridade intermediária entre o ensino fundamental e o superior e, historicamente, adquiriu diversas denominações. Durante o período dos jesuítas, teve sua origem no Curso de Humanidades e era chamado de curso secundário. A partir da Reforma Pombalina, em 1759, foi organizado, com a mesma denominação, em aulas régias. Em 1891, com a Reforma Benjamin Constant, foi estruturado com duração de sete anos. Segundo Zotti (2005, p. 29), o Colégio D. Pedro II foi a primeira instituição escolar a utilizar o termo secundário como denominação legal. Em 1932, com a Reforma Francisco Campos, foi dividido em dois ciclos: fundamental, com duração de cinco anos, e complementar, com duração de dois anos, além da exigência de habilitação profissional para o ingresso no ensino superior. Com a Reforma Capanema, em 1942, o ensino secundário foi dividido novamente em dois ciclos: ginasial, com duração de quatro anos e um segundo ciclo subdividido em clássico e científico (ROMANELLI, 1978). Com a Lei n.º 4.024, de 1961, foram organizados o ciclo ginasial e o ciclo colegial, com duração de quatro e três anos, respectivamente, ambos compreendendo o ensino secundário e técnico. A partir da Lei n.º 5.692, de 1971, organizou-se o ensino de segundo grau, com duração de três anos ou quatro anos, com habilitação profissional (CARNEIRO, 2001). A partir da LDB (Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996) foi denominado de ensino médio. Neste trabalho, salvo quando se tratar de citação ou de referência explícita a uma outra denominação, esse grau de escolaridade será sempre denominado de ensino médio.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Ao longo deste trabalho, pudemos verificar que o ensino médio se constituiu historicamente como um nível de ensino subordinado à dualidade: atender aos anseios do ensino superior ou fornecer mão de obra para suprir as necessidades do modo de produção capitalista. No entanto, o que ficou bastante claro é que, independentemente da posição que ele assuma na formação escolar, é um nível de ensino indissociável do trabalho. Isso ocorre por localizar-se entre o ensino fundamental e o ensino superior, por ser algumas vezes concomitante ou precedente ao ensino técnico e também por ser cursado durante uma fase da vida em que o estudante se prepara para ingressar no mundo do trabalho. Essa dualidade também se reflete na divisão do trabalho social apontada por Althusser, uma vez que o ensino fundamental e o profissionalizante eram vistos como níveis de escolarização destinados à classe trabalhadora para a formação de mão de obra, enquanto o ensino médio e superior eram destinados à formação da classe dominante, que ocuparia os postos privilegiados na divisão do trabalho. A legislação educacional que organizou o ensino médio e o ensino técnico entre 1995 e 2002, assim como ocorreu em momentos anteriores, legitimou, em grande parte, os interesses da classe dominante, apesar das lutas que se sucederam durante esse período, sobretudo nos processos de elaboração da LDB e do PNE. A legislação educacional constituiu-se como um elemento da superestrutura jurídicopolítica e ideológica da sociedade capitalista, que visava a manter as determinações da base econômica. Constatamos, ainda, que ela estava fundamentada na ideologia burguesa do trabalho, mantendo a função de reprodução das relações de produção, em relação tanto ao ensino médio quanto ao ensino técnico. Os documentos pareceres, decretos, resoluções, planos educacionais e leis que organizaram o ensino médio e técnico no governo FHC representam a legitimação e a materialização da ideologia de Estado (ideologia primária), interferindo diretamente nas instituições escolares e em suas práticas. Essa ideologia realiza-se no interior do AIE escolar e, sob os efeitos da luta de classes e de outras ideologias exteriores, torna-se ideologia secundária. A legislação, assim como a ideologia, leva os indivíduos a agirem de acordo com a visão de mundo dominante. Ela nos dá a ilusão de que todos os indivíduos são iguais e que tem seus direitos garantidos pela lei. Mas, pelos processos de elaboração da LDB e do PNE, que tiveram participação dos setores populares da sociedade, verificamos a existência e a manifestação de uma ideologia proletária, portadora de valores e de objetivos distintos da ideologia burguesa.

As leis educacionais são elementos que a classe dominante e o Estado utilizam para direcionar a reprodução das relações de produção e constituem um dos meios pelos quais a classe dominante exerce o seu poder de Estado no interior do AIE escolar. À medida que a legislação legitima os interesses da classe dominante, está definindo os rumos não apenas do ensino público, mas também das instituições privadas. A legislação permite a dualidade entre as instituições escolares que pertencem ao mesmo aparelho ideológico de Estado, mas atuam na formação de classes sociais distintas. Na realidade, as instituições estatais (públicas) também estão sob o domínio da burguesia, pois esta tem a posse do poder de Estado. Assim, a ideologia de Estado se reproduz por meio de dois sistemas de educação que pertencem a um mesmo AIE. Cada um desses sistemas reproduz a ideologia dominante à sua maneira: uma, com o objetivo de instruir a classe dominante e formar indivíduos aptos a ocupar os postos de dirigentes; e outra, para garantir a submissão do proletariado, formando os operários e os técnicos. Atualmente, é possível verificar que a reprodução das classes sociais difere parcialmente da forma denunciada por Althusser. Embora ainda seja realizada por um processo de inculcação ideológica, parece não se manter com a mesma intensidade em relação à aquisição dos conteúdos escolares. Há interesse do Estado e da classe dominante em flexibilizar e, até mesmo, suprimir alguns conteúdos do ensino público, transformando seu aprendizado em um tipo de farsa. O Estado pode fazer isso, porque a classe dominante é capaz de adquirir esses conhecimentos de outras maneiras, o que, em geral, não ocorre com as crianças e os jovens das camadas populares. Sendo assim, a principal maneira de intervenção da classe trabalhadora para reverter a função reprodutivista da escola seria justamente a valorização desses conteúdos relevantes e significativos, pois, como afirma Saviani (2003, p. 55): dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação. Além disso, o autor ressalta que o domínio da cultura é indispensável para a participação política das massas, pois a classe dominante utiliza esses mesmos conhecimentos para dominar e manter sua dominação. Outro aspecto importante que pode servir de instrumento para a emancipação da classe trabalhadora é a desmistificação da ideologia burguesa do trabalho (ilusão jurídico-burguesa, ideologia jurídico-moral e ideologia economicista-tecnicista), a fim de que o trabalhador tenha consciência do modo de produção capitalista e possa lutar pela sua superação. E a escola, contraditoriamente, também pode ser instrumento e local para essa desmistificação. A ideologia proletária pode fazer-se presente no interior dos AIE escolar pelos profissionais da educação comprometidos com a transformação social e pelos próprios

estudantes da classe trabalhadora que, muitas vezes, já possuem elementos para a formação dessa consciência de classe na família ou no trabalho. Apesar de, durante o governo FHC, a legislação escolar ter sido utilizada majoritariamente para a manutenção da escola como AIE, os processos de elaboração da LDB e do PNE reiteram a existência de um espaço de resistência e de luta. Esses espaços estão presentes tanto no processo legislativo quanto na prática pedagógica, no interior das instituições escolares. Do mesmo modo que cada parcela dos alunos é praticamente provida com mais ou menos erros ou fracassos da ideologia dominante, como afirma Althusser, esses alunos também sofrem influência da ideologia proletária. Ao longo da realização deste trabalho, pudemos perceber que Althusser traz algumas importantes contribuições sobre os conceitos de Direito, Estado, ideologia, reprodução da qualificação da força de trabalho e, principalmente, sobre o funcionamento dos AIE. Entretanto, notamos também alguns limites de sua teoria: o fato de não evidenciar claramente as possibilidades da luta de classes no interior do AIE escolar, em favor da classe trabalhadora, e de considerar que os conteúdos são apenas meios de reprodução da ideologia dominante, não ressaltando a possibilidade de esses conteúdos instrumentalizarem a classe trabalhadora para sua atuação na luta de classes. No entanto, após compreender que a classe dominante possui o monopólio de certos conteúdos e de certas formas de saber (ALTHUSSER, 1999, p. 61) e que ela, para perpetuar a sua dominação, dissemina tais saberes revestidos pela ideologia dominante, utilizando o AIE, podemos concluir que, de algum modo, esses saberes são também de suma importância para as camadas populares, pois, do contrário, não haveria razão para que a classe dominante os monopolizasse. Desse modo, parece haver em Althusser, implicitamente, a percepção ou, ao menos, a intuição de que a socialização desses conteúdos e sua apropriação pela classe trabalhadora são aspectos importantes da luta de classe no interior do AIE, no sentido de quebrar o monopólio desses conteúdos pela classe dominante; destituí-los da ideologia dominante neles embutida; e reformulá-los sob a ótica proletária, de modo que sirvam mais adequadamente à transformação social. Mas, como o papel reprodutor do ensino não deixa de ocorrer, essa possibilidade só existe mediante a luta cotidiana que se deve travar nos AIE, particularmente no interior do AIE Escolar. REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, L. A favor de Marx. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985.. Sobre a reprodução. Petrópolis: Vozes, 1999. BRASIL. Constituição Federal. Brasília, 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%c3%a7ao.htm>. Acesso em: 20 jul. 2013.. Decreto n.º 2.208, de 17 de abril de 1997. Brasília, 1997a. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2208.htm>. Acesso em: 08 jun. 2011.. Lei n.º 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e dá outras providências. Brasília, 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9131.htm>. Acesso em: 02 ago. 2012.. Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 02 ago. 2012.. Lei n.º 10.172, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Brasília, 2001a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9131.htm>. Acesso em: 02 ago. 2012.. MEC. INEP. ENEM Documento Básico. Brasília, 1998a. Disponível em: <www.enem.inep.gov.br/arquivos/docbasico.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2009.. Parecer CNE/CEB n.º 17, de 03 de dezembro de 1997. Dispõe sobre as Diretrizes operacionais para a educação profissional em nível nacional. Brasília, 1997b. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/legisla05.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2012.. Parecer CNE/CEB n.º 15, de 01 de junho de 1998. Dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, 1998b. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1998/pceb015_98.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2012.

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