O DEBATE SOBRE A RENDA MÍNIMA: uma forma de enfrentamento às desigualdades sociais?

Documentos relacionados
Eixo Temático: Política Social e Trabalho

UM CONFRONTO COM A REALIDADE DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

Políticas Sociais para Gestão Social IGPP Professora: Maria Paula Gomes dos Santos

A FUNÇÃO DA FAMÍLIA NO PROCESSO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA

Organização de Serviços Básicos do SUAS em Comunidades Tradicionais. CONGEMAS Belém/PA 18 a 20 de abril de 2011

PROGRAMA DE AÇÕES INTEGRADAS E REFERÊNCIAIS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL PAIR/MG

Seminário> Família: realidades e desafios. Instituto de Defesa Nacional / Lisboa - Dias 18 e 19 de Novembro de 2004

GT 4: POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURIDADE SOCIAL OS PROGRAMAS DE TRANSFERENCIA DE RENDA NO BRASIL: UMA ANÁLISE DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

Entre o Suas e o Plano Brasil sem Miséria: Os Municípios Pactuando Caminhos Intersetoriais. 14º Encontro Nacional do Congemas

Nossa pauta de conversa hoje é

O SERVIÇO SOCIAL E A DEMOCRACIA

A trajetória dos programas de transferência de renda e seus desafios atuais: articulação com políticas estruturantes e unificação 1

Plano Decenal da Assistência Social: Desafios para os Entes Federados

ASSISTENTE SOCIAL E SUAS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO CAMPO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

REFLEXÃO SOBRE O ACESSO AO BPC PARA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. Eixo Temático: Política Social e trabalho

Sumário Parte I ComPreensão dos Fundamentos do estado, das Formas e das Funções do Governo, 9 1 estado, Governo e sociedade, 11

AS EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE. Eixo Temático: Questão Social e Serviço Social

Oficina: Gestão do Trabalho no SUAS Competências e (Re)Organização

O PROGRAMA FOME ZERO NO CONTEXTO BRASILEIRO ENQUANTO AÇÃO DE POLÍTICA SOCIAL

O que vêm à sua mente?

APPGG - SÃO PAULO - CRONOGRAMA GESTÃO GOVERNAMENTAL

Diretrizes Aprovadas nos Grupos de Trabalho ou na Plenária Final. Por Ordem de Votação nos Eixos Temáticos

O pacto federativo na saúde e a Política Nacional de Atenção Básica: significados e implicações das mudanças propostas

IX JORNADA DE ESTÁGIO DE SERVIÇO SOCIAL A PRÁTICA PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL NO CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL CRAS PALMEIRA¹ / PR.

INFORME Nº004/2011 INFORME COMPLEMENTAR AO MANUAL ORIENTADOR DA VIII CONFERÊNCIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL.

III SIMPÓSIO MINEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS PLENÁRIA: POLITICAS EDUCACIONAIS E CONTRIBUIÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL ELIANA BOLORINO CANTEIRO MARTINS

REESTRUTURAÇÃO EDUCACIONAL, NEOLIBERALISMO E O TRABALHO DOCENTE

Paulo Jannuzzi ENCE/IBGE

5. Comentários finais

O atendimento às Pessoas com Deficiência no SUAS Wagner Saltorato

NOTA DO CNAS EM DEFESA DO BPC

PPA PPA

AGRAVAMENTO DE VELHAS QUESTÕES: pobreza, desigualdade e o papel dos Programas de Transferência de Renda no Brasil e no Maranhão

POLÍTICAS PÚBLICAS: PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DE RECURSOS REFERENTE AO MÊS DE ABRIL/2016

Jeferson Oliveira Gomes 1 Lidiane Sousa Trindade 2 Aline Farias Fialho 3

Referências Bibliográficas

Keila Pinna Valensuela 1

Palavras-chave: Política Social, Bolsa Família, Fome. Os programas de transferência de renda

Outline da carta de Madri de 1998

A POLÍTICA DO FINACIAMENTO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA 1

Prof. Léo Ferreira Lei nº /12 - Apontada EPPGG

A Política de Assistência Social Um novo desenho.

Programas de transferência de renda: algumas reflexões sobre seus impactos na educação brasileira

1ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE AMBIENTAL

Repartição dos rendimentos

Finanças Públicas. Bem-Estar e Redistribuição de Renda CAP. 15 STIGLITZ

GT 4: POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURIDADE SOCIAL A PROTEÇÃO SOCIAL NÃO CONTRIBUTIVA E OS SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS

Políticas de Distribuições de Renda

MESA 4: POBREZA E DESIGUALDADE EM QUESTÃO: POLÍTICAS SOCIAIS E DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

AVALIAÇÃO SOCIAL E A CONCESSÃO DO BPC PARA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. Eixo Temático I - Questão Social e Serviço Social

MINISTÉRIO DAS CIDADES Secretaria Nacional de Habitação. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Representação de Apoio ao Desenvolvimento Urbano

Palavras-chave: Estado, Intersetorialidade, Programa Bolsa Família.

Política Sociais Setoriais. Profa. Dra. Roseli Albuquerque

Seguridade Social: desafios de sua gestão

Efeitos econômicos e sociais da crise no Brasil

Políticas e programas públicos relacionados aos determinantes sociais da saúde desenvolvidos no Nordeste brasileiro

Formação do mundo contemporâneo. Estruturas de produção. Estruturas de produção. Estruturas de produção. Estruturas de produção. Evolução econômica

O conceito de Trabalho Decente

ENTREVISTA COM MÔNICA DAMOUS DUAILIBE* - Balanço e perspectivas das políticas de inclusão produtiva no Maranhão 1

Ações Reunião realizada nos dias 13 a 16 de outubro de 2014

HISTÓRIA. Crise dos anos 70 e Desmonte do Welfare State Parte 1. Profª. Eulália Ferreira

3 º. S I M P Ó S I O M I N E I R O D E ASSISTENTES SOCIAIS T Â N I A MARIA R A M O S D E G. D I N I Z J U N H O D E

POLÍTICA PÚBLICA SOCIAL? POLÍTICA EDUCACIONAL? UM RETRATO DO PROGRAMA NACIONAL BOLSA ESCOLA

Estratégia social- desenvolvimentista ( ) e o ano SEMINÁRIO NA ANDIFES Brasília, Julho de 2015 Ricardo Bielschowsky, IE-UFRJ

POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL: ALGUMAS REFLEXÕES

O PROGRAMA DE TRASFERÊNCIA DE RENDA AGENTE JOVEM EM CASCAVEL

CENTRO DE CIÊNCIAS NATURAIS E TECNOLOGIA

Desigualdades sociais e a concentração de renda

NÚMERO 8 OUT/2005 NOTA TÉCNICA. Salário Mínimo Constitucional

Educação como direito de todos (as)

A HISTÓRIA SOCIAL DOS DIREITOS

O Pacto Mundial para o Emprego:

POLÍTICAS SOCIAIS DE COMBATE A POBREZA, NA GARANTIA DE DIREITOS: UM BREVE RELATO

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE O SURGIMENTO DO WELFARE STATE E SUAS IMPLICAÇÕES NAS POLÍTICAS SOCIAIS: UMA VERSÃO PRELIMINAR

Direito Previdenciário

A crise estrutural do capital na economia brasileira e o fenômeno da uberização. David Deccache

Trabalho Social em Habitação: para quê e para quem?

Organização dos Estados Ibero-americanos Para a Educação, a Ciência e a Cultura MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO

TEXTO PRELIMINAR PARA O WORKSHOP SOBRE A DEFINIÇÃO MUNDIAL DE TRABALHO SOCIAL DA FITS 1

Direitos Sociais. 2ª Dimensão de Direitos Fundamentais

O TERRITÓRIO E A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Estado e políticas sociais na América Latina. Aula 10 Regimes de Bem-Estar na América Latina. Prof.: Rodrigo Cantu

PARTICIPAÇÃO SOCIAL NAS POLÍCAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

EXTENSÃO EM CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA: UMA EXPERIENCIA DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL PARA TRABALHADORES DO DISTRITO FEDERAL

Inovação em Serviços Públicos

PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA E CONTROLE SOCIAL NA POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Eixo Temático: Política Social e Trabalho

A IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA PDE-ESCOLA NOS COLÉGIOS ESTADUAIS DO MUNICÍPIO DE LONDRINA E SEUS IMPACTOS NA GESTÃO ESCOLAR

Transporte como Direito Social

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL GRUPO DE PESQUISA SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSOS ORGANIZATIVOS DA SOCIEDADE

VIII Jornada de estágio de Serviço Social.

RESOLUÇÕES DE QUESTÕES- TEMÁTICA DE GÊNERO, RAÇA E ETNIA, CONFORME DECRETO /2011

CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA Concepção, Desenho e Resultados

Bolsa Família: avanços e limites. Entrevista especial com Lena Lavinas

Curso de Serviço Social. Política Social : Fundamentos e História

Interfaces da Questão Social, Gênero e Oncologia

OS PRINCÍPIOS DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E OS REBATIMENTOS NO SERVIÇO SOCIAL

Políticas em vigor: possibilidades e entraves. Juçara Dutra Vieira

Informações de Impressão

Informações de Impressão

O Estado neoliberal e os direitos humanos: A ofensiva contra os direitos sociais e fortalecimento do sistema penal punitivo

Transcrição:

UFMA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍCAS PÚBLICAS QUESTÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO SÉCULO XXI 1 O DEBATE SOBRE A RENDA MÍNIMA: uma forma de enfrentamento às desigualdades sociais? Rosilda Pinto de Oliveira * Maria de Lourdes Soares ** RESUMO O debate sobre a renda mínima vem se intensificando a partir de 1980, no contexto das grandes transformações que ocorreram na economia, com profundos impactos no mundo do trabalho. Entretanto, será esta uma forma efetiva de enfrentamento às desigualdades sociais. O objetivo deste trabalho é levantar o debate e analisar se de fato a renda mínima se constitui uma forma efetiva de superação das desigualdades sociais. O estudo mostra que os resultados alcançados a partir da implementação dos programas de renda mínima não têm amenizado as grandes desigualdades sociais existentes, antes têm favorecido a reprodução da pobreza. Palavras-chave: transformações econômico-sociais, desigualdades sociais, renda mínima, pobreza. ABSTRACT The debate on the minimum income comes if intensifying from 1980, in the context of the great transformations that had occurred in the economy, with deep impacts in the world of the work. However, a form will be this accomplishes of confrontation to the social inaqualities. The objective of this work is to raise the debate and to analyze if in fact the minimum income if constitutes a form accomplishes of overcoming of the social inaqualities. The study sample that the results reached from the implementation of the programs of minimum income have not brightened up the great existing social inaqualities, before they have favored the reproduction of the poverty. Keywords: economic-social transformations, social inaqualities, minimum income, poverty. 1 INTRODUÇÃO O debate internacional sobre a renda mínima vem se intensificando a partir da década de 80, no contexto das grandes transformações que ocorreram na economia, com profundos impactos no mundo do trabalho. As transformações no âmbito da economia e do trabalho impulsionaram um processo de mudanças sociais, trazendo implicações na configuração da questão social. Nesse processo, o Welfare State Keynesiano constituído no pós-guerra a partir de um pacto entre capital e trabalho vem sendo questionado, ao passo que já não consegue responder às questões sociais que se desenvolvem na nova conjuntura. Nesse contexto ganho espaço o debate sobre a renda mínima, apresentada como parte de uma solução buscada por políticos, organizações sociais e estudiosos das * Graduada e mestranda em Serviço Social ** Doutora em Ciências Sociais pela PUC - SP

2 questões sociais. Assim, os programas de renda mínima são colocados como alternativa de política social no contexto de crise do Welfare State. No Brasil, o debate em torno da renda mínima se dá de forma ainda restrita a partir de 1991, quando é apresentado pelo senador petista Eduardo Suplicy e aprovado pelo Senado Federal o projeto de Lei nº 80/1991, propondo a instituição do Programa de Garantia de Renda Mínima PGRM. No entanto, é somente a partir de 1995, que se amplia intensamente o debate sobre a temática, quando alguns municípios brasileiros passam a adotar programas do tipo renda mínima. O debate se situa num contexto de restrição de programas sociais, de discussão sobre a descentralização desses programas e de alternativas para amenizar o aumento da pobreza no país, agravada pela crise econômica (anos 80 e 90) e pela implementação das medidas de ajuste da economia nacional às exigências do capital internacional. Na atualidade, os programas de renda mínima, entendidos no contexto brasileiro como programas de transferência de renda, têm se constituído na principal estratégia da Política de Assistência Social do Sistema Brasileiro de Proteção Social. 2 RENDA MÍNIMA: construção do debate internacional e nacional A renda mínima coloca-se como alternativa de política social no contexto de crise do Welfare State. A literatura internacional sobre esta temática aponta como fundamento determinante do debate as grandes transformações que ocorreram na economia internacional, com profundos rebatimentos no mundo do trabalho, expressos através da precarização e fragmentação do trabalho, do aumento do desemprego e da pobreza, inclusive nos países desenvolvidos. Essa crise no mundo do trabalho, por sua vez, registra um profundo impacto sobre os sistemas de seguro social, expresso principalmente pela redução do número de contribuintes e o aumento dos dependentes de transferências sociais. Daí, o outro fundamento do debate sobre a renda mínima a crise do Welfare State -, que de acordo com Silva (1997) é decorrente das transformações em processo na economia e no mundo do trabalho. Trata-se da incapacidade e inadequabilidade de a atual estrutura do Welfare State responder a essas transformações. Assim, na busca de alternativas para enfrentar essa nova realidade de pobreza, resultante das transformações econômico-sociais, as possibilidades de políticas de renda mínima passam a orientar o debate internacional sobre o destino do Welfare State. Ampliase o debate entre políticos, organizações sociais e estudiosos das questões sociais, de maneira que no contexto de crise da sociedade salarial a renda mínima passa a ser

3 defendida como uma estratégia de política social em face das novas demandas postas ao Welfare State. A renda mínima consiste numa transferência monetária a indivíduos ou famílias, prestada condicional ou incondicionalmente, complementando ou substituindo outros programas sociais, visando garantir um mínimo de recursos para a satisfação de necessidades básicas (Ibid.). De acordo com Silva (2004) no debate internacional sobre a renda mínima, ou ainda, sobre os programas de transferência de renda, destacam-se as seguintes perspectivas: a) Perspectiva liberal/neoliberal que considera estes programas como mecanismo compensatório e residual, eficiente no combate ao desemprego e à pobreza e como uma política substitutiva dos programas e serviços sociais; b) Perspectiva progressista/distributivista que percebe estes programas como mecanismos de redistribuição da riqueza socialmente produzida e como uma política de complementação aos serviços sociais existentes; c) Perspectiva que entende estes programas como mecanismo provisório para viabilizar a inserção social e profissional dos cidadãos, num contexto de desemprego e pobreza. Os programas de transferência de renda são entendidos como aqueles que realizam uma transferência monetária a indivíduos ou famílias, associando a esta transferência outras medidas no campo das políticas sociais, principalmente de educação, saúde e trabalho, sendo estes elementos estruturantes, fundamentais para permitir o rompimento do ciclo vicioso de reprodução da pobreza (Ibid.). No Brasil, a autora (Ibid.) salienta que os programas dessa natureza podem ter orientações político-ideológicas diferenciadas, que vão desde uma orientação de apoio à lógica do mercado (perspectiva liberal/neoliberal), até uma perspectiva orientada pelo entendimento de que a riqueza que é produzida socialmente deve ser redistribuída aos membros da sociedade (progressista/distributivista). Na realidade brasileira, o avanço do debate sobre políticas de renda mínima se dá numa conjuntura marcada pelo aumento do desemprego, precarização do trabalho em suas diversas formas (trabalho subcontratado, temporário e/ou informal), agravamento da pobreza e insegurança nos centros urbanos. Inicialmente, o debate foi mobilizado a partir da aprovação do Projeto de Lei nº 80/1991, que propõe a instituição do Programa de Garantia de Renda Mínima PGRM de autoria do senador Eduardo Suplicy, ou seja, até então não havia um debate mais específico sobre a temática da renda mínima.

4 O PGRM, conhecido ainda como Imposto de Renda Negativo IRN é um projeto de lei propondo que todos os residentes no Brasil, com idade igual ou superior a 25 anos, cuja renda mensal bruta for menor que um montante em torno de 150 reais, terão direito a receber do governo uma ajuda em dinheiro, equivalente a 30% da diferença entre essa quantia e seu nível de renda (CARTILHA DO PGRM, 1994). Conforme o desempenho do Programa e a disponibilidade de recursos o permitissem, esta percentagem poderia ser elevada para 50% pelo Executivo. Fazendo uma avaliação sobre a renda mínima no plano internacional e nacional, Faleiros (1997) salienta a principal crítica que é feita ao programa do senador Eduardo Suplicy (Programa de Garantia de Renda Mínima - PGRM), a qual afirma que este programa é um estímulo aos baixos salários, em vez de ser um estímulo à melhoria salarial, tendo em vista que sugere um mínimo insuficiente para subsidiar as necessidades básicas. O autor (Ibid.) coloca ainda que o PGRM é mais abrangente que a LOAS em relação a cobertura da população, ao passo que objetiva incluir trabalhadores e nãotrabalhadores/capacitados e não-capacitados. Contudo, apresenta um grave problema operacional, ou seja, não prevê sua implantação, administração, controle, a articulação das estâncias de governo, controle dos ganhos dos usuários, as fontes pagadoras, a instrução dos prontuários, a relação com a família. Já Gomes (1995) coloca que na ótica do projeto trazido pelo senador Eduardo Suplicy, o PGRM apresenta uma vantagem em relação aos programas convencionais de Assistência, ao passo que estaria respeitando o direito de escolha do beneficiário, que recebendo a ajuda em dinheiro garantida pelo Programa, usaria de acordo com seu discernimento e suas necessidades. Salienta que o fato do Programa está associado à transferência de renda, faz com que o mesmo esteja atrelado à lógica do mercado, de compra de serviços sociais, em contraposição a defesa de serviços sociais básicos gestionados e garantidos pelo Estado, requerendo investimentos públicos em saúde, educação, moradia etc, levando em consideração os indicadores sociais. Para a autora (Ibid.), o enfrentamento à pobreza só terá efetividade se junto às políticas de renda mínima forem implementados outros investimentos sociais públicos. 3 TIPOS DE RENDA MÍNIMA: determinantes e características

5 O debate sobre a aplicação de programas de garantia de renda mínima surgiu num momento em que o Welfare State entrou em crise. Estes programas colocaram-se como uma das alternativas neoliberais de desmanche da oferta de serviços sociais estatais próprias do modelo Keynesiano, favorecendo a estratégia de privatização desses serviços. Os programas de renda mínima aparecem como uma política favorecedora do mercado, na medida em que propõe a transferência de renda à população para consumir serviços sociais privados. Assim, configuram-se como uma forma de estímulo ao consumo do mercado e desestimulo à demanda por serviços estatais. Vale salientar ainda, que estes programas surgem no contexto da crise salarial provocada pelo desemprego, pelas novas formas de precarização do trabalho e pelo processo de redução salarial. Procurando trazer algumas considerações sobre os programas de renda mínima em debate no Brasil, Sposati (1997) coloca que a partir da Lei Orgânica da Assistência Social LOAS, aprovada em 1993, as propostas de construção de mínimos de cidadania fazem parte da política pública de assistência social, enquanto política de seguridade social. A renda mínima é colocada com parte de uma política de garantia de padrões básicos de cidadania. A autora (Ibid.) coloca a existência de seis tipos de renda mínima, sendo: o salário mínimo, o salário equidade, o salário substituto, o subsídio a uma política social, o subsídio de inserção e o imposto de renda negativo e suas modalidades e combinações. Segundo Sposati (Ibid.) qualquer uma das seis alternativas de renda mínima elencadas anteriormente têm um ponto em comum, que é o fato de transferir uma determinada quantia de renda para ser transformada pelo cidadão, por meio do mercado, em solução para uma necessidade. Trata-se de ampliar a capacidade de consumo e acesso do cidadão para cobertura de uma necessidade, por meio da compra de serviços no mercado. Assim, os programas de renda mínima têm caráter neoliberal, ao passo que transferindo renda e não serviços contribuem para o desmonte de políticas públicas e favorecem a compra de serviços sociais privados. Têm ainda caráter social-democrático, na medida em que se trata de um mecanismo redistributivo, de equidade ou discriminação positiva. Portanto, essas características fazem com que as propostas de renda mínima sejam combinadas com políticas liberais/neoliberais e com políticas de caráter socialdemocrático, pois no limite, não rompem com os interesses do mercado.

6 Para Silva (2004) há no contexto atual da realidade brasileira a prevalência de programas de transferência de renda, os quais têm se constituído na principal estratégia da Política de Assistência Social do Sistema Brasileiro de Proteção Social. Segundo a autora (Ibid.) estes programas podem ter orientações político-ideológicas diferenciadas. Existe a possibilidade de uma perspectiva de apoio à lógica do mercado (liberal/neoliberal), tendo como objetivo garantir a autonomia do indivíduo enquanto consumidor e amenizar os efeitos drásticos da desigualdade social, sem considerar o aumento do desemprego e a distribuição de renda, orientando-se pela focalização na extrema pobreza, até uma perspectiva progressista/distributivista, que objetiva alcançar a autonomia do cidadão, orientando-se pela focalização positiva, visando a garantia de uma vida digna para todos. Quando foram implementados a partir de 1995, os programas de transferência de renda orientaram-se por uma perspectiva progressista/distributivista. Entretanto, a ampliação destas propostas e a formulação dos programas nacionais, agora idealizados por políticos de diferentes orientações ideológicas, vêm direcionando as experiências para uma perspectiva liberal/neoliberal. Na implementação desses programas Silva (2004) identifica alguns limites, como a existência de um amplo contingente da população vivendo abaixo da linha de pobreza; a adoção de modelos econômicos concentradores e excludentes, oriundos do sistema capitalista; a existência de um aparelho estatal, nos três níveis de governo, marcado pela limitação de recursos e sua má utilização, carência de técnicos capacitados, permeabilidade da máquina estatal aos interesses privados e a manipulação político-clientelista; a incapacidade de focalização dos programas sociais no público que mais necessita deles; a falta de tradição de acompanhamento e avaliação dos programas sociais; e a fragilidade de organização da sociedade. Assim, os resultados alcançados a partir da implementação desses programas não têm amenizado as grandes desigualdades sociais existentes, antes têm favorecido a reprodução de uma classe de pobres, com garantia de sobrevivência no limiar de uma determinada linha de pobreza, contribuindo para o ciclo vicioso de reprodução da pobreza. 4 CONCLUSÃO No contexto das grandes transformações que ocorreram na economia, com profundos impactos no mundo do trabalho, vem se intensificando o debate internacional sobre a renda mínima. Os programas de renda mínima passam a ser colocados como alternativa de política social no contexto de crise do Welfare State.

7 Na realidade brasileira, o avanço do debate sobre políticas de renda mínima se dá numa conjuntura marcada pelo aumento do desemprego, precarização do trabalho em suas diversas formas (trabalho subcontratado, temporário e/ou informal), agravamento da pobreza e insegurança nos centros urbanos. Os programas implementados a partir de 1995, orientaram-se por uma perspectiva progressista/distributivista. Contudo, a ampliação destas propostas e a formulação dos programas nacionais, agora idealizados por políticos de diferentes orientações ideológicas, vêm direcionando as experiências para uma perspectiva liberal/neoliberal. O debate sobre os programas de transferência de renda se situa no contexto de hegemonia do projeto neoliberal, onde paulatinamente, estendendo-se à atualidade, há a flexibilização e desregulamentação dos direitos sociais garantidos na Constituição Federal de 1988, impulsionando o desmonte do frágil Sistema Brasileiro de Proteção Social. É uma conjuntura marcada pela restrição aos programas sociais, decorrente da minimização do Estado, de corte nos gastos sociais e da implementação de medidas de ajuste da economia nacional às exigências do capital internacional. Evidencia-se a discussão e a implementação de estratégias conservadoras de ajustes econômicos que orientam as políticas sociais, tais como a privatização, descentralização e focalização. Dessa forma, na atualidade, os programas de renda mínima, entendidos no contexto brasileiro como programas de transferência de renda, têm se constituído na principal estratégia da Política de Assistência Social do Sistema Brasileiro de Proteção Social. Os programas de renda mínima aparecem como uma política favorecedora do mercado, na medida em que propõe a transferência de renda à população para consumir serviços sociais privados. Assim, configuram-se como uma forma de estímulo ao consumo do mercado e desestimulo à demanda por serviços estatais. Objetivam o enfrentamento ao desemprego e à pobreza, contudo, só terão efetividade se junto às políticas de renda mínima forem implementados outros investimentos sociais públicos. Estes programas podem ter orientações político-ideológicas diferenciadas, que vão de uma perspectiva de apoio à lógica do mercado (liberal/neoliberal), tendo como objetivo garantir a autonomia do indivíduo enquanto consumidor e amenizar os efeitos drásticos da desigualdade social, até uma perspectiva progressista/distributivista, que objetiva alcançar a autonomia do cidadão, visando a garantia de uma vida digna para todos. No entanto, os resultados alcançados a partir da implementação desses programas não têm amenizado as grandes desigualdades sociais existentes, antes têm favorecido a reprodução de uma classe de pobres, com garantia mínima de sobrevivência, contribuindo assim, para o ciclo vicioso de reprodução da pobreza.

8 REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: Informação e documentação: referências: elaboração. Rio de Janeiro, 2002. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520: Informação e documentação: citações em documentos: apresentação. Rio de Janeiro, 2002. FALEIROS, Vicente. Renda mínima: uma avaliação. IN: SPOSATI, Aldaíza de Oliveira. (org.). Renda mínima e crise mundial: saída ou agravamento?. São Paulo: Cortez, 1997. ISBN 85-249-0650-2 GOMES, Ana Lígia. et al. O Programa de Garantia de Renda Mínima: análise introdutória à luz dos pressupostos da assistência social. IN: Revista Serviço Social & Sociedade (Nº 47 Ano XVI). São Paulo: Cortez, 1995. ISSN 0101-6628 SILVA, Maria Ozanira da Silva e. (org.). Renda mínima e reestruturação produtiva. São Paulo: Cortez, 1997. ISBN 85-249-0651-0 SILVA, Maria Ozanira da Silva e. et al. A Política social brasileira no século XXI: a prevalência dos programas de transferência de renda. São Paulo: Cortez, 2004. ISBN 85-249-1086-0 SPOSATI, Aldaíza. Sobre os programas brasileiros de garantia de renda mínima - PGRM. IN: SPOSATI, Aldaíza de Oliveira. (org.). Renda mínima e crise mundial: saída ou agravamento?. São Paulo: Cortez, 1997. ISBN 85-249-0650-2 SUPLICY, Eduardo M. Cartilha do Programa de Garantia de Renda Mínima - PGRM. Brasília, Senado Federal, 1994.