1 A HOMOFOBIA COMO SINTOMA NA FAMÍLIA RODRIGUES, Aretusa de Paula 1 FILHO, Fernando Silva Teixeira (Orientador) 2 RESUMO: A sociedade moderna passa por uma mudança radical de padrões de comportamento e de estrutura familiar. O patriarcado sofre uma queda considerável. A família padrão de outrora, estruturada com pais heterossexuais casados por toda vida, constitui-se como exceção, não mais como regra. Algumas pessoas acreditam que o resultado dessas transformações advém do exercício de alguns indivíduos considerados anormais de práticas sexuais tampouco convencionais, como a homossexualidade. Muitas crenças errôneas partem do princípio de que a homossexualidade é a grande mola propulsora dessas mudanças traumáticas por quais passa a sociedade e a família tradicional. Assim as famílias que sempre se apoiaram nesse modelo quando deparam-se com um homossexual entre seus membros familiares, vêem-se deslocadas, então criam alternativas tampouco saudáveis para lidar com essas dificuldades. Um exemplo disto são as famílias sintomáticas, que na tentativa de protegerem-se e não olharem para si próprios e para os próprios problemas, muitas vezes, elegem um componente da família como sendo o problema e adoecem. O presente trabalho visa fazer uma releitura de um estudo de caso de realizado dentro da clínica-escola da UNIP (Universidade Paulista) Campus de Araçatuba numa abordagem sistêmica, para: compreender e analisar, os aspectos que envolvem a intervenção psicológica em um caso de homossexualidade em um membro adolescente de uma família sintomática; além de analisar a presença ou não de homofobia nos familiares e averiguar os sentimentos destes com o filho adolescente de orientação homossexual. Os resultados obtidos na realização deste estudo apontou que após a intervenção terapêutica realizada com esta família houve uma reestruturação familiar envolvendo: a desfocalização do sintoma familiar sobre o paciente identificado, avanços consideráveis de todos os membros da família em torno do sintoma e redefinições de papéis destes. 1 Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho UNESP Campus Assis, Telefone (18) 3302-5500 2 Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho UNESP Campus Assis. Telefone (18) 3302-5885
2 Introdução A expressão homofobia foi criada em 1972, e é formada por dois radicais: Homo (igual) e fobia (medo) remetem à aversão, medo e sentimentos de desaprovação, que levam ao preconceito e a discriminação contra os homossexuais ou quaisquer representantes dos segmentos da diversidade. È importante salientar que a homofobia não é exclusiva dos heterossexuais, ela existe também nos homossexuais, apesar de suas formas e manifestações ocorrerem diferentemente (SUPLICY, 2000). A Homofobia e o Sistema Familiar Para a teoria de Bertallanfy (apud MINUCHIN & FISHMAN, 1990) do modelo sistêmico, a família pode ser considerada como um sistema total, onde as ações e comportamentos de um de seus membros influenciam e simultaneamente são influenciados pelos comportamentos de todos os outros. Constata-se que quando os pais tomam conhecimento da homossexualidade de um dos seus filhos, apodera-se deles toda uma amálgama de sentimentos. Pode-se então dizer que, no campo da sexualidade não é apenas o filho em seu processo de desenvolvimento, que passa por inúmeras transformações psicológicas, mas seus pais também, interferindo como este irá lidar com sua orientação. O Sintoma na Família Ao se falar sobre famílias, é importante se ter consciência de que as pessoas estão ligadas mais pelas similaridades do que separadas pelas diferenças (WITAKER & BUMBERRY, 1990). As famílias sintomáticas são um exemplo disto, na tentativa de protegerem-se, não olham para si próprios e adoecem. Muitas vezes, elegem um membro da família como sendo o problema. Claro está que o problema não é o paciente identificado, ou pelo menos não é só ele o problemático mas, os padrões de interações desta família.
3 O paciente identificado exerce uma função protetora na família. Como o portador do sintoma, se sacrifica para defender a homeostase familiar e geralmente este se deixa usar talvez por se sentir inadequado e atípico (MINUCHIN & FISHIMAN, 1990). O Caso A Família procurou intervenção psicológica com uma queixa inicial sobre o mau comportamento escolar do filho (T), que a primeira sessão terapêutica revelou não se tratar de fato da queixa principal. O problema detectado foi a dificuldade da família em trabalhar a homossexualidade desse indivíduo (homofobia), reforçada pelas atitudes inadequadas de (T), como: vestimentas, comportamentos femininos e promiscuidade. Resultados e Conclusão Foram realizadas, dezessete sessões com a família (S), sendo os participantes destas, subdivididos conforme o processo solicitava. Através da análise das primeiras sessões (1 a 4 sessões) constatou-se que a homossexualidade de T incomodava a família como um todo, mas, a orientação sexual de T fica em segundo plano, uma vez que, o que realmente aborrece os familiares é a exposição dessa sexualidade através de seus comportamentos inadequados e promíscuos, suas vestimentas, sua falta de cuidado com sua própria saúde ao se envolver com homens mais velhos sem ao menos os conhecerem e sua influenciabilidade, mas não sua sexualidade propriamente dita. Com a finalidade de trabalhar esse incômodo familiar, caracterizado pela homofobia, foi proposto em uma das sessões do processo terapêutico que T atende-se a uma tarefa. Esta consistia na amenização do comportamento que mais afetava negativamente a família, ou seja, suas vestimentas femininas.
4 O objetivo da distribuição de tarefas aos membros de uma família incide na criação de uma estrutura dentro da qual, os membros familiares deverão funcionar. Assim, a terapeuta utilizou-se da tarefa para salientar uma área que necessitava ser trabalhada. Uma das intervenções utilizadas durante todo o processo, mas especialmente no seu início, foi a desfocalização da homofobia, ou seja, a redefinição do problema. O objetivo era a conscientização dos familiares que as respostas por eles utilizadas no enfrentamento da situação conflitante, era inapropriada, e levava-os consequentemente a apresentarem uma visão diferenciada ou distorcida da situação. Para atender a esse objetivo, a terapeuta utilizou-se novamente da distribuição de tarefas. Solicitou aos pais que não supervalorizassem as vestimentas do filho homossexual, pois ele as usava para chamar a atenção deles, e acabava por conseguir. (4 a 8 sessões) A falta de assertividade dos pais enquanto sistema decisório, no desempenho de papéis previamente estabelecidos aparece presente no caso. Isto se torna claro com a postura da mãe de colocar comida no prato de um rapaz de 20 anos e do pai de ter que recorrer a esconder objetos do filho para uma aproximação. Daí a necessidade de se trabalhar questões como: delimitação e definição de papéis e inserção de um subsistema entre pai e filho, assim como a extinção da postura omissa do pai. Para isso, trabalhou-se com o pai o fortalecimento de seu papel conscientizando-o que cabe a ele também participar com maior proximidade da vida de seus filhos, dando-lhes limites. A definição do papel da mãe que se coloca como a matriarca da família, também foi trabalhado. A conscientização dos pais de assumirem juntos respectivamente seus papéis vendo-se como donos da casa, colocando limites aos filhos e deixando de lado a crença de que bons
5 pais são aqueles que não frustram os filhos, foram das questões trabalhadas as mais difíceis de todo o processo terapêutico. Essa dificuldade residiu principalmente com N - a mãe, pois, esta apresentava muita dificuldade para lidar com situações aborrecedoras. Estratégias terapêuticas foram utilizadas para o fortalecimento do vínculo entre os homens da família. Sugestões de atividades a serem desempenhas juntos fizeram parte da intervenção. Tais tarefas não tinham o objetivo apenas de unir ou fortalecer a relação entre T e seu pai, mas o fortalecimento de todo o sistema familiar. Apesar das dificuldades apresentadas pelos membros familiares, verificou-se que estes começaram a olharem-se de outra maneira, aos poucos foram descobrindo suas diferenças e sentimentos. (8 a 14 sessões) Essa segunda fase caracterizou-se pelo fortalecimento das fronteiras. Coube ao terapeuta aproximar-se de cada subsistema, para trabalhar as fronteiras, objetivando a fragmentação das alianças formadas entre mãe e filhos, para uma melhor integração familiar. Para isso, um reforçamento da relação pai e filho e consequentemente a fragmentação da triangulação estabelecida pela mãe dentro desta relação fizeram parte do processo, como também o fortalecimento do subsistema fraternal, inexistente na organização familiar e a delimitação e redefinição do papel de C dentro da família. A inserção da fronteira nessa família foi fundamental para o processo de individuação e individualização de seus membros, visto que estes em suas dinâmicas não os apresentavam. A ampliação e a eclosão do sintoma (homofobia) caracterizaram também essa fase do processo, à medida que, os pais passaram a olhar cada vez mais para seus filhos de maneira mais realista e diferenciada e perceberam que cada um apresentava um problema diferente e necessitava de atenção. Pode-se dizer então, que subseqüentemente a esta ampliação houve uma desfocalização sobre T do sintoma familiar.
6 Considera-se ter sido nessa fase, o período de maior envolvimento da equipe terapêutica e de necessidade de intervenção. (14 a 17 sessões) Verificou-se durante as últimas sessões, na finalização do processo terapêutico, avanços consideráveis de todos os membros da família (S), destacando-se (N). Os passos importantes dados por ela, foram fundamentais para o desenvolvimento e crescimento da família e de seus membros. Exemplificando cita-se alguns deles como: o abandono da posição de intermediária ocupado por ela há muitos anos, melhora do desempenho de seu papel de mãe de filhos adolescentes, o nascimento de uma relação diferenciada e responsável entre ela e seu filho T, imposição de limites à (C), ocupação de seu papel da dona da casa e o fortalecimento de sua aliança com o marido. A mãe apresenta-se mais flexível, não assumindo toda a família sozinha, dando oportunidade para o cônjuge participar. Este apresenta-se muito mais envolvido e participativo. O paciente identificado não está tão sobrecarregado, seus irmãos estão sendo olhados de uma outra forma pelos pais, saindo da posição de perfeitos, fato este aliviador para T. Os pais por sua vez, estão mais atentos aos outros filhos, reconhecendo suas dificuldades e personalidades, abandonando a projeção de toda a problemática familiar sobre um só membro. Apesar destes progressos, ainda encontra-se muita resistência por parte de T e de toda à família em modificar as posturas que estão habituados a apresentarem. Encontrou-se estas resistências durante todo o processo, quando: T se opõe a amenizar suas vestimentas femininas, ou quando J diz não ter tempo para educar seus filhos e ainda quando N responde negativamente na 14 ª sessão à terapeuta após ser questionada sobre sua percepção de alguma mudança no decorrer do processo terapêutico.
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MINUCHIN, S. & FISHMAN, S. C. Técnicas de terapia familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. SUPLICY, M. Conversando sobre sexo. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. WITAKER & BUMBERRY. Dançando com a família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.