AS CRIANÇAS NO CONTEXTO DO CURRÍCULO ESCOLAR: SIGNIFICANDO E SENDO SIGNIFICADAS

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Transcrição:

AS CRIANÇAS NO CONTEXTO DO CURRÍCULO ESCOLAR: SIGNIFICANDO E SENDO SIGNIFICADAS Larissa Mendes Monteiro Universidade do Estado do Rio de Janeiro e-mail: lmendes.monteiro@gmail.com Resumo: O currículo escolar se articula em meio a muitos discursos, o que confere a ele sentidos híbridos e não hegemônicos. No entanto, a cultura e os significados trazidos e vivenciados pelas crianças, como seres que trazem consigo uma bagagem cultural, não são revelados e evidenciados como importantes na confecção política do currículo escolar. O presente trabalho visa discutir as crianças como participantes ativos da produção cultural do currículo, como seres que não são apenas influenciados, mas sim influenciadores. Dessa forma, o ser social da criança precisa ser reconhecido na escola, de forma que elas não tenham esse lugar unicamente como onde aprendem conteúdos programados, mas um lugar que contribua para sua constituição como cidadão, já que sua vivência e sua cultura não serão apenas trazidas para dentro da escola, mas serão constitutivas e contribuidoras da articulação que ocorre em volta do currículo escolar, que, sendo assim, se forma inclusive com seus discursos. Palavras-chave: currículo, sentidos híbridos, crianças, produção cultural, influenciadores. INTRODUÇÃO A educação brasileira tem um importante papel na formação social e individual dos estudantes: constituí-los como cidadãos. Mas para isso é preciso que eles se sintam parte constitutiva da sociedade e reconheça em suas práticas relevância social para seu desenvolvimento como sujeito crítico. Um trabalho educacional significativo vai muito além da transmissão de conteúdos prédeterminados, vai além das fixações disciplinares, transcende tudo isso envolvendo o aluno como sujeito principal de toda prática educativa. Entretanto, isso não é fácilmente percebido. É preciso

que a vivência do aluno como sujeito social seja trazida para dentro de sala de aula, evitando que se dicotonomize vida social e vida escolar, mas que haja uma relação interativa entre elas. Para iniciar uma discussão em volta disso, o trabalho se inicia com uma contextualização e definição do que vem a ser o ciclo de políticas, o qual busca abranger diferentes contextos que de alguma forma influenciam na política e prática escolar. Com isso, tento trazer as crianças como reais influenciadores que compõe de forma ativa e significativa a política e prática que se toma como vigente. É importante destacar que não busco afirmar que a política educacional se divida impreterivelmente em contextos, mas busco apenas colocar em questão como todos acabam ganhando espaço dentro de todo o ciclo que envolve a produção curricular, e os alunos muitas das vezes, ao assumir esse papel, acabam sendo menosprezados. METODOLOGIA A abordagem do ciclo de políticas nos permite realizar uma análise dos programas e políticas educacionais, uma análise, no entanto, de toda sua trajetória, desde o momento em que é implantada até os efeitos que gera. O ciclo de políticas, de acordo com Stephen Ball e Richard Bowe (1992), citados por Mainardes (2006, p.49) após sua última expansão, é formado por cinco contextos: o contexto da influência, o contexto da produção de texto, o contexto da prática, o contexto dos efeitos e o contexto de estratégia política. É importante frisar que o ciclo não é inflexível, mas dinâmico, e que os contextos não se dão de forma lineares, mas sim de forma inter-relacional, cíclica. No contexto de influência é o local onde a política começa a se organizar, os discursos políticos são discutidos até formar um discurso de base para a política, é como se fossem uma disputa por grupos de interesses (MAINARDES, 2006). Assim, através das disputas ideológicas ocorridas no contexto de influência, se configura, no contexto da produção de texto, o texto político dando a ele um caráter hegemônico. Entretanto, essa luta ideológica não se finaliza no ato em que os textos políticos são constituídos, mas é sequenciada no contexto da prática.

O contexto da prática, por sua vez, é onde a política, constituída no contexto de influência, sofre uma ação pessoal, já que irá ser interpretada e recriada, podendo assim gerar alguma mudança na política original. E assim podemos compreender o papel ativo do professor e de diversos profissionais na política. São eles que, considerando o tempo em que se inserem, seus propósitos e seus valores, controlam os significados dos textos políticos através da interpretação que vão possuir, dando novamente às políticas educacionais uma influência ideológica. O impacto que todo esse ciclo possui pode ser analisado no contexto dos efeitos. Como apresentado por Ball, citado por Mainardes (2006, p.55), há os efeitos de primeira ordem e os de segunda ordem. Os de primeira se configuram como um impacto gerado na estrutura ou em uma prática presente a essa estrutura. Já os de segunda ordem se relacionam mais com a questão das oportunidades sociais, ou seja, que mudanças os efeitos de primeira ordem geram para que os padrões de acesso social também sofram alterações. O contexto de estratégias políticas, o último contexto que constitui o ciclo de políticas, envolve as estratégias necessárias para lidar com as desigualdades que foram criadas ou se mantêm reproduzidas a partir da política vigente. Pode-se afirmar que os autores das políticas não são apenas aqueles presentes nos contextos de influência, mas são também todos que de alguma forma se envolvem e estão envolvidos com aquela política, inclusive as crianças. As crianças são o centro de foco de muitas políticas curriculares, seja de forma direta ou indiretamente. Todas essas políticas acabam de alguma forma afetando os alunos, até porque o currículo e as escolas existem para atender a esse público. Busca-se, no entanto, sempre promover um afastamento dos mesmos no momento de decidir e de se produzir uma política, as crianças tendencialmente são vistas como seres passivos, os quais estão ali apenas para reproduzirem algo que por alguém já foi definido e elaborado. Venho aqui ansiando alterar de alguma forma essa visão. As crianças, no lugar de alunos que se encontram, não são apenas partes importantes na constituição de uma política, também são produtores de sentidos a elas.

Ball define dois momentos importantes do contexto da prática: a interpretação e a tradução. Ao analisar o que uma política exige, busca, ou anseia no momento em que será posta em ação, é o momento de interpretação. E continuamente a tradução segue tal analise como um ato ativo de criação, de forma que se coloque todas as expectativas interpretadas em um conjunto de práticas. Isso é a política em ação, baseada nos atos criativos dos professores. Proponho, portanto, que não analisemos esses dois momentos como apenas atos criativos por parte dos professores. Os alunos igualmente envolvidos também participam do momento dessa criação. A produção política vai ganhando sentindo com o movimento de produção cultural dos sujeitos, porém esse sentido não é único, diferentes sentidos se hibridizam, e é exatamente com essa diferença e com as relações assumidas entre os sujeitos que a política se constitui. Nesse jogo de sentidos também há aqueles sentidos produzidos pelas crianças. Quando um conteúdo, uma novidade ou um diferente saber chega até elas, não são apenas assimilados para uma mera reprodução subsequente, já que não se pode reduzir esse momento, essa tradução cultural, a uma adaptação ou apropriação. Mas são por elas sentidos ressignificados, a partir de sua própria vista, dentro do contexto infância em que se encontra e com a sua própria visão de mundo. O currículo escolar passa por uma disputa entre os diferentes significados que se dão ao mundo, inclusive entre aqueles vindos dos alunos. Sendo assim, toda prática discursiva que caracteriza a prática curricular conta com a participação dos alunos no que concerne a sua concretização. Os alunos, por mais que sejam tendenciosos a fazerem o que os seus professores, coordenadores ou diretores propõe, possuem suas próprios hábitos, suas próprias culturas e valores, que não são anulados no ato do ensino, pelo ao contrário, compõe o currículo como qualquer outro participante de algum dos contextos de produção de políticas O currículo é, ele mesmo, uma prática discursiva. [...] Ele constrói a realidade, nos governa, constrange nosso comportamento, projeta nossa identidade, tudo isso produzindo sentidos. Trata-se, portanto de um discurso produzido na interseção entre diferentes discursos sociais e culturais que, ao mesmo tempo, reitera sentidos postos por tais discursos e os recria. (LOPES e MACEDO, 2011, p. 41).

CONCLUSÃO Levando em conta tudo anteriormente exposto, oferecemos ao currículo um caráter discursivo, sendo assim, não há uma definição única de uma hegemonia ideologia que se faça presente de forma a eliminar as contradições demais existentes, ou seja, é um campo de produção de diferentes significados, sem a legitimação de uma cultura dominante, mas caracterizado como uma produção cultural. Dessa forma, as crianças, com suas próprias visões de mundo, impedem que o contexto da prática se finalize na ação docente, assim, a hegemonia que o professor talvez tente impor nunca é por completo bem concedida, já que a escola é um lugar plural e as crianças atribuem diferentes sentidos ao mundo em que vivem. Assim, o currículo escolar e todas as suas políticas que concluímos que se caracteriza como produção cultural também são significados no ato discente. Os educadores precisam enxergar os educandos não apenas como alunos de uma escola, mas como sujeitos em busca de seu reconhecimento como cidadão. É necessário que o universo do estudante seja levado em consideração das aulas como algo que ao mesmo tempo que é influenciado, influencia, e que se reconheça que estão em constante desenvolvimento para seu amadurecimento como ser social. Há um desafio que atua em busca para que os alunos assumam sua liberdade, desenvolvam sua criticidade, trabalhem seu pensamento, busquem respostas e anseiem pelo conhecimento. Esse desafio precisa ser assumido pelos professores como algo que influencia diariamente no cotidiano escolar, no qual apenas conteúdos predefinidos não predominem sobre aquilo que os alunos são no que tange a sua vida como constantes produtores culturas em constante desenvolvimento pelo seu lugar social. Essa produção cultural dos sujeitos vai significando uma produção política, de forma que esse significado, sentido, não é único, mas marcado pela diferença, pela pluralidade que os sujeitos assumem ao produzir sentidos à política. Não é possível que haja uma fixação de sentido de uma cultura única, principalmente em um lugar tão plural como a escola. A cada momento, inesperadamente, novos sentidos são incorporados a política. Dessa forma, não é possível e nem viável trabalhar com sentidos previamente estabelecidos, já que são sentidos híbridos e inacabados que se colocam a todo instante no cotidiano escolar, e a cada momento são ressignifcados e reestabelecidos.

Sendo assim, a produção cultural vinda dos alunos, em geral, não pode se manter fora da discussão curricular existente e nem fora das políticas que buscam dirigir o cotidiano escolar. As crianças têm papel fundamental no que concerne a fixação de sentidos, elas trazem consigo seus sentidos, que não são apenas fixados, mas se ressiginificam ao serem hibridizados com os outros sentidos que se recolocam no dia-a-dia escolar. Mas é preciso que se enxergue a criança como participadora ativa nesse processo de produção cultural que vai definindo o currículo e o cotidiano escolar. Afinal, o espaço pedagógico é um texto para ser constantemente lido, interpretado, escrito e reescrito (FREIRE, 2015, p.95). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MAINARDES, Jefferson. Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais. Educação & Sociedadev. 27, nº 94, p. 47-69, jan/abr., 2006 Lopes, Alice Casemiro. Teorias do curículo / Alice Casemiro Lopes, Elizabeth Macedo. São Paulo: Cortez, 2011. Apoio:Faperj FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa/ Paulo Freire 52ºed Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.