FOTOGRAFIA E HISTÓRIA: UM ESTUDO DA MODA EM VITÓRIA DA CONQUISTA NOS ANOS DE 1950

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Transcrição:

IV ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura 28 a 30 de maio de 2008 Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil. FOTOGRAFIA E HISTÓRIA: UM ESTUDO DA MODA EM VITÓRIA DA CONQUISTA NOS ANOS DE 1950 Juscelina Bárbara Anjos Matos 1 RESUMO: Este ensaio é uma tentativa de sintetizar, estruturar as leituras, que venho tendo contato, ainda de forma inicial, sobre o uso da fotografia na pesquisa histórica, suas possibilidades, caminhos e dificuldades. Para além de trazer para a discussão questões teórico-metodológicas que norteiam a pesquisa com imagem proponho neste ensaio fazer um exercício de leitura de imagens a partir do material coletado em minhas pesquisas de campo para apontar alguns indícios sobre a moda em Vitória da Conquista entre os anos de 1950. Palavras-chave: Fotografia, Pesquisa Histórica, Moda e Vitória da Conquista Introdução Neste sentido, este ensaio é uma tentativa de sintetizar, estruturar as leituras, que venho tendo contato, ainda de forma inicial, sobre o uso da fotografia na pesquisa histórica, suas possibilidades, caminhos e dificuldades. Para além de trazer para a discussão questões teórico-metodológicas que norteiam a pesquisa com imagem proponho neste ensaio fazer um exercício de leitura de imagens, confrontando o material, fruto de minhas pesquisas a campo, ainda de cunho exploratório. As imagens que serão analisadas possuem várias limitações, por se tratar de um corpus ainda pequeno e por falta de informações adicionais. Apesar das limitações, o contato com essas fontes visuais a descortinar alguns eventos e apontar alguns caminhos para a minha pesquisa de mestrado onde discuto a memória da moda em Vitória da Conquista- BA nos anos de 1950. Para dar sustentação às análises que me proponho a fazer conto com o referencial teórico de autores que tem se dedicado ao estudo da relação imagem e história, em especial, os trabalhos desenvolvidos por Miriam Moreira Leite, Boris Kossoy, Samain e Mauad. 1 Mestranda em Cultura Visual pela Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás UFG.

A imagem como testemunho da história Se remontarmos a história das civilizações vamos perceber que as imagens sempre estiveram presentes, mediando a relação do homem com o mundo. Antes mesmo de desenvolver um código verbal o homem já se expressava através das imagens. O olhar, os gestos constituem a primeira forma de comunicação humana. Através do estudo das imagens podemos chegar não só a conhecer visualidade de uma época como a desvendar as práticas culturais de um determinado grupo social. As fotografias nos contam histórias, revelam costumes, práticas, histórias de vida. Elas se confundem com a própria memória, evitando o esquecimento, garantindo a sua duração no tempo. Como diz Leite (2001), muitas vezes não nos recordamos dos fatos, mas das imagens produzidas naquele momento. As fotografias não nos contam apenas a história visível, mas também uma outra que diz respeito ao campo dos sentidos, que não deixa de ser importante. Ao folhear um álbum de família, podemos tentar reconstruir o percurso que levou à seleção daquelas fotos, o que está ausente nas imagens, a posição dos sujeitos, o que querem contar e o que escondem. Como podemos ver as fotografias podem são um importante instrumento de contar histórias, mas para reconstruir essa história, chegar ao que não está aparente na imagem é preciso conhecer um pouco mais sobre esse objeto. Sobre a fotografia A fotografia é uma marca do real. Este é, sem dúvida, o primeiro conceito que devemos ter considerar quando nos propomos a investigar a fotografia como meio de reconstrução do passado. Ela não é uma representação mimética da realidade, mas um indício de alguma coisa. È um fragmento, um recorte no espaço / tempo. A imagem fotográfica é uma inscrição, uma marca, uma pequena queimadura de luz sobre nitratos de prata; sempre o índice de um real, e que não existiria sem o seu referente. Posso tocar a imagem fotográfica, apalpá-la. Ela tem uma textura, um peso, uma materialidade, mesmo se ela é, também, achatada, bidimensional, corte e golpe no tempo e espaço (SAMAIN, 2001, p.54). O autor nos chama a atenção, também, para o fato de que a fotografia não é apenas uma imagem, ela é uma imagem onde se articulam técnica e simbolismo.

A fotografia é a mediadora entre a realidade que se quer compreender e a imagem dessa realidade. Neste sentido, Leite (2001) afirma que a imagem deve ser considerada pelo historiador como outro documento qualquer, avaliando a complexidade das mensagens, para daí, tentar decifrar o que está além dos aspectos visíveis. Kossoy se alinha ao pensamento quando diz que a imagem fotográfica tem múltiplas faces e realidades (2002, p.131). A primeira face é o visível, o que se vê impresso, imóvel no documento. A segunda realidade é o invisível, o que não podemos ver, mas podemos intuir. [...] Não mais a aparência imóvel ou a existência constatada mas, também, e principalmente a vida das situações e dos homens retratados, desaparecidos, a história do tema e da gênese da imagem no espaço e no tempo (KOSSOY, 2002, p. 132). O autor nos mostra que a reconstrução da história é um exercício de imaginação. È um mergulho na imagem para se chegar ao que não está aparente: o contexto em que a imagem foi produzida, e as histórias de vida dos sujeitos retratados. Mauad (2004) também divide a mesma opinião e propõe que a compreensão do documento fotográfico leve ser pautado por dois níveis de percepção: um interno e outro externo a superfície do texto visual. Cabe aqui, a compreensão de que a imagem é um artefato cultural, que guarda marcas de práticas de um grupo social num determinado período da história. Sendo assim, como afirmam os autores acima citados, a sua interpretação vai além observação dos elementos aparentes é necessário conhecer o contexto em que foi produzida para se chegar ao que não podemos ver. Os autores ainda concordam em que para uma abordagem sociocultural é preciso lançar mão de outras fontes como outros documentos textuais e orais. Do cruzamento das informações do documento fotográfico com outros complementares pode-se reconstruir as práticas sociais de um grupo. Leite (2001) destaca o papel da narrativa como forma de recompor o contexto do momento, chegar ao imaginário dos sujeitos retratados. Como as fotografias não narram, mas captam aparências momentâneas, as fotografias [...] quando revistas pelos descendentes de uma família retratadas deixaram bem claro que [...] colocavam-na num contexto, ou seja, num contínuo de passado e futuro, dos quais a fotografia fora destacada (LEITE, 2001, p. 104). A fotografia contém informações múltiplas da realidade selecionada, sendo que não é apenas o acontecimento em si que é a meta a ser recuperada. Interessa o pensamento que levou o homem à determinada ação. É o que buscamos quando mergulhamos na vida passada e retornamos aos documentos, mergulhando no passado e retornando à sua imagem/fragmento

num movimento continuo, buscando compreender as razões que deram origem aos acontecimentos. A significação de uma imagem permanece em grande parte tributária da experiência e do saber que a pessoa que a contempla adquiriu anteriormente. Neste tocante, a imagem visual não é uma simples representação da realidade, e sim um sistema simbólico (GOMBRICH apud SAMAIN, 2001, p.56). Aqui, o autor destaca outro ponto que não podemos perder de vista. É o caráter polissêmico da imagem. È o olhar do observador que organiza as informações e dá sentido à imagem. Esse sujeito que olha é guiado por seus interesses, vivências, seu conhecimento de mundo. Assim, a imagem pode gerar diferentes interpretações. No caso da pesquisa, o direcionamento do olhar é dado pelo objeto do pesquisador. Imagem e moda A moda sempre se serviu das imagens, primeiro da pintura e depois da fotografia, como um meio para se ter acesso à visualidade de uma época, para ilustrar e contar o seu desenvolvimento ao longo da história. Imagens constituem um guia para mudanças de idéias [...] e são ainda mais importantes como evidência de padrões de beleza em mutação, ou da história da preocupação com a aparência tanto dos homens quanto das mulheres (BURKE, 2004, p. 11). A fotografia pode nos revelar o vestuário, acessórios de cabelo que se usava num momento, mas não temos como saber se esses eram itens de moda 2 apenas observando as imagens. A fotografia impede, com sua concentração na aparência, indícios mais precisos sobre o material usado nas vestes, que diferencia as camadas sociais, como ainda sobre o momento (a data) em que aquela indumentária foi usada. Sabe-se, por exemplo, que as mulheres do Rio de Janeiro, no século XIX, copiavam a moda de Paris, mas sempre com atraso, e passavam suas roupas para as escravas da casa, depois de um ano de uso (LEITE, 2001, p. 104). A autora aponta aqui também a impossibilidade de se conhecer a classe social dos sujeitos retratados, uma vez que esses buscam se vestir com as suas roupas domingueiras para serem fotografados. 2 È necessário esclarecer o que estamos chamando de moda. Segundo Barnard (2003) moda é conjunto de tendências, estilos que estão em voga num período e que são manifestados, principalmente, através do vestuário.

Nesse sentido, Leite (2001) chama a atenção para a necessidade de se ter um volume de imagens suficientes, para que seja organizada numa seqüência temporal e a partir daí percebermos as mudanças na visualidade. Outro ponto, que já tratamos aqui, é o conhecimento do contexto a partir do levantamento de outros documentos. A moda em Vitória da Conquista O conjunto de imagens que utilizaremos aqui para tentar apontar algumas pistas sobre a história da moda em Vitória da Conquista entre os anos de 1950 e 1960 faz para da coleção de imagens que levantei num primeiro contato com as fontes. Antes mesmo de ter contato com a literatura sobre fotografia e do delineamento final do meu projeto senti a necessidade de fazer uma pesquisa exploratória e começar a construir uma rede de informações que pudessem colaborar com a construção de um percurso para conhecer a história da moda em Vitória da Conquista, num período restrito. Entre o conjunto de imagens que tive acesso, chamou a atenção o acervo do Clube Social da cidade que nos anos de 1950 e 1960 promoviam concursos de beleza e desfiles de moda. Eram eventos esperados com ansiedade pela sociedade, principalmente, pelas moças como relatam algumas das mulheres que tive contato nesta pesquisa inicial. Dentre os diversos concursos de beleza realizados pelo Clube Social, em parceria com a Rádio Clube da cidade, dois eventos de moda chamam a atenção: o concurso de beleza Rainha da Primavera e o desfile de moda, patrocinado pela tecelagem Bangu. O Clube Social promovia muitos eventos, festas, sendo o principal espaço de lazer da cidade.

Rainha da primavera de 1958, Zilma Pinto, lendo mensagem de agradecimento. No mesmo plano as princesas de 1957 e 58. Dalva Gusmão, princesa da primavera de 1958. O vestuário usado pela rainha e princesas da primavera retrata bem a moda do período. Era uma moda que acentuavam todas as curvas do corpo das mulheres, além de ser extremamente luxuosa.

O luxo do vestuário indica que o concurso não era acessível a todas as moças da sociedade. Era a elite econômica da cidade que era destinada. Compor todo o visual para participar do evento requeria um custo alto, que muitas não tinham acesso. Até mesmo para assistir ao evento era necessário ter um vestuário requintado, o que fazia com que muitos não comparecessem ao evento como relata D. Marisa Correia, diretora do Museu Regional da cidade. Ela destaca que as regras de etiqueta eram muito rígidas na época e a participação em determinados eventos exigia um traje completo (vestuário e acessórios). Segundo relatos o acesso ao Clube Social era restrito aos sócios e convidados o que corrobora com a afirmação de que só uma elite social podia participar dos eventos. O New Look criado por Dior em 1947 caracterizou toda a década de 50 e início dos anos 60. Nas linhas propostas por Dior condizia com a noção de feminilidade em voga no período. O traje feminino, muito luxuoso, tinha a função simbólica de demonstrar, como em outros períodos da história, a condição econômica do marido (LEHNERT, 2001). Desfile da Bangu, 1958. Acervo Clube Social. Quando vi as primeiras imagens, pensei se tratar de desfiles de moda comuns que aconteciam na cidade. Mas no meio aos arquivos do Clube estava um álbum de fotografias

que trazia a inscrição Desfile da Bangu. Comparando com outras imagens avulsas, que provavelmente deviam fazer parte de outros álbuns, que hoje não existe mais, percebi que não se tratou de um evento isolado, mas que em anos seguidos a Bangu patrocinou eventos de moda na cidade. Essa constatação foi possível também pela informação de que o Clube Social, fundado em 1945, funcionava numa casa, de forma provisória e que a construção da sede própria iniciou nos primeiros anos da década de 1950, sendo inaugurado em 57. A foto que vemos acima já é do desfile sendo realizado na nova sede, o que pude perceber imagem do mezanino que o Clube possui. Essas informações foram confirmadas posteriormente a partir da pesquisa em jornais da época em que aparecem várias matérias falam do desfile. Foram dois desfiles organizados pela Bangu, o primeiro em 1956 e o segundo em 1958. Desfile da Bangu, 1956. Acervo Clube Social. O padrão de beleza da época era bem diferente da estética de hoje. As mulheres eram mais cheinhas. O corpo feminino era determinado pela silhueta curvilínea da ampulheta, de formas arredondadas, onde a cintura devia ser bem marcada. Para se adequar aos padrões as mulheres recorriam à cinta e enchimentos nas roupas. O própria construção da roupa, com saias amplas ajudava a demarcar ainda mais as cinturas.

No Brasil, o chique na época era usar os modelos lançados nas passarelas da Casa Canadá e nos desfiles da Bangu. Aqui percebe-se que Vitória da Conquista consumia as informações de moda lançadas no período. As mocinhas assistiam ao desfile e depois corriam para as suas costureiras para copiar os modelos de sua preferência. Os desfiles da Bangu começaram no país nos anos de 1950 com objetivo de divulgar a propagar a qualidade do produto nacional e incentivar o seu consumo. Naquela época a preferência era para os tecidos importados, que ficaram escassos com a Segunda Guerra. Outras tecelagens do país promoviam eventos de moda, concursos de beleza por todo país (DURAND, 1988). A Bangu, tecelagem do Rio de Janeiro, era considerada na década de 1950 como uma das mais modernas indústrias têxteis do país e chegou a dominar o mercado por muito tempo, com a estratégia de promover desfiles de moda. Conclusão A partir das discussões a cerca da imagem fotográfica e do seu uso na pesquisa histórica percebemos que não podemos estar desatentos às particularidades apresentadas pelo documento fotográfico e as dificuldades metodológicas que o seu uso enfrenta. As leituras apresentadas fazem parte de um percurso em construção e que, por isso mesmo, trazem vários questionamentos e dificuldades. São os primeiros passos na leitura de imagens. Se deter diante da imagem, saber observar são as bases para uma compreensão e interpretação das múltiplas realidades que não estão visíveis na imagem. A pesquisa com imagens é um instrumento que pode enriquecer muito os trabalhos dos pesquisadores. No caso da moda utilização das imagens é fundamental para compreendermos a visualidade de uma época. O desafio de trabalhar com imagens é desenvolver a capacidade de ver. Referências Bibliografia: BARNARD, Malcolm. Moda e comunicação. Tradução: Lúcia Olinto. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. São Paulo: Editora Edusc, 2004.

DURAND, José Carlos. Moda, luxo e economia. São Paulo: Babel Cultural, 1988. LEHNERT, Gertrud. História da moda do século XX. Tradução: JM Consultores. Colônia: Konemann, 2001. LEITE, Miriam Moreira. Retratos de Família: leitura da fotografia histórica. São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 2001. (Texto e Arte; 9) KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. 2.ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000. MAUAD, Ana Maria. Fotografia e História possibilidades de analise. In: CIAVATTA, Maria e ALVES, Nilda (orgs.). A leitura de imagens na pesquisa social História, Comunicação e Educação. São Paulo: Cortez, 2004. SAMAIN, Etienne. Questões heurísticas em torno do uso das imagens nas ciências sociais. In: FELDMAN-BIANCO, Bela e LEITE, Miriam Moreira. Desafios da imagem: fotografia, iconografia e vídeo nas ciências sociais.