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Transcrição:

1 O Simpósio de ensino de português para falantes de espanhol (Sepfe) já teve quatro edições. Os resultados desses simpósios, aliados aos esforços de seus organizadores, possibilitaram a publicação de duas coletâneas de textos sobre a área de ensino de Português para Falantes de Espanhol (PFE). Nossas perguntas dizem respeito à composição dessa área de ensino e pesquisa. A área de Português para Falantes de Espanhol no Brasil i Matilde V. R. Scaramucci (Universidade Estadual de Campinas) PLJ: Em que medida podemos dizer que existe uma área de pesquisa e ensino de português para falantes de espanhol (PFE) no Brasil? Como sabemos, a área de ensino e pesquisa em Português Língua Estrangeira (PLE), iniciada nos anos 60 e bastante revigorada nos últimos anos, ainda é uma área relativamente pequena e o PFE, como subárea, é ainda menor e tem pouca visibilidade. O que não deveria acontecer, dada a localização geográfica do Brasil na América do Sul e o aumento crescente das relações econômicas, políticas e culturais entre os países do continente latino-americano, principalmente a partir da criação do Mercosul. Uma análise dos dados dos candidatos inscritos no exame Celpe- Bras, por exemplo, obtidos no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), órgão responsável pelo exame, mostra claramente que os falantes de espanhol (FE) constituem o grupo mais numeroso, quando comparado aos falantes de outras línguas. Um levantamento recente embora não exaustivo feito na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) sobre o ensino e a pesquisa em PLE confirma o que já suspeitávamos: o ensino de PFE localiza-se, mais especificamente, em universidades públicas e em algumas particulares, oferecido em disciplinas de graduação ou de extensão, geralmente nos níveis básico e

2 intermediário. Nos níveis subsequentes, os alunos FE passam a assistir aulas com falantes de outras línguas. A maioria dessas universidades está localizada no sul do país, em locais de maior proximidade com os países de fala hispânica. As universidades que oferecem essa modalidade de disciplinas são Unicamp, Pontifícia Universidade Católica-São Paulo (PUC-SP), Pontifícia Universidade Católica-Rio de Janeiro (PUC-RJ), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Também são nessas universidades em que se encontram as pesquisas ainda pontuais e esparsas sobre o PFE. Em algumas dessas universidades, o ensino de PFE constitui uma linha de pesquisa específica. Não poderia deixar de salientar, mesmo que brevemente, a participação de algumas universidades brasileiras, dentre as quais a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a UFPR e a Unicamp, na área de intercompreensão em línguas próximas, incluindo, obviamente, o espanhol, como parte do projeto Galanet (http://www.galanet.eu/). PLJ: Como se formou ou vem se formando esse campo de ensino e pesquisa no Brasil? A Unicamp foi pioneira na área de PLE e também de PFE no Brasil. Pelas informações que temos de pessoas que iniciaram o PLE na Universidade, especialmente as professoras Ângela Kleiman, à época, coordenadora do Centro de Linguística Aplicada (CLA), hoje extinto, e também Linda El-Dash, uma das primeiras responsáveis pela elaboração de materiais didáticos para estrangeiros. A área surgiu praticamente junto com a Unicamp, em 1966. O seu fundador e

3 primeiro reitor Professor Zeferino Vaz tinha uma proposta inovadora e acreditava que uma boa universidade deveria ser construída com cérebros, cérebros e cérebros, usando suas próprias palavras. A busca de recursos humanos qualificados e docentes experientes que aceitassem o desafio de formar uma instituição que pudesse constituir um núcleo de conhecimentos e tecnologia para a região metropolitana de Campinas não se limitou ao Brasil, mas estendeu-se ao exterior. Muitos professores estrangeiros foram contratados com a condição de que, no segundo ano de sua permanência no Brasil, já pudessem oferecer disciplinas em português. Foi nessa época, então, que o CLA ofereceu um dos primeiros cursos de português para estrangeiros de que se tem notícia, em que os materiais foram elaborados pelos próprios professores. A partir dessa primeira experiência, um curso intensivo de 5 semanas, começou-se a pensar em ter classes separadas para falantes de línguas tipologicamente próximas. Nos anos seguintes, novos professores de português foram contratados. Por ser uma área emergente, tinham a incumbência não apenas de dar as aulas, mas também de fazer pesquisa e elaborar materiais. A equipe era composta por Linda El-Dash, Leonor Lombello, Marisa Baleeiro, Danielle Grannier Rodrigues e, mais tarde, Itacira Araújo Ferreira. O primeiro seminário de português para estrangeiros no Brasil, realizado em 1979, foi organizado pelas professoras Danielle e Ângela. Um dos materiais pioneiros disponíveis no Brasil foi Português para Falantes de Espanhol (Edição Experimental), de autoria de Leonor C. Lombello e Marisa Baleeiro, publicado em 1983. ii Todas essas informações em relação ao ensino de PLE foram obtidas em entrevistas com as duas professoras conduzidas por alunos que cursaram minhas disciplinas na graduação em Letras em 2007 e 2008, e publicadas em um site experimental Português para estrangeiros (www.unicamp.br/ matilde). Em 1985, a área de PFE foi criada também de forma pioneira na UFF iii e, em 1989, na UnB iv seguidas pelas outras universidades acima mencionadas.

4 PLJ: O que acontece quando alunos não FE e alunos FE estão em uma mesma sala de aula? Professores experientes que dão aula para FE são unânimes em afirmar que não apenas os materiais, mas também a metodologia de sala de aula para esse público alvo têm de ser distintos daqueles pensados para falantes de outras línguas, embora esse tratamento diferenciado seja por vezes questionado. Não resta dúvida de que as necessidades de aprendizes de línguas tipologicamente próximas os distinguem dos demais aprendizes. A compreensão, por exemplo, tanto oral como escrita, é naturalmente facilitada pela proximidade tipológica, assim como a fluência. FE podem ser considerados falsos principiantes. Textos escritos e orais podem ser usados, já nas primeiras aulas de um curso introdutório, de maneira muito eficiente, para o ensino propriamente dito da leitura e da compreensão oral no que diz respeito a aspectos essenciais que extrapolam a mera decodificação, e que são muitas vezes negligenciados, como as inferências de implícitos e não apenas como insumo para o desenvolvimento da produção oral e escrita. Sem dúvida alguma, esse tipo de abordagem, em uma classe com falantes de outras línguas, poderia causar problemas. Por outro lado, o desenvolvimento do léxico, aparentemente semelhante entre línguas tipologicamente próximas, traz dificuldades, não apenas pelos falsos cognatos como pela existência de palavras aparentemente iguais nas duas línguas, mas com sentidos e colocações bastante distintas. A pronúncia também é complicada pelos sons do português, incluindo os nasais, inexistentes em espanhol, entre outros. Há, portanto, necessidade de um tratamento especial com relação aos sons, padrões entoacionais e ritmo. Assim, a facilidade inicial que o FE encontra em português e a expectativa de uma aprendizagem sem problemas ou a falta de necessidade de estudar a outra língua é logo frustrada e poderia, portanto, ser considerada ilusória. Com a compreensão facilitada, o FE inicia rapidamente a comunicação, sem estar

5 preparado para ela, utilizando os recursos de sua própria língua, produzindo o que conhecemos como portunhol e que dificilmente atenderia todas as necessidades de uso da língua. PLJ: No contexto norte-americano, pode-se observar heterogeneidade entre os FE: como língua materna, como língua de herança ou como língua estrangeira. Qual é o perfil dos alunos brasileiros? A maioria dos FE no Brasil é composta por alunos de graduação e de pós-graduação de diversas áreas do saber, alguns deles alunos dos convênios PEC-G e PEC-PG do Ministério da Educação, que vêm estudar em nossas universidades, consideradas de melhor qualidade. Há também, em menor número, diplomatas e pessoas que querem se estabelecer no Brasil. Temos recebido, nos últimos anos, também médicos em busca de residência ou especializações e, acima de tudo, de empregos. É claro que existe heterogeneidade nesse público, mas distinta daquela que se mostra no contexto norte-americano, pois, embora esses aprendizes tenham o espanhol como língua materna, são originários de diferentes países. Embora a maioria seja da América do Sul, há também espanhóis, mexicanos, cubanos, cada um com sua variedade de espanhol, léxicos e pronúncias ligeiramente distintas. Não apenas as variedades os distinguem, mas também as culturas e, principalmente, o grau de letramento em língua materna, muito importante na aprendizagem da língua estrangeira, especialmente quando os propósitos são acadêmicos. Ainda com base em dados obtidos no INEP sobre o número de candidatos nos centros aplicadores do exame Celpe-Bras podemos afirmar que, em 2013, Colômbia, Bolívia e Peru foram os países com o maior número de inscritos, o que nos levaria a concluir serem, desses países, a maioria dos falantes de espanhol que recebemos.

6 PLJ: Como é conduzido o ensino de alunos FE no Brasil? Se considerarmos a extensão do Brasil e nossas necessidades, podemos dizer que ainda são poucos os programas que oferecem PFE, como mostrei antes. Tenho notícia de que em muitas das disciplinas específicas para FE, entretanto, os materiais usados ainda são os mesmos que aqueles utilizados para falantes de outras línguas, pois há uma carência enorme de materiais. Em algumas dessas disciplinas oferecidas, os recursos didáticos são complementados por outros mais específicos. Poucas universidades usam apenas materiais específicos que, nesses casos, são elaborados pelos próprios professores. Na Unicamp, por exemplo, a experiência de muitos anos com esse público alvo permitiu a elaboração de um material que está sendo publicado pela DISAL Editora, em São Paulo, elaborado por Ana Cecília Bizon, Elizabeth Fontão do Patrocínio e Leandro Diniz, intitulado Mano a mano. Na UFRGS, há uma apostila desenvolvida pelos professores do programa a partir das necessidades dos alunos, assim como um material online, para intercambistas. Na Unicamp, as aulas buscam explorar as facilidades da compreensão oral e escrita, incentivando uma reflexão sobre as semelhanças e as diferenças entre as duas línguas. Nesse contexto, as questões fonéticas geralmente são muito enfatizadas. Não resta dúvida de que a situação de imersão facilita o trabalho do professor, que levaria muito mais tempo em contextos de língua estrangeira. Por outro lado, há uma alta taxa de desistência, que é típica desse contexto, motivada, em grande parte, pela percepção (equivocada), por parte dos alunos, de que a proficiência em português é suficiente para a comunicação. A redação de textos acadêmicos em português permanece, entretanto, como um dos grandes problemas desse público alvo; muitos se dão conta, embora às vezes tardiamente, de que não sabem português ou que português é mais difícil do que pensavam.

7 PLJ: Considerando os quase 10 anos entre aquela publicação e esta edição do PLJ, quais seriam as principais mudanças no cenário do ensino da língua portuguesa para FE no Brasil nos últimos 10 anos? Ao relembrar as conclusões de pelo menos três das quatro edições dos simpósios até agora realizados, tendo sido um deles realizado no Brasil em 2008, o que posso constatar é que muitos dos itens ainda permanecem em pauta. Por exemplo, a falta de dados empíricos ainda é hoje uma realidade, principalmente no que diz respeito a descrições sobre o processo de aquisição do PFE com vistas a oferecer subsídios para as abordagens e metodologias para o ensino e aprendizagem e, também, para a avaliação de rendimento e proficiência nesses contextos específicos. Embora possamos observar alguma consolidação e compreensão mais aprofundada em alguns aspectos, ainda nos faltam estudos que possam avaliar a eficácia da análise contrastiva como agente de ensino-aprendizagem de falantes de espanhol, e, acima de tudo, expansão dessa análise para incluir aspectos não apenas formais, mas também discursivos e culturais, além de estudos de que formas as variáveis sociais, linguísticas e textuais afetam a aquisição desse português (Wiedemann & Scaramucci 2008, apresentação). A essas questões, posso acrescentar também a necessidade de que os sistemas de avaliação sejam sensíveis às características dos FE, ou que as grades de avaliação, tanto da produção e compreensão escritas, assim como das interações face a face deem conta de avaliar adequadamente características como o desenvolvimento desequilibrado entre fluência e precisão lexical e gramatical, por exemplo. Não resta dúvida de que as avaliações conduzidas no contexto do exame Celpe-Bras têm oferecido dados valiosos que têm sido usados para aprimoramentos, também do próprio exame. Mas ainda não são suficientes e precisam de estudos aprofundados e mais sistemáticos se quisermos oferecer contribuições importantes para a área de PFE.

8 Não posso deixar de mencionar, ainda, a necessidade de pesquisas que possam produzir subsídios para o ensino do PFE com propósitos específicos o que inclui, por exemplo, PFE para a área de negócios, para crianças FE no nível fundamental das regiões fronteiriças, ou na Argentina e Uruguai, o PFE para redação acadêmica ou ainda para profissionais da área da saúde (médicos, fisioterapeutas, dentistas). O Brasil irá receber, nos próximos meses, aproximadamente 4000 médicos estrangeiros, em sua maioria FE, que necessitam aprender português rapidamente, dada a relevância da comunicação com pacientes. O reconhecimento dessas diferentes proficiências no cenário de contato entre português e espanhol na América do Sul tem implicações importantes para a consideração do que é ser bilíngue nesse contexto, e essa é, portanto, outra questão que merece aprofundamentos. PLJ: O que as pesquisas e artigos nesta área sugerem para o professor de PFE no Brasil? Há novas tendências de pesquisa? O que você recomendaria em termos de preparação e prática para um professor de português como língua estrangeira que seja neófito na área de PFE? Uma das lacunas mais importantes tem a ver com a formação do professor de PLE, na medida em que há apenas duas licenciaturas específicas nessa área. A maioria dos professores atuantes são professores de português língua materna, ou professores de outras línguas estrangeiras, ou ainda professores sem formação específica. Entendo que precisamos de cursos que formem professores de português segunda língua e língua estrangeira, de forma que a especificidade do FE seja problematizada nesse contexto. Enquanto essa formação não é viabilizada, seria muito importante que o professor neófito na área pudesse adentrar uma sala de aula para FE com materiais elaborados para falantes de outras línguas e, a partir de sua observação, pudesse fazer uma reflexão sobre a adequação desses

9 materiais, como eu fiz, em uma das minhas primeiras experiências com esse público alvo. Paralelamente a esse processo, sugiro a leitura de artigos e das pesquisas já publicadas. Embora, como acabamos de dizer, ainda nos faltem muitos subsídios, já temos vários elementos mapeados que serão de grande ajuda. Para encerrar, não poderia deixar de dizer uma palavrinha sobre a necessidade de equilíbrio e sensibilidade na correção e tratamento dos erros ou desvios desse público alvo. O que observamos é, por vezes, correções demasiadas e exaustivas, que podem inibir e desestimular a produção, e por outras, ausência total de correção, que podem incentivar a fluência em detrimento da precisão. O que observo é que muitos dos desvios, e especialmente aqueles de pronúncia, são imperceptíveis e inconscientes para o FE, e nesse caso, uma estratégia interessante seria a de estímulo à conscientização, que poderia, por exemplo, ser viabilizada a partir de gravações que o aluno faria de seu próprio discurso para se ouvir e reconhecer o que pode (e quer) melhorar. Biography Matilde V. R. Scaramucci is Full Professor in the Department of Applied Linguistics and Director of the Institute of Language Studies at the University of Campinas, São Paulo, Brazil. She is the editor-in-chief of Trabalhos em Linguística Aplicada. Her current research interests include various aspects of language teaching, testing, and assessment in English and Portuguese as a Foreign/Second Language. She is a long-time member of the committee in charge of developing the Certificate of Brazilian Portuguese as a Foreign Language (Celpe-Bras). Dr. Scaramucci co-organized and chaired the Third Symposium on the Teaching of Portuguese for Spanish Speakers (University of Campinas, 2008), and was an invited presenter

10 in the other three editions. Her name is associated with every step of the development of teaching for Portuguese for Spanish Speakers in Brazil, and she was a co-editor of the book: Portuguese for Spanish Speakers: Teaching and Acquisition (2008) with Lyris Wiedemann. Notes i Entrevista realizada por Lyris Wiedemann e Fernanda Consoni e Michael Ferreira ii Lombello, Leonor C. e Baleeiro, Marisa de A. 1983. Português para falantes de espanhol (Edição Experimental). Campinas: UNICAMP/FUNCAMP/MEC. iii Júdice, Norimar. 2002. Ensino de português para hispanofalantes: transparências e opacidades. In Júdice, Norimar (Org.). Português para estrangeiros: perspectivas de quem ensina. Niterói: Intertexto: 37-56. iv Santos, Percília. 2002. Português/espanhol-fronteiras linguísticas que devem ser delimitadas. In Cunha, Maria Jandyra e Santos, Percília (Orgs.). Tópicos em português língua estrangeira. Brasília: Editora Universidade de Brasília: 141-156.