GÊNEROS DISCURSIVOS: OBJETOS DE ESTUDO PARA A PRÁTICA ESCOLAR DE PRODUÇÃO ESCRITA DE TEXTOS JORNALÍSTICOS

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Transcrição:

GÊNEROS DISCURSIVOS: OBJETOS DE ESTUDO PARA A PRÁTICA ESCOLAR DE PRODUÇÃO ESCRITA DE TEXTOS JORNALÍSTICOS Adriana Socorro, mestranda pela UFMT, professora da EMEF Rosalino Antônio da Silva e formadora da Secretaria Municipal de Educação de Rondonópolis (SEMEC) e-mail: adrianarpaula@terra.com.br Esta comunicação discute a dificuldade dos professores em organizar o ensino de produção escrita do gênero jornalístico aos alunos (Rodrigues, 2001; Rossi-Lopes, 2005), fundamentado na teoria dos gêneros discursivos (Bakhtin [1952-53] 2003) na prática escolar. Refere-se à parte inicial de uma pesquisa de mestrado que investiga as contribuições da teoria bakhtiniana para o ensino do gênero como objeto de estudo de língua portuguesa (Rodrigues, 2004; Rojo, 2006;) nas propostas de produção de textos jornalísticos para o último ano escolar do ensino fundamental. Palavras-chaves: ensino, gêneros discursivos, produção escrita. Este texto, fundamentado no conceito de gêneros discursivos, relata a contribuição do círculo bakhtiniano, como também algumas interpretações que contornam tal teoria, com o propósito de redimensionar o processo pedagógico da produção escrita no contexto escolar. Pretende discutir, ao mesmo tempo, a eficiência do ensino de textos jornalísticos na sala de aula, por se constituírem em atividade da comunicação coletiva completa e dinâmica. Esse recurso é útil para a aquisição e ampliação da linguagem escrita, visto que capta e faz circular a informação engendrada nos discursos das diferentes esferas de atividades humanas. A crescente preocupação em (re)significar o ensino de Língua Portuguesa para o aluno tem desencadeado o surgimento de propostas consolidadas por práticas de ensino direcionadas para o uso sócio-discursivo da linguagem. Com a intenção de contribuir para a elaboração de projetos de ensino, auxiliando os professores no processo de revisão e elaboração de propostas pedagógicas para a eficiência desse processo, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCNLP) foram elaborados com a finalidade de constituírem-se como referência para as discussões curriculares da disciplina. Sob essa perspectiva, os PCNLP (1998/2001, p.19-20) estabelecem que a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de contribuir para garantir a todos os alunos o acesso aos saberes lingüísticos necessários para o exercício da cidadania. Após a divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a educação básica, a discussão teórica sobre o ensino de Língua Portuguesa alicerçada, parcialmente, na teoria dos gêneros discursivos de Bakhtin chegou às escolas de Rondonópolis/MT. A busca pela fundamentação teórica para ressignificação desse ensino advém do grande interesse que o assunto tem suscitado e da carência de exemplos práticos entre os educadores.

No contexto do ensino atual, ganham espaço perspectivas teóricas que entendam a dimensão da linguagem como interação, diálogo estabelecidos na relação com o outro, influenciando e modificando suas representações da realidade e da sociedade, bem como o direcionamento de suas ações. Na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin/Volochinov ([1929] 2006) entendem a linguagem, em seus aspectos discursivos e enunciativos, como atividade sócio-histórica, privilegiando a natureza funcional e interativa e não o aspecto formal e estrutural da língua. Nessa concepção, a língua é tida como uma forma de ação sócio-histórica e constitui a realidade, sem, no entanto, cair num subjetivismo ou idealismo ingênuo. Assim, compreende-se que, mais do que nunca, a escola deve formar cidadãos que compreendam o papel da linguagem em todas as esferas e instâncias sociais e que entendam a relação língua-discurso-ideologia, percebendo a primeira como produtora de sentidos por/para sujeitos discursivos. Como afirma Bakhtin ([1952-53] 2003, p. 265) a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na língua. Desta forma, parte-se do princípio de que a comunicação verbal somente é possível por algum gênero discursivo, denominado como tipos relativamente estáveis de enunciados (Bakhtin[1952-53] 2003, p. 262). É no contexto sóciointerativo da comunicação que os gêneros se constituem como ações sóciodiscursivas para agir sobre o mundo e dizê-lo, constituindo-o de algum modo. Em uma situação de interação típica da comunicação discursiva de determinada esfera social, a escolha do gênero não é inteiramente espontânea, pois considera um conjunto de restrições dadas pela própria situação de interação verbal: quem fala, sobre o que fala, com quem fala, como fala, com qual finalidade. Todos esses elementos determinam as escolhas do locutor, que, tendo ou não consciência, decide utilizar o gênero mais adequado àquela situação. Esses elementos compõem gêneros discursivos caracterizados por três dimensões essenciais indissociáveis: o tema, a forma composicional e o estilo. Como muito bem salientou Bakhtin ([1952-53] 2003), os modelos comunicativos servem para criar uma expectativa no interlocutor e prepará-lo para uma determinada reação ou compreensão ativa e consciente pela apreensão de significados ajustados à realidade do sujeito, com o objetivo de transformá-la histórica e socialmente. Todos devem compreender a forma como linguagem e ideologia se articulam e se afetam em sua relação recíproca na produção de sentido gerado nos discursos. Por isso, não é nova a discussão mas muito pontual sobre a aprendizagem significativa para atender a exigência imposta pela sociedade semiotizada, extremamente letrada e globalizada: indivíduos letrados para o trabalho, cultura e cidadania que possam atuar na vida como cidadãos, compreendendo como se elaboram e se articulam as idéias no processo de construção de um texto, para, depois, por eles próprios, exporem suas idéias e convicções a respeito de um 2

determinado assunto, interferindo socialmente e modificando sua história na transformação da sociedade. Nas palavras de Rojo (2005, p. 207):...no Brasil, com seus acentuados problemas de iletrismo, a necessidade dos alunos é de terem acesso letrado a textos (de opinião, literários, científicos, jornalísticos, informativos etc.) e de poderem fazer uma leitura crítica desses textos. A pertinência do gênero como objeto de estudo de língua portuguesa reside no fato de que o trabalho de produção escrita centrado nele, desmitifica o ato de escrever e democratiza-o. Além disso, o aluno começa a se familiarizar e a produzir gêneros argumentativos, como carta do leitor, editorial, artigo de opinião, resenhas críticas, charges, entre outros, por meio dos quais ele aprende que pode, como cidadão, manifestar seus pontos de vista, opinar e interferir nos acontecimentos do mundo social. Ou, ainda, no campo criativo e emotivo da linguagem, ele pode criar, com as palavras e com os gêneros, objetos de arte para fruição estética e reflexão crítica, como poema, crônica, conto e narrativas de ficção em geral. Também é necessário à escola compreender historicamente o desenvolvimento global dos alunos em relação às suas capacidades lingüístico-discursivas no processo da escrita. Cabe, ainda, ao professor selecionar os campos e as esferas de interesse da comunicação discursiva, a fim de trabalhar com textos dessas esferas sociais, transpondo-os didaticamente como objetos de estudos para o universo escolar. Uma referência a respeito de uma didatização para o ensino/aprendizagem de gêneros é a do grupo de pesquisadores da Universidade de Genebra (1996). Quero destacar aqui o desafio proposto por Rojo (2006, p. 57) para o ensino de língua materna. Diz ela: Portanto, o desafio do ensino de língua materna hoje é o de iniciar na cultura da escrita todos os alunos, de quaisquer origens culturais, fazendo com que tomem consciência do valor fundador para suas identidades do mundo dos escritos, para que esses concordem em aprender. Conforme exposto até agora sobre a perspectiva sócio-histórica das relações interativas e dialógicas dos processos produtivos de linguagem e a discussão sobre os gêneros discursivos, surgem algumas questões pertinentes ao ensino de produção escrita do gênero jornalístico: 1. Por que estudar os gêneros do jornal? 2. Quais gêneros do jornal são mais adequados ao ensino de linguagem e quais deles são imprescindíveis para o entendimento do jornal e relevantes para as práticas sociais fluentes? 3. Nas aulas de língua portuguesa, que tipos de atividades de produção textual são desenvolvidos predominantemente? 3

4. Dos gêneros do jornal disponibilizados, quais poderão despertar o interesse dos alunos? Quais são as causas prováveis do interesse observado? Por quê? 5. Considerando os pressupostos teóricos anteriores, que capacidades de escrita os alunos desenvolverão? 6. O acesso aos textos jornalísticos está disponível no âmbito escolar ou fora dele? Em busca de respostas Opto por responder, com base em estudos realizados nesse campo específico de pesquisa, as questões 1, 2, 4, 6, no intuito de indicar caminhos para a articulação do trabalho na área de língua portuguesa em torno dos gêneros discursivos ancorados como objetos de estudo para a didática cotidiana do professor. Em razão dos limites deste artigo, as demais perguntas serão objeto de outro artigo. O questionamento anterior leva os professores a refletirem sobre a prática escolar de produção escrita de textos jornalísticos, como objetos de estudos, à luz da teoria dos gêneros discursivos. Algumas pesquisas e estudos produzidos nessa área são relevantes para a discussão de ordem teórico-metodológica, pois, consensualmente defendem o trabalho com os gêneros do jornal numa abordagem bakhtiniana, como proposta profícua, tanto para a tomada de posicionamento crítico diante dos discursos, quanto ao desenvolvimento de capacidades lingüísticodiscursivas do aluno para o exercício mais pleno da cidadania. Pôr em questão a entrada dos diferentes gêneros jornalísticos na escola implica em compreender e dominar as condições de produção e significação dos discursos da esfera jornalística, promovendo situações de aprendizagem a fim de que alunos construam conhecimentos lingüístico-discursivos solicitados para compreensão e produção desses gêneros (Rodrigues, 2006). Mais especificamente, a esfera jornalística caracteriza-se por textos de usos públicos da linguagem (PCNLP) e torná-los objetos de estudo e ensino na escola implica a criação de espaços em que as opiniões sejam debatidas e os discursos circulem, possibilitando o letramento dos alunos. Em outros termos, permitir que o aluno reflita e argumente criticamente a respeito da influência que a mídia desempenha na gênese da opinião pública não é uma tarefa simples. Contudo, favorece... o reconhecimento da força político-ideológica que essa instituição exerce na conjuntura social atual. Também não se pode deixar de observar que, atualmente, no jornalismo, estão representadas, com maior ênfase, as posições político-ideológicas dos grupos sociais dominantes. (Rodrigues, 2006, p. 213). 4

No jornal impresso, consoante Barros (2005, p. 54), estão presentes todos os assuntos que permeiam a vida: desde fatos históricos relevantes, até a moda ou a programação da televisão. Ao se utilizar o suporte jornal impresso como ferramenta de ensino para a língua portuguesa, surgem perguntas sobre quais gêneros priorizar. A prioridade ancora-se nos gêneros da ordem do argumentar, porque propiciam a formação de sujeitos que possam exercer mais plenamente a cidadania, segundo Barbosa (2001, p.119). No entanto, a junção entre os gêneros essenciais que caracterizam o jornal e figuram seu funcionamento indica ainda gêneros da ordem do narrar, do relatar e do expor como imprescindíveis ao desenvolvimento das capacidades discursivas, do dialogismo entre texto e leitor, como também da interação entre professor e alunos. Vale ressaltar a apresentação de projetos pedagógicos bem sucedidos desenvolvidos em escolas públicas e particulares por Lopes-Rossi (2005). No artigo, a autora propõe módulos e seqüências didáticas organizadas gradualmente, visando à produção escrita de gêneros discursivos, como também indica a produção de alguns textos (anúncios, reportagens, propagandas, críticas de filmes, notícias) da esfera jornalística apropriadas aos Ensinos Fundamental e Médio. Ela nos faz um alerta: A leitura de gêneros discursivos na escola não pressupõe sempre a produção escrita. Esta, no entanto, pressupõe sempre atividades de leitura para que os alunos se apropriem das características dos gêneros que produzirão (2005, p.82). É muito provável que o trabalho com textos vinculados ao jornalismo opinativo e ao informativo, categorias denominadas por Melo (apud Rodrigues, 2006, p. 215), principalmente aqueles impressos na seção Opinião, Ciência, Esportes, Estilo de vida, Cultura e Tecnologia, despertem o interesse dos alunos, porque eles percebem nitidamente a relação da atividade proposta em sala de aula com as práticas sociais da linguagem das quais fazem parte, discutem idéias, refutam opiniões e negociam sentidos sobre os fatos cotidianos, além de se posicionarem como sujeitos históricos que interagem entre si e trocam conhecimentos no processo de ensino e de aprendizagem. Do mesmo modo, os alunos entendem o vínculo entre escola, sociedade e função social da escrita, não sendo preciso idealizar e arquitetar um mundo virtual onde coexistam abstratamente relações humanas e lingüísticas, funcionando como banco de dados acionado apenas no momento da produção de textos. É importante mencionar que um projeto pedagógico como esse suscita problemas comuns de transposição didática a contextos em que até o acesso a um exemplar de jornal é difícil. Esse fato, entretanto, não deve se tornar argumento consistente para desconsiderar tal trabalho, já que as atividades conhecidas e utilizadas há anos por todos nós são pouco producentes, de acordo com os objetivos postulados nos documentos oficiais, nas recentes pesquisas em torno do gênero discursivo e na necessidade social do letramento integral das classes populares que se encontram à margem dos discursos não somente da esfera jornalística, como de outras que integram práticas sociais da linguagem. 5

É preciso ver o jornal como um meio para o trabalho pedagógico e não um fim, pois com tal prática de produção escrita vale muito mais o processo de leitura e escrita para a elaboração do resultado final, o texto, do que a preocupação com a impressão simulada de um jornal em suas condições reais de produção e suporte, uma vez que podemos recorrer a alternativas simples, como versões manuscritas ou mesmo impressas verdadeiramente criativas do jornal escolar. Entretanto, é necessário oferecer contato e manuseio com jornal impresso para que o aluno compreenda toda a dimensão enunciativa, bem como as condições de circulação do gênero em questão. Não é impossível delinear as dificuldades na elaboração de um projeto de produção escrita, fundamentado em gêneros discursivos, numa abordagem sóciohistórica e discursiva da linguagem, visto que tanto a formação acadêmica quanto à formação continuada não organizam discursos adequados e claros a estas finalidades (Rojo, 2006, p. 72). Existe também a falta de caracterização de muitos gêneros e a desatualização das propostas de produção escrita do livro didático e da conhecida fragmentação do conteúdo, conforme Barbosa (2001) e Lopes-Rossi (2005). Além disso, as autoras aludem à precária conceituação dos gêneros quanto à/ao: pouca exploração dos aspectos enunciativo-discursivos; designação redundante, genérica e confusa; denominação tipológica; fixação e imutabilidade de regras; inadequação dos contextos de produção; processo exaustivamente longo e não produtivo; grande número de produções propostas; ausência de progressão curricular, de percurso metodológico e de seqüência didática; inviabilidade do desenvolvimento de algumas seqüências didáticas para a divisão do tempo escolar em aulas de 50 minutos; omissão ao processo de revisão e refacção dos textos, à falta de circulação da produção dos alunos, entre outras. O obstáculo mais acentuado é o não organizar o ensino de gênero na escola com base em critérios de domínio social da comunicação, da argumentação, evidenciando que os gêneros discursivos compõem nossa realidade lingüística, cultural e social. Retirá-los da sua realidade concreta, transpondo-os para o universo escolar e transformando-os em objetos de estudo, resulta em um desafio quase intransponível para muitos professores, devido à falta de fundamentação teórica e de poucos exemplos práticos a que esses profissionais têm acesso, de acordo com Lopes-Rossi (2005). Não é minha pretensão com essa proposta didática transformar professores e alunos em jornalistas, mas em leitores e produtores ativos de textos da esfera jornalística. 6

Dessa forma, a avaliação é positiva para o trabalho pedagógico com o jornal, uma vez que oportuniza a análise da finalidade ideológica da comunicação jornalística no conjunto da comunicação social e apresenta-se como proposta possível a projetos de ensino que abordam os gêneros discursivos em sua dimensão sócio-histórica, interacionista e ideológica mediada pela linguagem. Como enfatiza Rodrigues (2001, p. 81): Numa síntese, pode-se dizer que o objeto da esfera jornalística se constitui no horizonte dos acontecimentos, fatos, conhecimentos e opiniões da atualidade, de interesse público. Nesse contexto, sua função sócio-ideológica se caracteriza por fazer circular (interpretar, traduzir ) periódica e amplamente as informações, conhecimentos e pontos de vista da atualidade e de interesse público, atualizando o nível da informação da sociedade (ou de grupos sociais particulares). O propósito aqui foi apresentar algumas questões postuladas no meio acadêmico a respeito do conceito do gênero discursivo e a transposição didática dos gêneros do jornal para sala de aula. Levar o debate suscitado por tal prática à escola é propiciar a reflexão e a análise do corpo docente sobre as implicações teóricas envolvidas na dinâmica do cotidiano escolar. Longe de pretender esgotar a discussão entre diferentes propostas teórico-metodológicas de abordagem sóciodiscursiva da linguagem, proponho a relevância do ensino centrado nos textos jornalísticos como um dos meios efetivos e apropriados à participação do aluno no mundo social em que esses discursos circulam. Referências bibliográficas BAKHTIN, M. & VOLOCHINOV, V. N. (1929). Marxismo e Filosofia da Linguagem Problemas Fundamentais do Método Sociológico na Ciência da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004.. (1952-53/1979) Os gêneros do discurso. In Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.261-306. BARBOSA. Jacqueline Peixoto. Trabalhando com os gêneros do discurso: uma perspectiva enunciativa para o ensino de língua portuguesa. Tese de doutorado. PUC/SP-LAEL, 2001. BARROS. Cláudia Graziano Paes. Compreensão ativa e criadora: uma proposta de ensino-aprendizagem de leitura de jornal impresso. Tese de doutorado. PUC/SP- LAEL, 2005. BRASIL. SEF. (1998/2001). Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília, MEC/SEF. 7

LOPES-ROSSI, Maria Aparecida Garcia. Gêneros discursivos no ensino de leitura e produção de textos. In KARWOSKI, A. M., GAYDECZKA, B., BRITO, K.S. (orgs.) Gêneros textuais: reflexões e ensino. Palma e União da Vitória, PR: Kaygangue, 2005.p.79-93. RODRIGUES, R.H. A constituição e o funcionamento do gênero jornalístico artigo: cronotopo e dialogismo. Tese de doutorado. PUC/SP-LAEL, 2001.. Análise de gêneros do discurso na teoria bakhtiniana: algumas questões teóricas e metodológicas. In Linguagem em (dis)curso. Universidade do Sul de Santa Catarina. v.4,n.2,. Tubarão: Ed. Unisul, 2004. p.415-440.. O artigo jornalístico e o ensino da produção escrita. In ROJO, R. (org.) A prática de linguagem em sala de aula. Praticando os PCNs. Campinas: Mercado de Letras, 2006. p. 207-220. ROJO, R.H. Gêneros do discurso e gêneros textuais: Questões teóricas e aplicadas. In MEURER, J.L. BONINI, A., MOTTA-ROTH, D. Gêneros: Teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola, 2005. p. 184-207.. O texto como unidade e o gênero como objeto de ensino de língua portuguesa. In TRAVAGLIA, L. C. (org.) Encontro na linguagem estudos lingüísticos e literários. Uberlândia: Edufu, 2006. p. 51-80. 8