Análise de um anúncio publicitário destinado ao público feminino sob a perspectiva da Gramática Sistêmico-funcional 1.

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Transcrição:

Análise de um anúncio publicitário destinado ao público feminino sob a perspectiva da Gramática Sistêmico-funcional 1 Resumo Gabriela REMPEL 2 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Este estudo realiza uma análise multifuncional de um texto publicitários na perspectiva da Gramática Sistêmico-Funcional proposta por Halliday e Matthiessen (2004). O objetivo é investigar como a mulher é representada, tematizada e quais são as relações interpessoais que ocorrem quando a mulher representada faz uso do produto que está sendo anunciado. Busco nesta pesquisa apresentar a teoria da Gramática Sistêmico- Funcional, a fim de mostrar sua contribuição para o campo da Comunicação Social. Palavras-chave: Gramática sistêmico-funcional; anúncio publicitário; representação da mulher Introdução Todos os dias, usamos a linguagem por meio de textos 3 em nossa interação diária com outras pessoas. Nesse sentido, em todos os momentos estamos produzindo textos e em cada texto que produzimos, escolhemos estruturas léxico-gramaticas que refletem: representações acerca do que estamos dizendo; nossa relação como nossos interlocutores; e também organizamos as representações de mundo e a interpessoalidade em uma unidade de sentido. É a partir disso que Halliday (1989) refere-se que os textos podem ser considerados construções metafuncionais que englobam complexos significados ideacionais (representação de mundo), interpessoais (relações com nosso interlocutor) e textuais (organização do texto em uma unidade de sentido). 1 Trabalho apresentado no DT 6 Interfaces Comunicacionais do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, realizado de 8 a 10 de maio de 2014. 2 Graduada em Comunicação Social Habilitação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), especialista em Linguagem e Representação pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) e mestranda do Programa de Pós Graduação em Letras da UFSM, na área de Estudos Linguísticos, linha de pesquisa Linguagem no Contexto social. 3 Uso texto aqui para se referir a qualquer instância da linguagem, em qualquer meio, que faz sentido para alguém que conhece a linguagem (HALLIDAY E MATTHIESSEN, 2004, p. 3). 1

A Gramática Sistêmico-funcional (doravante GSF) proposta por Halliday e Matthiessen (2004) é uma teoria social (ou sócio-semiótica) que se preocupa com os significados produzidos pelo nosso uso da linguagem. Busco com este estudo mostrar a contribuição dessa teoria, originária do campo da Linguística Aplicada, para os estudos do campo da Comunicação Social. Para isso, analiso sob a luz da GSF um anúncio publicitário impresso (retirados da revista Gloss) destinados ao público feminino da marca O Boticário. A intenção é ilustrar como a mulher é representada, que relações interpessoais ocorrem e como a mulher é tematizada nesse anúncio. Este estudo parte de um trabalho desenvolvido em uma disciplina de mestrado na área de letras, desenvolvido no ano de 2013. Como tenho graduação em publicidade, busquei na disciplina um corpus que me representasse e para esta pesquisa busco, dessa forma, evidenciar, mesmo que singelamente, como essa teoria, que aprendi em minha vivência no curso de mestrado, pode ser aplicada em textos publicitários ou da Comunicação Social. Nas seções seguintes, apresento a fundamentação teórica da GSF, os passos metodológicos por esta pesquisa adotados e os resultados alcançados. A Gramática Sistêmico-funcional A GSF parte de uma perspectiva sócio-semiótica de compreender a linguagem (HALLIDAY, 1989, p. 3). Nesse sentido, Halliday (1989, p. 4) adota o termo semiótica para se referir a linguagem como um entre um número de sistemas de significado que tomados todos juntos definem constituem a cultura humana. O termo social, por sua vez, é usado para transmitir duas coisas simultaneamente: para se referir a um sistema que é social e é sinônimo de cultura e para referir-se a preocupação com as relações particulares entre a linguagem e a estrutura social (HALLIDAY, 1989, p. 4). Halliday e Mathiesen (2004, p. 3) denominam texto qualquer instância da linguagem, em qualquer meio, que faz sentido para alguém que conhece a linguagem. Isso não inclui apenas a linguagem verbal, mas também imagens, músicas, fala, etc. são considerados textos à medida que forem usadas por alguém em um contexto. O contexto para Halliday (1989, p. 5) é indissociável do texto e envolve duas perspectivas: contexto de situação e contexto de cultura. Barbara e Gomes (2013 p. 29-30) apontam que Halliday parte de estudos desenvolvidos por John Firth acerca do contexto de situação, 2

que por sua vez, tem suas origens nas reflexões do antropólogo Malinowski sobre o contexto de cultura e de situação. Nesse sentido, o contexto de cultura pode ser definido como um conjunto de crenças, valores e ideologias de uma comunidade (BARBARA e GOMES, 2013, p. 30, com base em HALLIDAY 1982), enquanto que o contexto de situação pode ser definido como as regras de funcionamento de uma interação que auxiliam a interpretar o contexto social de um texto (BARBARA e GOMES, 2013, p. 3, com base em HALLIDAY 1982). Desse modo, o contexto de cultura é mais amplo e engloba o contexto de situação que engloba o texto. No âmbito desta pesquisa, a fim de exemplificação, o contexto de cultura englobaria o universo da Editora Abril; a revista Gloss; a produção do anúncio publicitário em suas agência; os valores da marca O Boticário; etc. O contexto de situação, para Halliday (1989), é composto por três variáveis: campo, relações e modo. Essas três variáveis compreendem tudo aquilo que é relevante para uma interação (MOTTA-ROTH e HEBERLE, 2005, p. 15, com base em HASAN, 1996, p.39). A variável campo remete à atividade que está acontecendo, à natureza da ação social que está ocorrendo (FUZER e CABRAL, 2010, p.18); a variável relações dá conta dos participantes envolvidos na ação social: dos papéis por eles desempenhados, da hierarquia entre eles, assim como da distância social (FUZER e CABRAL, 2010, p.18). Por último, a variável modo, trata da função que a linguagem exerce e o veiculo utilizado naquela situação ou, ainda, o que os participantes esperam que a linguagem faça por eles em determinada situação (FUZER e CABRAL, 2010, p.18). É importante salientarmos estas três variáveis do contexto de situação, pois o contexto de situação é fundamental para nossa atividade de linguagem, uma vez que essas categorias influenciam nossos atos comunicativos, configurando nossos textos (BARBARA e GOMES, 2013, p. 31). A fim de ilustrar o funcionamento das três variáveis na prática, uma vez que os conceitos apenas assim colocados podem parecer complexos para o entendimento, o Quadro 1 traz um exemplo do uso das variáveis do contexto de situação aplicados ao corpus deste estudo, anúncio publicitário destinados ao público feminino da marca O Boticário. Quadro 1 As variáveis do contexto de situação aplicadas ao corpus da pesquisa campo: vender maquiagem para o público feminino. 3

Relação a) Participantes envolvidos: leitoras da revista, produtores do anúncio e mulhere representada no anúncio. b) Distância social: entre produtores e leitoras é máxima (os participantes não se conhecem). Entre as leitoras e a mulher representada é mínima (a mulher representada fala diretamente com a leitora). c) Hierarquia: os produtores e a mulher representada têm papel social mais importante que as leitoras (as leitoras recebem a mensagem pronta, não possuem direito de diálogo com o anúncio). Modo o canal é gráfico; o meio é escrito; o papel da linguagem é persuasivo. Composto por texto visual e verbal. Fonte: a autora. A GSF também organiza e caracteriza a linguagem em um sistema de estratos que são diferenciados por sua ordem de abstração (FUZER; CABRAL; OLIONI, 2011, p. 189). Nesse sistema de estratos, o(s) contexto(s) ocupam os lugares superiores, como ilustra a Figura 1. Figura 1 - Desenvolvimento cronológico dos estudos de gênero em relação à estratificação dos planos comunicativos (linguístico e contextual), conforme adaptação de Martin (1992, p. 496) e de Hendges (2005, p. 06) Fonte: Motta-Roth, 2008, p. 352. 4

A fonologia e a grafologia (som e grafia) são os níveis mais básicos da linguagem que realizam a léxico-gramática o sistema de fraseado. Por sua vez, a léxico-gramática realiza o nível da semântica e da pragmática, que é realizada pelo nível do registro (do contexto de situação), este, como já mencionado, é envolvido por um nível mais alto, do contexto de cultura, onde está o gênero, e, tudo isso está dentro do nível do discurso e da ideologia. A partir dessa estratificação, torna-se possível analisar a linguagem em níveis mais básicos, na léxico-gramática, por exemplo, e ir avançando, a fim de chegar no gênero e no discurso, uma vez que cada círculo concêntrico recontextualiza os círculos menores e assim subsequentemente (MOTTA-ROTH, 2008, p. 353, com base em MARTIN 1992, p. 496). No nível da semântica, a linguagem desempenha três funções fundamentais (FUZER, CABRAL, OLIONI, 2011, p.189, com base em HALLIDAY, 1994): a metafunção ideacional oração como representação ; a metafunção interpessoal oração como troca e a metafunção textual oração como mensagem. Estas três matafunções são manifestações, no sistema linguístico, dos propósitos que estão subjacentes a todos os usos da língua (FUZER; CABRAL, 2010, p. 21). Isso significa dizer que pela linguagem realizamos ao mesmo tempo sempre três coisas: representamos nossa experiência de mundo, interagimos com outras pessoas e organizamos essas representações e interações em uma unidade de sentido. Halliday e Matthiessen (2004) descrevem que a metafunção Ideacional subdivide-se em duas sub-funções: experiencial e lógica 4. Enquanto que a lógica trata da organização de grupos lexicais e oracionais, a experiencial ocupa-se das representações de mundo. O sistema de transitividade realiza a metafunção ideacional. Nesse sistema algumas categorias léxico-gramaticais como processos, participantes e circunstâncias explicam como nossa experiência de mundo é construída linguisticamente (FUZER e CABRAL, 2010, p. 27). Os processos indicam nossa experiência se desdobrando através do tempo (FUZER; CABRAL, 2010, p. 27), sendo gramaticalmente realizados por grupos verbais. Participantes referem-se às entidades envolvidas (pessoas ou coisas) as quais levam a ocorrência do processo ou são afetadas por ele (FUZER; CABRAL, 2010, p. 27), são realizados gramaticalmente por grupos nominais. Por último, circunstâncias, indicam o modo, o tempo, o lugar, a causa em que 4 Nesta pesquisa analiso apenas a metafunção experiencial. 5

o processo se desdobra (FUZER; CABRAL, 2010, p. 27), gramaticalmente são manifestados por grupos adverbiais. Halliday e Matthiessen (2004) descrevem seis tipos de orações experienciais: materiais, mentais, relacionais, comportamentais, verbais e existenciais. Cada uma possui processos e participantes específicos. O Quadro 2 apresenta os seis tipos de orações. Quadro 2 - Tipos de orações com processos e participantes TIPOS DE ORAÇÃO SIGNIFICADO DA PARTICIPANTES EXEMPLOS DE CATEGORIA PROCESSOS Material fazer Ator Fazer, construir, Transformativo acontecer Meta transformar, pintar, Criativo Escopo quebrar Beneficiário (Cliente e Recebedor) Atributo Mental Perceptivo Cognitivo Emotivo Desiderativo perceber pensar sentir desejar Experienciador Fenômeno Perceber, sentir, ver, lembrar, gostar, querer Relacional Portador Intensivo Possessivo Circunstancial caracterizar identificar Atributo Identificador Identificado Ser, estar, ter Comportamental comportar-se Comportante Comportamento Verbal Dizer Dizente Verbiagem Receptor Alvo Rir, chorar, dormir, cantar, tossir Dizer, recomendar, responder, contar Existencial Existir Existente Haver, existir Fonte: Fuzer e Cabral, 2010, p. 103, com base em HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004. 6

Pela linguagem, além de representar experiências, é possível interagir com outras pessoas. Nessa interação constitui-se a metafunção interpessoal, em que a oração assume a função de troca (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004). Em uma interação existem dois papéis fundamentais: dar e solicitar. Nesses papéis, dois aspectos podem ser dados ou solicitados: informações e bens e serviços. Quando uma informação é dada, há uma declaração e quando bens e serviços são dados é feita uma oferta. Quando se solicita uma informação, há uma pergunta e quando se solicita bens e serviços ocorre um comando. Halliday e Matthiessen (2004) denominam que quando a troca é de informação, constitui-se uma proposição e quando há uma troca de bens e serviços, chama-se proposta. O sistema que realiza a metafunção interpessoal é o sistema de MODO e modalidade. Referente à modalidade está a polaridade que, segundo Halliday e Matthiessen (2004), diz respeito às escolha entre o polo negativo ou o positivo. Para os autores, a modalidade relaciona-se ao grau de julgamento podendo ser alto ou baixo que o falante ou o escritor assume sobre aquilo que diz. Segundo Halliday e Matthiessen (2004), quando a modalidade situa-se em uma proposição, denomina-se modalização, sendo que esta se divide em graus de probabilidade (possibilidade, probabilidade e certeza) e usabilidade (sempre, usualmente, às vezes). Quando a modalidade está em propostas, há modulação, podendo esta atingir diferentes graus de inclinação (determinado, desejoso, inclinado) ou obrigação (necessário, aceitável, permitido). A oração como mensagem, a metafunção textual, é compreendida como aquela que auxilia na organização dos significados experienciais e interpessoais (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004). O sistema responsável por sua realização é a estrutura temática, que se divide em duas partes: Tema e Rema. O Tema refere-se aquilo que o falante escolhe como ponto de partida de sua mensagem, sendo sempre colocado antes do Rema. É o que é colocado em proeminência na fala ou na escrita. O Rema é o restante. O limite entre Tema e Rema vai até o primeiro elemento com função experiencial na oração, ou seja, processo, participante ou circunstância (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004). O Tema pode ser de três tipos: Tema Tópico, quando é constituído somente por elementos experienciais, sendo que este tipo é obrigatório; Tema Textual, formado de elementos textuais (conativos e conjunções) e Tema Interpessoal, composto por elementos interpessoais (adjuntos modais, vocativos e finito). Quando só há o Tema 7

Tópico classifica-se a oração como Tema Simples, quando além do Tópico há Temas Interpessoais ou Textuais, diz-se ser Tema Múltiplo. Busquei, nessa revisão da literatura, apresentar uma síntese da teoria da GSF, enfocando nas três metafunções da linguagem. A próxima seção apresenta os passos metodológicos adotados no estudo. Metodologia O corpus é constituído por um anúncio publicitário publicados na revista Gloss de abril de 2013. O anúncio publicitário impresso é referente a uma linha de maquiagens da marca O Boticário. Escolhi um corpus pequeno, pois a intenção desta pesquisa é apresentar um panorama e a aplicabilidade da teoria, por isso, acredito que ser adequado concentrar em poucos exemplos, também em função da delimitação de espaço desse artigo. A análise dos textos foi realizada em três etapas: análise dos significados experienciais, análise dos significados interpessoais e análise dos significados textuais. Na análise dos significados experienciais, realizados pelo sistema de transitividade, a partir do levantamento de todas as orações presentes nos textos, foram identificadas como as escolhas gramaticais são usadas para representar as mulheres. No que diz respeito à metafunção interpessoal, foram identificadas as funções de fala e o uso dos recursos de modalidade, referentes ao sistema de MODO e Modalidade, a fim de compreender como estes recursos estão se referindo ao público feminino. Para o exame da metafunção textual, foi analisada a estrutura temática, a partir da identificação do Tema e do Rema. A intenção foi observar se a mulher é colocada em proeminência nas orações. A Figura 2 apresenta o anúncio que analiso nesta pesquisa. 8

Figura 2 Anúncio publicitário da marca O Boticário Fonte: Revista Gloss, nº 67, abril, 2013. As orações presentes nesse anúncio são colocadas abaixo: (1) A edição é limitada. (2) Seu brilho não [é limitado]. (3) Make B [faz] você [ficar] linda e na moda. Para ser considerada uma oração, uma sentença deve conter um processo (grupo verbal), sendo assim algumas sentenças acimas não foram contabilizadas uma vez que não se referiam a orações, sendo o caso de: Coleção outono/inverno 2013 e Black Crystal. Essas sentenças são grupos nominais que tem função na metafunção interpessoal, entretanto não funcionam na metafunção experiencial e textual. Ressalta-se também que a oração (2) complementa-se com a oração (1). Assim, embora os dizeres é limitado não estejam escritos nos anúncio, isso, segundo a GSF fica em elipse. Da mesma forma, na oração (3) podemos colocar em elipse as palavras faz e ficar. 9

Na seção seguinte apresento os resultados e discussões. Análise dos significados experienciais De acordo com a maneira que as estruturas léxico-gramaticais são escolhidas para fazer referência à leitora e ao produto, fica implícita uma representação de beleza, como pode ser notado nas orações (2) e (3) 5. (2) Seu brilho não [é limitado]. (3) Make B [faz] você [ficar] linda e na moda. Na oração (2) há uma oração relacional atributiva. Orações relacionais servem para identificar ou caracterizar participantes. Nesse caso, o uso de uma oração relacional atributiva, caracteriza a(s) mulher(es) como Portadoras de um Atributo (brilho). Nessa sentença, por analogia, é possível inferir que brilho passa uma ideia de beleza. A oração (3) apresenta dois processos, os dois em elipse. Primeiro, há um processo material a partir do ver verbo fazer. Orações matérias caracterizam-se pela ação, por uma mudança de um estado para outro. Nesse caso, Make B é o Ator que age na Meta você, tornando a(s) mulher(es) linda(s) e na moda. Entendo aqui que na interpretação desse anúncio poderia ser escolhido pelos leitores outro verbo para ser posto em elipse dessa sentença, entretanto, segundo minha interpretação, fica claro uma ideia de mudança ou transformação, característica de processos materiais. Nesse sentido a maquiagem tem o poder de agi/fazer/transformar sua meta (mulher(es)). Há também na oração (3) um processo relacional atributivo. A(s) mulher(e)s são caracterizadas como lindas e na moda, ou seja, a(s) mulher(es) são Portadoras dos Atributos linda e na moda. O foco de análise proposta por este estudo está no texto verbal, uma vez que a GSF concentra-se em textos verbais. Para análise de textos visuais ou multimodais (verbais e visuais) existe a Gramática do Design Visual, proposta por Kress e van Leeuwen (2006), que é aplica as categorias propostas por Halliday e Matthiessen (2004) nos textos visuais e multimodais. Entretanto, apenas indico que a imagem presente no 5 Não analiso a oração (1), pois tal oração não está representando a mulher. 10

anúncio, do ponto de vista da GSF e dos significados experienciais contribui para representar ideias de beleza. anúncio. A seguir apresentamos a análise dos significados interpessoais contidos nesse Análise dos significados interpessoais Todas as orações presentes nesse anúncio, assim como aquelas sentenças que não são orações, descritas na metodologia, constituem-se proposições do tipo declarativas: (1) A edição é limitada. (2) Seu brilho não [é limitado]. (3) Make B [faz] você [ficar] linda e na moda. Como descrevi na seção da GSF, em uma interação trocamos com o nosso interlocutor informações ou bens e serviço. Em informações apenas a linguagem é usada, não é necessário um comportamento ou uma ação (para exemplo: a porta foi fechada). Em bens e serviço espera-se do interlocutor uma ação (para exemplo: feche a porta, por favor). O uso de informações (sejam essas dadas, declarações, ou solicitadas, perguntas) referem-se a proposições. No caso do anúncio, todas as orações são proposições que são declaradas ao leitor com a finalidade de que esses tome conhecimento sobre o assunto e adquira o produto. Quanto o uso da polaridade (escolha entre positivo ou negativo), apenas a oração (2) apresenta o polo negativo. Nesse caso, a escolha é realizada pelo produtor do anúncio para contrastar a oração (1) e para definir a mulher como não Portadora de características negativas (não possuir brilho). As outras orações são positivas a fim de evidenciar características desejadas pelas mulher(es) (linda, estar na moda). Não há nesse anúncio grau de modalização, ou seja, não há nesse anúncio grau de probabilidade ou de usabilidade. Esses recursos linguísticos dão valor de possibilidade e frequência ao que dizemos, quando não são usados significa que as informações são colocadas como dadas, no caso, nesse anúncio, não é competência das leitoras discuti-las. 11

textuais. Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação Na próxima, e última seção dos resultados, discuto a análise dos significados Análise dos significados textuais Realizado o levantamento de todas as orações, foram identificados Tema e Rema a partir da análise da estrutura temática. A intenção da pesquisa é perceber se as mulheres são colocadas em proeminência nas orações. Constatou-se que nas orações (1) e (3) o produto é tematizado, enquanto que na oração (2) a mulher é tematizada. (1) A edição é limitada. (2) Seu brilho não [é limitado]. (3) Make B [faz] você [ficar] linda e na moda A oração (1) caracteriza especificamente o produto, por isso, o produto é tematizado. Já a oração (2) está caracterizando o público feminino, por meio do uso do pronome seu, que se refere à(s) mulher(es). Na oração (3), primeiro, o produto é tematizado, a fim de passar a ideia da ação do produto. Na sequencia, a mulher volta a ser tematizada, após a transformação do produto, em que ela torna-se beneficiada. Na próxima seção apresentamos as conclusões que chegamos. Conclusões Este estudo tinha por objetivo apresentar a GSF e sua possível aplicação a estudos do campo da Comunicação Social. Para isso, analisei nesta pesquisa um anúncio publicitário destinado ao público feminino e nesse anúncio busquei investigar como a mulher era representada, que relações interpessoais ocorriam e como essa mulher era tematizada. Considerando essa análise específica, foi possível perceber pelos significados experienciais, que as mulheres, por vezes, são colocadas como participantes principais, sendo caracterizadas por Atributos positivos ou são participantes secundários que recebem uma ação do produto. Na mesma lógica, nos significados textuais a proeminência das orações está nas mulheres quando a intenção é 12

apresentar suas características e a proeminência está no produto quando o objetivo e caracterizar o produto. Nos significados interpessoais o uso de proposições declarativas reflete que informação são dadas como verdade, não havendo espaço para discussão, assim como não se espera uma ação direta das leitoras, como seria se no anúncio houvesse uma oferta ou um comando. O anúncio, nesse sentido tem a intenção de informar a leitora sobre um produto que ela pode vir adquirir. Ressalto que, nesta pesquisa, analisei apenas um anúncio, assim generalizações acerca do gênero discursivo anúncio publicitário e quanto ao registro (para o público feminino) não se tornam possíveis. A intenção desta pesquisa foi apresentar a teoria e sua possível aplicação. Como o aporte teórico da GSF é grande, fiquei restrita aos exemplos que surgiram no corpus, não podendo, dessa forma, explorar todas as categorias presentes na GSF. Entretanto, espero que possa ter contribuído, mesmo que de forma singela, com uma síntese dessa teoria e de sua possível aplicação no campo da Comunicação Social. Referências bibliográficas BARBARA, L.; GOMES, M. C. A. Interfaces entre Linguagem, Cultura e Sociedade à luz da Linguística Sistêmico-Funcional. In: Maria Carmen Aires Gomes; Gerson Luiz Roani. (Org.). Interfaces entre Linguagem, Cultura e Sociedade. 1ed.Viçosa: UFV, 2013, v. 1, p. 28-41. FUZER, C.; CABRAL, S. R. S. Introdução à Gramática Sistêmico-Funcional em língua portuguesa. Caderno Didático. Santa Maria: UFSM, 2010. FUZER, C.; CABRAL, S. R. S.; OLIONI, R. C. A seleção brasileira de futebol a serviço da cerveja: análise multifuncional de texto na perspectiva da gramática sistêmico-funcional. Calidoscópio (UNISINOS), v. 9, p. 188-197, 2011. GLOSS. São Paulo: Editora Abril, nº 67, abril, 2013. HALLIDAY, M. Part A. In: HALLIDAY, M.A.K e HASAN, R. Language, context, and text: aspects of language in a social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press, 1989. HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. An introduction to systemic functional grammar. London, UK: Arnold Publishing, 2004. 13

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