ESPAÇO URBANO MOBILIDADE PRIORIDADE PARA O TRANSPORTE COLETIVO
Um breve diagnóstico As condições de Mobilidade Urbana são precárias em nosso país: recebem insuficiente atenção do poder público, com mínima destinação de recursos para o transporte público coletivo e pouco envolvimento da sociedade na busca de soluções. É conduzida dentro de uma lógica perversa, centrada no favorecimento à fluidez do transporte individual motorizado, como se fosse possível a todos os cidadãos possuírem um veículo, e que todos esses automóveis e motos conseguissem trafegar livremente pelas vias urbanas sem gerar crise na circulação de nossas cidades. Sua gestão é feita de forma desarticulada, por órgãos que administram separadamente o trânsito, o transporte público coletivo, a infraestrutura, a distribuição de bens e mercadorias e o deslocamento de pedestres e ciclistas. Falta uma política que vincule a Mobilidade Urbana à Política de Desenvolvimento Urbano. Neste sentido, percebe-se que a política de mobilidade atualmente praticada em nosso país é arcaica e excludente. Gera congestionamentos e prejuízo econômico e social às cidades, tornando-as nada atraentes aos investimentos do setor produtivo, além de inviabilizar a circulação das pessoas. Nosso país é predominantemente urbano: cerca de 80% da população brasileira mora em cidades. O processo de urbanização das cidades brasileiras caracteriza-se pela segregação territorial. A população é gradativamente expulsa dos centros para as periferias, numa lógica de exclusão social que concentra a oferta de serviços públicos e empregos no centro, distribuídos de forma desigual, aumentando assim a demanda por transporte público para atender aos deslocamentos de grandes distâncias. O sistema de transporte geralmente não supre a demanda adequadamente. Como resultado os mais pobres ficam segregados espacialmente e limitados em suas condições de mobilidade. As pessoas precisam ter acesso ao que a cidade oferece: trabalho, comércio, estudo, lazer, serviços públicos, e outros. Deslocam-se pela cidade utilizando meios diferentes: a pé, de bicicleta, de carro, de moto, de ônibus, de trem, de metrô, ou de barco. Encontram facilidades e dificuldades, mas não podem deixar de fazer esses deslocamentos. Sem o acesso aos serviços públicos essenciais, e o transporte é um deles, as pessoas estão limitadas para desenvolver suas capacidades, exercer seus direitos, ou para acessar oportunidades. A atual política de mobilidade excludente adotada pelos administradores públicos tem resultado em indicadores sociais, econômicos e ambientais extremamente preocupantes, como exemplificados a seguir: MOBILIDADE PRIORIDADE PARA O TRANSPORTE COLETIVO 77
a. Recordes diários nas grandes cidades de congestionamentos de trânsito que aumentam os custos e o tempo de viagem no transporte coletivo urbano; b. Exclusão de 37 milhões de brasileiros do sistema de transporte público coletivo por falta de condições econômicas para arcar com as despesas de transporte; c. O trânsito tem gerado 380.000 vítimas de acidentes por ano, sendo 35.000 óbitos e mais de 100 mil pessoas com deficiência; d. Anualmente, acidentes e vítimas geram um custo de 12,3 bilhões de reais para o Governo, que são pagos por toda a sociedade; 78,9% deste custo é de responsabilidade dos automóveis, que representam apenas 27,3% dos deslocamentos. Acessibilidade universal A acessibilidade universal pressupõe que veículos e infraestrutura urbana sejam produzidos levando em conta toda a diversidade existente e não apenas um modelo padrão de ser humano; não se pode excluir ou discriminar as pessoas por terem características físicas distintas desse padrão. O Brasil avançou bastante em aspectos legais, quanto aos direitos das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. É preciso que esses avanços se tornem realidade e beneficiem a todos. Para isso foram aprovadas as leis Nº. 10.048/00 e Nº. 10.098/00, e o Decreto presidencial Nº. 5296/04, além da promulgação do decreto legislativo que aprova o texto da Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos da Pessoa Com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo. Com esses instrumentos, o Ministério Público e a sociedade podem exigir que o transporte público, as calçadas, o acesso a prédios públicos, shoppings, terminais, pontos de parada etc. sejam acessíveis. Essa conquista atinge a todos e principalmente dá qualidade à mobilidade em geral, pois garante que os veículos e calçadas tenham a qualidade há muito reivindicada. Princípios e Diretrizes É necessário e possível mudar essa realidade. A Mobilidade pode ser inclusiva, sustentável social e ambientalmente, moderna e inteligente, de forma a melhorar a circulação nas cidades e a vida dos que nela vivem, atraindo mais investimentos e melhorias. Sua gestão pode e deve ser compartilhada, participativa e democrática, integrada às demais políticas de desenvolvimento urbano. 78 MOBILIDADE PRIORIDADE PARA O TRANSPORTE COLETIVO
Para isso, é necessário ampliar a atuação organizada da sociedade em torno da Mobilidade Urbana Sustentável, onde se insere o papel que pode e deve ser desempenhado pelo Sistema Confea/Crea, e disseminar entre os diversos atores conceitos básicos, para que possam identificar corretamente suas necessidades e discutir soluções eficazes e duradouras de modo a contribuir para a construção de uma pauta unificada dos movimentos populares e entidades que atuam nas políticas urbanas. A localização dos equipamentos urbanos, dos loteamentos e conjuntos habitacionais, das fábricas, comércio, e as relações territoriais urbanas em geral, devem ser pensadas de forma integrada à disponibilidade de serviços de transporte, e prover o mínimo necessário para uma vida digna. A mobilidade urbana deve ser garantida para todos e todas: homens, mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, gestantes, obesos, sem discriminação. A liberdade de ir e vir, direito garantido pela Constituição Federal, é o princípio que norteia a mobilidade urbana e deve ser exercido com autonomia e liberdade pelos indivíduos. É preciso pensar a mobilidade urbana na perspectiva do direito à cidade. Devem ser princípios inalienáveis da mobilidade urbana sustentável: O direito de ir e vir e circular livremente nos diferentes espaços da cidade; O direito ao espaço público, ao seu uso e apropriação; O direito a acessar os serviços e equipamentos públicos; Capacitação e atualização profissional dos técnicos das prefeituras, dos governos e autarquias públicas para a análise e aprovação de projetos quanto à acessibilidade. Diretrizes Política Nacional de Mobilidade Urbana Esse novo conceito de mobilidade requer que ele seja institucionalizado, fazendo-se cumprir um preceito constitucional de que cabe à União definir as diretrizes da política de Mobilidade Urbana, para que as mudanças estruturais e de longo prazo possam acontecer. Neste sentido esse marco legal da Mobilidade deve conter: Formalização de mecanismos que garantam aos municípios a implantação de medidas de restrição ao uso dos automóveis em áreas urbanas, tão logo o sistema de transporte coletivo esteja funcionando de modo satisfatório; MOBILIDADE PRIORIDADE PARA O TRANSPORTE COLETIVO 79
Política de Mobilidade Urbana integrada à Política de Desenvolvimento Urbano; Prioridade do uso do sistema viário para modos não-motorizados e para o transporte público coletivo, com integração entre as diversas modalidades, nos municípios e regiões metropolitanas; Política tarifária que fomente a inclusão social e regime de tarifas fixado no contrato de concessão; Preservação do meio ambiente e acessibilidade universal; Transparência e mecanismos de participação e controle social; Regularidade institucional, seguindo os princípios constitucionais que regem a administração pública, através de licitação, e coibição ao transporte irregular (clandestino). Redução dos impactos ambientais O transporte motorizado é um dos principais produtores de impactos ao meio ambiente, como poluição atmosférica e sonora, devido principalmente ao uso de combustíveis poluentes como fonte de energia. Para reduzir os impactos ambientais provocados pela Mobilidade Urbana é preciso: Priorizar o transporte público coletivo e incentivar a utilização dos modos não motorizados, de forma a ter menos viagens por veículos motorizados; Incentivar o desenvolvimento científico-tecnológico e o uso de energias renováveis e não-poluentes no transporte público. Propostas Mudar o modelo de mobilidade Mobilização pela aprovação do PL 1687/2007 das Diretrizes Nacionais da Mobilidade Urbana; Excepcionalizar os investimentos em infraestrutura do Transporte Público do cálculo do superávit primário; Destinar os recursos da CIDE (Contribuição de intervenção sobre o domínio econômico) para o Transporte Público Coletivo, sendo 25% do Governo Federal, 50% dos Estaduais e 100% dos Municipais; Somar aos recursos do PAC da Mobilidade Urbana o montante hoje con- 80 MOBILIDADE PRIORIDADE PARA O TRANSPORTE COLETIVO
tingenciado do Funset e destiná-los para a infraestrutura do transporte público coletivo dos corredores de ônibus, VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), metrôs, ferrovias urbanas e barcas, integrando ciclovias, calçadas e automóveis; Difundir o uso de Operações Consorciadas, previstas no Estatuto da Cidade como forma de se obter recursos de outros setores da economia para implantação de infraestruturas para o transporte público coletivo; Elaboração de regulamentação nacional para o transporte aquaviário de passageiros, respeitando as especificidades de cada região do país, submetendo-o à gestão pública, e alocação de recursos para sua infraestrutura. Prioridade nos investimentos públicos Os recursos permanentes e suficientes para ampliar e melhorar a infraestrutura urbana para todos os modais do transporte público coletivo devem vir dos orçamentos municipais, estaduais e federal e das fontes de financiamento como do FGTS e do FAT, como também de operações consorciadas, previstas no Estatuto da Cidade. Instalar corredores ou faixas exclusivas para ônibus, aumentando a velocidade e reduzindo custos; Ampliar e revitalizar os sistemas metroferroviários, resgatando seu papel estruturador da Mobilidade Urbana nas grandes cidades e regiões metropolitanas; Investir na infraestrutura do transporte aquaviário de passageiros; Investir em tecnologias para veículos, sistemas de bilhetagem e de informação aos usuários, voltadas a garantir o controle público dos custos e da qualidade dos serviços; Integração de todos os modais (ônibus, metrô, trens e barcas), Ação integrada entre cidades e nas regiões metropolitanas, com sistema intermunicipal; Prioridade no sistema viário O transporte público coletivo e o não-motorizado consistem em 70% dos deslocamentos, enquanto os automóveis fazem 30% das viagens. O transporte individual ocupa, no entanto, mais de 80% dos espaços das vias (incluindo calçadas, via carroçável e canteiros), o que implica a privatização dessas vias e na perda de velocidade dos ônibus, comprometendo a segurança e fluidez de pedestres e ciclistas. MOBILIDADE PRIORIDADE PARA O TRANSPORTE COLETIVO 81
Prioridade para o transporte público coletivo na utilização das vias públicas, tirando os ônibus dos congestionamentos, Restringir a circulação de automóveis e motos em áreas centrais e corredores congestionados; Priorizar os modos não-motorizados de deslocamento, especialmente garantindo a expansão das ciclovias e de passarelas acessíveis, e melhorando a qualidade das calçadas e logradouros públicos para favorecer o deslocamento a pé. Inclusão social via barateamento das tarifas Para que a extensão do direito a todas as pessoas de escolherem o local de atendimento de suas necessidades básicas, se deslocando num sistema de transporte de qualidade com inclusão social, o Poder Público deve ter transparência e constituir espaços de participação popular. Assim, o barateamento das tarifas do transporte público coletivo representará a inclusão social de mais de 30 milhões de brasileiros que não utilizam o serviço porque não conseguem pagar as tarifas. Institucionalizar o vale-transporte como direito trabalhista e ampliar o benefício aos participantes de programas sociais do Governo Federal; Subsidiar as tarifas significa repartir os custos do transporte público coletivo, que hoje é custeado somente pelos usuários, com toda a sociedade, utilizando recursos públicos para promover a redução da tarifa final; Reduzir os preços dos insumos e a carga tributária são mecanismos necessários para reduzir os custos do transporte público coletivo, praticados para os serviços públicos essenciais (como saúde e educação); Racionalizar a operação e gestão para alcançar melhor qualidade e custos menores na operação do transporte público coletivo. Referências -FÓRUM NACIONAL DE REFORMA URBANA / MOVIMENTO NACIONAL PELO DIREITO AO TRANSPORTE Mobilidade Urbana e Inclusão Social Brasília 2009. 82 MOBILIDADE PRIORIDADE PARA O TRANSPORTE COLETIVO