OS FARÓIS PORTUGUESES: SOBREVIVENTES DO TEMPO PASSADO INTEGRADOS AOS CIRCUITOS TURÍSTICOS

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Transcrição:

OS FARÓIS PORTUGUESES: SOBREVIVENTES DO TEMPO PASSADO INTEGRADOS AOS CIRCUITOS TURÍSTICOS Capítulo III

III.1 AS NUANCES DO TURISMO E OS FARÓIS LUSITANOS ENQUANTO ATRACÇÕES TURÍSTICO-CULTURAIS O surgimento de novos destinos turísticos tornou-se comum em quase todos os países do mundo, até mesmo naqueles que não tinham no turismo uma perspectiva relevante, ou seja, não apresentava tradição turística a exemplo do Vietname, Camboja, e o Laos, na Ásia; as repúblicas centrais da ex-união Soviética; o Chile na América Latina; e as nações do Sul da África (Organização Mundial de Turismo, 2003, p.39) Outro item que também tem chamado a atenção, é o perfil do turista e o tipo de atracções que ele procura. Há pouco tempo era comum identificá-los independentemente da sua nacionalidade. A indumentária: máquinas fotográficas ao pescoço, chapéu de palha, estilo Panamá, sapato de ténis, ou alpercatas com meias suspensas à altura das pantorrilhas eram características que denunciavam além do perfil, o tipo de atractivo que buscava. Hoje, todavia, vê-se uma considerável mudança nesse comportamento: é menos padronizado e o tipo de atracção que busca não é mais tão óbvio assim, na maioria das vezes o que mais o seduz é a novidade, as recriações, os espaços bem cuidados que lhes ofereçam antes de tudo, bem-estar. Nesse sentido, como alguns advertem: Os motivos da atracção turística dos sítios e lugares reconhecidos de elevado valor patrimonial, residem, não raramente, mais na ambiência particular que oferecem, proporcionando a fuga do stress quotidiano das grandes cidades, do que no seu interesse histórico e cultural. Os turistas apreciam sobretudo sítios bem conservados e revitalizados, onde se recriam e reinterpretam as tradições culturais e as formas de vida do passado, numa atmosfera animada e onde possam usufruir de infraestruturas e equipamentos de qualidade, nos domínios do alojamento, restauração, actividades de lazer, venda de artesanato local e outros produtos característicos da região, serviços pessoais diversos, etc. Os monumentos, as obras de arte e o artesanato, só por si, são menos motivadores, não fidelizam clientelas e interessam apenas a um nicho de Cleber Reis 121

mercado ainda muito limitado (Cavaco e Fonseca, 2001, p.202). Ao que se asseverou, as atracções incluídas nos pacotes turísticos tornaram-se óbvias e com poucos contributos culturais. Isto tem chamado a atenção dos países que vêem no turismo um contributo para seu desenvolvimento económico, criando novas possibilidades. Essa tendência actual tem repercutido de maneiras variadas, exempli gratia, a escolha das Sete Novas Maravilhas do Mundo Actual cuja votação se deu através do voto popular pela internet. A julgar pelo resultado, observa-se que foi levado em conta não só o leque de opções como a sua diversidade desde o significado dos monumentos e o seu valor cultural, à história das localidades onde esses se encontram edificados. Aparentemente, o factor determinante foi a diferença. Diante do exposto, pode-se confirmar que aquilo que vai ser apresentado ao turista até pode estar previsto, desde que não seja o óbvio. Não se pretende aqui discordar da existência de turista para todo tipo de atracção, ou seja, é facto de que no turismo existe público para toda oferta disponível, do turismo de pédescalço ao mais sofisticado. O que cada país pretende é divulgar a sua cultura como a mais interessante, ainda que ela tenha de ser redesenhada; vale tudo nessa busca desenfreada em aumentar a receita turística e divulgar os aspectos culturais mais diversificados para a indústria do turismo, como forma de atrair capital. A esse respeito a Organização Mundial de Turismo - OMT, salienta: É consenso geral o facto de que o sector turístico está em crescimento. Muitos factores de mercado contribuíram para esse crescimento explosivo, como produtos e serviços mais modernos, convenientes e acessíveis, em uma diversidade de faixas de preços. Os visitantes internacionais e suas despesas em outros países, além disso, fazem do mercado internacional de viagens uma ferramenta-chave do desenvolvimento económico. Como resultado, muitos países fazem campanhas de marketing turístico abrangentes, destinadas a tornar seu país um lugar interessante de visitar (Organização Mundial de Turismo, 2003, p.39). Cleber Reis 122

Actualmente não existem dúvidas de que o turismo é uma indústria geradora de possibilidades no desenvolvimento económico e cultural de muitas localidades. No entanto, apresentar ao turista atractivos diferentes ou invulgares, pode caracterizar uma atitude relativamente arriscada, nesse caso, faz-se importante observar algumas vertentes e aplicar algumas medidas para assegurar a viabilidade da iniciativa: a pesquisa de estudo de mercado, considerada fundamental a qualquer projecto de implantação ou programa de marketing turístico oferece a possibilidade de se analisar vários aspectos, desde a existência de algo do género nas proximidades, à aceitação do público local e visitante em relação à mesma. É facto de que a ausência dela não inviabilizaria a implantação do projecto, mas a sua presença auxiliaria na redução dos riscos, já que é imprescindível o conhecimento da imagem do 'produto' perante o consumidor e das tendências de procura, tanto real como potencial. Ao aproximar essa análise para o aspecto cultural do objecto em estudo, neste caso os faróis portugueses, observa-se que em Portugal, como em outras nações, eles têm cada vez mais chamado a atenção pela magnitude da construção e a privilegiada localização. Situação essa que não passa despercebida à indústria do turismo, sempre ávida por inovações, ao passo em que as localidades onde os faróis estão edificados aumentam as possibilidades de desenvolverem-se no âmbito cultural. Embora Portugal não seja pioneiro no quesito musealização de farol, ou na sua adaptação para outro fim que não sinalizar, observa-se que o país tem importantes aliados em seu favor: a vasta quantidade de faróis existente, e a sua distribuição estratégica em grande parte do seu litoral. A pequena extensão territorial do país contribui para a proximidade dos faróis entre si e dos centros urbanos 1, o que facilita não só a viabilidade de um processo de transmutação, como também a manutenção do acervo a expor. 1 Henriques, 1994, p.58 chama a atenção para as evidências que atestam a inclusão de alguns novos destinos turísticos, dentre eles destacam-se os centros urbanos. Cleber Reis 123

Enquanto se analisa esse processo de alteração nas actividades dos faróis portugueses, parece irónico reflectir que toda essa gama de novidades gira em torno de uma nação que por muito tempo teve a sua costa navegável denominada de costa negra 2. Em 1998 os pesquisadores e fotógrafos franceses Plisson e Plisson, apresentaram numa das suas publicações fotos e artigos a respeito de alguns faróis musealizados no mundo. Referiram-se especialmente aos existentes na França, Escócia, Irlanda e Grã- Bretanha, mas não se revelava o motivo que levou tais nações a investir num monumento tão pouco explorado, apesar de tanto tempo de existência. Teria sido um dos objectivos dessa iniciativa a valorização dos faróis em conjunto com a história das costas marítimas onde eles estão instalados; ou apresentá-los turisticamente intencionaria despertar o interesse do visitante para a cultura local? Levanta-se esta hipótese porque durante este trabalho comprovou-se que a maioria dos faróis musealizados pelo mundo a fora remete sempre para essas temáticas. Devido ao facto de Portugal ser considerado um país de navegadores, descobridores e colonizadores, a tarefa de musealizar um farol ou de atribuir-lhe outras actividades além de sinalizador, poderia tornar-se uma situação relativamente complexa não fosse a gama considerável de informações relativa à sua costa navegável. Foram invasões, naufrágios, navegação de cabotagem, necessidade de sinalização para facilitar o comércio, actividades do faroleiro, automatização de alguns faróis; dificuldades em identificar os sinais luminosos sem que todos sejam confundidos com faróis, localização, destaques dos maiores, ou mais importantes, bem como a evolução técnico-funcional. Esses são apenas alguns dos assuntos que poderiam ser abordados num espaço dedicado a mostrar a trajectória de um monumento que teve a sua origem a partir dos mais rudimentares fachos ou vigias e posteriormente em Pharos, uma ilha próxima de Alexandria. Assim como em outros países, os faróis portugueses apresentam uma infinidade de vantagens para poderem ser utilizados como atractivos culturais e turísticos. 2 Assunto tratado no capítulo I desta dissertação. Cleber Reis 124

São numerosos e cada um apresenta uma história peculiar, como por exemplo o farol de São Miguel-o-Anjo, representando o mais antigo da costa lusitana, do Cabo da Roca, a sinalizar a parte mais ocidental do continente europeu, do Bugio, ícone arquitectónico, que influenciou a construção de algumas fortalezas, (caso do Forte de São Marcelo 3 na cidade do Salvador da Bahia), de Aveiro, como o mais alto da Europa e de São Vicente, possuidor de uma das oito maiores ópticas do mundo. Mesmo compreendendo a pouca importância dada aos faróis enquanto monumentos ou atractivos culturais, os serviços de manutenção que lhes são dispensados garantem um bom funcionamento. Exemplo disso é que, mesmo passando pelo processo de modernização e automatização constante, a grande maioria dos faróis lusitanos ainda mantém as suas ópticas originais e seculares. Esta observação constata mais uma vez a pluralidade de assuntos que a temática em questão propõe. No decorrer deste capítulo será possível verificar que a atribuição de mais uma função, neste caso turística, aos faróis portugueses tem início de maneira cuidadosa. Juntamente com a facilidade de acesso, foi cautelosamente estudado o que apresentar em espaços relativamente pequenos para o acervo histórico disponível, cujo intuito é atrair visitantes que se encantem com o acervo exposto, não esquecendo que alguns desses visitantes já trazem experiências similares de outros países e a comparação em alguns momentos é inevitável. Talvez seja por essa razão que na maioria dos faróis musealizados em alguns países optou-se por contar a sua própria história ou restringiram-se apenas a apresentar um pouco da historicidade das suas proximidades. Se isto para o turista, pode não ser assim tão inovador, contudo, para os residentes, pode contribuir para reforçar o seu potencial identitário, ainda que esses fiquem confinados a esporádicas visitas nas horas de lazer, o que não descaracteriza o farol enquanto atractivo cultural. A seguir serão apresentados os dois casos de estudo já enunciados: O farol de Santa Marta, situado no Concelho de Cascais e o farol dos Capelinhos, edificado 3 Situado na Baía de Todos os Santos, em Salvador da Bahia. Cleber Reis 125

na Ilha do Faial Açores. O de Santa Marta já está inserido no âmbito turístico - cultural enquanto o dos Capelinhos encontra-se em pleno processo de transignificação como se observará na sequência. III. 2 O FAROL DE SANTA MARTA EM CASCAIS: PERSPECTIVA HISTÓRICA Classificado como Imóvel de Interesse Público em 29 de Setembro de 1977, o Forte de Santa Marta foi construído apenas após a Restauração. Tendo sido o primeiro ponto fortificado da linha de fortins então mandada levantar entre Cascais e o Cabo da Roca. As fortificações erguidas nas terras da Marinha e na praia do Guincho tinham como objectivo barrar o acesso à vila e impedir a repetição de um ataque, como o ocorrido no ano de 1580 com pleno êxito pelas tropas do Duque de Alba na Laje do Ramil, próximo ao promontório da Guia (Boiça, 2001, p.147). A Fortificação de Santa Marta fez parte de um plano traçado e efectivado pelo governo joanino, que determinou a construção de sete fortes de características comuns, localizados de maneira estratégica no país. Entretanto sua construção não se deu simultaneamente. Houve prioridades, a exemplo dos fortes da Guia, de São Jorge e do Guincho, já que essas localidades eram consideradas mais vulneráveis a possíveis desembarques entre os anos de 1642 e 1646 (Boiça, 2001, p.147). A construção dos fortes de Santa Marta, São Jorge de Cima e São Brás de Sanxete ainda ocorreu na década de 40 do século XVII. O sétimo forte implantado foi o do Cabo da Roca. Talvez na década de 50. Consoante o autor supracitado: Neste conjunto de sete fortes repousou, décadas a fio, a responsabilidade de defender a costa ocidental de Cascais. Registe-se, no entanto, que subtraindo os fugazes momentos de prevenção geral e de acções isoladas contra a pirataria, não chegaram a ser postos à prova. Não admira, assim, que as suas estruturas se tenham progressivamente Cleber Reis 126

degradados, encontrando-se algumas em situação de ruína em meados do século XVIII. Por outro lado, nos anos vinte desta centúria, já um dos fortes, o de São Jorge de Cima, tinha sido abandonado e questionava-se a utilidade militar de manter outros, nomeadamente o de N. Sra. da Roca (Boiça, 2001, p. 147). Ao que se nota, o serviço de manutenção dispensado às fortificações não era suficiente. Em meados do século XVIII, o forte de Santa Marta e outras fortificações existentes na costa de Cascais, já careciam de reparações nas suas partes externas e em suas estruturas, além de substituição das portas, janelas. No ano de 1707, o forte de Santa Marta já era guarnecido e artilhado, e em 1735 ele já fazia parte dos então denominados Fortes da Marina de Fora da Praça de Cascais. Mesmo havendo registos de que no dia 1 de Novembro de 1755, o terramoto destruiu Cascais quase que na totalidade, o forte não sofreu grandes estragos, o que reflecte não só a imponência destas construções como também a sua resistência. A posição estratégica que a fortificação de Santa Marta tinha para fins militares, tornava-a uma considerável aliada para a navegação, o que levou a Inspecção dos Faróis do Reino, em 1864, a aprovar a instalação de um farol nesse forte(fig. III.1), quando foi perdida a sua função militar (Boiça, 2001, p.147). Cleber Reis 127

Figura III.1 Mapa de Cascais com indicação da localização do Farol de Santa Marta Fonte: Site Web carta.net Consulta em 12 de Dezembro de 2007 O responsável pelo projecto de uma torre quadrangular de oito metros para o farol de Santa Marta foi o arquitecto Francisco Pereira da Silva. A conclusão das obras ocorreu em finais de 1867, tendo finalmente a sua inauguração oficial ocorrido em 1 de Março de 1868. A partir daí o Farol de Santa Marta começou a ser a montra de vanguarda da sinalização da linha costeira e da linha dos faróis da barra do Tejo. Em 1880 o farol de Santa Marta, constituído por uma lanterna e um aparelho catóptrico vermelho, funcionava apenas como luz de direcção. Nesse mesmo ano o farol, em simultâneo com o do Cabo da Guia, passou a sinalizar o enfiamento aos navegadores que estivessem naquele trecho da costa. Cleber Reis 128

O Plano Geral de Alumiamento das Costas e Ilhas Adjacentes, promulgado em 1883 4, propunha para o farol de Santa Marta uma luz de porto e de direcção para o corredor da barra, constituída por uma óptica de 3ª ordem, sendo a fonte iluminante um candeeiro de duas torcidas, produzindo luz fixa verde com uma face anular de 1/10º; indicava-se que a «face anular vermelha de maior intensidade serve com a luz do pharol da Guia, para o enfiamento do corredor ou barra N. de Lisboa». Os alcances eram de 10,5 ou 6.5 milhas para a face anular vermelha e 6 ou quatro milhas para a restante luz verde Em 1908 o farol de Santa Marta teve o seu aparelho lenticular substituído por outro mais potente que nos dias actuais ainda existe: Sua luz vermelha é fixa e o seu alcance luminoso é de 8 milhas (Ciência Viva, 2003, p.39). No ano de 1936, observou-se que o surgimento de novas construções nas proximidades do farol dificultava consideravelmente a visibilidade daqueles que navegavam e saiam à barra Norte, principalmente durante o dia, período em que o mais notável é a torre do farol e não a luz, tornando-se necessário proceder a um aumento de 8 metros na altura da torre. Em 1949 foi-lhe instalado um sinal sonoro e, em 1953, o farol foi electrificado com energia da rede pública, tendo sido simultaneamente instalado um sistema automático de reserva da fonte luminosa, funcionando por incandescência de acetileno, permitindo que o farol se mantivesse aceso em caso de falha na energia da rede. Sua luz passou de fixa para de ocultação vermelha. Em 1953 deu-se a electrificação do farol de Santa Marta, quando simultaneamente instalou-se também um sistema automático de reserva de fonte luminosa funcionando por incandescência de acetileno, para permitir que a sua luz não se apagasse se porventura houvesse falha na energia. Mais uma vez constata-se o quanto é vital que o farol esteja sempre aceso. Em 1964 foi instalado um grupo electrogéneo de reserva de alimentação, desmontando-se a instalação de acetileno apresentada anteriormente (Ciência Viva, 2003, p.39). 4 Cf. MARINHA PORTUGUESA. DIRECÇÃO GERAL DE FARÓIS, (2003). Faróis de Portugal. Lisboa: Ciência Viva. Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica. Cleber Reis 129

Entre 1980 e 1981, iniciaram-se os trabalhos de automatização integral do Farol, que passou a constar na rede de telecontrolo das aproximações do Porto de Lisboa, no regime de não vigiado pela Marinha, através da central existente na Direcção Geral de Faróis, situada em Paço d Arcos (Boiça, op. cit., p. 147). No ano de 2000 implantou-se um novo sistema de monitorização no Santa Marta. E foi celebrado um protocolo entre a Câmara Municipal de Cascais e a Marinha, cujo objectivo era ceder as habitações do farol para que nelas fosse criado um museu dedicado à historia dos faróis portugueses, acrescentando assim mais um pólo de atracção turística no Concelho de Cascais e, no caso da Marinha, um ponto de divulgação numa área de responsabilidade que, cada vez mais, desperta e cativa a atenção das populações, nomeadamente das zonas ribeirinhas 5. A figura III.2 apresenta um artigo publicado em um jornal local acerca da musealização do Farol de Santa Marta 6. Figura III.2 Artigo publicado em jornal acerca da musealização do Farol de Santa Marta. Fonte: Jornal Público, de 23 de Junho de 2006. 5 Cf. Revista da Armada nº 378, de Agosto de 2004 6 Cf. Cópia do artigo na íntegra, no anexo A. 14 desse estudo. Cleber Reis 130

III. 2. 1 Projecto e processo de musealização A posição estratégica, bem como a importância histórica em conjunto com a panorâmica local levaram a Marinha e a Câmara Municipal de Cascais a questionar novas possibilidades para o Forte e Farol de Santa Marta. Foi assim que no ano de 2005, chegou-se à conclusão de que a sua requalificação e conversão em espaço cultural e de lazer da zona ribeirinha da vila seria mais um atractivo naquele Concelho onde também estão inseridos a casa de Santa Maria e o museu que funciona como espaço de memória consagrado a Raul Lino (1879-1974) e a outros arquitectos seus contemporâneos. Nessa mesma localidade também funciona a Biblioteca Conde de Castro Guimarães. No dia 22 de Março de 2006, teve lugar a assinatura de um protocolo entre o Estado-Maior da Armada e a Autarquia de Cascais. O objectivo central desse acordo era a recuperação do farol e da infra-estrutura anexa, criando assim o primeiro farol-museu em terras portuguesas, no antigo forte de Santa Marta. A musealização do forte e do farol seria considera pólo do museu existente na Direcção Geral de Faróis. Como unidade museológica municipal, ficaria a cargo da Câmara Municipal de Cascais. Tudo isso atribuía especial realce para os aspectos relacionados com a vida nos faróis e, de um modo geral, destacava a actividade desenvolvida pela Marinha na iluminação das costas oceânicas, para segurança da navegação marítima e protecção da vida humana no mar, mantendo o funcionamento do farol de Santa Marta, nas suas funções de sinalização costeira, aos cuidados da Direcção Geral de Faróis 7. O protocolo definia ainda a partilha de responsabilidades e a definição organizacional da gestão do farol-museu de Santa Marta, assim como as contrapartidas daí decorrentes, ficando a cargo da autarquia de Cascais, nomeadamente a dotação do espaço cultural com o necessário pessoal técnico de museologia e de acção educativa 7 Cf. Site da Marinha Portuguesa Revista da Armada, Junho de 2006 (consulta em 27 de Julho de 2006). Cleber Reis 131

A partir do acordo em questão, a direcção do farol-museu de Santa Marta estaria sob a responsabilidade de um representante da Marinha e de outro da Câmara Municipal de Cascais. O apoio financeiro e administrativo ficaria por conta da autarquia de Cascais, o que incluía o seu funcionamento e o suporte financeiro das obras de recuperação e de musealização das instalações. Os autores do projecto de musealização do Santa Marta foram os arquitectos Francisco Aires Mateus e Manuel Aires Mateus. O programa museológico é da responsabilidade do historiador Joaquim Boiça, cuja expectativa é transformar o local numa zona de cultura e de lazer, prevendo um espaço museológico nas antigas residências dos faroleiros, um acesso para pessoas com vista para o mar e para a marina, além de um equipamento complementar de pequena dimensão, o qual incluiria um centro de documentação e uma cafetaria. O investimento, entre obra, equipamento e mobiliário, estaria estimado em aproximadamente 1,5 milhões de euros. As obras teriam início em 28 de Março de 2006, com um prazo médio estipulado para a execução dos serviços de 280 dias. A previsão de abertura desse empreendimento ao público aconteceria durante o mês de Maio de 2007. As figuras III.3 e III.4 apresentam o farol de Santa Marta antes da remodelação. Figura III.3 Farol de Santa Marta antes da criação do núcleo museológico. Fonte: As Fortificações Marítimas a Ocidente de Cascais. Boiça J. et al. (2001), p.147. Cascais: Quetzal Editores. Cleber Reis 132

Figura III.4 Farol de Santa Marta antes da sua musealização. Detalhe para a casa de Santa Maria ao lado. Site: travel images Consulta em 10 de Julho de 2007. III.2.2 O Projecto executado Conforme o calendário estabelecido, as obras tiveram início em Março de 2006 e, finalmente, em 27 de Julho de 2007, foi apresentado ao país o tão anunciado farol de Santa Marta musealizado (Figuras III.5 e III.6). Cleber Reis 133

Figura III.5 Placa de inauguração do Farol-Museu de Santa Marta. Foto do autor, Julho de 2007. Figura III 6. Portão de entrada ao pólo museológico do Santa Marta. Destaque para as tutelas do projecto. Foto do autor, Julho de 2007. Cleber Reis 134

O novo equipamento é composto por um espaço expositivo criado nas antigas construções anexas (moradias dos faroleiros), amplas plataformas (baterias do Forte) com vista para o mar com espaços de recepção, centro de documentação e uma cafetaria. Nas figuras III.7, III.8, III.9 e III.10, podem ver-se as alterações efectuadas no farol em sua área externa. Figura III.7 Vista parcial da área externa do Farol e um dos núcleos do museu. Foto do autor, Julho de 2007. Cleber Reis 135

Figura III.8 O Farol recuperado na sua estrutura externa, oferece acesso mais facilitado aos visitantes. Foto do autor, Julho de 2007. Figura III 9 Entrada principal das dependências do museu. A placa em azulejaria e o brazão também foram devidamente restaurados. Foto do autor, Agosto de 2007. Cleber Reis 136

Figura III.10 Visão mais detalhada do Farol e do seu núcleo museológico Foto do autor, Agosto de 2007. O programa museológico apresenta uma visão panorâmica dos faróis e também dispõe nos espaços criados, temáticas específicas, tais como: os faróis de Portugal; o Forte e o Farol de Santa Marta; os faróis e as ajudas à navegação (Cascais e barra do Tejo). Nesse contexto, destaca-se ainda um espaço dedicado ao oficio de faroleiro 8 (Figura III.11). 8 Para o historiador Joaquim Boiça, a criação do farol-museu constitui também uma forma de acabar com a ideia de que o faroleiro é um simples guarda de farol, mas antes um profissional com muitos ofícios. São mecânicos, pintores, serralheiros, electricistas e por aí fora, porque têm de dar resposta a todo o tipo de situações. Lembro-me, por exemplo, de o meu pai fabricar peças para motores de barcos. Cleber Reis 137

Figura III.11 Espaço dedicado ao faroleiro (em evidência alguns instrumentos/ferramentas indispensáveis ao desempenho da função). Foto do autor, Agosto de 2007 Ao entrar no museu, o visitante têm oportunidade de compreender a história dos faróis portugueses, e o funcionamento deles. Também é possível aproximar-se de lanternas que pertenceram a antigos faróis portugueses e deleitar-se com fragmentos poéticos expostos nas paredes das salas que compõem o Farol Museu Santa Marta (Figuras III.12 a III.15). O percurso expositivo inclui a exibição de um filme documentário Faróis de Portugal. Cinco Séculos de História. A cada 20 minutos realizam-se visitas guiadas e ao longo delas são apresentados esclarecimentos acerca da exposição permanente existente no museu. Consoante Joaquim Boiça, director do novo espaço e descendente de uma família de faroleiros que trabalhou em Santa Marta, o objectivo da musealização desse monumento não é apresentar à população mais um museu 'de sítio', mas apresentar a temática dos faróis de forma a valorizá-los a partir do imaginário das Cleber Reis 138

pessoas, até porque Portugal preserva um conjunto de faróis de excepcional importância do ponto de vista patrimonial e arquitectónico 9. Figura III.12 Lanterna antiga de um farol exposta no museu do Santa Marta. Foto do autor, Agosto de 2007 Figura III.13 Diferentes modelos de faróis que utilizavam a óptica de Fresnel. Foto do autor, Agosto de 2007 9 Cf. Site diário digital Lusa, consulta em 26 de Outubro de 2007 Cleber Reis 139

Figura III.14 Estrofe de um dos poemas que compõem o acervo do Farol Museu Santa Marta. Foto do autor, Agosto de 2007. Figura III.15 Fotografia exposta no museu do Santa Marta, fazendo alusão aos faróis que funcionavam ou funcionam a partir de um mecanismo de relojoaria. Foto nossa, Agosto de 2007. Segundo informações obtidas através da direcção do espaço museológico, no primeiro mês da abertura do farol-museu ao público, registrou-se a visita de 7.000 pessoas, primeiro sinal de que o empreendimento começou a despertar a curiosidade e interesse dos que moram ou visitam o Concelho de Cascais. Cleber Reis 140

Vale ressaltar que a maioria das peças expostas foi restaurada e disponibilizada pela Marinha Portuguesa/Direcção de Faróis, sendo constituída por exemplares que contribuem para uma melhor compreensão do funcionamento dos mecanismos dos faróis. Entre elas se encontra um candeeiro de duas torcidas, original do farol Santa Marta de 1874. Em 2007 o Farol-Museu de Santa Marta já recebeu Menção Honrosa (cf. Anexo A.9). Estima-se que em pouco tempo, o farol museu de Santa Marta esteja entre os principais atractivos culturais do país, por ser o primeiro do género em Portugal e por apresentar temáticas que até pouco tempo eram esquecidas ou ignoradas por muitos. III. 3 O FAROL DOS CAPELINHOS: RESENHA HISTÓRICA Como mais uma prova de que o farol pode, além de sinalizar, oferecer atributos culturais, a seguir será apresentado outro exemplo de farol português em vias de tornar-se mais um atractivo turístico no país, o Farol dos Capelinhos construído no arquipélago dos Açores com a finalidade de oferecer segurança aos navegantes, tarefa que desempenhou por muito tempo. No entanto, a erupção não anunciada de um vulcão mudou o curso da sua história, tornando-o um ícone nessa região. Apesar de se encontrar desactivado em sua função de sinalizar, esse farol se encontra em plena remodelação para ter instalado em suas dependências um centro de interpretação da natureza, como se confirmará na sequência. O arquipélago dos Açores está localizado no Oceano Atlântico, entre os 36 55 e 39 43 de latitude N e os 25 e 31 15 de longitude O de Greenwich, na intersecção da crista atlântica com a zona de fractura da Crista de Gibraltar Açores. É formada por nove ilhas, distribuídas por três grupos, consoante a Cleber Reis 141

proximidade geográfica: grupo ocidental (Corvo e Flores), grupo oriental (Santa Maria e São Miguel) e grupo central (Graciosa, São Jorge, Pico, Terceira e Faial); nesta última localiza-se o farol dos Capelinhos, cuja função de sinalizador foi desactivada devido a ocorrência da erupção do vulcão do mesmo nome (Figura III.16). Figura III.16 Representação da Ilha do Faial (Açores) Destaque para a localização do Farol dos Capelinhos Fonte: Site paisagens-acores.blogspot.com. Consulta em 26 de Fevereiro de 2008 Todas as ilhas do arquipélago têm origem vulcânica, processo que teve início com as primeiras erupções do Miocénico, e a mais recente se deu no vulcão dos Capelinhos entre os anos de 1957 e 1958. Actualmente, o vulcanismo e a sismicidade ainda são fenómenos presentes na vida do faialense, bem como as fumarolas persistentes em algumas ilhas, as águas ferventes, os vulcões de lama das Furnas e o frequente tremer de terra. Cleber Reis 142

Actualmente existem nas ilhas açorianas dezassete faróis edificados, no entanto, apenas catorze encontram-se activos. O mais antigo deles é o farol da Ponta do Arnel, construído em 1876 e encontra-se em plena actividade. O mais recente é o dos Capelinhos, datado de 1903, desactivado desde 1958 10. A seguir, ocupar-se-á do Farol dos Capelinhos devido ao facto desse corresponder ao objectivo pleiteado neste estudo por estar actualmente passando por um importante processo de transmutação funcional como foi apresentado anteriormente. Tanto quanto se sabe o Farol dos Capelinhos foi idealizado primeiramente pelo capitão-mor Jorge Gularte Pimentel no ano de 1678, quando, em seu testamento, datado de 15 de Julho, afirma ser necessário sinalizar essa região devido aos perigosos rochedos responsáveis por acidentes que despedaçaram caravelas e galeões durante a noite no meio do oceano, fazendo um número incontável de vítimas (Lima, 1943, p.222). Apesar do apelo de Pimentel, considerado na época um dos homens mais beneméritos desta terra, desconhece-se a razão pela qual o seu pedido não foi atendido e os seus descendentes deram pouca importância ao assunto 11, mesmo conhecendo os riscos e testemunhando as tragédias ocorridas com os nautas que se aproximavam das costas ilhoas, tragédias que só eram reveladas ao amanhecer do dia (Lima, 1943, p.222). Só muito tarde, em 22 de Abril de 1844, uma representação foi enviada a instâncias superiores através da Câmara Municipal da Horta, reclamando o estabelecimento de dois faróis: um nos Capelinhos e outro na ponta da Ribeirinha. Não foi encontrada ainda a razão pela qual ela não foi atendida. Em 1883 a Secção da Sociedade de Geografia na Horta também solicitou a instalação de um farol para os Capelinhos. Outras entidades associaram-se à causa que também contava com o apoio dos deputados, porém não surtiu efeito. Finalmente, em 20 de Março desse mesmo ano surgiu o Plano Geral de Alumiamento e Balizagem da Costa Marítima e Portos do Continente e Ilhas 10 Para melhor compreensão sobre os faróis, edificados, activos ou desactivados em terras lusitanas, sugerese a consulta da Tabela dos faróis edificados em Portugal entre 1761 e 1977 (Figura I.20). 11 Situação minimamente curiosa. Por tratar-se de um testamento, deveriam ter sido ditadas as disposições para o cumprimento do seu desejo. Cleber Reis 143

Adjacentes, no qual a construção do Farol dos Capelinhos estava incluída. Foram edificados alguns faróis no país e melhorado o estado de outros, porém, o Farol dos Capelinhos não foi construído durante a vigência do referido plano, o que leva a reflectir sobre a pouca importância dada, mesmo reconhecendo a urgência da edificação desse sinalizador. Segundo Marcelino Lima (1943, p.223), o faialense José de Almeida de Ávila 12, elaborou um valioso trabalho sobre a farolização no qual utilizou como recurso para fortalecer e sensibilizar as autoridades responsáveis para a necessidade da construção do Capelinhos os dramas angustiantes dos navegadores que, juntamente com suas embarcações, eram atirados contra os recifes durante as trágicas tempestades, como se percebe a seguir: Em Fevereiro de 1869 naufragou na ilha das Flores um lugre francês, salvando-se de toda a tripulação apenas um homem; em Março de 1874 naufragou na mesma ilha um patacho prussiano, morrendo todos os tripulantes. Em Junho de 1880 a tempestade impeliu para cima da costa de Castelo Branco (Faial) uma barca italiana; metade da tripulação, incluindo capitão e piloto, foi tragada pelas ondas. Na costa da Freguesia de Quatro Ribeiras (Terceira) em Dezembro de 1887 perdeu-se a barca portuguesa «Arcelina», da qual somente três homens tiveram a sorte de escapar. Nesse mesmo mês e ano naufragou próximo da ponte da Feteira (S. Jorge) um navio de que não foi possível identificar a nacionalidade: dos homens que o tripulavam não se salvou um único! (Lima, 1943, p.223). Consoante Silveira (2002, p.17), era considerável o número de pessoas que se pronunciavam sobre a emergência do Farol dos Capelinhos. Dentre essas pessoas estavam políticos e governantes, todos tentavam fazer chegar os seus alertas e pedidos à presença das reais Majestades, procurando, de qualquer modo aliciá-los para a desesperada necessidade de por colero a tanta calamidade. Numa sessão da Corte ocorrida em 11 de Março de 1892, Sousa e Silva 13 apresentou um projecto de lei, no qual se propunha uma emissão especial de 12 Faialense, sobrinho do Duque de Ávila. 13 Par do Reino, por Ponta Delgada na época. Cleber Reis 144

estampilhas postais, para os Açores e Madeira, cuja receita líquida, relativa a três meses de venda, seria utilizada na construção de faróis nos dois arquipélagos e na aquisição de dois rebocadores para auxiliar nos serviços dos portos da Horta e Ponta Delgada. Embora interessante, a ideia não vingou e não foi suficiente para o êxito do projecto, pois este nem chegou a obter sanção parlamentar (Lima, 1943, pp.223-224). Em síntese, várias foram as tentativas e argumentos utilizados no intuito da implantação do Farol dos Capelinhos, porém todas sem efeito. Diante da continuidade dos desastres que vitimavam os navegantes, no ano de 1894 o Ministério da Marinha decidiu proceder a estudos minuciosos de um plano para uma rede completa de faróis 14, estipulando a instalação imediata de dois na Ilha do Faial: um nos Capelinhos, que somente foi inaugurado em 1903, e outro na Ribeirinha 15, cujo funcionamento ocorreu dezasseis anos depois, apenas em 1919 (Lima, 1943, p.224). III.3.1 A construção do Farol Ao que se observou, o projecto de 1892 não obteve êxito, No entanto, em 18 de Abril de 1894, já no plano apresentado pela Marinha, teve início as obras do Farol na Ponta dos Capelinhos, a oeste da Ilha do Faial, Latitude N 38.35.40. Longitude W 28.50.25. Da construção à inauguração desse farol houve um intervalo de sete anos, decorrente da falta do equipamento e a lanterna que demorou muito tempo para 14 As fontes disponíveis não apontavam o ano em que o Ministério da Marinha procedeu aos estudos em questão. Também não foram encontrados maiores informações acerca do processo de construção do Farol dos Capelinhos. 15 De acordo com a Direcção Geral de Faróis, o farol da Ribeirinha foi destruído por um abalo sísmico ocorrido nos Açores na década de 90. O dos Capelinhos teve o seu funcionamento interrompido por uma erupção vulcânica ocorrida na Ilha do Faial em 1957. Cleber Reis 145

chegar aos Capelinhos 16. A estrutura do farol era em alvenaria, e de forma octogonal tinha 34,25 metros de altura da base ao centro do remate da cúpula da lanterna, ladeada ao N e ao S por dois anexos com dois pavimentos, que constituíam as habitações dos faroleiros. A torre era revestida de cantaria escura, da base até nove metros acima do solo. Seu sistema iluminante constava de uma lanterna de 2,45 metros de altura a sua parte cilíndrica terminava em cúpula esférica rematada por uma esfera sobre a qual assentava a grimpa e se elevava a haste de pára-raios. O aparelho lenticular era constituído por quatro lentes e um reflector catadióptrico. Sua luz era alimentada a petróleo, por meio de candeeiro de quatro torcidas. Seu aparelho luminoso atingia aproximadamente 25 milhas em estado médio de transparência atmosférica. Possuía um poderoso sinal sonoro, constituído por uma sereia de ar comprimido accionada por um motor a petróleo, que funcionava em ocasiões de nevoeiro. Do início da construção à conclusão das obras desse farol, sua trajectória foi marcada por diversos acontecimentos, como se constata na síntese cronológica abaixo 17 : 1883 A construção do farol dos Capelinhos é incluída no Plano de Alumiamento e Balisagem das Costas Maríimas e Portos do Continente e Ilhas Adjacentes, aprovado em 20 de Março de 1883. 1894 17 de Janeiro - Decisão sobre a construção do farol 1894 18 de Abril - Início da Construção do farol 1901-30 de Junho - Os Reis Dom Carlos e D. Amélia visitaram o Farol, ainda em obras. 16 Cf. Capelo 400 Anos: Livro Mãe (2001). 17 Para a elaboração desta síntese, consultou-se as seguintes obras: LIMA, Marcelino (1943) Anais do Município da Horta História da Ilha do Faial Vila Nova de Famalicão: Oficinas Gráficas Minerva. Capelo 400 Anos: Livro Mãe (2001). Edição de Faialentejo e Comissão das Comemorações dos 400 Anos do capelo. Cleber Reis 146

1903-30 de Junho, Foi anunciado, em Aviso aos Navegantes da Direcção Geral da Marinha, um período preliminar de experiências. Nesse mesmo ano, no dia 1 de Agosto, deu-se a inauguração do farol. 1926 10 de Abril, Aviso à Navegação: - O Farol dos Capelinhos foi atingido por um grande tremor de terra, que lhe causou graves avarias, entrando num período irregular, de alcance reduzido. 1927 As obras de reparo foram concluídas e o farol voltou a funcionar normalmente. 1942-19 de Fevereiro e 1 de Novembro Foram alteradas as características da luz foi-lhe instalado um novo aparelho luminoso. 1948 15 de Julho, o farol passou a contar com um novo aparelho óptico aeronáutico. 1957 29 de Novembro uma erupção vulcânica pôs fim ao seu funcionamento, como se estudará a seguir. III.4 A ERUPÇÃO DO VULCÃO DOS CAPELINHOS E A DESTRUIÇÃO DO FAROL Entre os dias 16 e 27 de Setembro de 1957, a Ilha do Faial sentiu mais de duzentos abalos sísmicos premonitórios, cuja intensidade não ultrapassou o grau V da escala de Mercalli. Os derradeiros abalos sobrepuseram-se a um tremor quase contínuo, com epicentro nas proximidades do Farol dos Capelinhos, na extremidade ocidental da Ilha (Zbyzewski, 1962, p.6). Em 27 de Setembro, às 7 horas da manhã, uma mancha azul clara apareceu na superfície do mar, a aproximadamente 1 quilómetro do Farol. Em pouco tempo, quatro bocas situadas ao longo de um alinhamento WSW ENE de cerca de Cleber Reis 147

duzentos metros de extensão lançavam na atmosfera fumaça esbranquiçada, jactos de pedras e de escórias. No dia 28 de Setembro, as quatro bocas citadas já haviam se transformado numa imensa cratera com cerca de quinhentos metros de diâmetro, dando origem ao vulcão dos Capelinhos, onde grandes trovoadas com descargas eléctricas, enxurradas e chuvas de cinza surpreendiam a todos, colocando a região em alerta, sendo imediatamente evacuada a área que oferecia maior risco O espectáculo atraía estudiosos de várias partes do mundo. Dentre os organismos que estiveram presente no local registando os vários aspectos do fenómeno, estavam representantes do Centro de Estudos Geográficos da Faculdade de Lisboa, que visitaram o Faial por duas vezes 18. Até os primeiros dias do mês de Novembro de 1958, o cenário não apresentava grandes alterações, posteriormente a esta data os fenómenos vulcânicos foram reduzindo, limitando-se apenas a fumarolas que saiam das fendas na superfície dos campos de lava e um forte cheiro de gases ainda era sentido no local (Zbyzewski, 1962, p.6). Devido ao facto de a actividade vulcânica ter persistido até 1958, a primeira queda de cinzas acumulou-se, de modo a cobrir a paisagem existente, num raio de aproximadamente três quilómetros do ponto da erupção, atingindo, além de casas, celeiros e casebres, grande parte do Farol dos Capelinhos (Figuras III.17 à III.21). 18 De acordo com O. da Veiga Ferreira (1957 p. 355), além da missão dos Serviços Geológicos de Portugal, chefiada pelo Sr. Eng. D. António de Castelo Branco, a Ilha do Faial recebeu outras duas missões: uma do Centro de Estudos Geográficos, sob a direcção do Prof. Dr. Orlando Ribeiro, e outras do Ministério das Obras públicas cujo Director era o engenheiro Viriato de Sousa Campos. Mas, sem ajuda do Faroleiro Tomás Pacheco, do farol dos Capelinhos, cujo senso de responsabilidade e disciplina em conjunto com os seus dotes de observador nato e rigor nas observações, grande parte dos relatórios apresentados pelas missões que lá estiveram, ficariam incompletos. Cleber Reis 148

Figura III.17 O Farol dos Capelinhos parcialmente soterrado pelas cinzas do vulcão. Nessa foto Ainda é possível perceber os dois pavimentos que existiam antes da erupção. Fonte: Site Inventário do Património Imóvel dos Açores. Visita em 31 de Julho de 2007 Figura III.18 Vista parcial do Farol com um dos pavimentos já soterrado pelas cinzas vulcânicas. Fonte: Site Inventário do Património Imóvel dos Açores. Visita em 31 de Julho de 2007. Cleber Reis 149

Figura III.19 O Farol em meio à fumarola durante a erupção. Fonte: Site Inventário do Património Imóvel dos Açores. Visita em 31 de Julho de 2007. Figura III.20 O Farol totalmente degradado pela acção do vulcão de 1958. Fonte: Site Inventário do Património Imóvel dos Açores. Visita em 31 de Julho de 2007. Cleber Reis 150

Figura III.21 Ruína do Farol dos Capelinhos Fonte: Site Inventário do Património Imóvel dos Açores. Visita em 31 de Julho de 2007 Em 25 de Outubro de 1959, precisamente, um ano depois, o aspecto da região ainda era bastante semelhante, Todavia, parte da torre do Farol, que esteve meio enterrada em 1958, encontrava-se com poucos vestígios das cinzas. Na península de Capelo, os campos estavam cobertos de cinza e a vegetação bastante devastada. As estradas que davam acesso ao Farol estavam cortadas e, a NW do farol, o vulcão continuava ligado à ilha do Faial por um grande areal negro que se prolongava, na costa norte da ilha, até a Fajã de Touro e, na costa sul, até o Varadouro (Zbyzewski, 1962, p.14). Segundo Lobão, (2002, p.57), em 1964, sete anos após a erupção original, ainda era possível encontrar cinzas nas proximidades do Farol desconfortavelmente quente ao toque. A preocupação em proteger ou recuperar o que havia sobrado do Farol, começou a se manifestar logo a seguir. Moradores e representantes de associações locais deram início a uma verdadeira batalha a favor da revitalização do Capelinhos. Cleber Reis 151

Em 1982, ao se completarem 25 anos da erupção, a Direcção Regional de Turismo lançou uma medalha comemorativa da efeméride e, em 1985, o filme alemão «The Experiment» utilizou a imagem do vulcão e a figura do Farol como cenário exterior. Na localidade dos Capelinhos, a 29 de Setembro de 1995, face ao estado de degradação do Farol, criou-se a Associação dos «Amigos do Farol dos Capelinhos», numa iniciativa de José Augusto Faria e Arthur Pacheco Alves. A partir daí, muitas foram as vozes a se levantaram diante do descaso em que se encontram as ruínas dos Capelinhos. Carlos Lobão (2002, p.58) afirma que durante uma sessão ocorrida em 1995 para discutir a conservação do farol, vários discursos foram proferidos a favor dos Capelinhos, destacando-se o que foi feito pela presidente da Associação acima citada: É muito importante que se faça algo por aquele Farol, para bem da freguesia, e do Turismo que recebemos (...). O vulcão não o deixou no estado em que se encontra. Devemos fazer conjuntamente com as autoridades algo de concreto por aquele lindo edifício que é nosso. III.5 A INFLUÊNCIA DA CULTURA LOCAL NO PROCESSO DE TRANSIGNIFICAÇÃO DO FAROL DOS CAPELINHOS Apesar de desactivado desde 1958, o Farol dos Capelinhos tornou-se uma referência nos Açores. Testemunha de uma época em que essa região presenciou tristes momentos, desde a erupção do vulcão que apagou a sua luz à emigração de grande parte da população para outros países, aproximadamente cinquenta por cento dos 30 mil moradores que o Faial possuía naquela época. Cleber Reis 152

Sobre esse facto, a Comissão das Comemorações dos 400 anos do Capelo 19 destaca: O Capelense foi desde sempre, tal como a sua dimensão demográfica, grande. Grande de generosidade, de fraternidade, de coragem em vencer as dificuldades. A mais significativa, o Vulcão dos Capelinhos, abriu-lhes as portas de emigração e lá foram eles tentar um futuro melhor nas terras do tio Sam. Corações tristes e saudosos da terra e da família, deixaram saudades nos que cá ficaram que os recordavam nos seus haveres, nos seus costumes. Uns voltaram, outros não. Alguns vão e vêm frequentemente. Antes na taberna, agora no café, local onde se fala de quase tudo o que enche e faz o dia a dia do coração Ilhéu: é o contar dos dias para a chegada de algum familiar ausente, a tristeza de alguém amigo doente ou que partiu para sempre, esquecimento. Coisas da democracia. Histórias não faltam para contar. Devido à erupção dos Capelinos ser uma experiência recente, muitos açorianos a testemunhou. Portanto, são comuns os relatos acerca da destruição do farol. Em suma, todos muito emocionados e saudosos, a exemplo do seguinte: (...) mas hoje do velho Farol dos Capelinhos resta o que resta e todos sabemos porque, por que em Setembro de 1957, o vulcão que nasceu no mar, aqui a dois passos, paredes meias com esta torre, marcou para sempre o seu destino. Por isso resta o que resta, memórias rasgadas na pedra, algumas mais frágeis, outras, e essas como os degraus da torre são talvez um espiral de sentidos. Quatro relâmpagos brancos e vermelhos que se apagaram no tempo, ou então quem sabe flutuam ainda em redor do farol, misturando e confundindo foguetes da baleia e estrondos da terra, luzes brilhantes na noite e lavas incandescentes, e há outras memórias que se acomodam apesar dos anos nas ruínas do interior, guardadas quem sabe entre os abandonos da casa e os vãos da alma e quando assim é, basta perguntar pela vida 20. 19 Cf. Capelo 400 Anos: Livro Mãe (2001). 20 Fragmento retirado do documentário - Filme Memórias dos Capelinhos, (2007) realizado por Carlos Brandão Lucas. Edição: Zé Barreiros. Cleber Reis 153

O depoimento acima retrata a importância dos Capelinhos e os seus clarões para os faialenses, que, após o término da erupção, não se cansaram de clamar pela revitalização do farol. Para eles, apesar da sua aparência inerte, esse monumento faz parte da identidade local e é um importante testemunho das marcas do que ficou. Em 4 de Julho de 2003, decorreram na Horta, Ilha do Faial, as cerimónias dos cento e setenta anos da elevação da vila a cidade. Durante esse evento, ocorreu a inauguração de uma exposição temporária alusiva aos cem anos de existência do Farol dos Capelinhos, cujo acervo era composto de dez quadros com explicações sobre o Farol, além de diversas fotografias e documentos históricos sobre esse monumento. Nessa mesma ocasião foi criada para a efeméride, uma medalha comemorativa e uma pequena maqueta do farol em faiança. Posteriormente à exposição as peças foram instaladas nas dependências da Junta de Freguesia do Capelo. Iniciava-se nesse momento a reinvenção do farol, que foi tragicamente afectado pelo vulcão homónimo. Em 2005, ano em que se completaram 48 anos da última erupção vulcânica faialense, o Governo dos Açores, através da Secretaria Regional do Ambiente e do Mar, finalmente declarou a requalificação do Farol dos Capelinhos, reconhecendo-o como um dos principais ex-libris das comemorações do primeiro cinquentenário do vulcão, programada para o ano de 2007. O objectivo dessa iniciativa foi preservar o que sobrou do farol, suas ruínas e a paisagem existente, na tentativa de sacralizar a imagem do local, proporcionando ao visitante melhor compreensão de todas as fases da história dos Capelinhos da sua construção ao fenómeno vulcânico que pôs fim à sua vida de sinalizador marítimo. De acordo com a secretária regional do Ambiente e do Mar, Ana Paula Marques, a empreitada de reabilitação das estruturas do Capelinhos custaria 153 mil euros. Em 2005 a adjudicação do procedimento para montar a lanterna visitável estaria pronta, o custo dessa empreitada seria superior a 163 mil euros 21. A secretária em questão ainda destaca que, mesmo reconhecendo o Capelinhos classificado 21 Cf. Diário Insular de 29 de Setembro de 2005 (Edição digital).consulta em 12 de Março de 2006. Cleber Reis 154

como Zona de Protecção Especial da rede Natura 2000 22 e Monumento Regional, essa localidade não possui elemento capaz de tornar explícito o que captam os olhares curiosos dos visitantes em relação aos fenómenos vulcânicos e história dos Açores. O projecto de requalificação do farol, teve início com a recuperação da lanterna aeromarítima da sua cúpula, que foi concebida e fabricada pela empresa espanhola La Maquinista Valenciana, tendo em conta a configuração da estrutura original destruída pelo vulcão. A montagem da lanterna aconteceu em Março de 2006, sob a responsabilidade da construtora Tâmega Açores 23 (Figuras III.22 e III.23). Figura III.22 Instalação da lanterna do Farol dos Capelinhos em Março de 2006 Fonte: site do portal dos Açores. pt Consulta em 12 de Dezembro de 2006 22 Rede Europeia, criada para salvaguardar espaços e habitats existentes na Europa, 23 Cf. no site a diaspora.com (Acesso em 10 Setembro de 2007). Cleber Reis 155

Figura III.23 Parte da torre do Capelinhos após a instalação da lanterna. Fonte: Site do Governo dos Açores.pt Consulta em Julho 2007. Como se observa, grande parte da história da requalificação do Capelinhos remete sempre para 2005, ano em que o Governo Regional colocou também a concurso público, a construção de um Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos, por mais de dois milhões de euros estimando que esteja concluído em 2008. Inicia-se aí a inclusão do Farol no contexto cultural e turístico. As figuras de nº III.24 a III.26 apresentam detalhes da planta do projecto de Instalação do centro de Interpretação dos Capelinhos, que está sendo executado. Cleber Reis 156

Figura III.24 Detalhe da área utilizada na construção do Centro de Interpretação Ambiental do Farol dos Capelinhos. Fonte: Portal do Governo dos Açores Consulta em 12 de Setembro de 2007 Figura III.25 A utilização das estruturas anexas do Farol na construção do Centro em questão. Fonte: Portal do Governo dos Açores Consulta em 12 de Setembro de 2007. Figura III.26 Detalhes da planta da requalificação do Capelinhos Fonte: Site Portal do Governo dos Açores. Consulta em 12 de Setembro de 2007. Cleber Reis 157

Diante das figuras acima apresentadas e de acordo com as informações obtidas através do portal do Governo açoriano, compreende-se que o Centro que está a ser construído na área do antigo Farol dos Capelinhos e imediações, constará de diversos espaços, nos quais os visitantes poderão aperceber-se da dimensão da área atingida pela erupção do vulcão dos Capelinhos. A sala principal constará de uma imponente obra de engenharia - um fuste que fará alusão a uma erupção (Figuras III.27 e III.28). Ao lado dessa sala ficará um auditório com capacidade para 60 pessoas. Será o ponto de partida para outras salas, que apresentarão exposições fixas e itinerantes sobre vulcanismo, tudo convergindo para as ruínas do farol, onde o visitante poderá ter acesso à cúpula totalmente restaurada e contemplar o magnífico panorama formado pela imagem do vulcão adormecido. Faz parte também desse projecto a repavimentação da estrada que dá acesso à zona do vulcão onde está instalado o Farol 24. Figura III.27 Figra III.28 Imagens em terceira dimensão de parte do projecto interior do Centro de Interpretação dos Capelinhos. Fonte: Site do Portal do Governo dos Açores. Acesso em 20 de Setembro de 2007. Apesar de o Centro de Interpretação dos Capelinhos ser considerado um projecto inovador no país, foram poucas as referências encontradas a seu respeito. Apenas com o advento do cinquentenário da erupção do vulcão dos Capelinhos se verificou a publicação de alguns artigos em edições de âmbito nacional. Entre eles, estão uma nota publicada acerca do Centro de Interpretação dos Capelinhos 24 Site do Portal do Governo dos Açores. Consulta em 25 de Setembro de 2007. Cleber Reis 158

no portal do Governo dos Açores e um artigo sobre o vulcão na revista National Geographic (Portugal) 25 (Figura III.29). Sexta-feira, Setembro 21, 2007 "Centro de Interpretação do vulcão dos Capelinhos é uma obra extraordinária de modernidade 26 " Figura III.29 Capa da Revista National Geographic nº 78, de Setembro de 2007, ilustrada com a foto do Vulcão dos Capelinhos. Actualmente a comunidade do Capelo vive um momento de verdadeira euforia com o andamento das obras do Farol. Para o morador do Faial, este é o momento de tirar proveito de uma situação que por muitos anos contribuiu para a separação de familiares e para o atraso no seu desenvolvimento económico, turístico e 25 Na página 2 desse exemplar encontra-se uma matéria intitulada de Leve Lava onde a história da erupção dos Capelinhos é contada através de depoimentos emocionados dos faialenses. 26 Site do Portal do Governo dos Açores. Consulta em 25 de Setembro de 2007. Cleber Reis 159

cultural (as Figuras 27 III 30 a III.52 apresentam o actual estado das obras no Farol dos Capelinhos): Figura III.30 O Farol dos Capelinhos com a sua nova lanterna. Já sendo preparado para as obras. Figura III.31 Recuperação de toda a área que circunda o Farol Figura III 32 Reestruturação da área que envolve o Capelinhos para a instalação do Centro de Interpretação. Figura III.33 Recuperação das paredes externas e as construções anexas. 27 As figuras de nº III.30 a III.58 foram extraídas do site oficial do Governo dos Açores, em 27 de Outubro de 2007. Cleber Reis 160

Figura III.34 Construção de grandes muralhas para garantir a implantação do Centro dos Capelinhos. Figura III.35 Operários trabalhando no reforço das paredes externas do farol Figura III.36 A grandiosidade das estruturas Figura III.37 Detalhe da quantidade de ferro e betão que está a ser utilizado na construção do Centro dos Capelinhos Figura III.38 Vista parcial da área de abrangência do projecto Cleber Reis 161

Figura III.39 Figura III.40 Construção da estrutura central do Centro de Interpretação Ambiental dos Capelinhos. Tudo milimetricamente cuidado para garantir o efeito proposto no projecto. Figura III.41 Evolução da estrutura central. Figura III.42 A estrutura central tomando forma Figura III.43 Figura III.44 Colocação do molde que dará origem à estrutura que fará alusão a uma erupção vulcânica. Cleber Reis 162

Figura III.45 Retirada do molde e o resultado parcial da estrutura central FiguraIII.46 Vista detalhada da estrutura central e o avanço das obras Figura III. 47 Figura III. 48 Evolução das obras após a construção da estrutura central Cleber Reis 163

Figura III.49 Figura III.50 Primeiras imagens reais do interior da sala principal do Centro de Interpretação dos Capelinhos. Como é possível confirmar, a construção do referido Centro foi iniciada após as obras de consolidação realizadas no farol, uma vez que os estragos causados pelo vulcão comprometeram grande parte da sua estrutura. De acordo com o Governo açoriano, a previsão para a conclusão das obras e inauguração do Centro de Interpretação é Maio de 2008. Figura III.51 Figura III.52 Continuação das obras e a sua dimensão Cleber Reis 164

Até o presente momento, não foi possível ter acesso aos valores referentes ao marketing relacionado com o projecto em questão. Todavia, constatou-se a sua existência. Em 2007 foi criado um logotipo para as comemorações do aniversário de 50 anos da erupção do Vulcão (Figura III.53) e este encontra-se estampado numa infinidade de souviniers, todos fazem alusão à erupção, já que será este o assunto principal a ser apresentado aos visitantes do Centro de Interpretação Ambiental, que está sendo instalado no Farol dos Capelinhos (Figuras III.54 a III.57 28 ). O logotipo associado às comemorações dos 50 anos da erupção do Vulcão dos Capelinhos foi criado com a intenção de transmitir uma multiplicidade de mensagens, seja através das cores utilizadas, seja através dos traços que nele podem ser encontrados. Figura III.53 Logotipo criado em homenagem aos 50 anos da erupção do Vulcão, fenómeno que pôs fim ao Farol dos Capelinhos. 28 Cf. Site oficial do Governo dos Açores. Consulta em 27 de Outubro de 2007. Cleber Reis 165

Figura III.54 T-shirts estampadas com o logotipo do cinquentenário dos Capelinhos Figura III.55 Calendários utilizando o logotipo dos 50 anos da erupção. Figura III. 56 Agendas e postais ilustrados com o logotipo do cinquentenário dos Capelinhos Figura III.57 Medalhas que fazem alusão aos 50 anos da erupção nos Capelinhos. Cada motivo apresentado no logotipo sugere uma diversidade interessante de interpretações. Convém descodificá-lo por tratar-se de uma apresentação abstrata: No pano de fundo em cinzento-escuro, é possível identificar-se o monte gerado pelo Vulcão dos Capelinhos, seu interior encontra-se totalmente banhado pelo azul das águas marinhas. Se preferir, a imagem em questão também pode representar apenas um cachalote, que após um prolongado e profundo mergulho, Cleber Reis 166