Tratamento da Hipertensão Arterial Leve e Moderada com Diltiazem 240mg. Estudo Multicêntrico Brasileiro

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Transcrição:

Ensaio Terapêutico 365 Tratamento da Hipertensão Arterial Leve e Moderada com Diltiazem 240mg. Estudo Multicêntrico Brasileiro José Luiz Santello, Kátia Coelho Ortega, Décio Mion Jr e Pesquisadores Associados São Paulo, SP Objetivo - Avaliar a eficácia e tolerabilidade de diltiazem 240mg em hipertensos essenciais com pressão arterial diastólica entre 95 e 115mmHg. Métodos - Foram estudados 2.165 hipertensos em estudo multicêntrico aberto não comparativo. A pressão arterial supina e ereta foi medida no dia inicial, após 14 dias sem hipotensores e após 40 dias de diltiazem 240mg/dia. Foram dosados antes e depois do uso da droga ativa, os lípides, glicemia e eletrólitos séricos. Resultados - A pressão arterial sistólica supina inicial foi de 166±18, no 14º dia foi de 155±20 e no 54º dia, 141±14mmHg (p<0,05). A pressão arterial diastólica supina e ereta também foi inferior no 14º e no 54º dias, quando comparada com a medida inicial (p<0,05). O colesterol, triglicérides, uréia e ácido úrico estavam em níveis significativamente mais baixos após o tratamento. Conclusão - Os resultados mostram que diltiazem 240mg/dia no tratamento da hipertensão arterial sistêmica é bem tolerado, eficaz e não mostra efeitos metabólicos adversos. Palavras-chave: hipertensão arterial, tratamento, diltiazem Treatment of Mild and Moderate Hypertension with Diltiazen 240mg. Brazilian Multicenter Trial Purpose - The efficacy and safety of diltiazen 240mg was evaluated in essential hypertensive patients with diastolic pressure in the range of 95 to 115mmHg. Methods - In an open, non-comparative multicenter trial 2.165 hypertensives had the supine and orthostatic arterial blood pressure measured before, after 14 days with non pharmacologic therapy and after 40 days taking diltiazen 240mg/day. Also, the serum levels of lipids, glucose and electrolytes were measured before and after the use of the active drug. Results - The systolic arterial pressure in the first day was 166±18mmHg, in the 14 th day was 155±20mmHg; and, in the 54 th day was 141±14mmHg (p<0.05). Also, supine and orthostatic diastolic blood pressure was lower in the 14 th and in the 54 th days when compared to baseline (p<0.05). Cholesterol, triglycerides, urea and uric acid levels decreased significantly (p<0.05) during treatment. Conslusion - This study demonstrates that diltiazem 240mg/day for the treatment of hypertension is well tolerated, efficient and shows no metabolic undesirable effects. Key-words: hypertension, treatment, diltiazem Separata: Arq Bras Cardiol, volume 66 (nº6), 365-369, 1996 A abordagem terapêutica da hipertensão arterial (HA) vem evoluindo nos últimos anos. A administração escalonada de anti-hipertensivos, recomendada como ideal na década de 80 1,2, vem sendo substituída pelo tratamento individualizado 2,3. Além, disso, procura-se alcançar o objetivo maior do tratamento da HA, que é não só normalizar os níveis tensionais, mas, também, reduzir os fatores de riscos cardiovasculares e a lesão de órgãos-alvo 3,4. Unidade de Hipertensão Arterial do Hospital das Clínicas, Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Medicina da USP Correspondência: José Luiz Santello - Recebido para publicação em 1/3/96 Aceito em 10/4/96 Por isso, hipotensores que tenham poucos efeitos sobre os lípides sangüíneos, com reconhecida eficácia na redução da hipertrofia ventricular e com biodisponibilidade que permitam a sua administração uma única vez ao dia, são os mais recomendados atualmente pelos especialistas em HA 5-7. Os bloqueadores de canais de cálcio foram incluídos como uma das drogas de primeira escolha para o tratamento da HA, notadamente os fármacos de última geração 8-10, que têm todas as desejadas propriedades acima referidas e tiveram minimizados muitos dos efeitos adversos dos primeiros bloqueadores de canais de cálcio, como por exemplo, a indesejada taquicardia reflexa 11,12. O diltiazem é um bloqueador dos canais lentos de cálcio, de última geração, pertencente ao grupo denominado

366 Santello e col Arq Bras Cardiol benzotiazepínicos. Este fármaco é diverso quimicamente, tanto do grupo dos dihidropirodínicos, como das fenilalquilaminas, ao qual pertence o verapamil. Na forma de microgrânulos de liberação lenta - como na apresentação de 240mg - apresenta ação uniforme e duradoura, permitindo administrá-lo uma única vez ao dia 13,14. Existem vários relatos dos efeitos do diltiazem sobre a pressão arterial (PA) em hipertensos, assim como em coronarianos e nefropatas 15,16. No nosso meio, os poucos estudos com diltiazem foram realizados com pequeno número de pacientes 17. O objetivo do presente estudo foi avaliar a eficácia anti-hipertensiva de diltiazem 240mg/dia, sua segurança e seus efeitos sobre a bioquímica sangüínea em estudo multicêntrico, aberto, em um grande número de hipertensos leves e moderados. Métodos Foram incluídos nesta avaliação pacientes hipertensos leves e moderados (pressão arterial diastólica (PAD) entre 95e115mmHg), de ambos os sexos, entre 18 e 65 anos, independentemente de raça ou história prévia de HA. Estes pacientes foram selecionados ao nível ambulatorial por pesquisadores independentes, sendo que cada um deles avaliou, no máximo, três hipertensos. Não foram incluídos neste estudo, portadores de HA secundária, assim como mulheres em uso de anovulatórios hormonais, gestantes ou em lactação. Pacientes com acidentes vasculares cerebrais há menos de um ano, portadores de hepatopatias graves, insuficiência cardíaca severa ou neoplasias não foram elegíveis, também não foram incluídos os pacientes que utilizassem drogas psicotrópicas, inibidores da monoamino-oxidase, anorexígenos ou descongestionantes nasais. Foram excluídos da análise final os pacientes que não completaram a investigação, os que abandonaram o estudo ou tiveram que utilizar outra classe de hipotensores ou apresentaram efeitos adversos que poderiam ser atribuídos ao uso de diltiazem 9,18 e os que demonstraram intenção explícita de interromper o estudo em qualquer fase de sua execução. O presente estudo foi conduzido como multicêntrico, aberto não comparativo, dando ênfase ao grande número de pacientes incluídos na análise final. Os hipertensos foram avaliados em duas etapas distintas: etapa inicial, com duração de 14 dias, os pacientes foram orientados a reduzir moderadamente o sal na dieta, e suspender toda a medicação anti-hipertensiva que porventura estivesse em uso. Ao final de 14 dias, sem uso de hipotensores, foram incluídos neste estudo os pacientes que apresentassem PAD entre 95 e 115mmHg na posição supina. A etapa final, com duração de 40 dias, iniciou-se no 14º dia do estudo, na qual foi prescrito diltiazem 240mg, a ser tomado uma vez ao dia, no período matutino. Além disso, os pacientes foram orientados a retornarem no 20º e no 40º dia de uso de diltiazem 240mg (34º e 54º dias do início do estudo). A PA foi medida em três visitas: uma vez na etapa inicial (no dia zero) e duas vezes na etapa final (14º e no 54º dias) em duas posições: supina e ereta. A PA na posição supina foi medida em duplicata, sendo considerada a média das pressões arteriais sistólicas (PAS) e PAD obtidas após 5min em decúbito dorsal, e após 3min, na posição ereta. Foram considerados como indicadores da PAS e PAD, respectivamente, o 1º e o 5º som de Korotkoff, obtidos com esfigmomanômetro de coluna de mercúrio e manguito adequadamente instalado no membro superior direito. Nestas visitas foram medidos o peso corpóreo e a freqüência cardíaca. Os pacientes foram submetidos a duas avaliações laboratoriais, ao final do período inicial (no 14º dia) e após 40 dias de uso de diltiazem 240mg/dia. Foram realizados hemograma, urina tipo I e bioquímica sangüínea de: glicemia, ácido úrico, colesterol total, triglicérides, uréia, creatinina, sódio e potássio. A avaliação laboratorial foi solicitada levando-se em consideração a necessidade clínica e/ou a disponibilidade para sua concretização. Foi empregado o teste t de Student na comparação entre os valores de exames laboratoriais antes e depois do uso do hipotensor para os valores de PAS e PAD. Foi utilizada análise de variância paramétrica - para variáveis não pareadas - com o uso do teste de Bonferroni para identificação das diferenças entre duas situações. Valores de alfa <0,05 foram considerados estatisticamente significantes. Resultados Iniciaram o presente estudo 2.165 pacientes, com idade média de 52,2±10,1 anos, dos quais 53% do sexo feminino. Foram considerados como brancos 1.549 (72%), os pacientes de raça negra foram 12% do total, amarelos 2%, sendo que os demais foram considerados fenotipicamente Fig. 1 - Pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) em posição supina e ereta ao iniciar o estudo, após 14 dias (dia 14) sem anti-hipertensivos e após 40 dias (dia 54) de uso de diltiazem 240mg/dia. Cada par de barras representa respectivamente a pressão sistólica e diastólica em posição supina (à esquerda) e ereta (à direita). Os resultados são apresentados como média e um desvio padrão, tanto para a PAS, como para a PAD.

Arq Bras Cardiol Santello e col 367 Tabela I - Pressão arterial sistólica e diastólica (mmhg) em posição supina e ereta por ocasião da inclusão no estudo (dia 0), após 14 dias sem antihipertensivo (dia 14 e após 40 dias de uso de diltiazem 240mg/dia (dia 54). Posição supina Posição ereta Sistólica Diastólica Sistólica Diastólica Dia 0 166,2±18,4 105,1±10,3 165,7±18,4 104,4±10,7 (1933) (1766) Dia 14 155,0±19,8* 96,5±12,4* 153,1±20,0* 95,8±12,2* (1881) (1785) Dia 54 140,7±13,9** 87,0±7,9** 139,0±14,0** 86,1±8,7** (1219) (1149) F= 1171 F= 1407 F= 852 F= 1083 p<0,001 p<0,001 p<0,001 p<0,001 Os resultados são expressos como média ±DP. Os valores entre parênteses indicam o número de pacientes avaliados em cada fase do estudo. Foi aplicada análise de variância para analisar as diferenças entre as pressões arteriais (F). * = p<0,05 vs inicial; ** = p<0,05 vs inicial; p<0,05 vs após 14 dias. como pardos. Dentre os pacientes que iniciaram este estudo 63% apresentavam história prévia de HA e faziam uso regular/ irregular de hipotensores. A maioria dos hipertensos fazia uso de diuréticos, isolado ou associado a outros hipotensores. As PAS e PAD em posição supina foram inferiores (p<0,001) às pressões iniciais após 14 dias da retirada de hipotensores, juntamente com a orientação para a adoção de medidas não farmacológicas (tab. I). Além disso, as PA foram inferiores no 54º dia (p<0,05) quando comparadas às PA do 14º dia (tab. I e fig. 1). As PAS e PAD no 54º dia em posição ereta também Tabela II - Peso e freqüência cardíaca previamente à terapêutica com diltiazem (inicial) e após 40 dias de uso do hipotensor (final) Peso (kg) média±dp Freqüência cardíaca (bpm) média±dp Inicial 75,0±12,8 83,2±10,8 (1536) Final 73,8±11,6 77,5±8,3 (951) Inicial vs final p<0,001 p<0,001 Os resultados são expressos como média±dp. Os valores entre parênteses indicam o número de pacientes avaliados em cada fase do estudo. foram inferiores, em relação às PAS e PAD iniciais, e após 14 dias de suspensão dos hipotensores e introdução de medidas não farmacológicas (tab. I e fig. 1). Houve redução estatisticamente signficante do peso corpóreo e da freqüência cardíaca (p<0,05) após 40 dias de administração do bloqueador de canais de cálcio (tab. II). A concentração plasmática de sódio e potássio séricos não foi estatisticamente diferente (p>0,05), entre os momentos inicial e final (tab. III). Também encontram-se na tabela III os valores médios de uréia e creatinina séricas, ambos menores (p<0,05), após o uso de diltiazem por 40 dias, ainda que em valores médios considerados dentro da normalidade. Os valores médios finais de ácido úrico, colesterol total e triglicérides no sangue foram estatisticamente inferiores (p<0,05) aos iniciais (tab. III). A glicemia dosada na fase inicial de 99,7mg/dL (n= 1182) e a medida na fase final foi de 95,9mg/dL (n= 731; p<0,05). A tabela IV mostra os índices de tolerabilidade obtidos entre 2.043 pacientes que responderam este quesito. Cerca de 87,8% (1.795 pacientes) dos hipertensos consideraram a tolerabilidade boa e 3% acharam-na ruim. Cerca de 18% dos pacientes apresentaram sintomas transitórios, atribuíveis ao bloqueador de canais de cálcio, como rubor facial e edema de membros inferiores, que cederam com a continuidade da terapêutica ou tornaram-se melhor tolerados. Tabela III - Valores de colesterol total, triglicérides, ácido úrico, sódio, potássio, uréia e creatinina no sangue previamente à terapêutica com diltiazem (inicial) e após 40 dias de uso do hipotensor (final) Colesterol Triglicérides Ácido úrico Sódio Potássio Uréia Creatinina (mg/dl) (mg/dl) (mg/dl) (meq/l) (meq/l) (mg/dl) (mg/dl) Inicial 223±42 175±87 5,4±1,50 133,4±9,3 4,07±0,41 33,6±10,9 0,98±0,31 (1169) (1126) (822) (704) (852) (898) (1059) Final 208±31 157±52 5,1±1,21 138,2±9,6 4,09±0,35 33,2±9,2 0,97±0,40 (740) (681) (532) (479) (560) (574) (653) p<0,001 p<0,001 p<0,001 p=0,19 p=0,48 p<0,014 p<0,002 Os resultados são expressos como média ± DP. Os valores entre parênteses indicam o número de pacientes avaliados em cada fase do estudo.

368 Santello e col Arq Bras Cardiol Tabela IV - Tolerabilidade subjetiva durante e após o uso de diltiazem 240mg/dia durante 40 dias Avaliação Nº de pacientes Percentual Boa/Ótima 1.795 87,7% Regular 189 9,3% Ruim 59 3,0% Total de respostas 2.043 100,0% Não disponível 122 Total 2.165 Discussão Os resultados mais relevantes neste estudo foram: o efeito da redução da PA com o uso de diltiazem, a boa tolerabilidade da droga e a resposta favorável deste fármaco sobre o metabolismo lipídico e função renal global. A redução da PA obtida após a introdução do hipotensor avaliado (fig. 1) confirma a resposta favorável, já obtida por outros autores 9,19 em estudos anteriores, com menor número de pacientes 17. À primeira vista foi surpreendente a redução da PA verificada com a retirada de outras drogas hipotensoras. Juntamente com a suspensão da medicação, anteriormente utilizada, foi recomendada a redução de consumo de sódio alimentar e orientações gerais para mudança de estilo de vida 3,20, que poderiam justificar a inesperada redução da PA. Recentemente, um estudo comparativo entre os efeitos de diversos hipotensores associados à adoção de medidas não farmacológicas confirmou que a adoção destas medidas per se reduz a PA e os fatores de risco para as doenças cardiovasculares 21. Outro fator poderia também contribuir para este resultado: os efeitos residuais sobra a PA de diuréticos, a droga previamente mais usada pelos pacientes deste estudo. Além disso, como esta investigação não foi controlada, ou seja, não foram realizados períodos com o uso de placebo, não podemos descartar que os pacientes, presumivelmente por insegurança, tenham mantido o uso de medicação, que já vinham tomando antes do presente estudo. Importante é o efeito aditivo na redução da PAS e PAD (p<0,05), obtida após a introdução de diltiazem 240mg/dia, independentemente dos possíveis fatores envolvidos na redução dos níveis tensionais detectados na 1ª fase da investigação. Constatamos a redução da PA, tanto em posição supina como ereta. sem a presença de taquicardia reflexa, a qual vem sendo sugerida como importante fator de risco para o desenvolvimento de doença cardiovascular 7-9. Houve também uma redução do peso corpóreo que deve ser creditada aos efeitos natriuréticos dos bloqueadores de canais de cálcio, possivelmente associado à adoção de medidas não farmacológicas pelos pacientes 20. A avaliação bioquímica realizada em cerca de 1.000 pacientes confirma que a utilização desta classe de bloqueadores de canais de cálcio não tem efeitos indesejáveis no metabolismo lipídico. Ao contrário, obtivemos valores de colesterol total e triglicérides inferiores (p<0,05) após o uso de diltiazem, assim como de creatinina (p<0,05), o que reforça a experiência de outros autores 9,15,16 em relação aos efeitos benéficos desta classe de bloqueadores de canais de cálcio sobre a função renal, em nefropatas. Apesar do provável efeito natriurético, ocorrido com a introdução de drogas bloqueadoras dos canais de cálcio, não detectamos modificações relevantes nos níveis de sódio e potássio. Observamos também uma redução nos níveis de glicemia, que talvez possa ser atribuída à suspensão de diuréticos e/ou betabloqueadores que vinham sendo utilizados. O presente estudo avaliou a tolerabilidade de diltiazem, através da resposta subjetiva dos pacientes ao longo ou ao final da pesquisa em questão. Os resultados mostramnos que a maior parcela dos pacientes considerou a tolerabilidade boa/ótima. Somente 3% consideraram o hipotensor difícil/impossível de ser tolerado. Embora tenham sido relatados freqüentes efeitos indesejáveis/adversos atribuíveis a drogas bloqueadoras dos canais lentos de cálcio, os sintomas foram leves e melhoraram ou cederam com a continuidade da terapêutica. Concluindo, neste estudo - aberto e não controlado - que privilegiou avaliar 2 milhares de hipertensos não complicados, documentaram-se efeitos terapêuticos adequados e desejados sobre a PA, níveis de lípides, glicemia, creatinina e potássio, após o uso de diltiazem 240mg/dia, utilizado como monoterapia na HA leve e moderada. Referências 1. Joint National Committee - The 1988 report of the Joint National Committee on detection, evaluation and treatment of high blood pressure. Arch Intern Med 1988; 148: 1023-8. 2. DeQuattro V - Individualization of therapy for hypertension in the 1990 s: the role of calcium antagonists. Clin Exp Hypertens 1994; 16: 853-64. 3. 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