DÉFICIT HABITACIONAL E INADEQUAÇÃO DAS MORADIAS NO NORDESTE E EM PERNAMBUCO EM 2000

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Publicado em: 07/03/2007

Transcrição:

DÉFICIT HABITACIONAL E INADEQUAÇÃO DAS MORADIAS NO NORDESTE E EM PERNAMBUCO EM 2000 Fernanda Estelita Lins UFPE - Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção E-mail: fenandaestelita@hotmail.com Abstract: The present study has for objective to analyze the information gotten for the habitacional study Déficit habitacional e inadequação das moradias no Brasil 2000, carried through for Fundação João Pinheiro (MG). This study was carried through for Brazil as a whole and searchs information that portray the reality of the habitacional sector in the country. This paper has for purpose to analyze the results found for Nordeste and Pernambuco. Then, the data of the habitacional deficit and the inadequation of the housings will be analyzed, for year 2000, carrying through one brief evaluation of its possible causes and consequences for the society. Key Words: Habitacional deficit, Inadequacy of residences, Habitation. 1. Introdução A busca de informações que retratem o mais fielmente possível a realidade de setores críticos da economia nacional vem se tornando, ao longo das últimas décadas, imperativo para toda a sociedade preocupada com a melhoria das condições de vida de sua população. Este conhecimento, da real situação dos diversos setores da sociedade, serve tanto para impulsionar a tomada de decisões quanto para avaliar a eficácia das ações adotadas. O desenvolvimento deste tipo de informação é instrumento essencial na tomada de decisões, tanto para o setor público, responsável pela formulação de políticas, quanto para o setor privado, em busca de melhores oportunidades para direcionar seus investimentos. Na área da política urbana em geral, e da política habitacional em particular, a atualização do déficit de moradias urbanas torna-se um imperativo para subsidiar as ações referentes ao desenvolvimento urbano. Com o objetivo de obter informações que retratem a realidade do setor habitacional no Brasil no início do século XXI foi desenvolvido pela Fundação João Pinheiro (MG) o estudo Déficit habitacional e inadequação das moradias no Brasil 2000. Este estudo traz o cálculo do déficit habitacional e das inadequações das moradias, para o ano 2000, tomando como base os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 1999, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e as informações já divulgadas do Censo Demográfico 2000. A relevância deste fato deve-se à percepção de que a questão habitacional no Brasil constitui-se em um dos mais graves problemas sociais atuais. A dimensão deste problema é visível, seja nos grandes centros urbanos, com seus contingentes elevados de população favelada, seja nas regiões mais pobres do interior do país, onde a precariedade da estrutura ENEGEP 2002 ABEPRO 1

de moradias aparece como um fator agravante para a questão da pobreza em suas inúmeras manifestações. Este trabalho toma como referência o estudo da Fundação João Pinheiro e em por objetivo realizar uma breve discussão acerca das condições de habitação na Região Nordeste neste início de século, notadamente no estado de Pernambuco. Para tanto serão utilizadas informações do referido estudo, além de outros dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios 1999 (PNAD), disponibilizados pelo IBGE. 2. Especificidades do Setor Habitacional no Brasil Antes mesmo de se definir o objeto de estudo e discutir os números encontrados, deve-se levar em consideração algumas especificidades do setor que exigem uma maior atenção dos analistas, tornando a análise dos dados singular. Inicialmente pode-se verificar que as necessidades de moradias numa sociedade profundamente hierarquizada e extremamente desigual como a brasileira não devem ser padronizadas. Os diversos estratos de renda têm necessidades e aspirações diferentes em relação a sua moradia, haja vista esta refletir o dinamismo e a complexidade da realidade socioeconômica sob a qual vivemos. Pode-se afirmar que as necessidades do habitat não se reduzem exclusivamente a um instrumento material, as demandas habitacionais além de serem diferentes para os diversos setores sociais, variam e se transformam com a própria dinâmica da sociedade. Um outro aspecto a ser analisado é que a questão habitacional possui fortes interfaces com outras questões, sendo inadequada uma abordagem setorial que busque reduzir a complexidade do habitat a um déficit habitacional stricto sensu. Verifica-se que, em muitas ocasiões, o principal entrave à melhoria das condições de moradia não se encontra vinculada necessariamente à habitação, e sim a deficiências de serviços públicos de consumo coletivo (saneamento, rede de água, esgoto, etc.). Em função da interdependência da moradia com outros aspectos habitacionais, nem sempre um simples incremento dos programas de habitação apresenta-se como a solução mais indicada para melhorar as condições habitacionais da população mais pobre. Principalmente porque estes programas podem ser inviabilizados caso outras políticas urbanas como a de transporte, energia elétrica, esgotamento sanitário e abastecimento de água não sejam implementadas de forma integrada. Os dados do último Censo Demográfico mostram que o contingente populacional urbano vem crescendo continuamente e este crescimento não é acompanhado pela oferta de serviços de infra-estrutura urbana. Diante disso, passam a fazer parte do cenário urbano extensas áreas ocupadas por favelas, além de áreas de ocupação desordenada, sem infraestrutura básica urbana, onde são construídas habitações inadequadas que dificultam ou mesmo e impossibilitam o atendimento dos serviços básicos urbanos. 3. Conceituação O termo déficit habitacional será aqui utilizado como um subitem das necessidades habitacionais, que englobam não apenas a unidade habitacional stricto sensu, mas também os serviços de infra-estrutura e saneamento, ou seja, o habitat. Assim sendo, o conceito ENEGEP 2002 ABEPRO 2

mais amplo de necessidades habitacionais engloba três diferentes conceitos: o déficit habitacional, a demanda demográfica e a inadequação de moradias. Déficit habitacional é considerado neste estudo como a necessidade de construção de novas moradias, quer em função de reposição do estoque de domicílios existentes, quer em função do incremento desse estoque, detectada em um determinado momento. Mais especificamente, o déficit habitacional refere-se à deficiência do estoque de moradias, por não dispor de condições de habitabilidade, por sua precariedade construtiva ou por desgaste em sua estrutura física, e, ainda, por apresentar coabitação familiar. A demanda demográfica, a seu tempo, não é considerada déficit habitacional. Ela apenas dimensiona quantas moradias adicionais devem ser acrescidas para acomodar condignamente o crescimento populacional em determinado intervalo de tempo. O conceito de moradias inadequadas reflete problemas na qualidade de vida dos moradores não relacionados ao dimensionamento do estoque de habitações, e sim a especificidades internas de um estoque dado. Assim, as habitações inadequadas referem-se tanto a situações de carência de infra-estrutura como de forte adensamento das moradias. Seu cálculo visa ao delineamento de políticas complementares à construção de moradias. 3.1. Déficit habitacional O conceito de déficit habitacional utilizado está ligado diretamente às deficiências do estoque de moradias. Os domicílios sem condições de habitabilidade devido à precariedade das construções, ou em virtude de terem sofrido desgaste da estrutura física, devem ser repostos. Há ainda a necessidade de incremento do estoque devido principalmente à coabitação familiar. Assim, este pode ser entendido como déficit por incremento de estoque ou como déficit por reposição do estoque. No cálculo do déficit por reposição de estoque habitacional enquadram-se tanto o potencial dos domicílios que poderiam ser restaurados como aqueles que necessitariam ser substituídos ou repostos, por se encontrarem fortemente deteriorados, tanto os muito antigos como os que apresentam estrutura física danificada. A tabela 1 apresenta as estimativas dos componentes do déficit habitacional no Nordeste, no estado de Pernambuco e na Região Metropolitana do Recife, em números absolutos. Habitação precária Coabitação familiar Ônus Reposição Déficit Habitacional Especificação excessivo por Total Urbano Rural Total Urbano Rural com aluguel Depreciação Total Urbano Rural Nordeste 1.069.471 413.540 655.931 1.226.289 979.487 246.802 310.044 25.986 2.631.790 1.729.057 902.730 Pernambuco 78.747 44.592 34.155 235.559 197.047 38.512 65.911 7.724 387.941 315.274 72.680 RM Recife 33.107 116.623 36.637 5.246 191.613 Tabela 1 : Consolidação das estimativas dos componentes do déficit habitacional -Nordeste - Pernambuco - RM Recife - 2000 Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sinopse Preliminar do Censo Demográfico, 2000; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 1999 (microdados) Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações (CEI) É passível de nota que o problema de habitação precária concentra-se nas áreas rurais no caso da Região Nordeste. Isso pode ser justificado pela dificuldade de acesso às tecnologias de construção numa região pobre. O problema de coabitação familiar, a seu tempo, é mais relevante entre os domicílios urbanos, representando 57% e 63%, respectivamente para a Região Nordeste e o estado de Pernambuco. ENEGEP 2002 ABEPRO 3

Um terceiro problema encontrado é o ônus excessivo com aluguel, concentrado principalmente na região metropolitana do Recife, onde representa mais de 50% do problema no estado e mais de 10% em relação ao total da Região Nordeste do déficit habitacional. Pode-se verificar no gráfico 1 que tanto no Nordeste quanto em Pernambuco e na Região Metropolitana do Recife, o principal componente do déficit habitacional é a coabitação familiar, representando 46,6%, 60,7% e 60,9%, respectivamente. A habitação precária, representando cerca de 40,6% e 20,3% para a região e o estado, é o segundo maior problema em número de casos na composição do déficit habitacional. O ônus excessivo com aluguel é o terceiro maior problema da região e do estado, participando para o déficit habitacional com 11,8% e 17%, respectivamente. A Região Metropolitana do Recife tem comportamento um pouco diverso da região e do estado. Embora o principal componente do déficit continue sendo a coabitação familiar, o ônus excessivo com aluguel assume a segunda posição entre os componentes do déficit habitacional, com 19,1% dos casos contra 17,3% das habitações precárias. Em toda a área pesquisada o componente que se apresentou em menor quantidade foi a depreciação, a qual denota a necessidade de reformas e reparos nas habitações já existentes, sem implicar na necessidade de construção de uma nova moradia. 100% 80% 60% 40% 20% 0% 11,8 1,0 40,6 46,6 2,0 17,0 20,3 60,7 2,7 19,1 17,3 60,9 Nordeste Pernam buco RM Recife Coabitação Familiar Ônus excessivo com aluguel Habitação Precária Reposição por Depreciação Gráfico 1: Componentes do Déficit Habitacional (%) Na tabela 2 está demonstrado o quanto o déficit habitacional representa no total de domicílios com base nos dados preliminares do Censo Demográfico 2000. Esta tabela revela um quadro preocupante, o déficit habitacional nas áreas em análise representa mais de 20% do total de domicílios permanentemente ocupados. Especificação Percentual do total de domicílios Total Urbano Rural Nordeste 23,04% 21,23% 27,53% Pernambuco 19,67% 20,30% 17,33% RM Recife 22,26% Tabela 2: Percentual do déficit habitacional em relação ao total de domicílios Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sinopse Preliminar do Censo Demográfico, 2000; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 1999 (microdados) Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações (CEI) Na região Nordeste há forte predominância do problema na área rural (27,53% contra 21,23% das áreas urbanas), no estado de Pernambuco o quadro mostra-se um pouco menos drástico, 19,7% do total de domicílios permanentemente ocupados é reconhecido como ENEGEP 2002 ABEPRO 4

déficit habitacional, sendo as áreas urbanas mais afetadas pelo problema (20,30% contra 17,33% das áreas rurais). 3.2. Demanda demográfica A demanda demográfica foi estimada com base nos dados do último Censo Demográfico (2000) e da contagem da População de 1996. Embora este número não reflita necessariamente um componente do déficit habitacional, ele funciona como um indicador da taxa de crescimento desejada para o número de moradias para manter os níveis de atendimento à população do ano base (1996). A tabela 3 mostra a taxa de crescimento populacional no período 1996-2000. Os números mostram que a população urbana tem crescido muito em detrimento da população rural, isto pode ser explicado como conseqüência do êxodo rural, ainda muito presente nos dias atuais. Além de verificar um crescimento no meio urbano e uma queda na população rural, estes dados vêm a confirmar o problema da coabitação familiar analisado anteriormente, resultado de uma maior densidade populacional nas áreas urbanas, conseqüência tanto do êxodo rural como do próprio crescimento vegetativo da população, diante de condições mais favoráveis de vida no meio urbano em relação ao meio rural, ainda que não sejam atendidas as condições mínimas de necessidades de uma população. Especificação Crescimento Demográfico Total Urbano Rural Nordeste 6,65% 12,96% -5,19% Pernambuco 7,02% 10,62% -3,23% RM Recife 20,03% 20,82% -0,51% Tabela 3 : Crescimento demográfico - Nordeste - Pernambuco - RM Recife - 2000 Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sinopse Preliminar do Censo Demográfico, 2000; Contagem da População 1996. 3.3. Habitações inadequadas As habitações inadequadas consideradas neste estudo são aquelas que não proporcionam a seus moradores condições desejáveis de habitabilidade, não implicando, contudo, a necessidade de construção de novas moradias. Muitos dos que se caracterizam como domicílios inadequados são domicílios gerados a partir da autoconstrução, algo que tem se tornado uma forma predominante de edificação das cidades. É a população construindo com seus próprios recursos as suas moradias, sem qualquer interferência do poder público, nem mesmo para verificar condições de segurança. O cálculo das moradias passíveis de serem identificadas como inadequadas restringe-se àquelas localizadas em áreas urbanas e nas regiões metropolitanas, tomando-se o cuidado de excluir do estoque os domicílios contemplados em alguma das categorias do déficit habitacional. Quanto à infra-estrutura, os domicílios duráveis urbanos, no estudo em referência, são divididos em dois grupos: os com carência de infra-estrutura (que não contam com atendimento mínimo nos quesitos energia elétrica, abastecimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo) e os com infra-estrutura inadequada (aqueles contam com todos os serviços em nível mínimo). A classificação dos domicílios em cada um dos grupos darse-ia em função de uma avaliação com base nesses critérios. ENEGEP 2002 ABEPRO 5

Os domicílios são classificados em função da carência de infra-estrutura e do adensamento, além de três outros componentes: a inadequação fundiária urbana, a depreciação dos domicílios e, finalmente, a inexistência de unidade sanitária domiciliar interna. O componente de adensamento excessivo de moradores foi considerado apenas nos domicílios urbanos duráveis, sendo medido pela densidade de moradores por dormitório, uma variável que melhor expressa a qualidade de vida nos domicílios do que o número de moradores por cômodo. Quanto ao componente que analisa o setor de infra-estrutura básica, aceita-se, por princípio, que uma análise dos domicílios segundo sua localização regional e o tamanho das áreas urbanas seria a melhor maneira de retratar a real situação das habitações relativamente à qualidade de vida proporcionada aos seus moradores em função da oferta de serviços básicos, e, assim, caracterizar a inadequação das moradias. Seria desejável que se pudesse trabalhar com informações pormenorizadas por tamanho de cidades. Limitações das fontes de dados disponíveis, no entanto, não permitem que isso seja feito. A opção viável foi trabalhar com critérios diferenciados de exigência quanto aos serviços ofertados segundo faixas de renda dos domicílios. Assim sendo, só foram definidos como inadequados os domicílios que não possuíam ao menos um dos serviços básicos considerados, não levando em conta um padrão mínimo de aceitabilidade por cada faixa de renda. Segundo esse critério mais restritivo, é considerado carente em infraestrutura o domicílio que não contar com um ou mais dos seguintes serviços: Energia elétrica; Rede de abastecimento de água com canalização interna; Rede coletora de esgoto ou pluvial, ou fossa séptica; Lixo coletado direta ou indiretamente. O gráfico 2 especifica os principais critérios de classificação dos domicílios como inadequados. Pode-se concluir que a carência de infra-estrutura é o problema mais presente tanto na região como no estado e região metropolitana. O problema de inexistência de unidade sanitária é também bastante crítico, seguindo da inadequação fundiária e adensamento excessivo. 100% 80% 2,4 5,6 5,0 9,2 3,3 5,8 5,5 6,4 8,5 3,5 6,0 6,3 60% 40% 51,7 59,0 61,9 20% 0% Nordeste Pernambuco RM Recife Carência de Infra-estrutura Adensamento Excessivo Inadequação por Depreciação Inexistência de Unidade Sanitária Inadequação Fundiária Gráfico 2: Critérios de inadequação de domicílios (%) ENEGEP 2002 ABEPRO 6

Uma outra análise dos dados disponíveis demonstra que em todos os critérios considerados o problema da inadequação dos domicílios mostra-se mais expressivo na região etropolitana do Recife que no estado e na Região Nordeste, conseqüência talvez da maior densidade demográfica nas áreas urbanas (conforme tabela 4) tornando necessária uma maior atenção a essas áreas. População (1) Domicílios (2) Especificação Total Urbano Rural Total Urbano Rural Nordeste 47.693.253 32.929.318 14.763.935 11.423.771 8.144.466 3.279.305 Pernambuco 7.911.937 6.052.930 1.859.007 1.972.545 1.553.218 419.327 RM Recife 3.335.704 3.232.820 102.884 860.633 837.482 23.151 Tabela 4: População Residente e domicílios particulares permanentes ocupados Fonte: Dados básicos: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sinopse Preliminar do Censo Demográfico, 2000. Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações (CEI) (1) Resultados preliminares. (2) Estimativas. 4. Conclusão O estudo em questão mostra que ao se tratar da questão habitacional não se pode pensar apenas em equacionar o problema de falta de moradias, traduzido pelos números do déficit habitacional. Deve-se, antes de pensar neste tipo de solução, analisar a interface do problema habitacional com outras políticas. Uma parcela relevante das necessidades habitacionais está relacionada ao estoque existente de moradias que não tem proporcionado condições desejáveis, ou mesmo aceitáveis, a seus moradores. É uma parcela significativa da população que demanda maior atenção, tanto do setor público quanto do privado, e que reforça a idéia de que tão importante quanto ter onde morar é ter uma moradia que proporcione uma boa qualidade de vida. Na análise da questão habitacional para a Região Nordeste, e especificamente para Pernambuco, verifica-se que não é possível melhorar substancialmente suas condições habitacionais atuando apenas de maneira setorial, sem levar em conta as demais relações existentes com outros setores. Em certas ocasiões, mudanças em outros setores como maior investimento em saneamento básico (esgoto e água), fornecimento de energia elétrica e regularização fundiária, entre outros, podem ter um impacto maior nas condições habitacionais das famílias do que um simples reforço dos investimentos no setor. A questão dos investimentos no setor habitacional brasileiro tem de ser avaliada considerando o cenário macroeconômico com o qual nos defrontamos, em que na área externa, as previsões das principais instituições financeiras sinalizam para a redução do fluxo de capitais estrangeiros direcionados aos mercados emergentes (inclusive para o Brasil) nos próximos anos e que os poucos recursos financeiros internacionais são de altos custos. Além disso, internamente passamos por um contexto de escassez de recursos públicos, de crise energética, de problemas ambientais urbanos significativos, de encarecimento do custo da construção civil e da terra urbana e das dificuldades técnicas e financeiras em prover as grandes cidades de obras de infra-estrutura cada vez mais onerosas (como o próprio abastecimento de água e coleta e tratamento dos esgotos domésticos). ENEGEP 2002 ABEPRO 7

Diante desse cenário, é praticamente nula a probabilidade de haver um incremento significativo dos investimentos públicos no setor ou setores relacionados, uma vez que a alta receita tributária está comprometida com o custeio da máquina governamental e com o pagamento do serviço da dívida pública. A poupança privada também tem dificuldades de crescer para financiar uma alta expressiva do grau de investimentos, ao contrário, a mudança na tributação dos fundos de pensão, por exemplo, pode desestimular o aumento do estoque dessa modalidade de poupança privada. Resulta para os próximos anos um provável cenário de repetição do tímido grau de investimentos e do pequeno desenvolvimento econômico registrado no passado recente.. A criatividade deve vir em auxílio do planejador, de modo a viabilizar a superação de entraves legais e burocráticos e a baratear os custos das obras, principalmente as de menor porte, através de inovações tecnológicas e de gestão viáveis. 5. Bibliografia IBGE (RJ). Contagem da População 1996. Rio de Janeiro, 1998. IBGE (RJ). Pesquisa nacional por amostra de domicílios 1999. Rio de Janeiro, 2001. IBGE (RJ). Sinopse preliminar do censo demográfico 2000. Rio de Janeiro, 2001. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (MG). Déficit Habitacional no Brasil. Belo Horizonte. Dez/ 2001. REDE BRASILEIRA DE HABITAÇÃO PARA A SAÚDE. I Seminário Internacional de Engenharia de Saúde Pública. Recife, 2002. RIZZO, OSVALDO M. A Construção como Opção de Desenvolvimento. Boletim BNDES. RJ. Nov/2001. ENEGEP 2002 ABEPRO 8