CONHECIMENTO DE ALUNOS DE 1ª À 4ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE OS CONTEÚDOS DA LINGUAGEM ESCRITA

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Transcrição:

1 CONHECIMENTO DE ALUNOS DE 1ª À 4ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE OS CONTEÚDOS DA LINGUAGEM ESCRITA Maria Terezinha Bellanda Galuch UEM Marta Sueli de Faria Sforni UEM Edineia Aparecida Castro Avancini UEM/PIBIC/Araucária Este artigo apresenta resultados da pesquisa Aprendizagem da linguagem escrita nas primeiras séries do ensino fundamental. Fundamenta-se em autores da Teoria Histórico-Cultural, sobretudo no que se refere aos processos de ensino e aprendizagem, bem como em autores que discutem temas referentes à alfabetização e aos conteúdos da linguagem escrita, dentre eles: Zorzi, Lemle, Moraes, Sérkes e Martins. Foram analisadas produções textuais de 112 alunos de 2ª à 4ª séries do ensino fundamental, de uma escola pública do Paraná. Essas análises revelam que os alunos da 3ª e 4ª séries continuam apresentando muitas dificuldades em relação aos conteúdos da linguagem escrita: unidade temática, paragrafação, elementos coesivos, concordância verbal, concordância nominal, uso de maiúsculas, pontuação e ortografia. Palavras-chave: linguagem escrita, ensino fundamental, aprendizagem, ensino. Introdução Estudos realizados por Mortatti (2004) e Soares (2003) revelam algumas modificações pelas quais o ensino dos conteúdos da linguagem escrita, principalmente no que se refere ao processo de alfabetização, passou nas últimas tempos. A partir da década de 1980, pesquisas realizadas por Emilia Ferreiro estiveram na base de muitas dessas mudanças que, paralelamente à implantação do Ciclo Básico de Alfabetização, se efetivaram em escolas brasileiras do ensino fundamental. Na tentativa de superar a aprendizagem que se limitava à mera codificação e decodificação de palavras e orações sem sentidos para os alunos, passou-se a dar maior ênfase ao [...] uso social da escrita e da leitura, articulados a uma concepção mais ampla de letramento (BATISTA et al., 2005, p. 24). Nesse contexto, novos problemas começam a surgir, uma vez que houve a tendência de se direcionar o ensino para o extremo exposto. De um ensino mecânico e sem sentido para o aluno, passou-se à valorização de práticas, muitas vezes, espontaneístas, em que as hipóteses e interesses das crianças são amplamente valorizados, acreditando-se que o aluno é capaz de construir o seu próprio conhecimento sobre a linguagem escrita.

2 Segundo Batista, [...] algumas interpretações equivocadas do construtivismo têm recusado ao professor o papel de agregar informações relevantes o avanço dos alunos, como se todos os conhecimentos pertinentes à apropriação da língua escrita pudessem ser construídos pelos próprios alunos sem a contribuição e a orientação de um adulto experiente (BATISTA et al., 2005, p. 24). Tais práticas têm resultado, nos últimos anos, no fato segundo o qual um grande número de estudantes chega ao final da quarta série do ensino fundamental apresentando muitas dificuldades em relação à aprendizagem dos conteúdos da linguagem escrita. Esse fato nos leva a refletir sobre o processo de aprendizado em geral, bem como sobre as implicações do ensino no processo de aprendizagem escolar. Os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural nos mostram que [...] o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que as cercam (VYGOTSKY, 1989, p. 99). Portanto, a aprendizagem demanda a interação entre pessoas. Não se trata de um processo que acontece exclusivamente no plano individual, orientado por fatores biológicos. O aprendizado pressupõe a interação, mas não basta que a criança esteja inserida na sociedade para que ela se aproprie dos conhecimentos acumulados pela humanidade. Por exemplo, por si, o fato de uma criança conviver com pessoas alfabetizadas e letradas não lhe garante a conquista de tais conhecimentos. Na nossa sociedade, essa tarefa é delegada à instituição escolar. Como destacam Fontana e Cruz: Em nossas sociedades, a escola é uma instituição encarregada de possibilitar o contato sistemático e intenso das crianças com o sistema de leitura e de escrita, com os sistemas de contagem e de mensuração, com os conhecimentos acumulados e organizados pelas diversas disciplinas científicas, com os modos como esse tipo de conhecimento é elaborado e com alguns dos variados instrumentos de que essas ciências se utilizam (mapas, dicionários, réguas, transferidores, máquinas de calcular, etc.) (FONTANA e CRUZ, 1997, p. 65). A apropriação de saberes que não se limitam ao cotidiano, quer dizer, a apropriação de conhecimentos científicos, pressupõe situações de ensino intencionalmente organizadas, e isso ocorre na escola.

3 Na escola as relações de conhecimento são intencionais e planejadas. A criança sabe que está ali para apropriar-se de determinado tipo de conhecimentos e de modos de pensar e de explicar o mundo, organizados segundo uma lógica que ela deverá apreender. [...] A professora acompanha a criança: orienta sua atenção, destacando elementos das situações em estudo considerados relevantes à compreensão dos conhecimentos nelas implicados; analisa as situações para e com a criança e leva-a a comparar, classificar, estabelecer relações lógicas; demonstra como usar determinados procedimentos da matemática e da escrita; [...] (FONTANA e CRUZ, 1997, p. 66). Das idéias acima destacadas depreendemos que a aprendizagem escolar é um processo do qual participam adulto e criança, professor e estudante. Envolve e depende das relações que o professor estabelece com o conhecimento, das orientações que oferece aos alunos, da forma como organiza o ensino para que o aluno possa se conscientizar daquilo que é objeto de sua aprendizagem. Recorremos novamente a Fontana e Cruz para melhor explicar o que estamos dizendo: A criança, por sua vez, raciocina com a professora. Segue suas explicações e instruções, reproduz as operações lógicas realizadas por ela, mesmo sem entendê-las completamente. Nessas situações compartilhadas com a professora, a criança aprende significados, modos de agir e de pensar, e começa a elaborá-los. Ela também resignifica e reestrutura significados, modos de agir e de pensar, e começa a se dar conta das atividades mentais que realiza e do conhecimento que está elaborando (FONTANA e CRUZ, 1997, p. 66). O pressuposto segundo o qual o ensino, quando organizado de forma adequada, promove a aprendizagem nos remete à reflexão sobre o conhecimento de alunos das séries iniciais do ensino fundamental no que tange aos conteúdos da linguagem escrita. Desse modo, neste trabalho procuramos analisar a aprendizagem de alunos da 2ª à 4ª série do ensino fundamental, no que diz respeito aos conteúdos acima mencionados, buscando conhecer os avanços que os alunos apresentam sobre tais conhecimentos, de uma série para outra, em situações de produção textual. Foram coletados e analisados 112 textos produzidos, entre os meses de outubro e novembro de 2006, por alunos da 2ª à 4ª série do ensino fundamental, de uma escola pública do Estado do Paraná, em aulas ministradas pelos próprios professores de cada turma. Dos textos coletados, 39 textos são de alunos da 2ª série, 22 são textos produzidos por alunos da 3ª série e 51 textos são de alunos da 4ª série.

4 Na análise foram contemplados dois aspectos: 1). Análise das relações entre as partes do texto (unidade temática, paragrafação, elementos coesivos, concordância verbal, concordância nominal, uso da maiúscula, sinais de pontuação, argumentação, acentuação e sinais gráficos), tal como apresentam Sérkes & Martins (1996, 1998); 2) análise das relações no interior da palavra (representações múltiplas, apoio na oralidade, omissões de letras, segmentação de palavras, confusão entre am e ão, generalização de regras, trocas de letras surdas/sonoras, acréscimo de letras, letras parecidas e inversão de letras). A análise desses aspectos foi realizada, tomando-se como referência estudos realizados por Zorzi (1998). Tabela 1. Desempenho de alunos de 2ª à 4ª série em situação de produção textual, no que se refere à relação entre as partes do texto Relação entre as partes do texto Sim 2ª série 39 alunos Não Em alguns momentos Sim 3ª série 22 alunos Não Em alguns momentos Sim 4ª série 51 alunos Não Em alguns momentos 1. Unidade temática 13 72 15 23 45 32 37 47 16 2. Paragrafação 29 51 20 59 18 23 63 19 18 3. Elementos 20 62 18 10 54 36 37 8 55 coesivos 4. Concordância 18 62 20 23 45 32 55 12 33 verbal 5. Concordância 20 60 20 28 36 36 55 12 33 nominal 6. Uso de maiúscula 75 23 2 96 4 0 92 8 0 no título 6.1. Uso de 31 59 10 68 18 14 78 22 0 maiúscula em Substantivos próprios 6.2. Uso de 54 36 10 68 18 14 76 21 2 maiúscula no início de parágrafos 7. Sinais de 15 59 26 23 23 54 43 4 53 pontuação 8. Argumentação 18 54 28 14 23 63 39 4 57 9. Acentuação 31 49 20 14 59 27 37 4 59 10. Sinais gráficos 24 74 2 41 36 23 25 27 48

5 Ao analisarmos os dados no que se refere às relações entre as partes do texto, sistematizados na Tabela 1, observamos que os alunos da 4ª série que participaram da pesquisa apresentam um avanço no domínio dos seguintes conteúdos: Uso de maiúscula em substantivos próprios e início de parágrafos, uso adequado de paragrafação, concordância verbal, concordância nominal, sinais de pontuação, argumentação, unidade temática, elementos coesivos, acentuação e sinais gráficos, quando comparado ao domínio desses conteúdos pelos alunos da 2ª e 3ª séries. Todavia, percebemos que apesar de haver um avanço, os alunos chegam ao final da 4ª série sem dominar conteúdos fundamentais para a sistematização de um texto na linguagem padrão. Isso não acontece apenas com os conhecimentos sobre a relação ente as partes do texto. A análise das alterações no interior da palavra revela que também nesse aspecto os alunos da 4ª série continuam apresentando algumas dificuldades. Quadro 1. Desempenho de alunos de 2ª à 4ª série em situação de produção textual, no que se refere à relação no interior das palavras Relação no interior da palavra 2ª série 29 alunos (Número de incidência por aluno) 3ª Série 22 alunos (Número de incidência por aluno) 4ª Série 51 alunos (Número de incidência por aluno) 1. Representações 4,1 2,3 3,4 múltiplas 2. Apoio na oralidade 1,9 0,4 0,9 3. Omissões de letras 1,6 1,5 1,0 4. Segmentação 1,7 1,4 1,0 5. Confusão entre am e 0,3 0,1 0,1 ão 6. Generalização de 1,0 0,9 0,6 regras 7. Trocas surdas/sonoras 0,6 0,4 0,8 8. Acréscimo de letras 0,3 0,2 0,2 9. Letras parecidas 0,5 0,6 0,1 10. Inversão de letras 0,2 0,04 0,1 11. Outras 1,1 0,6 0,5 A análise dos dados do Quadro 1 nos permite observar quais são as alterações que aparecem com mais freqüência nos textos produzidos pelos alunos. As alterações que aparecem em primeiro lugar se referem às representações múltiplas. Amparando-nos em pesquisas realizadas por Zorzi (1998, p.43) [...] podemos pensar que uma porcentagem tão elevada de erros deste tipo possa ser

6 decorrente da própria freqüência de palavras da língua portuguesa que apresenta como característica a possibilidade de múltiplas formas de representação. São palavras envolvendo as letras que representam o som /s/ (s,ss,c,sc,ç,sc,x,z), o som de /z/ (z,s,x), o som (x,ch), o som (j,g), o som /k/ (c,q,k), as letras m e n em final de sílabas (representando as vogais nasais), o uso da letra g (que pode ter os sons de / / / e /g/, e o uso da letra c (escrevendo os sons /k/ e /s/). Em segunda posição encontramos as alterações referentes à omissão de letras. Segundo Zorzi (1998), são palavras grafadas de modo incompleto, em função de uma ou mais letras. Nessa mesma posição estão as alterações ligadas à segmentação. É importante lembrar, o que Zorzi (1998) esclarece sobre essa questão: Quando usamos a linguagem oral, as palavras que formam os enunciados podem se suceder sem um limite claro de separação entre elas. Não pronunciamos as palavras uma a uma, isoladamente, mas sim em espécies de blocos com tempos de pausas variáveis. Assim, as palavras faladas não se apresentam como unidades (ZORZI, 1998, p. 38). A escrita com apoio na oralidade ocupa o terceiro lugar em número de incidência de alterações por aluno na 2ª série, caindo para 0,4 na 3ª série e voltando a subir para 0,9 na 4ª série. Em relação ao apoio a oralidade Zorzi (1998, p. 36) escreve: freqüentemente encontramos palavras que podem ser pronunciadas de uma forma, mas que são escritas de outra maneira. Em quarto lugar, encontramos as alterações que envolvem a generalização de regras. Tal como o fez Zorzi (1998), neste tipo de alterações incluímos [...] formas de grafar palavras que parecem reveladoras do modo como as crianças generalizam certos procedimentos de escrita, porém aplicando-os a situações nem sempre apropriadas. Uma criança pode compreender, por exemplo, que embora certas palavras sejam pronunciadas como o som de /i/ ou com o som de /u/, elas podem ser escritas com as letras e, o ou l [...] (ZORZI, 1998, p. 39). As alterações que envolvem as trocas surdas e sonoras vêm logo em seguida. São alterações [...] de escrita dizendo respeito a determinadas substituições de grupos de letras que apresentam em comum o fato de representarem fonemas que se diferenciam pelo traço de sonoridade. Os fonemas /p/, /t/, /k/, /f/, /s/ e /x,ch/ são surdos pelo fato de não apresentarem vibração de pregas vocais quando produzidos. Contrariamente, os fonemas /b/, /d/, /g/, /v/, /z/, e / / -

7 (g/j) são considerados sonoros por serem produzidos com vibração das pregas vocais. O traço de sonoridade correspondente à única distinção entre os pares destes dois conjuntos de fonemas (ZORZI, 1998, P. 39-40). As alterações que dizem respeito às letras parecidas aparecerem na seqüência. Segundo Zorzi: Nesta categoria foram incluídas palavras escritas erroneamente em razão do uso de letras incorretas, mas cuja grafia apresentava alguma semelhança com a letra que deveria ser utilizada. Tal é o caso de trocas entre m e n (quando em posição inicial de sílaba) e dos dígrafos nh, ch, lh e cl (ZORZI, 1998, p. 40). Em seguida estão as alterações que se referem ao acréscimo de letras. Nessa categoria, ao contrário das omissões, estão as palavras que os alunos escrevem com mais letras do que convencionalmente deveriam ter, sendo, por esta razão, consideradas como alterações decorrentes do aumento ou acréscimo de letras ZORZI, 1998). Na seqüência, encontram-se as alterações relacionadas à confusão entre am e ão. Tal como Zorzi observou em sua pesquisa (1998, p. 61), há [...] uma tendência de substituição das letras finais m pela terminação ão. As alterações decorrentes de inversões de letras, ocupam a nona posição. Essas alterações estão representadas por palavras apresentando letra em posição invertida no interior da sílaba, ou mesmo sílabas em posição distinta daquela que deveriam ocupar dentro da palavra [...] (ZORZI, 1998, p. 40). Os outros tipos são alterações que aparecem em textos de algumas crianças em particular, ou seja, são alterações que não se repetem nos textos de outras crianças e que não estão incluídas nas outras alterações. Os dados revelam que em relação às alterações no interior da palavra, os alunos de 4ª série continuam apresentando mais dificuldades na escrita de palavras em que um mesmo som pode ser escrito por várias letras ou uma letra pode representar diferentes sons. Para finalizar A apropriação dos conhecimentos não cotidianos pressupõe a intervenção pedagógica, a intencionalidade de quem ensina. A aprendizagem, inclusive a apropriação dos conteúdos da linguagem escrita não é um processo espontâneo. Diferentemente da transmissão hereditária, que é o caso da

8 linguagem oral, a escrita é um produto da cultura que só se transmite pelo ensino, ou seja, em geral por meio de uma intervenção social planejada para tal fim. (ZORZI, 2003, p.11) Nesse sentido, é fundamental um ensino que leve em conta tanto os usos, como as funções e a natureza da língua escrita, ou seja, um ensino que valorize a produção textual, mas que não deixe de enfatizar os conteúdos próprios da linguagem escrita. REFERÊNCIAS BATISTA, Antônio Augusto Gomes et. Al. Capacidades da Alfabetização. Belo Horizonte: CEALE/FAE/UFMG, 2005. FONTANA, Roseli; CRUZ, Maria Nazaré da. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. LEMLE, Miriam. Guia Teórico do Alfabetizador. 16 ed. São Paulo: Ática, 2004. MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Educação e letramento. São Paulo: UNESPE, 2004. SÉRKES, Ângela Maria Batista; MARTINS, Sandra Mara Bozza. Trabalhando com a Palavra Viva: V.1/ Sistematização da Língua Portuguesa através do Texto. Curitiba: Renascer, 1996. SÉRKES, Ângela Maria Batista; MARTINS, Sandra Mara Bozza. Trabalhando com a Palavra Viva: V.2/ Sistematização da Língua Portuguesa através do Texto. Curitiba: Renascer, 1996. SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003. VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. 6.ed. São Paulo. Martins Fontes, 1998. ZORZI, Jaime Luiz. Aprender a escrever: a apropriação do sistema ortográfico. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. ZORZI, Jaime Luiz. Aprendizagem e distúrbios da linguagem escrita: questões clínicas e educacionais. Porto Alegre: Artmed, 2003.