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Transcrição:

COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO PROLATADO NA APELAÇÃO CÍVIL N.: 70007016710, ORIUNDO DA COMARCA DE BAJÉ - RS, PELA 8ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL Luizane Aparecida Motta * SUMÁRIO: 1 Da Ementa da Decisão; 2 Do Histórico Processual; 3 Do Voto; 4 Da Doutrina; 5 Da Jurisprudência; 6 Dos Comentários ao Acórdão; 7 Da Conclusão; Referências. DA EMENTA DA DECISÃO FILHO DE CRIAÇÃO. ADOÇÃO. SOCIOAFETIVIDADE. No que diz respeito à filiação, para que uma situação de fato seja considerada como realidade social (socioafetividade), é necessário que esteja efetivamente consolidada. A posse do estado de filho liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. Diante do caso concreto, restará ao juiz o mister de julgar a ocorrência ou não de posse de estado, revelando quem efetivamente são os pais. A apelada fez questão de excluir o apelante de sua herança. A condição de filho de criação não gera qualquer efeito patrimonial, nem viabilidade de reconhecimento de adoção de fato. APELO DESPROVIDO. (TJRS; AC 70007016710; Bagé; Oitava Câmara Cível; Rel. Des. Rui Portanova; Julg. 13/11/2003) (Publicado no DVD Magister n. 11 - Repositório Autorizado do STJ n. 60/2006 e do TST n. 31/2007). 2 DO HISTÓRICO PROCESSUAL Trata-se de apelação interposta por Ricardo L. A., contra a sentença que julgou extinto o processo pela impossibilidade jurídica do pedido, com base no art. 267, IV do CPC, nos Autos da Ação de Transformação de Adoção de Fato em Adoção de Direito, que move em face do espólio de Theodora S. F., representado por Lenir F. da S. O fato, tal qual narrado na inicial, é o seguinte: o autor, tendo sua mãe biológica falecido quando possuía dois anos de idade, ficou com seu pai biológico por um período. Depois, passou a ser criado como filho de criação pelo casal Adão e Theodora. O pai de * Mestre em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá CESUMAR; Especialista em Direito Civil (Família e Sucessões) e Processo Civil pelo Centro Universitário de Maringá CESUMAR. E-mail: Luizane-motta@pop.com.br

594 Revista Jurídica Cesumar, v. 8, n. 2, p. 593-600, jul./dez. 2008 criação faleceu quando o insurgente tinha 8 anos. Permaneceu com a mãe de criação, ora apelada, até a sua maioridade. O recorrente afirma que foi expressamente admitida pela Recorrida a sua condição de filho adotivo de Theodora, em que pese a adoção nunca tenha sido formalizada. Afirmou ainda que a documentação acostada aos autos comprova a vontade da de cujus em tê-lo como filho, pois figura como dependente no INSS, Clube Comercial Brasileiro e Sindicato dos Trabalhadores de Bagé, dentre outros. Salientou também, que Theodora admitiu espontaneamente perante o Cartório de Registro de Imóveis de Bagé, ser o apelante seu filho. A sentença foi de improcedência apesar de referir impossibilidade jurídica do pedido. Por conseguinte, o recurso de apelação foi recebido pelo Eminente Desembargador Rui Portanova, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que negou provimento ao apelo, nos termos do voto abaixo descrito: 3 DO VOTO No feito, veio matrícula do registro de usufruto de um imóvel constando Ricardo como filho de criação de Theodora (fl. 08/60-62), carteira de clube social, do INAMPS, caderneta de poupança e declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bagé, apontando o apelante como dependente da apelada (fls. 09-11/13) e matrícula escolar, indicando o insurgente como filho de criação da recorrida (fls. 12/14-16). A apelada fez testamento cerrado deixando todos os seus bens para a sua filha biológica (fls. 40-42), sendo daí lícito concluir que fez questão de excluir o apelante de sua herança, na medida em que a filha, por lei (art. 1.829 do CC), já é herdeira necessária. Sobre a questão, assim disse a sentença: Demonstra o autor a condição de filho de criação de Theodora. A condição de criado pela requerida não gera qualquer direito, nem mesmo patrimonial. A possibilidade seria se legatário, porém, a requerida deixou testamento e nele não há registro de ter sido o autor de qualquer forma contemplado (fl. 86). Portanto, o apelante sempre foi considerado filho de criação. Não era considerado tal como se fosse um filho biológico (estado de filho). Pelo menos isso não foi provado. Quero salientar que não se está dizendo que não houve amor nesta relação de criação. Havia, por assim dizer, um amor diferente do amor filial. Era mais uma relação de ajuda, de solidariedade humana, do que uma relação de amor. Ou seja, uma situação de fato não alcança a posse do estado de filho para ensejar uma adoção como deseja o recorrente. Ademais, atentando-se aos estritos termos do pedido de reconhecimento de adoção de fato em adoção de direito, convém que já se diga que é lícito imaginar que, se fosse interesse da falecida adotar o apelante o teria feito nos longos anos em que durou a criação do apelante no seio de sua família.

Comentário a Acordão 595 4 DA DOUTRINA O Ministério Público diz o seguinte sobre o pedido de adoção: Não se há de distinguir adoção de fato e adoção de direito, porque a adoção é um ato de amor. Quem ama, exterioriza e, sobretudo, concretiza... Assim como não se confundem os encontros esporádicos entre um casal com a união estável, não se pode confundir gestos de proteção e carinho (abertura de poupança, doação de imóvel etc.) com amor filial. Tanto aquela, como esta, exigem algo mais exteriorizado, mais concreto, mais visível. E isso não existe neste processado. (fl. 109). Grifei. De alguma forma o apelante busca situação semelhante aquela que costumamos reconhecer de filiação socioafetiva. Contudo, para que uma situação de fato seja considerada como realidade social (socioafetividade), é necessária que esteja efetivamente consolidada, isto é, que tal estado venha extraído de dúvidas. Sobre a socioafetividade, doutrina Luiz Edson Fachin (in Estabelecimento da Filiação e Paternidade Presumida, p. 157, 160, 163, Fabris Ed., 1992) o seguinte: Apresentandose no universo dos fatos, à posse de estado de filho liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. Aproxima-se, assim, a regra jurídica da realidade. Em regra, as qualidades que se exigem estejam presentes na posse de estado são: publicidade, continuidade e ausência de equívoco... A posse de estado serve para revelar a face sócio-afetiva da filiação... Diante do caso concreto, restará ao juiz o mister de julgar a ocorrência ou não de posse de estado. Nessa temática, a jurista Berenice Dias ( in Manual de Direito das Famílias, Porto Alegre, Livraria Advogado, 2005, p.341), diz que a filiação socioafetiva assenta-se no reconhecimento da posse do estado de filho: a crença da condição de filho fundada em laços de afeto. A posse de estado é a expressão mais exuberante do parentesco psicológico, da filiação afetiva. A afeição tem valor jurídico. Por outro lado, Jacqueline Nogueira, (in A Filiação que se Constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico, p. 192, Memorial Jurídica, 2001), sustenta, com acerto, de que considerando a posse de estado de filho, como elemento principal no reconhecimento da filiação, acreditamos que muitos dos problemas relativos ao tema estariam solucionados, visando, destaque-se, à preservação do interesse da criança. Dessa forma reconhecida a posse do estado de filho consagraria o afeto existente entre pais e filhos como primordial para o estabelecimento da filiação. Doutrina também a respeito Silvana Maria Carbonera (in O Papel Jurídico do Afeto nas Relações de Família, IBDFAM, 1999, p.499-505): O aspecto socioafetivo do estabelecimento da filiação baseia-se no comportamento das pessoas que o integram, para revelar quem efetivamente são os pais. A jurista Maria Claudia Brauner, conclui muito bem, quando afirma: a vida familiar mudou, revelando a pluralidade de manifestação ou de arranjos familiares e, este é o sentido desta que propôs a renovação, a transparência e a maior autenticidade nas relações entre pais e filhos, buscando no elemento subjetivo do amor e da afeição, a

596 Revista Jurídica Cesumar, v. 8, n. 2, p. 593-600, jul./dez. 2008 salvaguarda do interesse das crianças, consideradas como prioridade absoluta pelos textos jurídicos nacionais e internacionais. 5 DA JURISPRUDÊNCIA Neste mesmo sentido, assim se manifesta a jurisprudência: Ante o exposto, nego provimento ao apelo. 6 DOS COMENTÁRIOS AO ACÓRDÃO FILHO DE CRIAÇÃO. ADOÇÃO DE FATO. NULIDADE DE PARTILHA. No sistema jurídico brasileiro não existe a adoção de fato e o filho de criação. Não pode ser tido como adotado ou equiparado aos filhos biológicos para fins legais tais como direito à herança. Considerações sobre os limites de elasticidade do sistema jurídico, na busca das soluções mais justas. Não se admite ação declaratória sobre a existência de fato. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 596038091, OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: SÉRGIO GISCHKOW PEREIRA, JULGADO EM 25/04/1996). AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA PUBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL... O ato de acolher pessoa como filho de criação não origina qualquer efeito jurídico. Apelo desprovido (APELAÇÃO CÍVEL Nº 598010726, SEXTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: OSVALDO STEFANELLO, JULGADO EM 10/03/1999). AÇÃO ORDINÁRIA DE RECONHECIMENTO DE QUALIDADE HEREDITÁRIA, NA CONDIÇÃO DE FILHO. O filho de criação não pode ser equiparado ao filho adotivo. Assim, pouco importa a incidência ou não, das normas constitucionais. Ação improcedente. Apelo desprovido, unânime. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 596098509, OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ELISEU GOMES TORRES, JULGADO EM 10/10/1996). A filiação sócio-afetiva compreende em tese toda e qualquer forma de filiação estabelecida a partir da ausência do vinculo biológico, que por assim dizer, é em verdade considerada aquela relação paterno-filial, onde não há qualquer herança genética, e sim, destacadamente está presente o vínculo da afetividade. Para enumerar as espécies de filiação socioafetiva, Belmiro Pedro Welter, aponta quatro exemplos que entende ser os mais evidenciados pela doutrina. Admite o autor que nessa espécie de perfilhação estão incluídos os filhos adotivos, os de criação, os

Comentário a Acordão 597 que são reconhecidos nas formas voluntárias e judiciais, tanto em relação à paternidade, quanto à maternidade e finalmente aponta a adoção à brasileira. 1 O instituto da filiação socioafetiva representa na prática o entendimento que já se consagrou majoritário no direito de família, admitindo-se quanto ao fato da qualidade de pai, que os verdadeiramente considerados são aqueles que criam os filhos sob o expresso interesse de lhes dar amor, carinho, dedicação e não os que apenas procriam, estes muitas vezes apenas com a qualidade de origem biológica. De modo que a partir da idéia de adoção, a afetividade nas relações da filiação passou a ser igualmente expressiva nos casos em que mesmo não se estabelecendo a filiação pelo vínculo jurídico e nem biológico, há entre os supostos pais e a criança uma relação estreitada, em que o amor, o carinho, enfim os cuidados dispensados, representam idêntica preocupação inerente à condição paternal, fazendo se denotar a qualidade da filiação sociológica que neste caso a criança assistida é denominada de filho de criação. 2 Conforme se vê esta forma de filiação, embora represente o seguimento familiar constituído sob a influência da afetividade, carece, no entanto, de maior preocupação por parte do ordenamento jurídico, haja vista a grande incidência de casos hoje colocados para apreciação jurídica e que por descaso da lei, terminam com decisões alicerçadas apenas com base nos princípios constitucionais, que embora representem a máxima legal, muitas vezes são ainda insuficientes. Para que seja caracterizada a filiação socioafetiva é necessário que a relação existente seja de amor filial, que seja a criança considerada como filho legítimo, não havendo qualquer distinção com relação a outros filhos, é preciso na verdade, à posse de estado de filho. No direito pátrio, a questão da posse de estado de filho ainda é extremamente tímida, uma vez que não há no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma norma que regulamente referida situação, sendo, portanto, questão apenas tratada pela doutrina e pelo Tribunal do Rio Grande do Sul onde referida terminologia e bastante usada. Quanto ao conceito doutrinário de posse do estado de filho, José Bernardo Ramos Boeira preceitua que uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação paterno - filial em que há o chamamento de filho e a aceitação ao chamamento de pai 3. Nota-se do conceito acima exposto que para a caracterização da posse de estado de filho, o elemento fundamental é o status, a aparência de filho que é externada para a sociedade. Logo, o conceito de posse de estado de filho deve ser entendido em relação aos direitos e deveres dos filhos para com seus pais e esse em relação àqueles. A pessoa deve ser tratada como se filho fosse, o suposto pai deve atender a manutenção, à educação e etc. e deve ainda haver constante consideração em relação ao filho nas relações sociais, em outras palavras, para que alguém seja considerado filho, deve a 1 WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade Entre as Filiações Biológica e Socioafetiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 148. 2 Op. cit., p. 148-149. 3 BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade: Posse de estado de filho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 60.

598 Revista Jurídica Cesumar, v. 8, n. 2, p. 593-600, jul./dez. 2008 sociedade assim o reconhecer, são as pequenas situações do cotidiano que darão ao filho esse status, evidentemente, não necessariamente todos os requisitos, mais a presença de alguns deles, já nos dão, pelo menos o indício de uma relação de afeto. No que se refere à caracterização dos requisitos concernentes à posse de estado de filho Eduardo dos Santos destaca que tal situação depende: da personalidade de cada pessoa, do seu temperamento e caráter, da sua categoria e condição social, situação econômica e familiar, grau de educação e instrução e hábitos, isso porque se pode chamar alguém de filho sem lhe dar o tratamento de filho 4. Assim, deve o indivíduo ter sempre usado o nome do pai ao qual ele identifica como tal; que o pai o tenha tratado como seu filho e tenha contribuído, nesta qualidade, para a sua formação como ser humano; que tenha sido constantemente, reconhecido como tal na sociedade e pelo presumido pai. Aqui a fama representa a exteriorização do estado, em que terceiros consideram o indivíduo como filho de determinada pessoa, ou seja, mostra que ele é conhecido como tal pelo público 5. Vale ainda destacar que é justamente na evidência do vínculo afetivo que se consubstancia o reconhecimento da filiação sócioafetiva, suas bases estão justamente na comprovação do estado de filho, e quanto a esse particular, a doutrina tem seguido um mesmo posicionamento, valendo-se os doutrinadores dos mesmos argumentos para caracterizar e sustentar referido instituto. 7 DA CONCLUSÃO Como foi visto, é pacifico para que se configure a filiação socioafetiva, a existência em primeiro lugar a posse de estado de filho, donde surge o relacionamento socioafetivo entre os pais e a pessoa que acaba sendo criada como filho do casal que o possui por toda uma vida e que a exteriorização desse fato seja público, notório e continuo dentro da relação familiar. Dessa forma, foi correta a decisão do Eminente Desembargador Rui Portanova, pois para que uma situação de fato seja considerada como relação socioafetiva é necessário que esteja efetivamente consolidada no seio das relações familiares, o que data vênia, não veio a ocorrer neste caso sub examine. No presente caso, mesmo sendo criado pela de cujus, o Recorrente sempre foi considerado como um filho de criação, com afeto e carinho, mas com características de que a falecida não o considerava como um filho em sua plenitude, tanto que fez um testamento cerrado deixando todos os seus bens para sua filha biológica. Sendo um dos requisitos da relação socioafetiva a existência de uma relação paternofilial, com fama e trato de filho, o que não existiu no presente caso em comento, em razão das provas existentes de ser sempre considerado um filho de criação, não pode o Recorrente ser considerado filho da de cujus, sob pena de violentar inclusive o último desejo, da suposta mãe, que deixou disposição de última vontade e em momento algum 4 SANTOS, Eduardo dos. Direito de Família. Coimbra: Almedina, 1999, p. 459-462. 5 BOEIRA, José Bernardo Ramos. Op. cit., p. 62-63.

Comentário a Acordão 599 demonstrou esse desejo, não tendo direito a qualquer parcela patrimonial, sobre os bens deixados na sucessão d de sua suposta genitora.. REFERÊNCIAS BEVILAQUA, Clóvis. Direito de família. 7. ed. Rio de Janeiro, RJ: Editora Rio, 1976. v. 6. BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária, 1993. BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de paternidade: Posse de estado de filho. Porto Alegre, RS: Livraria do Advogado, 1999. DELINSKI, Julie Cristine. O Novo Direito da Filiação. São Paulo, SP: Dialética, 1997. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 2. ed. Porto Alegre, RS: Livraria do Advogado, 2005. FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte, MG: Del Rey, 1996.. Estabelecimento da Filiação e Paternidade Presumida. Porto Alegre, RS: Fabris Editor, 1992.. Elementos Críticos do Direito de Família. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro, RJ: Renovar, 1999. FACHIN, Rosana Amara Girardi. Em busca da Família do Novo Milênio. Rio de Janeiro, RJ: Renovar, 2001. GIORGIS, José Carlos Teixeira. A Paternidade Fragmentada: Família, Sucessões e Bioética. Porto Alegre, RS: Livraria do Advogado, 2007. GOMES. Orlando. Direito de Família. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2001. LEITE, Eduardo de Oliveira. Temas de direito de família. São Paulo, SP: Editora Revista dos Tribunais, 1994. MOURA, Mário Aguiar de. Tratado prático da filiação. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Aide, 1987.

600 Revista Jurídica Cesumar, v. 8, n. 2, p. 593-600, jul./dez. 2008 NOGUEIRA, Jacqueline Figueras. A Filiação que se Constrói: O Reconhecimento do Afeto como Valor Jurídico.São Paulo, SP: Memória Jurídica, 2001. OLIVEIRA, Guilherme de. Critério jurídico de paternidade. Coimbra: Almedina, 1998. RIBEIRO, Ivete (Coord.). Família em processos contemporâneos: inovações culturais na sociedade brasileira. São Paulo, SP: Edições Loyola, 1995. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de Família. 27. ed. São Paulo, SP: Saraiva, [S. d.]. SANTOS, Eduardo dos. Direito de Família. Coimbra: Al-Medina, 1999. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 3. ed. São Paulo, SP: Atlas, 2002. VILLELA, João Baptista. O modelo constitucional da filiação: Verdade & Superstições. Revista Brasileira de Direito de Família, Belo Horizonte, n. 2, jul./ago./set. 1999. WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade Entre as Filiações Biológica e Socioafetiva. São Paulo, SP: Editora Revista dos Tribunais, 2003.