ACÓRDÃO. O julgamento teve a participação dos Desembargadores VITO GUGLIELMI (Presidente), PAULO ALCIDES E FRANCISCO LOUREIRO.

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº , da Comarca de São Paulo, em que é agravante MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, são agravados PATRÍCIA JACQUELINE TERSARIOLLI (INVENTARIANTE) e JOSE WOZNICZKA (ESPÓLIO). ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores VITO GUGLIELMI (Presidente), PAULO ALCIDES E FRANCISCO LOUREIRO. São Paulo, 26 de junho de Vito Guglielmi relator Assinatura Eletrônica

2 VOTO Nº AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº RELATOR : DESEMBARGADOR VITO GUGLIELMI AGRAVANTE : MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO AGRAVADO : PATRÍCIA JACQUELINE TERSARIOLLI (Invte) COMARCA : SÃO PAULO 11ª VARA DA FAMÍLIA E SUCESSÕES SUCESSÃO. DECISÃO ATACADA QUE, DIANTE DO RECONHECIMENTO, POR SENTENÇA, DA AGRAVADA COMO COMPANHEIRA DO EXTINTO, CONVERTEU A ARRECADAÇÃO DE BENS DE HERANÇA JACENTE EM INVENTÁRIO, NOMEOU-A INVENTARIANTE E EXCLUIU O MUNICÍPIO ORA AGRAVANTE DO FEITO. ADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CONTROVÉRSIA, DE UM LADO, QUANTO À CONDIÇÃO DE EX-CONVIVENTE DO FALECIDO OSTENTADA PELA RECORRIDA, E, DE OUTRO, EM RELAÇÃO À INEXISTÊNCIA DE PARENTES SUCESSÍVEIS. HIPÓTESE EM QUE A HERANÇA DEVE SER DEFERIDA À AGRAVADA EM SUA TOTALIDADE, SEJA SE CONSIDERADA A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART DO CC, SEJA SE TOMADA A INTERPRETAÇÃO DADA AO MESMO ARTIGO PELA DOUTRINA. CONCEITO DE HERANÇA JACENTE QUE NÃO SE COADUNA COM EVENTUAL FRACIONAMENTO DO MONTE PARTILHÁVEL. INTELIGÊNCIA DO ART DO CC. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Trata-se de agravo de instrumento tirado contra decisão que, diante do reconhecimento da agravada Patrícia Jacqueline Tersariolli como companheira do de cujus, converteu o procedimento de arrecadação de bens de herança jacente em inventário, nomeando a recorrida como inventariante e excluindo a participação da agravante no feito. Agravo de Instrumento nº

3 A agravante argumenta que não houve declaração de inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil e que o inciso III do artigo 1829 contempla apenas o cônjuge sobrevivente e não o companheiro como sucessor. Conclui pela reforma do julgado, com a limitação da participação da agravada nos bens adquiridos onerosamente no curso da união estável. Processado o recurso de agravo (fls. 209), veio aos autos a contraminuta da agravada (fls. 212/222), sem oposição de qualquer das partes ao julgamento virtual do agravo de instrumento (fls. 227). É o relatório. 2. Cuida-se de recurso de agravo de instrumento tirado contra decisão que, diante do reconhecimento da agravada Patrícia Jacqueline Tersariolli como companheira do de cujus, converteu o procedimento de arrecadação de bens de herança jacente em inventário, nomeando a recorrida como inventariante e excluindo a participação da agravante no feito. E, com efeito, desmerece mesmo guarida a presente insurgência. Isso porque, de um lado, decorrendo a condição da agravada como companheira do autor da herança do reconhecimento no bojo de sentença proferida em ação própria, e, de outro, não havendo controvérsia quanto à inexistência de outros parentes sucessíveis, há mesmo que se deferir a herança, em sua absoluta totalidade, à parte ora recorrida, não havendo que se falar em concorrência com a Municipalidade ora agravante. Aliás, a essa conclusão se chega, seja a partir do reconhecimento da incompatibilidade do artigo 1790 do Código Civil com as disposições constitucionais (a teor de precedente desta Câmara: TJSP, AI. nº , Rel. Des. Francisco Loureiro), seja com a admissão da constitucionalidade do dispositivo (na esteira da decisão do Órgão Especial na Arguição de Inconstitucionalidade nº ). Adotada a primeira posição, a solução é evidente: com o afastamento do regime sucessório próprio da companheira, passa-se a aplicar as disposições gerais do artigo do Código Civil, deferindo-se à Agravo de Instrumento nº

4 convivente o patrimônio integral nos termos do inciso III desse dispositivo. Já para a segunda posição, o deferimento da totalidade da herança se dá por força do disposto no inciso IV do controvertido artigo 1790 do Código Civil. É que, há muito, já se entende, como sintetiza MAURO ANTONINI (in A. C. PELUSO, Código Civil Comentado, 5ª Ed., Barueri, Manole, 2011, pp ), que apesar do defeito de redação do art , a totalidade da herança referida no inciso IV não está restrita aos aquestos do caput do artigo 1.790, mas abrange todos os bens, inclusive os particulares, o que decorre da interpretação conjunta com o artigo do mesmo diploma. Explica o mesmo autor mencionado (op. e loc. cit) que o artigo do Código Civil estabelece que (...) a herança se devolve ao município, Distrito Federal (no exercício de competência municipal) ou à União (em relação aos bens situados em municípios de territórios) desde que não haja nenhum parente sucessível. O que significa que o legislador não admite a possibilidade da existência de herança que seja só em parte jacente. Aliás, essa é a opinião prevalente, podendo-se mencionar v.g.: NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA BORRIELO DE ANDRADE NERY (Código Civil Comentado, 9ª Ed., São Paulo, RT, 2012, p. 1510), GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA (in A. J. AZEVEDO, Comentários ao Código Civil, v. 20, 2ª Ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 57) ou MARIA HELENA DINIZ (Código Civil Anotado, 12ª Ed., São Paulo, Saraiva, 2006, p. 1463) que explica: Se o Município, o Distrito Federal ou a União só é sucessor irregular de pessoa que falece sem deixar herdeiro, como se poderia admitir que receba parte do acervo hereditário concorrendo com herdeiro sui generis (sucessor regular) que, no artigo sub examine, seria o companheiro? Na herança vacante configura-se uma situação de fato em que ocorre a abertura da sucessão, porém não Agravo de Instrumento nº

5 existe quem se intitule herdeiro. Por não existir herdeiro é que o Poder Público entra como sucessor. Se houver herdeiro, afasta-se o Poder Público da condição de beneficiário dos bens do de cujus, na qualidade de sucessor. Daí o nosso entendimento de que, não havendo parente sucessível, o companheiro terá direito à totalidade do acervo hereditário, alusivo ao patrimônio obtido, de modo oneroso ou gratuito, durante a convivência, e até mesmo aos bens particulares do de cujus, recebidos por doação ou herança ou adquiridos onerosamente antes da união estável, por força do disposto no artigo 1844 do Código Civil (norma especial), pois se assim não fosse, instaurar-se-ia no sistema jurídico uma lacuna axiológica. Daí que, incontroversa a condição da agravada como ex-companheira do falecido, e ausentes outros parentes sucessíveis, era caso mesmo de se deferir à recorrida a totalidade da herança seja por força do artigo 1.790, seja em razão do artigo 1.829, ambos do Código Civil, afigurando-se correta, portanto, a decisão que converteu o feito em inventário, nomeou a convivente como inventariante e excluiu a participação da Municipalidade. 3. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso. Vito Guglielmi Relator Agravo de Instrumento nº