Ventilação não-invasiva com pressão positiva (VNIPP) e insuficiência respiratória aguda no pós-operatório de escoliose idiopática: relato de caso

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Transcrição:

ARTIGO ORIGINAL Ventilação não-invasiva com pressão positiva (VNIPP) e insuficiência respiratória aguda no pós-operatório de escoliose idiopática: relato de caso Noninvasive ventilation and acute respiratory failure in postoperative of idiopatic scoliosis: case report CAMILE BONATO* GABRIEL RIBEIRO DO AMARAL* CÍNTIA JOHNSTON** PAULO EINLOFT*** RESUMO Objetivo: Relatar o caso de um paciente masculino de 16 anos, no pós-operatório de artrodese de coluna torácica, que foi submetido ao uso da ventilação não invasiva por pressão positiva (VNIPP) como auxiliar no tratamento da insuficiência respiratória aguda (IRA). Método: Este é o relato de caso retrospectivo de um paciente do sexo masculino de 16 anos, que internou em abril de 2005 na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital São Lucas (HSL) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). As variáveis foram coletadas do prontuário do paciente, a evolução do caso foi analisada com base no acompanhamento dos exames radiológicos de tórax e dos sinais clínicos (gasometria arterial e sinais vitais). Resultados: Com este estudo de caso observou-se que a VNIPP melhorou a hipoxemia, reduziu o esforço ventilatório, auxiliou na melhora radiológica e gasométrica de um paciente de 16 anos, do sexo masculino, no pós-operatório de artrodese de coluna. ABSTRACT Objectives: Describe a case of a patient with 16 years old, in the postoperative one of artrodesis of thoracic spinal, that was submitted to the use of the noninvasive ventilation (NNIV) as to assist in the treatment of the acute respiratory failure (ARF). Methods: This account of retrospective case of a patient of the masculine sex of 16 years, that interned in April of 2005 in the Unit of intensive therapy of the Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). The variables had been collected of the records of the patient; the evolution of the case was analyzed on the basis of the accompaniment of the radiological examinations of thorax and the clinical signals (arterial gasometrical and vital signals). Results: With this study of case it was observed that the NNIV improved the hipoxemia, reduced the ventilatory effort, assisted in the radiological and gasometrical improvement of a patient of 16 years, of the masculine sex, in the postoperative one of artrodese of column. * Acadêmicos do 9 semestre do Curso de Fisioterapia da PUCRS. ** Fisioterapeuta. Doutoranda em Pediatria e Saúde da Criança. Docente do Curso de Fisioterapia da PUCRS. *** Médico intensivista da UTI Pediátrica HSL-PUCRS. Faculdade de Enfermagem, Nutrição e Fisioterapia da PUCRS. Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 4, out./dez. 2005 243

Conclusão: Observou-se que a utilização da VNIPP para o tratamento da IRA no pós-operatório de artrodese de coluna auxiliou para o manejo pré e pós desmame da ventilação mecânica invasiva (VMI). UNITERMOS: RESPIRAÇÃO ARTIFICIAL; VENTILAÇÃO COM PRESSÃO POSITIVA INTERMITENTE; ESCOLIOSE; INSU- FICIÊNCIA RESPIRATÓRIA; PERÍODO PÓS-OPERATÓRIO. Conclusion: It was observed that the use of the NNIV for the treatment of the ARF in the postoperative one of artrodese of spinal helps in the handling of the are and past weaning days of the ventilation invasive mechanical (VIM). KEY WORDS: RESPIRATION, ARTIFICIAL; INTERMITTENT POSITIVE-PRESSURE VENTILATION; SCOLIOSIS; RESPIRATORY INSUFFICIENCY; POSTOPERATIVE PERIOD. INTRODUÇÃO Observou-se que, em alguns estudos, a prevalência da escoliose em países como Argentina (1) e Grécia (2) não chega a 2%, enquanto no Brasil, observa-se uma prevalência de 7,3% (3). Sendo a prevalência de escoliose consideravelmente elevada em nosso país, torna-se necessária a abordagem de prevenção e de tratamento para esta deformidade da coluna vertebral que acarreta alterações funcionais ao indivíduo portador. A escoliose corresponde ao desvio no eixo vertical da coluna vertebral. De severidade variável, sua incidência chega a 4:1.000, acomete predominantemente a população feminina, sendo geralmente de origem idiopática (4). A escoliose é uma deformidade tridimensional complexa da coluna vertebral, destacando-se o seu desvio lateral e a rotação dos corpos vertebrais entre os vários componentes patológicos da deformidade. A rotação dos corpos vertebrais ocorre para o lado da convexidade da curva e a sua manifestação clínica juntamente com a deformidade das costelas, na coluna torácica ou dos processos espinhosos na coluna lombar, é denominada giba ou gibosidade, em alguns casos é necessária a correção cirúrgica para o seu tratamento (5). Escoliose idiopática denota que a escoliose é de origem desconhecida, sendo a forma mais comum de escoliose. A escoliose idiopática pode ser mais delineada pela idade de inicio: a infantil ocorre em crianças desde o nascimento até os três anos de idade; a juvenil entre os três e os dez anos de idade; e a adolescente desenvolve-se depois dos dez anos de idade (6). Esta alteração na coluna vertebral pode distorcer todo o gradeado costal e prejudicar a inspiração, impedindo a respiração profunda e a tosse. Pela dificuldade de carrear secreções e ventilar adequadamente, estes pacientes podem evoluir com infecção e com alteração da troca gasosa. Indivíduos obesos, quando em posição supino, têm o diafragma rebaixado pelas vísceras abdominais, reduzindo a capacidade residual funcional e prejudicando a contração diafragmática na inspiração (7). A ventilação não invasiva por pressão positiva (VNIPP) tem sido utilizada com o objetivo de melhorar as trocas gasosas e reduzir o trabalho ventilatório dos pacientes que apresentam desconforto ventilatório decorrente de alterações posturais, sendo uma alternativa para evitar a intubação endotraqueal de pacientes que mantêm estabilidade clínica, hemodinâmica e neurológica, além de tratar e prevenir os sintomas resultantes da hipoventilação pulmonar, reduzir possíveis complicações e o período de hospitalização (8). Desta forma, este artigo tem como objetivo relatar o caso de um paciente de 16 anos, no pós-operatório de artrodese de coluna torácica, que foi submetido ao uso da VNIPP como auxiliar no tratamento da insuficiência respiratória aguda (IRA). MÉTODO Para este relato de caso retrospectivo, foram coletadas do prontuário do paciente as informações pertinentes ao seu quadro clínico (Sinais Vitais, Gasometria Arterial e Rx de tórax). Fez parte deste relato de caso um paciente do sexo masculino, de 16 anos, que internou em março de 2005 na UTIP do HSL-PUCRS. Este estudo foi autorizado pelo Comitê Científico e Ético da PUCRS e do HSL. Este paciente foi avaliado e tratado pela equipe de fisioterapia deste hospital no pré e pós-operatório de artrodese de coluna torácica para correção de escoliose sinistro convexa idiopática. As variáveis coletadas (FC, FR, Sat O 2, PA, Gasometria Arterial) do prontuário do paciente foram analisadas e os resultados foram demonstrados de forma descritiva. 244 Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 4, out./dez. 2005

RELATO DO CASO O paciente de 16 anos, do sexo masculino, foi acompanhado pela equipe de Fisioterapia do HSL-PUCRS durante o período de 04/04/05 à 21/04/05. No dia 05/04/05 foi submetido a artrodese de coluna, nos níveis entre T2 a L5, por via anterior. No dia 12/04/05, foi submetido à outra cirurgia para a correção de cifoecoliose por via posterior, no período entre a primeira e a segunda cirurgia, o paciente iniciou com o tratamento de fisioterapia respiratória, pois apresentava secreção broncopulmonar. Após a segunda cirurgia, o desmame da ventilação mecânica invasiva (VMI) foi difícil, pois o paciente apresentou atelectasia do lobo inferior esquerdo (Figura 1). (VAS), quando o paciente estava com os sinais vitais estáveis foi submetido a oxigenoterapia a 3 L O 2 /min por catetér nasal. Neste momento foi solicitado novo Rx de tórax (Figura 2, Gráficos 1 e 2). Figura 2 Rx após 12 h do uso de VNIPP. Figura 1 Rx com atelectasia de lobo inferior esquerdo (LIE). Desta forma, desde sua internação até a alta hospitalar o paciente necessitou de fisioterapia respiratória. Após o primeiro pós-operatório as condutas fisioterapêuticas as quais o paciente foi submetido, foram as seguintes: pressão positiva expiratória (EPAP) de 5 cmh 2 O associado ao fluxo de oxigenoterapia de 5 l/min, 3 vezes ao dia durante dois dias. Como não houve melhora do quadro ventilatório e foi prevista nova cirurgia por via posterior, optou-se por submeter o paciente a VNIPP, no modo ventilatório BiPAP, com os seguintes parâmetros: pressão positiva inspiratória (IPAP) 9 cmh 2 O, EPAP 4 cmh 2 O, FiO 2 0,4% e FR 12irpm, durante 1h/turno. Após a retirada da VNIPP, foi realizada a aspiração de grande quantidade de secreção mucopurulenta de vias aéreas superiores Através desta comparação podemos perceber que nos dias (de 1 a 9) de uso da VNIPP, a FR (com variável de inspirações por minuto), manteve-se mais baixa e mais regular do que pré-vnipp. GRÁFICO 1 Comparação entre a freqüência respiratória pré-vnipp (FR01) e durante a VNIPP (FR02). SaO 2 a SaO 2 d Neste gráfico podemos perceber que durante o uso da VNIPP (por dias), a saturação de O 2 (com variável de %) teve um aumento significativo e manteve-se mais estável em comparação a saturação pré-vnipp. GRÁFICO 2 Comparação entre a saturação de oxigênio pré-vnipp (SaO 2 a) e durante a VNIPP (SaO 2 d). Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 4, out./dez. 2005 245

No dia 12/04/05, após a outra cirurgia para a correção de cifoecoliose por via posterior, o paciente retornou do bloco cirúrgico em VMI, permanecendo durante 48h. No dia 14/04/05 foi extubado após os seguintes exames: PiMax -10 cmh 2 O, PiMax -50 cmh 2 O, PeMax 50 cmh 2 O, Fr 17irpm, índice de respiração superficial de 11,3 L/min/kg. Gasometria arterial desta data pré-extubação (Tabela 1). TABELA 1 Acompanhamento da Gasometria Arterial*. Data 09/04/05 12/04/05 13/04/05 14/04/05 ph 7,35 7,41 7,60 7,41 PaCO 2 56 46 23 42 HCO 3 30 28 23 26 CO 2 exp 31 29 24 27 BE 3 3 3 1 PaO 2 42 31 126 43 SaO 2 74% 59% 99% 79% Figura 3 Rx após 48 horas do uso da VNIPP. * Gasometria arterial antes da utilização da VNIPP. Após 7 horas da extubação, o paciente evoluiu com FC: 89 bpm, Fr: 20 ipm, SaO 2 97%, FiO 2 0,3%. Então, a equipe multiprofissional da UTIP optou por instalar a VNIPP, com os seguintes parâmetros: modo BIPAP (IPAP: 11cmH 2 O; EPAP: 6 cmh 2 O; Fr: 15irpm; Tins: 0,9; FiO 2 : 0,3%). Sendo submetido 2h/turno, o paciente mantevese com SaO 2 de 98%. Foi mantido em BIPAP durante 04 dias, após a retirada da VNIPP foram aspiradas VAS, sempre com grande quantidade de secreção mucopurulenta. Neste período foi realizada a gasometria arterial de controle (Tabela 1). O Rx de tórax (Figura 1-4) foi solicitado diariamente e a evolução dos sinais vitais foi acompanhada durante o período de uso da VNIPP (Tabela 2, Gráficos 1 e 2). Os resultados são demonstrados de forma descritiva através do acompanhamento dos Rx de tórax, tabelas e gráficos. Figura 4 Rx após a artrodese da coluna via anterior e posterior. Tabela 2 Acompanhamento dos Sinais Vitais*. Data 12/4 13/4 14/4 15/4 16/4 17/4 18/4 19/4 20/4 21/4 PA 120/70 110/60 110/70 110/60 90/50 110/60 110/60 120/60 110/70 110/70 FC 73 104 96 75 80 85 80 80 77 84 FR 25 15 22 17 23 19 19 20 19 20 SaO 2 (%) 95 100 100 97 98 98 98 98 99 98 * Nesta tabela vemos que após o início da utilização da VNIPP, os sinais vitais mantiveram-se mais estáveis. 246 Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 4, out./dez. 2005

RESULTADOS E DISCUSSÃO A incidência da escoliose é de 10% na população geral. Aproximadamente 1 em cada 10.000 indivíduos tem uma curvatura que acaba comprometendo a ventilação pulmonar (9). A escoliose é definida como uma deformidade da coluna que cria um deslocamento para ambos os lados. Com a evolução, essa distorção anatômica pode causar insuficiência respiratória por fraqueza muscular e desvio da linha média das estruturas anatômicas, como por exemplo: o miocárdio, as costelas (10). Neste caso, o paciente do sexo masculino, apresentou um quadro de escoliose sinistro convexa, associado a fraqueza muscular no gradio torácico, desvio do miocárdio para a esquerda e uma aproximação das costelas do lado direito. Estas alterações estavam ocasionando distúrbios cardioventilatórios, que prejudicavam a qualidade de vida do adolescente, que se sentia cansado para realizar atividades simples, como, por exemplo, caminhar. A escoliose interfere na formação, no crescimento e no desenvolvimento dos pulmões. A hipertensão pulmonar e a hipoxemia crônica secundária poderão causar vasoconstrição pulmonar, o que resultará em um aumento da resistência vascular pulmonar ocasionando hipertensão pulmonar e em casos severos, Cor pulmonar (9). A hipertensão pulmonar estava presente no paciente estudado, principalmente no pulmão esquerdo (lado da convexidade), o que resultou em atelectasia no lobo inferior do pulmão esquerdo e IRA. A artrodese de coluna é a cirurgia mais realizada para corrigir este tipo de deformidade torácica. As maiores complicações decorrentes da abordagem cirúrgica por via anterior e associada a toracotomia são a hipoventilação e a infecção pulmonar, as infecções urinárias e as escaras de decúbito. Mesmo assim, é preferível a abordagem cirúrgica, pois há melhora das funções vitais a partir do terceiro mês pós-cirúrgico (11,12). O paciente, embora tenha sofrido complicações, teve uma melhora consideravelmente rápida de suas funções pulmonares devido, principalmente, ao uso da VNIPP. O paciente do caso relatado foi submetido a cirurgia por via anterior, não apresentou escaras de decúbito, pois foi mobilizado em 8 sessões diárias de fisioterapia motora e trocado de decúbito de 2 em 2h com auxílio da equipe de enfermagem. Acredita-se que estes cuidados evitaram a formação de escaras de decúbitos. Por outro lado, o paciente apresentou complicações ventilatórias, ocasionada pela depressão sensória decorrente da sedação para a cirurgia. A depressão sensória e metabólica é um fator que pode levar a hipoventilação pulmonar. Um dos dispositivos que pode ser adotado como recurso para evitar a piora do quadro clínico, prevenir outras complicações associadas a VMI e tratar os sintomas ventilatórios decorrentes da hipoventilação, como por exemplo, as atelectasias pulmonares é a VNIPP. No caso deste paciente a VNIPP foi eficaz para o seu tratamento, pois como é demonstrado na Figura 2 há melhora da ventilação pulmonar no lobo inferior esquerdo após 12 horas de utilização de VNIPP. Na Figura 3, é possível observar que após 48h do uso da VNIPP há ventilação normal dos pulmões. O uso da VNIPP tem sido cada vez mais freqüente nos últimos anos, isso está ocorrendo pelo aumento do número de publicações que estão documentando as vantagens deste tipo de ventilação pulmonar mecânica (VPM) como abordagem para o tratamento da IRA hipoxêmica de diversas origens, como a pneumonia, asma, bronquiolite viral aguda, infecção por Pneumocystis carinii, edema pulmonar cardiogênico, insuficiência respiratória pós-extubação ou como técnica de desmame da ventilação mecânica (13). Também é uma boa alternativa para tentar evitar a intubação endotraqueal de pacientes que mantém estabilidade clínica, hemodinâmica e neurológica, além de tratar e prevenir os sintomas resultantes da hipoventilação pulmonar, reduzir possíveis complicações e o período de hospitalização (14). A VNIPP é de fácil instalação, reduz a incidência de complicações associadas ao uso do tubo endotraqueal e representa menor custo (8,14,15). Porém, é preciso estar atento para algumas complicações freqüentes, tais como a distensão gástrica, a hipoxemia transitória e a necrose da pele facial. Para a sua instalação é necessário ter-se um respirador que propicie os modos ventilatórios adequados (8), uma interface (uma máscara nasal ou facial, ou uma pronga nasal) e uma parede com saída de oxigênio. O paciente deverá ser monitorado durante o período de utilização da VNIPP, através dos sinais vitais, gasometria arterial e Rx de tórax (16). Os sinais vitais foram monitorados pela equipe da enfermagem, durante todo o dia e a gasometria arterial foi solicitada 4 vezes durante a internação hospitalar, onde foi visto uma estabi- Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 4, out./dez. 2005 247

lização destes parâmetros (Tabela 1) e um aumento de sua saturação de O 2 (SaO 2 ) após o início da utilização da VNIPP. Os Rx de tórax foram solicitados diariamente, onde se observou uma melhora gradativa da ventilação deste paciente após a instalação da VNIPP no modo ventilatório BIPAP. Para o tratamento da IRA hipoxêmica, a VNIPP tem efetividade em processos fisiopatológicos rapidamente reversíveis como edema agudo de pulmões e atelectasias do período pósoperatório. O método aumenta a pressão média das vias aéreas, melhorando a ventilação de áreas pulmonares colapsadas. Pode ainda atuar diminuindo o edema alveolar e restabelecer a ventilação pulmonar (8-16, 14-15), que foi o ocorrido com este paciente, pois sua atelectasia reverteu e sua ventilação alveolar foi rapidamente restabelecida. Embora a VNIPP, com máscara facial ou nasal, tem sido mencionada e utilizada com frequência também em casos crônicos como no DPOC, doenças neuromusculares e na apnéia obstrutiva do sono (17). CONCLUSÃO Observou-se que a utilização da VNIPP para o tratamento da IRA hipoxêmica no pós-operatório de artrodese de coluna auxiliou para o manejo pré e pós desmame da VMI. No caso relatado, a VNIPP melhorou a hipoxemia, reduziu o esforço ventilatório, auxiliou na melhora radiológica e gasométrica de um paciente de 16 anos, do sexo masculino, no pós-operatório de artrodese de coluna. Porém sugere-se novos estudos controlados com maior número de amostra, para verificar se a VNIPP realmente é um recurso benéfico para o tratamento da IRA hipoxêmica no pós-operatório de artrodese de coluna para correção de escoliose idiopática. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Soucacos PN, Zacharis K, Soultanis K, et al. Risk factors for idiopathic scoliosis: review of a 6-year prospective study. Orthopedics. 2000;23:833-8. 2. Vernengo Lezica A. Detección precoz de deformidades de columna en escolares de 10 a 15 años. Rev Asoc Argent Ortop Traumatol. 1994;59:386-91. 3. Rocha EST, Pedreira ACS. Problemas ortopédicos comuns na adolescência. J Pediatr (Rio de J.). 2001;77: 225-33. 4. Evans G, Cariaga MP, Velásquez C. Escoliosis severa asociada a embarazo. Rev. Chil. Obstet. Ginecol. 2003; 68:49-53. 5. Delfino HLA, Araújo PHM. Estudo comparativo da medida da rotação vertebral pelos métodos de Nash & Moe e método de Raimondi. Acta Ortop Bras. 2004; 12:167-73. 6. Tecklin JS. Fisioterapia pediátrica. 3ª ed. Porto Alegre: ArtMed; 2002. 7. Holanda MA, Oliveira CH, Rocha EM, et al. Ventilação não-invasiva com pressão positiva em pacientes com IRA: fatores associados à falha ou ao sucesso. J Pneumol. 2001;27:301-9. 8. Gomboski SM, Camara FR. Ventilação não-invasiva. Sci Med. 2004;14:192-8. 9. Gonzalez Lorenzo F, Diaz Lobato S, Perez Grueso F, et al. Noninvasive mechanical ventilation and corrective surgery for treatment of a child with severe kyphoscoliosis. Pediatr Pulmonol. 2001;32:403-5. 10. Antonelli M, Conti G, Rocco M, et al. A comparison of noninvasive positive-pressure ventilation and conventional mechanical ventilation in patients with acute respiratory failure. N Engl J Med. 1998;339:429-35. 11. Vedantam R, Lenke LG, Bridwell KH, et al. A prospective evaluation of pulmonary function in patients with adolescent idiopathic scoliosis relative to the surgical approach used for spinal arthrodesis. Spine. 2000;25:82-90. 12. Betz RR, Harms J, Clements DH, et al. Comparison of anterior and posterior instrumentation for correction of adolescent thoracic idiopathic scoliosis. Spine. 1999;24: 225-39. 13. Keenan SP, Kernerman PD, Cook DJ, et al. Effect of noninvasive positive pressure ventilation on mortality in patients admitted with acute respiratory failure: a meta-analysis. Crit Care Med. 1997;25:1685-92. 14. Brochard L, Mancebo J, Wysocki M, et al. Noninvasive ventilation for acute exacerbations of chronic obstructive pulmonary disease. N Engl J Med. 1995; 333:817-22. 15. Plant PK, Owen JL, Elliott MW. Early use of noninvasive ventilation for acute exacerbations of chronic obstructive pulmonary disease on general respiratory wards: a multicentre randomized controlled trial. Lancet. 2000;355:1931-6. 16. Silva DCB, Foronda FAK, Troster EJ. Ventilacäo näo invasiva em pediatria. J Pediatr (Rio de J.). 2003;79(supl. 2):S161-8. 17. Finlay G, Concannon D, McDonnell TJ. Treatment of respiratory failure due to kyphoscoliosis with nasal intermittent positive pressure ventilation (NIPPV). Ir J Med Sci. 1995;164:28-30. Endereço para correspondência: CÍNTIA JOHNSTON Rua Artur Rocha, 164 apto 402 Bairro Auxiliadora CEP 90450-170, Porto Alegre, RS, Brasil Tel.: (51) 9146-9575 E-mail: cintiajohnston@terra.com.br 248 Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS, v. 15, n. 4, out./dez. 2005