O Mundo reificado ou Da Natureza da economia

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Transcrição:

O Mundo reificado ou Da Natureza da economia PROF. MANUEL BEZERRA NETO - Professor de Filosofia da Educação e Sociologia Departamento de Educação da Universidade Regional do Cariri (URCA) Resumo: Este trabalho tem como proposta fazer uma abordagem sobre a questão da economia, não como expressão da atividade produtiva mediadora do ser humano em sociedade, mas especificamente no âmbito da forma social capitalista, em que a produção econômica perde seu caráter originário enquanto condição de provimento das necessidades naturais da sobrevivência física objetiva do homem e passa a ser encarada tão somente como ciência da racionalidade produtora de valores, diante das determinações exclusivas do capital para assegurar o processo de acumulação e da sua própria reprodução social. Neste sentido, a atividade econômica da sociedade vai se resumir apenas às práticas produtivas objetivadas do capital cuja finalidade é reduzida somente à racionalização dos meios e dos fins voltados simplesmente para a produção de valores de troca como condição de extração de mais-valia. Pois é precisamente sob esse aspecto que podemos apreender porque as mercadorias na sociedade capitalista adquirem uma aura de sacralização e, por isso, ao invés de se apresentarem como objetivações dos indivíduos, ou como resultado da atividade mediadora do homem com a natureza tendo em vista assegurar suas condições reais de vida, elas, pelo contrário, se apresentam com vida própria, enquanto os homens é que se tornam objetivações do capital. Foi sob o aspecto reificado das mercadorias que Marx deu início à sua crítica radical da sociedade burguesa, isto é, como ele próprio afirmava, a sociedade capitalista é apenas uma grande coleção de mercadorias (Marx, 1974), com o agravante de que sua única finalidade é a produção de valores, sob cuja determinação os sujeitos criadores de valor apenas são subsumidos no processo da produção econômica da sociedade. Palavras-chave: Fetiche da mercadoria; reificação; racionalidade produtiva; eficiência; valores de troca. Nº 3-06/2013

Ao tomarmos como ponto de partida para uma compreensão do ser humano as condições materiais objetivas que ele deve encontrar, devemos deduzir que esse indivíduo terá como sua primeira e primordial preocupação encontrar os meios necessários e suficientes que garantam sua sobrevivência material concreta. Isto implica na necessidade de ter que colocar toda a sua capacidade criativa e transformadora a serviço da exigência de garantia de suas condições reais de vida. Assim sendo, o homem passa a estabelecer com o mundo uma relação metabólica que só pode ser possibilitada por meio de sua atividade sensível que, por sua vez, dará início a todas as formas sociais complexas de vida do indivíduo; isto é, neste momento é que se instala uma dimensão primordial que faz distinguir e definir o que é propriamente humano. É o momento específico de instalação da sociabilidade humana, que é, ao mesmo tempo, o momento de humanização da realidade, porque é precisamente pela atividade produtiva, como expressão geral do trabalho, que se torna possível encontrar o fundamento ontológico do homem enquanto ser social e histórico. Sem dúvida, este é um passo fundamental, porque significa não apenas um salto ontológico da vida natural para o gênero humano, mas continuará também a ser este fundamento a condição natural infinita da vida humana, independentemente da forma como ele se realize. O que nos interessa acentuar aqui, por conseguinte, é que a forma real em que o trabalho se realiza em cada período da história se constitui numa determinada forma de sociabilidade humana. Em consequência, o trabalho associado passa a ser considerado como ato fundante, daí nunca ser demais considerarmos este aspecto, dadas as deformações e tentativas de desqualificação promovidas a seu respeito pela forma social capitalista. Desta forma, o que se torna importante a destacar são as formas como o trabalho foi encarado no âmbito dos processos históricos: ora como condição de emancipação humana das limitações impostas pelo mundo natural; ora apenas como meio para alcançar outras finalidades, ou como meio capaz apenas de produzir valor; isto porque, nenhuma das formas de trabalho até hoje existentes seja a escravista ou a assalariada, etc. foram capazes de permitir ao homem tornar-se minimamente livre. Muito menos, quando, sob a forma de trabalho assalariado, percebeu-se na expansão e aprofundamento da divisão do trabalho o mecanismo evidente de dominação e expropriação do trabalhador, bem como a possibilidade de reprodução social do capital. E é precisamente sob a categoria dos fatores econômicos que precisamos encarar a problemática dos processos produtivos, os quais a economia burguesa considera apenas sob a perspectiva da eficiência metafísica da relação entre meios e fins, em vista da impossibilidade de ela permitir sequer considerar as necessidades humanas de emancipação de sua condição genérica. O fetiche da mercadoria A economia, em face da questão da eficiência da produção material, aparentemente exigida pelas condições de possibilidades atuais da existência humana, não tem conseguido dissimular, nem mesmo se desvencilhar de uma forma conceitual inequivocamente abstrata das determinações 121

objetivas do lucro, este, enquanto condição sine qua non das exigências de reprodução social do capital. Por esta razão, a economia passa a trabalhar com um conceito que expressa apenas eficiência produtiva, precisamente pela abstração das condições de possibilidade da própria existência humana, dados os efeitos perigosamente ameaçadores que ela representa em termos de destruição provocada pela economia capitalista sobre as condições da vida natural. Certamente, não seria em consequência de um estado de carência vital generalizado imposto às condições humanas de sobrevivência que as atividades produtivas hoje estivessem procurando sua razão de existir, através ou do mau uso intensivo da ciência e da técnica, ou pelas novas formas de organização da produção e do trabalho, senão que, simplesmente, pela falsa consciência da forma social capitalista de que esta é uma grave contradição que o desenvolvimento capitalista não consegue superar, uma vez que a produção de valores de troca sempre constituiu a finalidade de sua existência. Para o capital, a imagem do planeta hoje, de forma mais evidente sempre foi a de uma imensa e infinita planície, da qual se destrói uma parte para em seguida, passar-se a outra, sem que isso possa se constituir num problema de graves consequências para apropria sobrevivência do planeta, o qual só é avaliado e encarado sob o aspecto de uma racionalidade instrumental e mecanicista entre meios e fins. Sob a ótica da economia enquanto ciência da racionalidade produtiva de riquezas, os indivíduos submetidos à lógica da cientificidade dos meios e dos métodos, em vista dos objetivos das trocas de equivalentes financeiros, passariam a ser apenas observadores externos res cogitans - do movimento espetacular das mercadorias produzidas e lançadas no mercado, frente a uma realidade empírica, enquanto o sujeito das ações mercantis seria somente um fato inerte, reduzido à lógica do cálculo matemático das utilidades reificadas; isto é, apenas a partir das puras determinações do valor de troca, não cabendo, assim, discutir-se os impulsos concretos e verdadeiros das ações humanas, nem da busca teleológica de uma significação que não seja a de uma produção fetichizada para aquelas ações. Por esta razão é que compreendemos que a questão essencial do trbalho produtivo consiste exatamente em considerá-lo para além das exigências meramente biológicas dos seres humanos no seu processo de relações metabólicas com o mundo natural. Desta perspectiva, portanto, devemos levar em conta, todavia, o papel da consciência, por representar o momento crucial de separação entre o ser genérico do homem e seu ser biológico. Assim, o trabalho produtivo torna-se fundamentalmente uma categoria social, na qual se acham imbricados não apenas um estado real de carências vitais, mas também uma posição teleológica que lhe atribui sentido humano no âmbito do próprio ser social. Consequentemente, na utilização dos meios de produção, a economia aparece simplesmente como mera força inerente às determinações do capital; apenas como modelo para a produção capitalista. É que essa representação apenas dissimula na relação capitalista sua estrutura interna, pela indiferença e pela alienação nas quais o trabalhador se encontra, em face das condições do seu próprio trabalho, dado que os meios de produção se apresentam para ele apenas como meios de exploração. 122

Decorre, portanto, dessa relação, que a descoberta do trabalho abstrato, como fonte de exploração da força de trabalho termina conduzindo, de forma inelutável, ao fetichismo das mercadorias, transformando as coisas num mundo encantado às avessas; autonomizando e personificando as coisas. Em suma, essa verdadeira religião do cotidiano acaba por mistificar o mundo das mercadorias e por apresentar as relações sociais apenas como relações entre coisas, desfigurando assim as verdadeiras características humanas. Na verdade, a lógica prevalecente dos objetivos de uma produção econômica reificada de bens mercantis fala apenas da produção de objetos segundo a racionalidade das trocas e da eficácia entre meios e fins. A riqueza produzida não se apresenta como finalidade do atendimento de um estado concreto de necessidades vitais da sociedade, nem das exigências subjetivas autênticas dos indivíduos, pois o desenvolvimento da produção econômica versa tão somente sobre as possibilidades de qual forma de apropriação privada, sem dúvida satisfaz a determinados cidadãos, e não à sociedade por inteiro. Como fim em si mesmo, a riqueza se apresenta na sociedade burguesa, de um lado, como coisas objetivadas em coisas uma imensa coleção de mercadorias, como percebia Marx produtos materiais diante do homem como sujeito do processo; de outro, porém, como valor de troca, como simples controle do capital sobre o trabalho do produtor direto, e não como meio de extinção da dominação dos proprietários dos meios de produção. Quer dizer, a riqueza é produzida somente para o usufruto privado e para assegurar as condições de reprodução social do capital. Evidentemente, em todas as formas, a riqueza não é mais que um conjunto de coisas reificadas. Seu único sentido está em somente expressar as múltiplas relações entre os indivíduos pela única e simples relação entre coisas. Por esta razão, isto está exprimindo o aspecto reificado da economia, que acaba engendrando o fetiche da mercadoria que, por sua vez, gera um processo de alienação do consumidor, em vez de permitir sua consumpção e emancipação por meio da utilização consciente da riqueza produzida pela sociedade. A antiga visão pela qual o ser humano, em suas condições reais de existência, aparecia como o fim da produção das riquezas parece uma ideia utópica e idealista para a sociedade capitalista. Nesta, sim, as coisas aparecem invertidas em seus significados, e a produção em si que aparece como finalidade do ser humano, e a riqueza, como fim da produção (Marx, 1976). Para se ter maior clareza sobre a natureza da mercadoria, Marx perguntava ainda: o que é a riqueza senão a universalidade das carências; forças produtivas dos indivíduos engendradas na troca universal? (ibidem). Sem dúvida, ele se referia à forma social capitalista. Uma apreciação crítica sobre os vários aspectos reificados da categoria economia, além de demonstrar que ela é parte integrante da própria realidade humana, revela ainda que, não obstante, tornaram-se aspectos reificados e incorporados não só nas teorias, mas sobretudo, nas ideologias que têm dado sustentação às concepções que encaram o ser humano apenas da perspectiva do homo economicus e enquanto fator econômico gerador de riquezas. Esta observação implica em se ter que 123

efetuar uma análise crítica capaz de revelar a verdadeira natureza daquelas concepções que vinculam a economia tão somente às exigências de eficiência e objetividade da produção como fator gerador de valores de troca, e não como ponto de partida para uma compreensão mais ampla e objetiva do ser humano enquanto ser social e histórico. Neste sentido, torna-se necessário retomarmos a questão da articulação entre os aspectos natural e social da vida humana, a partir da ruptura epistemológica que o trabalho representa no intercâmbio entre o ser natural e o ser social do gênero humano pois, segundo Marx, esse intercâmbio se configurou como uma lei eterna do devir humano. Quer dizer, o aspecto predominante do desenvolvimento econômico não deverá ser constituído apenas por leis naturais, mas, acima de tudo, por leis de caráter histórico e social. O reconhecimento disto está no fato de que se torna mais evidente a intervenção consciente do homem em relação à sua própria dimensão natural. E é precisamente neste sentido que o trabalho se revela como a condição fundante da essência humana, desde que, sem dúvida, a atividade produtiva humana esteja revestida de um caráter eminentemente social; isto é, se configure como trabalho associado, o que não significa simplesmente trabalho coletivo ou cooperativo, mas por permanecer diretamente social, do começo ao fim na produção, na distribuição e no consumo. Como podemos perceber, a grande diferença em relação à produção capitalista ainda que esta também seja social é que sob o comando do capital, a associação é imposta externamente aos produtores por um poder que lhes é estranho e que lhes subtrai o controle e a compreensão do próprio processo de trabalho. O que importa acentuar, portanto, é a necessidade de se compreender que não basta apenas colocar as forças individuais em associação, nem levar em conta somente o fim da produção voltada para os interesses sociais gerais. O que é importante para a afirmação genérica do homem é liberar a produção das finalidades de acumulação e do controle estrito do capital, uma vez que ela se configura especificamente dirigida para a produção de valores de mercado, e colocala, por sua vez, sob o controle livre e consciente dos produtores diretos, em vista de seus interesses e necessidades de emancipação. Entretanto, observemos que não devemos ter uma compreensão idealista e subjetiva, de fundo moral, para que o trabalho possa representar efetivamente a possibilidade de emancipação do indivíduo. Como consequência do processo histórico real, é preciso que a humanidade possa alcançar um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas para que essa possibilidade realmente se torne realidade. Sobre a questão da realização da liberdade, mediada pelo trabalho, Marx enfatizou que: Com efeito, o reino da liberdade só começa ali onde termina o trabalho imposto pela necessidade e pela coação de fins externos; situa-se, por sua própria natureza, para além da órbita da produção material propriamente dita (Marx, 1974). Portanto, que se deixe claro, no entanto, que Marx já havia se referido, desde os Manuscritos de Paris, que o trabalho é, para além dos seus aspectos negativos, a condição eterna de existência humana, e o fator essencial para a autorrealização de suas potencialidades. Em vista disto, torna-se necessário então opormo-nos ao cálculo da eficiência produtiva, uma vez que o trabalho, enquanto atividade objetiva do homem, pelo qual se cria a realidade humano-social, é o trabalho no sentido 124

ontocriativo, e não no sentido puramente da eficiência econômica, criador da forma específica, social e histórica da riqueza. Como categoria econômica, ele se manifesta apenas como regulador das relações sociais de produção; é um trabalho determinado e abstrato, e somente sob essa forma, é tratado pela economia burguesa. Entretanto, ao se fazer abstração das ações racionalizadoras, de caráter mercantil, não podem efetivamente realizar as finalidades reais da economia, voltada para as necessidades vitais concretas do ser humano, fazendo abstração dos riscos que a pura produção de riquezas representa para as próprias condições de possibilidades de autorrealização do ser genérico do homem. 125

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: LUKÁCS, Gyorgy. Ontologia do Ser Social. Trad. Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Ciências Humanas, 1979. MARX, Karl. O Capital. 2ª. Ed. Trad. Ronaldo Schmidt Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. Vol.1.. Crítica da economia política. 2ª. Ed. Trad. Reginaldo Barbosa Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.. Manuscritos econômico-filosóficos. 2ª Ed. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Abril Cultural, 1978. Coleção Os Pensadores. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia alemã. 5ª Ed. Trad. José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Hucitec, 1986. MESZÁROS, István. Produção destrutiva e estado capitalista. Trad. Georg Toscheff. São Paulo: Ensaio, 1989. 126