Magnitude do Aborto no Brasil: uma análise dos resultados de pesquisa. (Seminário realizado dia 22 de maio no Auditório do IMS/UERJ) Instituto de Medicina Social e Ipas Brasil Apoio: Área Técnica de Saúde da Mulher, Ministério da Saúde I. Panorama Geral do Aborto no Brasil O aborto representa um grave problema de saúde pública e de justiça social no Brasil. O aborto é amplamente praticado, através de meios inadequados que podem causar danos e provocar a morte da mulher. Em 2005, foram realizados 1.054.243 milhões de abortos induzidos. A prática do aborto é crime, sendo permitido pela lei penal somente em duas circunstâncias: no caso de violência sexual (estupro) ou riscos à vida da mulher. (Artigo 128, I e II do Código Penal). As mulheres em situação de aborto incompleto ou com complicações, geralmente, sentem constrangimento e/ou medo em declarar seus abortamentos nos serviços de saúde, resultando em grande sub-notificação do fenômeno. II. Principais Objetivos da Pesquisa Dimensionar o fenômeno do aborto no Brasil e Grandes Regiões, identificando as áreas de maior incidência e os grupos populacionais mais expostos aos riscos de seqüelas e de mortalidade em conseqüência do aborto clandestino. Disseminar os dados encontrados para gestores e profissionais de saúde para estimular uma atenção de qualidade às mulheres em situação de abortamento. Contribuir para o desenho e a implementação de políticas públicas eficazes e adequadas para reduzir a incidência do aborto inseguro e o impacto para as mulheres, jovens, adolescentes e a sociedade em geral. III. Resultados Principais do Estudo Incidência do aborto induzido no período pesquisado 1
A incidência do aborto vem diminuindo no período estudado de 1992 a 2005, mas ainda pode ser considerada alta para os padrões de saúde pública, demonstrando que para 3 nascidos vivos existe um aborto induzido. Estimativas da razão de abortos induzidos por 100 nascimentos vivos Brasil - 1992 a 2005 50% % de abortos induzidos por nascimentos vivos 40% 30% 20% 10% 0% 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Brasil 43% 38% 39% 34% 31% 30% 28% 29% 29% 29% 29% 28% 29% 29% Fontes dos dados primários: internações por aborto registradas pelo Ministério da Saúde Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) e Taxa Bruta de Natalidade (IBGE). O número de abortamentos induzidos no Brasil foi estimado em 1.054.243 para o ano de 2005. Estimativas do número de abortos induzidos Brasil - 2005 1.500.000 1.000.000 Limite inferior; 843.394 Ponto médio; 1.054.243 Limite superior; 1.265.091 500.000 0 Brasil 2
Disparidade regional na incidência do abortamento induzido A distribuição dos riscos de abortamento induzido por Unidades da Federação mostra uma desigualdade marcante, com uma linha de clivagem quase perfeita, onde os Estados das Regiões Sudeste (menos Rio de Janeiro), Sul e Centro-Oeste (menos o Distrito Federal) apresentado taxas inferiores a 20,4 abortamentos/1000 mulheres de 10 a 49 anos. Nos Estados do Norte (menos Rondônia) e Nordeste (menos Rio Grande do Norte e Paraíba) estas taxas são maiores que 21,1/1000 (Estado do Rio de Janeiro) e chegam a mais de 40 abortamentos/1000 mulheres de 10 a 49 anos nos Estados do Acre e Amapá. Fonte: Ministério da Saúde Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) 3
Incidência do aborto induzido em adolescentes por região do Brasil Também entre as adolescentes de 15 a 19 anos a distribuição geográfica aponta para as Regiões Norte e Nordeste com as que apresentam maiores riscos de aborto induzido, junto com o Distrito Federal e os Estados do Mato Grosso do Sul e do Rio de Janeiro. 4
Impacto maior do aborto na mortalidade materna em função da etnia Entre as causas de mortalidade materna, as mulheres pretas e pardas estão submetidas a uma proporção maior de óbitos por dois grupos que deveriam ser mais facilmente preveníveis, com destaque para: edema, proteinúria e transtornos hipertensivos na gravidez, no parto e no puerpério, e na gravidez que termina em aborto. As estimativas de riscos relativos para estas causas específicas, comparando mulheres pretas com mulheres brancas mostra bem o risco adicional a que estão submetidas as mulheres pretas em todas as causas específicas de mortalidade materna, com aproximadamente o triplo de risco relativo. Participação proporcional das causas de mortalidade materna Brasil Triênio 2002 a 2004 2002 a 2004 35,0% 30,0% 25,0% 20,0% 15,0% 10,0% 5,0% 0,0% Edema proteinúr transt hiperts grav part puerp Outras afecções obstétricas NCOP Complicações relac predominant com puerpério Complicações do trabalho de parto e do parto Gravidez que termina em aborto Doença pelo vírus da imunodefic humana [HIV] Branca 20,3% 24,9% 14,2% 19,2% 7,4% 3,8% Preta 29,0% 20,7% 14,4% 12,5% 10,7% 2,7% Parda 25,2% 22,4% 14,3% 16,5% 9,8% 2,0% Riscos relativos de mortalidade materna comparando Preta/branca 3,5 3,0 2,5 Risco Relativo 2,0 1,5 1,0 0,5 0,0 Gravidez que termina em aborto Edema proteinúr transt hiperts grav part Relacionados com a gravidez Relac predominant com puerpério Todas as causas As s ist m ãe ligados feto cav amniót probl Outras afecções obstétricas NCOP Doença pelo vírus da imunodefic Complicações do trabalho de parto e do parto Preta/branca 3,0 2,9 2,1 2,1 2,0 1,9 1,7 1,4 1,3 Causas 5
A prática do aborto inseguro, especialmente, evidencia as diferenças sócio-econômicas, culturais, étnico-raciais e regionais diante da mesma ilegalidade do aborto. É notório o fato de que o aborto é uma das principais causas da mortalidade materna. Nas regiões mais carentes, como o Norte e o Nordeste do Brasil, é grande o índice de mortes decorrentes do aborto inseguro. Segundo Ministério da Saúde (2004), desde o início da década de 90, Salvador tem registrado como causa primeira da mortalidade materna, o aborto inseguro. IV. Considerações finais e recomendações 1. Após apresentação destes resultados em Congressos, Seminários e reuniões de Ipas, pesquisadores sugeriram que pode ter havido um aumento na utilização de misoprostol na indução do aborto, reduzindo a freqüência de complicações e conseqüentemente necessitando um número menor de internações, o que poderia explicar esta redução entre 1992 e 2005. Seria recomendável. Por este motivo, aprofundar em estudos posteriores o impacto do uso do misoprostol na indução e na incidência do aborto no Brasil. 2. Ainda é necessário realizar estudos posteriores sobre a incidência do aborto por região do país, etnia/cor, e status sócio-econômico para um melhor dimensionamento do fenômeno no Brasil. Também a mortalidade materna está subestimada em cerca de 40 %, conforme o estudo de Laurenti e Gotlieb A mortalidade materna nas capitais brasileiras: algumas características e estimativa de um fator de ajuste. Publicado na Rev. bras. epidemiol., São Paulo, v. 7, n. 4, 2004. 3. Desenvolver novas metodologias de pesquisa sobre a magnitude do aborto induzido adaptadas ao Brasil para a obtenção de dados cada vez mais aproximados de nossas características específicas, e realizar estudos que permitam dimensionar o efeito de seqüelas como a esterilidade em conseqüência de abortamento. 6
4. Realizar pesquisas para conhecer as causas pelas quais as mulheres recorrem ao aborto em situação de clandestinidade, para o desenho de políticas apropriadas de prevenção da gravidez indesejada. 5. O tema do aborto inseguro e o seu impacto na saúde e na vida das mulheres brasileiras vem sendo objeto de análise pelos órgãos do sistema internacional de proteção dos direitos humanos: o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em suas Observações Conclusivas sobre o primeiro relatório do Estado brasileiro, analisado no seu 30º período de sessões, entre 05 e 23 de maio de 2003, expressou preocupação com as altas taxas de mortalidade materna devido a abortos ilegais, particularmente nas regiões ao Norte do país, onde as mulheres têm acesso insuficiente aos equipamentos de saúde pública (parágrafo 27). E, ainda, recomendou ao Estado que empreenda medidas legislativas e outras, incluindo a revisão de sua legislação atual, a fim de proteger as mulheres dos efeitos de abortos clandestinos e inseguros e assegure que as mulheres não recorram a tais procedimentos prejudiciais. Solicitou, também que o Estado, em seu próximo relatório periódico, forneça informações detalhadas, baseadas em dados comparativos, sobre a mortalidade materna e o aborto no Brasil (parágrafo 51). O Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (Comitê CEDAW), em sua 29ª. Sessão, no período de 30 de junho a 18 de julho de 2003, ao examinar o relatório apresentado pelo Estado Brasileiro, emitiu os seus Comentários Conclusivos, recomendando que: profundas medidas sejam tomadas para garantir o efetivo acesso das mulheres a serviços e informações com o cuidado da saúde, particularmente em relação à saúde sexual e reprodutiva, incluindo mulheres jovens, mulheres de grupos em desvantagem e mulheres rurais. Tais medidas são essenciais para reduzir a mortalidade materna e para prevenir o recurso ao aborto e proteger as mulheres de seus efeitos negativos à saúde(...) (parágrafo 52). 7
6. Os dados revelam que a criminalização do aborto manteve a sua prática em condição de risco com impactos graves para a saúde e a vida das mulheres. É recomendável o debate entre pesquisadores, defensores dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos das mulheres, membros do Executivo, Legislativo e Judiciário, sobre a necessária mudança da lei sobre o aborto para retirar o tema da esfera penal. Recomenda-se a busca de soluções eficazes no âmbito da saúde pública, sem interferência de dogmas religiosos, como atribuição do Estado laico e democrático 8