INTRODUÇÃO. 1 L être et le néant (em diante E.N.), obra de que existe uma tradução



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Transcrição:

INTRODUÇÃO «( ) Ou bien je ne suis pas passif en mon être, alors je deviens le fondement de mes affections ( ) -ou bien je suis affecté de passivité jusqu en mon existence, mon être est un être reçu et alors tout tombe dans le néant.» Foi desta alternativa que Sartre em grande medida se ocupou em L être et le néant 1, e será esta mesma alternativa que nos ocupará nesta dissertação. O problema que ela coloca sobre aquilo que nós, seres humanos, somos parece, todavia, nada ter de problemático - a princípio, a escolha entre um dos lados da alternativa parece óbvia. Na verdade, não só é muito razoável crer que não somos no nosso ser passivos e que o fundamento das nossas afecções está em nós mesmos, como parece bastante irrazoável afirmar o contrário. Com efeito, de um lado temos a crença de que somos espontaneidade e liberdade, e do outro temos a ideia de que, se não fosse assim, tudo cairia no nada, seja a 1 L être et le néant (em diante E.N.), obra de que existe uma tradução em língua portuguesa de Cascais Franco. Seguiremos sempre esta tradução, salvo ocasiões em que preferirmos uma versão nossa, ocasiões que serão devidamente explicitadas em nota de rodapé. Como regra de citação, indicaremos as páginas das duas edições, a original seguida da portuguesa. A mesma regra aplicar-se-á a La Transcendance de l Ego (em diante T.E.), de que há uma tradução portuguesa de Pedro Alves. 1

responsabilidade pelos nossos actos (que deriva da certeza de que somos os seus autores), seja a moralidade, no fim e ao cabo, tudo aquilo por que nos reconhecemos humanos. Então qual o sentido de suscitar uma alternativa, em que um dos seus termos nos parece absolutamente verdadeiro e o outro absolutamente falso? Ou a alternativa é uma figura de retórica que visa uma mais fácil adesão a um dos seus termos, pela mostração do absurdo de um deles, o que seria desnecessário face à evidência da contraparte; ou representa um esforço sério de considerar a possibilidade daquilo que intuímos acerca de nós mesmos resultar falso, radicalizando assim a própria questão sobre o que é o humano. Julgamos que Sartre, ao expor esta alternativa, veio, com efeito, problematizar esta percepção intuitiva que dispomos de nós mesmos, o que não significa, porém, que desse modo procurasse rejeitá-la. Na verdade, como veremos, o seu esforço vai claramente no sentido de a fundamentar ontologicamente. Uma das tarefas a que nos propomos com o presente trabalho consistirá em acompanhar os passos essenciais da fundamentação com que Sartre, nos seus primeiros textos (de La Transcendance de l Ego a L Existentialisme est un humanisme, passando necessariamente pela sua obra maior L Être et le Néant), justifica a sua opção. No entanto, entre as duas alternativas expostas nós escolheremos aquela que, segundo as palavras de Sartre, faz com que tudo caia no nada. Escolheremos recusar a verdade de que haja espontaneidade, liberdade, distintividade ontológica do humano; em suma, que a evidência intuitiva tenha de ser verdadeira. O que não quer dizer que possamos viver sem essa evidência, ou que esteja ao nosso alcance dispensá-la. Pelo contrário, se a evidência sobre o ser humano se nos revelará ilusória, ser-nos-á igualmente revelado o carácter efectivo da ilusão. Por isso, julgaremos necessário salvaguardar uma verdade da ilusão para lá da verdade iludida, não submergindo a evidência humana na falsidade, como só restasse a abissal perspectiva, o que quer que isso seja, da queda no nada. Para 2

todos os efeitos, consideramos a humanitas um facto, bem como todas as suas pressuposições - a liberdade, a responsabilidade, etc. Assim, mais do que acompanhar e explicitar os argumentos de Sartre, trataremos de os submeter a uma crítica que, a nosso ver, conclui a invalidade daqueles; para depois, no contexto desse trabalho crítico, esboçarmos as linhas mestras de uma antropologia que não seja nada, i.e, procurando trazer o sentido possível à nossa escolha. Agora bem, a questão que presidirá à presente investigação, e que é, a nosso ver, a questão fulcral no pensamento de Sartre até L Existentialisme est un humanisme, consiste em saber o que é a consciência, como é ela no seu próprio modo de ser, e que fundamento podemos descobrir como sua razão de ser. Na verdade, foi somente a partir desta pergunta - «o que é a consciência?» - que Sartre pôde estudar fenomenologicamente a realidade-humana, desde logo em La Transcendance de l Ego, a primeira das suas obras. Porém, como verificaremos em seguida, nessa obra a sua resposta à pergunta pelo que seja a consciência revela-se desprovida de razões, como se se tratasse de um facto inquestionável, ou dito doutro modo, de uma resposta sem pergunta. Deixar isso claro é uma tarefa ainda introdutória pois antes de se formular a questão o que é a consciência?, importa que ela seja uma questão de pleno direito. Disso nos ocuparemos agora. * O objectivo central de Sartre em T.E. é-nos dado muito claramente logo nas suas primeiras linhas: «Nós queremos mostrar aqui que o Ego não está na consciência nem formal nem materialmente: ele está 3

fora, no mundo; é um ser do mundo, tal como o Ego de outrem.»(p.43). 2 Confirmando o título da obra, o que está em causa para Sartre é mostrar que o Ego é transcendente, tão transcendente quanto o mundo ou o Ego de outrem. No entanto, pensá-lo como transcendente significa pensá-lo em relação a algo que transcende, a que não é imanente, em relação ao qual permanece fora e não dentro. Esse outro de que o Ego não se pode dizer idêntico, nem sequer imanente, é a consciência. Mas aqui o par transcendente/imanente exprime uma relação entre dois termos em que se diz de um deles ser transcendente ou imanente ao outro por o primeiro estar fora ou dentro do segundo. Assim, a oposição aqui pressuposta denota, entre os qualificativos transcendente e imanente, uma relação de contradição (Se A transcende B é porque não lhe é imanente e vice-versa). Trata-se de uma mesma relação. Importa, contudo, esclarecer que o sentido dessa relação varia consoante o contexto e que, por isso, não definindo este aquela nada pode significar 3. Daí que a afirmação de que o Ego é transcendente não dispense a referência àquilo que transcende e ao modo particular como transcende. Com efeito, não basta afirmar que o Ego não está na consciência, mas que não está nem formal nem materialmente. Demonstrar que assim é para os dois casos constitui os dois objectivos parciais de Sartre, com os quais julga esgotar as 2 «Nous voudrions montrer ici que l Ego n est ni formellement ni matériellement dans la conscience: il est dehors, dans le monde; c est un être du monde, comme l Ego d autrui»(t.e., 13, 43) 3 Por exemplo, a relação com a minha casa pode ser enunciada num mesmo momento de formas aparentemente contraditórias: estou fora dela porque me encontro no meu emprego, mas habito-a porque é a minha residência; ou ainda, estou dentro dela porque contingentemente me encontro numa das suas divisões e, no entanto, não estou nela como se com isso quisesse dizer que não pudesse estar fora dela. As palavras fora e dentro podem reportar-se a uma distinção geográfica, como podem reportar-se, e muito especialmente no discurso filosófico, a distinções de outra natureza como estar ou não presente em, ter ou não o seu fundamento em, etc. 4

possibilidades de imanentizar na consciência o Ego e, assim, afirmar a transcendência deste. Sartre procede primeiramente à crítica da teoria da presença formal do Eu na consciênca. Para isso, nota que o sentido da expressão kantiana "o Eu penso deve poder acompanhar todas as nossas representações" não pode deixar de ser levado à letra, ou seja, que por o Eu penso dever poder acompanhar todas as nossas representações, daí não se segue que as acompanhe de facto. Não distinguir a questão de direito da questão de facto, confundindo-as, diz-nos Sartre, é a base do desrespeito pelo formalismo kantiano, de que se encontram "marcas no neokantismo, no empíreo-criticismo e num intelectualismo como o de Brochard que consiste em realizar as condições de possibilidade determinadas pela crítica." 4 Mas, mesmo respeitando a posição de direito kantiana, Sartre questiona-se sobre o que é determinante na relação entre o Eu penso e as representações, as quais em virtude da sua multiplicidade têm naturalmente de ser objecto de uma síntese unificadora. Tratarse-á de saber, pois, se é essa síntese que determina a possibilidade de um Eu, não o tornando uma necessidade de facto, ou se é a existência na nossa consciência de um Eu que concede unidade à pluralidade e diversidade de representações. Sartre enuncia a questão nos seguintes termos: "O Eu que nós encontramos na nossa consciência é tornado possível pela unidade sintética das nossas representações ou é antes ele que unifica de facto as representações em si?" 5 Para dar resposta a esta interrogação, Sartre introduz no debate a fenomenologia de Edmund Husserl 6 - aliás, como 4 «les traces dans le néo-kantisme, l empirio-criticisme et un intellectualisme comme celui de Brochard - qui consiste à réaliser les conditions de possibilité déterminées par la critique.»(t.e., p.14, 44) 5 «le Je que nous rencontrons dans notre conscience est-il rendu possible par l unité synthéthique de nos représentations, ou bien estce lui qui unifie en fait les représentations entre elles»(t.e., p.16, 45) 6 «Si nous abandonnons toutes les interprétations plus ou moins forcées que les post-kantiens ont donné du «Je pense», et que cependant nous 5

veremos, o fenomenólogo alemão será o seu verdadeiro interlocutor em T.E. Entre Kant e Husserl, os procedimentos metodológicos, um crítico outro fenomenológico, são manifestamente diversos: se Kant investigava as condições de possibilidade de uma consciência empírica, tomando por objecto um fenómeno possível, Husserl, pelo contrário, procura realizar uma descrição científica da consciência a partir dos fenómenos na sua dação efectiva, na sua presença concreta à consciência. Por isto, Kant jamais poderia ter realizado uma fenomenologia, enquanto tal é impossível sem partir de um factum, sem que se ultrapasse a consideração de condições possibilitantes. Agora, se as progressivas reduções fenomenológicas que Husserl realiza colocam entre parênteses o próprio Eu psíquico e psicofísico, Sartre pergunta se tal Eu não esgota todo o sentido possível de egoidade e, consequentemente, se "será preciso duplicálo [como o faz Husserl] por um Eu transcendental, estrutura da consciência absoluta?" 7 É neste aspecto particular, mas de não pouca importância, que Sartre suspeita do pensamento husserliano, vislubrando neste ao fim e ao cabo o mesmo erro que o próprio Husserl anteriormente apontara a Descartes: a substancialização do cogito (ainda que agora a um nível mais fundo). Neste sentido, o pensamento do filósofo alemão, e isto sobretudo no 57 das Ideen I 8 e na quarta das Cartesianische Meditationen 9, seria contraditório com as suas próprias bases fenomenológicas. voulions résoudre le problème de l existence de fait du Je dans la conscience, nous rencontrons sur notre route la phénoménologie de Husserl»(T.E., p.16) 7 «Faut-il le doubler d un Je transcendental, structure de la conscience absolue?»(t.e., p. 19, 46) 8 Aí, Husserl afirma explicitamente que o Eu puro não pode ser posto fora de circuito, trata-se de uma transcendência na imanência: «Si la mise hors de circuit du monde et de la subjectivité empirique qui s y rattache laisse pour résidu un moi pur, différent par principe avec chaque flux du vécu, avec lui se présente une transcendance originale, non constituée, une transcendance au sein de l immanence.» (Idée directrice pour une phénoménologie, trad. Paul Ricoeur, Gallimard, p.190) 9 Cf. 30-31 das Cartesianische Meditatioten. 6

«Depois de ter considerado que o Eu [Moi] era um a produção sintética e transcendente da consciência (nas Logische Untersuchungen), [Husserl] retornou, nas Ideen, à tese clássica de um Eu transcendental que estaria como que por detrás de cada consciência, que seria uma estrutura necessária dessas consciências cujos raios (Ichstrahl) cairiam sobre cada fenómeno que se apresentasse no campo da atenção.» 10 Quais são as razões de Sartre? 11 Uma primeira razão prendese com a questão, deixada atrás em suspenso, sobre a função do Eu penso kantiano - o problema da determinação da unidade da corrente das vivências, ou ainda, da individualidade da consciência. Sartre declara que "(...)a fenomenologia não tem necessidade de recorrer a este Eu unificador e individualizante" 12, uma vez que a unidade da consciência decorre unicamente da intencionalidade da própria consciência, justamente o ponto de partida da fenomenologia. Nas palavras de Sartre: "Pela intencionalidade, ela [a consciência] transcende-se a si mesma, ela unifica-se escapandose." 13 Paradoxalmente, esta unificação das consciências seria explicada pelo próprio Husserl, segundo Sartre, no texto Lições para uma Fenomenologia da Consciência Interna do Tempo, onde 10 «Après avoir consideré que le Moi était une production synthétique et transcendante de la conscience (dans des L.U.), il est revenu, dans les Ideen, à la thèse classique d un Je transcendental qui serait comme en arrière de chaque conscience, qui serait une structure nécessaire de ces consciences, dont les rayons (Ichstrahl) tomberaient sur chaque phénomène qui se présenterait dans le champ de l attention.»(t.e., p. 20, 46-47) 11 Uma discussão sobre a pertinência ou impertinência das razões de Sartre encontra-se em Sartre et Husserl ou les trois culs-de-sac de la phénoménologie transcendantale de Jean-Toussaint Desanti [in Les Temps Modernes, n.º 531-534 (1990), pp.350-364]. 12 «il est certain que la phénoménologie n a pas besoin de recourir à ce Je unificateur et individualisant.»(t.e., p. 21, 47) 13 «Par l intencionnalité elle se transcende elle-même, elle s unifie en s échappant.»(t.e., p.21, 47) 7

em momento algum são invocados quaisquer poderes sintéticos do Eu. 14 Bem diversamente, seria na estrutura retencional e protencional da intencionalidade, que, na duração temporal, os múltiplos actos intencionais ou consciências, para o Husserl das Lições, se unificariam numa única consciência 15, ou melhor, num único fluxo de consciência. Neste sentido, a presença, envolvendo na sua estrutura uma orientação retencional/protencional, não se reduz ao instante presente, o que explica igualmente a identificação dos diferentes actos como sendo de uma mesma consciência, una e permanente na sucessão temporal. Segundo Sartre, nas Cartesianische Meditationen ainda seria esta a concepção de Husserl 16, o que reforça o paradoxo, pois, como vimos, nessa mesma obra encontram-se referências explícitas à figura do «Ego transcendental». Postos estes elementos, resultaria desnecessária a pressuposição de um Ego transcendental, que para Sartre mais não representaria do que um duplo do Eu reduzido. Ora, enquanto uma pretensa função unificadora do diverso for a razão para a existência 14 Escreve Sartre: «Mais il est typique que Husserl, qui a étudié dans La Conscience interne du temps cette unification subjective des consciences, n ait jamais eu recours à un pouvoir synthétique du Je. C est la conscience qui s unifie elle-même et concrètement par un jeu d intentionnalités «transversales» qui sont des rétentions concrètes et réelles des consciences passées.» (T.E., p.22) Note-se, contudo, que em E.N. Sartre já não mostra concordância com a análise husserliana da consciência interna do tempo, em virtude desta se basear num pressuposto continuista que para Sartre se mostra inaceitável. Por outro lado, Sartre comete um lapso na presente citação, sem que isso afecte o essencial do seu argumento: a intencionalidade em causa na constituição imanente do tempo para a consciência é adjectivada, por Husserl, como intencionalidade longitudinal e não como transversal. A intencionalidade transversal corresponde, pelo contrário, à intenção transcendente e objectivante pela qual é constituída a unidade do objecto. 15 Importa explicitar os dois sentidos com que Husserl emprega a palavra "consciência": ou como a consciência transcendental e singular, como quando se diz ser a consciência uma corrente ou fluxo de vivências; ou como cada um dos actos intencionais, como quando se diz que há uma corrente de consciências. A articulação entre estes dois sentidos é dada pela temporalidade, que é vivida como um fluxo de consciências e que é a condição efectiva para o vir à presença do objecto de que a consciência é consciência. 16 «Il semble que Husserl, dans les Méditations Cartésiennes, ait gardé entièrement cette conception de la conscience s unifiant dans le temps.»(t.e., pp. 22-23) 8

de um Eu transcendental, este não tem, pelo que se disse, razão de ser; é supérfluo. Resta perguntar se o Eu transcendental para Husserl é defendido com base no desempenho de uma qualquer função e, em particular, da função exclusiva de unificar o diverso que aparece à consciência, à semelhança do Eu penso da Crítica da Razão Pura (Kritik der reinen Vernunft) de Kant. É que se não for o caso não podemos obviamente dar por demonstrado que o Ego transcendental, tal como Husserl o concebe, seja efectivamente supérfluo. No máximo, poder-se-ia discutir a validade de tal demonstração no contexto da filosofia crítica de Kant. No entanto, mais do que desnecessária, a imanentização do Ego, sob a forma de um Eu penso, de um Ego transcendental ou de um Eu puro, nos termos de Sartre,constitui mesmo "a morte da consciência". É que a consciência, por ser necessariamente consciência de si, é, segundo Sartre, um absoluto, onde ser e aparecer coincidem, uma consciência de si que só é possível sendo sempre consciência de algo, de um objecto transcendente, centro de opacidade em contraste com a translucidez daquela. É esta a leitura que Sartre faz do princípio de que a consciência é sempre consciência actual de algo e consciência inactual de si mesma (leitura que analisaremos aprofundadamente adiante). Mas ao supor um Ego, como o faz nas Cartesianische Meditationen, Husserl traria a opacidade para o seio da consciência, tornando-se incapaz de preservar a transparência da intencionalidade, por um lado, e elevando, qual usurpação ou espécie de ilusão, o Eu ao nível de um absoluto. 17 17 Com efeito, a tese a discutir nas Cartesianische Meditationen é a seguinte: que a consciência transcendental seja sempre, mesmo irreflectidamente, pessoal. Neste ponto, a crítica de Sartre mostra-se pertinente e colhe mesmo sustento no paradoxo patente na quinta meditação. Que paradoxo é esse? Na sua formulação mais simples consiste na confrontação da tese de que o Ego só se constitui para si mesmo a partir da experiência de outrem com o pressuposto de que o ponto de partida da fenomenologia, é precisamente o Ego transcendental, resíduo remanescente da epoché (daí que a tarefa prioritária da fenomenologia, para Husserl, consista numa egologia, precisamente aquilo que Sartre recusa). Agora bem, como pode o Ego se constituir a partir da experiência do outro, Alter-Ego, se esta última 9

O que está em jogo para Sartre é a contradição manifesta entre a espontaneidade da consciência irreflectida - absolutamente irredutível a qualquer princípio - e um Ego caracterizado como fonte da actividade da consciência e dos seus actos intencionais - entendido, portanto, como anterioridade em relação à consciência. Aceitando o Ego, e caracterizando-o desta forma, ter-se-ia como efeito a remissão para uma esfera obscura, do que está para trás do que não pode ter "para trás". "Inconsciente" e "consciência intencional" neste sentido preciso são termos absolutamente inconciliáveis, sob pena de destruir a evidência absoluta da própria consciência e a possibilidade de qualquer projecto fenomenológico. O vaticínio de Sartre é contundente: "Todos os resultados da fenomenologia ameaçam entrar em ruína se o Eu não é, do mesmo modo que o mundo, um existente relativo, quer dizer, um objecto para a consciência." 18 O passo seguinte de Sartre consistirá em mostrar fenomenologicamente, confirmando assim a sua tese, como o Eu apenas chega a aparecer sob o fundamento da consciência, sem nunca ser ele mesmo condição desta. Para isso, Sartre dá a ver, com exemplos claros, como a recordação não-reflexiva das vivências da consciência irreflectida não revelam qualquer Eu. Di-lo assim: "enquanto lia, havia consciência do livro, dos heróis do romance, mas o Eu não habitava esta consciência, ela era somente consciência do objecto e consciência não-posicional dela mesma." 19 é retirada do circuito pela redução? Pois bem, se se levar a sério a epoché então nada lhe sobreviveria; se se for menos exigente, e se esquecer a redução, então o Ego surge efectivamente como um centro de opacidade e comprometendo pela sua relação à consciência constituinte a transparência desta última. Assim, das duas uma: ou a consciência é pessoal e opaca ou a consciência é transparente e impessoal. Ambas as possibilidades implicam sacrifícios: a opção por uma consciência pessoal é, segundo Sartre, a condição de impossibilidade de uma fenomenologia; a opção por uma consciência impessoal é, por seu turno, a assumpção de uma relação de exterioridade entre a consciência e o seu Eu. Daí a «transcendência do Ego». 18 «Tous les résultats de la phénoménologie menacent ruine si le Je n est pas au même titre que le monde un existant relatif, c est-à-dire un object pour la conscience.»(t.e., p. 26, 49) 19 «tandis que je lisais, il y avait conscience du livre, des héros du roman, mais le Je n habitait pas cette conscience, elle était 10

Ou ainda: "(...) temos, portanto, que concluir: não há Eu no plano irreflectido. Quando corro atrás de um carro eléctrico, quando vejo as horas, quando me absorvo na contemplação de um retrato, não há Eu." 20 Ademais, Sartre dá de barato que exista um Eu ao nível da consciência reflectida; afinal em algum lado teria de existir. Só que, e contrariamente à consciência actual que a consciência reflectinte tem da consciência irreflectida, a intuição do Eu por aquela não é nem apodíctica nem adequada. O visado excede o dado, de tal modo que não é possível deixar de estender a epoché ao Eu, como a qualquer outro objecto transcendente 21. A sua aparição dá-se no momento em que um acto irreflectido de reflexão se dirige para uma consciência reflectida, tornando-se esta "o objecto da consciência reflectinte, sem deixar, todavia, de afirmar o seu objecto próprio (uma cadeira, uma verdade matemática, etc.)". 22 A partir desta análise, Sartre apresenta um conjunto de quatro verificações sobre o Eu. Em primeiro lugar, o Eu não é outra coisa a não ser um existente, com características próprias que o distinguem de outros existentes, mas que, ainda assim, revela-se transcendente à consciência, à semelhança de qualquer outro existente. Em segundo e terceiro lugar, dá-se de forma sempre inadequada, sendo apenas apreensível a partir da reflexão, como estando então por detrás da consciência reflectida. Por fim, como no-lo diz Sartre, "o Eu transcendente deve cair por acção da redução fenomenológica" 23, o que se segue precisamente da sua inadequação, que não permite dispor de uma evidência apodíctica a seu propósito. seulement conscience de l object et conscience non-positionnelle d elle-même.»(t.e., p. 30, 51) 20 «il n y a pas de Je sur le plan irréfléchi. Quand je cours après un tramway, quand je regarde l heure, quand je m absorbe dans la contemplation d un portrait, il n y a pas de Je.»(T.E., p. 32, 52) 21 Neste passo, o par transcendência/imanência já é entendido, respectivamente, como o excesso do visado relativamente ao dado ou a coincidência entre ambos. 22 «l object de la conscience réfléchissante, sans cesser toutefois d affirmer son object propre (une chaise, une vérité mathématique, etc.)» (T.E., pp. 36-37, 55) 23 «Le Je transcendant doit tomber sous le coup de la réduction phénoménologique.»(t.e., p. 37, trad. nossa) 11

Recapitulemos agora, de forma sintética, os principais passos da argumentação presente em T.E. para explicitar o pressuposto central em que assentam: 1. O primeiro argumento de Sartre sobre a função supérflua e nociva de um Eu transcendental poderia falhar na medida em que pressupõe que, para Husserl, entre a consciência e o Ego transcendental não haja identidade, mas apenas uma relação entre o que tem um interior e o habitante desse interior. Ora, como pudemos argumentar não nos parece que Sartre tenha provado a inexistência desta identidade entre a Consciência intencional e o Ego transcendental; ambos poderiam referir para Husserl o mesmo. Não quer isto dizer que essa identidade seja efectiva em Husserl; simplesmente que Sartre não se pronunciou explicitamente sobre ela. 2. Um segundo argumento, que Sartre associou ao enunciado acima, é o de que o Ego transcendental de Husserl é um centro de opacidade, o que é perfeitamente sustentável se se tomar em atenção, por exemplo, o paradoxo da 5.ª Meditação Cartesiana. Este argumento, na verdade, é complementar à tese sartriana de que o Ego se apresenta sempre como transcendência. 3. Pelos dois primeiros passos, Sartre conclui que o Ego, enquanto centro de opacidade, deve deixar de ser considerado como habitante da consciência intencional, anulando qualquer sentido que um Ego transcendental pudesse dispor, e aceitando apenas o Ego transcendente, como constituído reflexivamente. No entanto, a consequência deste nosso ponto de vista de que consciência e Ego poderiam ser o mesmo será a de que, em última instância, a própria consciência é opaca e não translúcida na relação consigo mesma. A razão da opacidade ser-lhe-ia, por assim dizer, imanente. 12

4. Porque não ocorreu a Sartre que Ego transcendental e consciência intencional se identifiquem? E mesmo que não se identificassem porque não supôs que a consciência de si, ou o Soi, é um habitante do Ego, ou do Moi? A estrutura da sua crítica ao Ego transcendental como centro de opacidade estaria globalmente correcta. Só que, então, porque os seus argumentos em relação à inutilidade do Ego transcendental deixariam de fazer sentido (uma vez que desviaria o problema da utilidade para a consciência intencional propriamente dita), nada teria a opor a uma consciência que traria em si a opacidade senão a sua crença pessoal de que a consciência é justamente o inverso, uma relação a si de transparência. Restar-lhe-iam somente os argumentos que indicam quão pernicioso é para o projecto fenomenológico, mesmo o de Husserl, um Ego transcendental e opaco habitar a consciência, argumentos que, no entanto, não têm o mesmo valor que teriam os respeitantes à inutilidade. Enquanto estes são estruturantes o Ego transcendental seria supérfluo porque a função que lhe atribuiria existência seria cumprida por uma outra instância, aqueles são estruturados a partir de um fim ainda a alcançar a possibilidade de localizar um resíduo de imanência que permita a realização de uma fenomenologia explicitativa com ambições apodícticas. É claro que, sob esta perspectiva, Sartre recusa a opacidade da consciência não tanto pela transcendência do Ego mas porque a consciência tem de não ser opaca, sob pena dos resultados da fenomenologia se arruinarem. Assim, a translucidez da consciência não é uma conclusão como nos poderia querer provar, mas um ponto de partida injustificado, à luz do qual o Ego tem de ser transcendente. Deste nosso comentário introdutório não decorre que a tese da transcendência do Ego seja errada - procuraremos aliás defendê-la e radicalizá-la; o fundamento com que Sartre a justifica é que carece ele próprio de fundamentação, deixando-a tão 13

injustificada quanto este. Com efeito, como vimos, a única razão pela qual Sartre afirmou a transcendência do Ego consistiu na tese de que a consciência é toda ela ligeireza, toda ela é translucidez 24. Ora, é justamente esta tese da translucidez ou da transparência da consciência, tese de Sartre prévia à da transcendência do Ego, o que nos propomos discutir ao longo deste trabalho, nas suas implicações de ordem fenomenológica e ontológica. Investigaremos, pois, sob que razões Sartre afirma, já em T.E., que a consciência consiste em ligeireza, translucidez ; e continuará dizendo, em E.N., tratar-se de um nada nadificador ou ainda de um mero reenvio especular entre um reflexo reflectido e um reflector reflectinte. Apenas essa investigação pelo fundamento da descrição sartriana da consciência nos interessará no estudo de E.N. que levaremos a cabo na primeira parte do nosso trabalho. Investigação que concluirá uma manifesta ausência de fundamento, pelo que seremos levados a realizar, na nossa segunda parte, o esboço de um descrição da consciência em termos bastante distintos dos de Sartre, ainda que seguindo a sua rejeição de imanentizar na consciência os seus conteúdos, sejam eles quais forem. Esta nossa descrição assentará na hipótese, que denominaremos metafísica, de um acontecimento-fenómeno de ressonância, substituindo assim a identificação sartriana da consciência com um reenvio especular imediatamente dado e perpétuo, como se a consciência fosse um brotar espontâneo e indeterminável no mundo. É que, embora ambas as metáforas contenham a ideia de um reenvio, somente no caso da ressonância, e do seu reenvio entre o que soa e o ressoado, está pressuposto um acontecimento que causa a ressonância, acontecimento com o qual 24 «Si donc on introduit cette opacité dans la conscience, nous donnions tout à l heure, on la fige, on l obscurcit, ce n est plus une spontanéité, elle porte même en elle comme un germe d opacité. Mais, en outre, on est contraint d abandonner ce point de vue original et profond qui fait de la conscience un absolu non substantiel. Une conscience pure est un absolu tout simplement parce qu elle est conscience d elle-même. Elle rest donc un phénomène au sens très particulier où être et apparaître ne font qu un. Elle est toute légèreté, toute translucidité.»(t.e., p.25, 49) 14

esta não se identifica, sendo apenas um seu efeito. Tal condição de que haja um acontecimento que faça a consciência ser e que no entanto a transcenda é precisamente aquilo que não é perceptível na metáfora do reenvio especular e é precisamente o mais importante na decisão entre um dos lados da alternativa que expusemos logo no início desta Introdução. Avancemos, pois, com a questão é a consciência pura translucidez? e, depois, simplesmente com esta outra: o que é a consciência? 15