Relatório do evento. Perspectivas da Sociedade Civil para a Cooperação Brasileira. 21 de Novembro 2016

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Transcrição:

Relatório do evento Perspectivas da Sociedade Civil para a Cooperação 21 de Novembro 2016 Instituto de Relações Internacionais IRI/PUC-Rio 2016.2

Sobre o evento No dia, o Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio) organizou o seminário Perspectivas da Sociedade Civil para a Cooperação, no Auditório B8 da PUC-Rio. O seminário contou com três apresentações, seguidas por uma discussão, sobre os possíveis caminhos da cooperação para o desenvolvimento do Brasil em relação ao contexto atual de crise política, econômica e institucional do país. 2

Mesa : O Futuro da Cooperação em Tempos de Crises Com moderação do Professor do IRI/PUC-Rio, Paolo de Renzio, a mesa de abertura contou com a participação da Melissa Pomeroy, pesquisadora do Centro de Estudos e Articulação da Cooperação Sul (Articulação Sul), da Professora Iara leite, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Geovana Zoccal, professora do IRI/PUC-Rio e pesquisadora do BRICS Policy Center (BPC). Além da discussão sobre tendências incertas da cooperação brasileira para o desenvolvimento, levando em consideração as novas prioridades adotadas na área econômica do país, foram discutidos alguns desafios enfrentados, desde 2011 1, pela agenda de cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional especialmente no contexto da cooperação Sul- Sul. Baseada nos dados sobre prioridades, mobilidade, tendências e orçamento com cooperação brasileira para o desenvolvimento dos relatórios do IPEA (COBRADI 2005-2009; 2010 e 2011 2013), Melissa Pomeroy, que deu início ao debate na mesa, argumenta que entre o ano 2010 e início de 2011, o Brasil havia se tornado um ator relevante na cooperação internacional para o desenvolvimento mesmo com pouca informação, análise e debate sobre o tema em termos mais amplos. Especificamente em 2010, a cooperação humanitária e a cooperação de paz do Brasil no Haiti e operações voltadas para a questão dos refugiados foram alguns dos destaques importantes para essa posição relevante do país no âmbito da cooperação. Considerando a cooperação para o desenvolvimento como um tópico que passa por constantes alterações por efeitos globais, como 1 Anteriormente, especificamente em 2010, os gastos brasileiros com a cooperação para o desenvolvimento internacional chegaram a seu maior patamar. 1,6 bilhões de reais foram contabilizados, segundo o relatório 2010 do IPEA sobre Cooperação brasileira para o desenvolvimento Internacional (COBRADI) - (Disponível em: <http://www.abc.gov.br/api/publicacaoarquivo/561>. Acessado em: 30 nov. 2016). 3

a crise econômica de 2007/2008 que atingiu diretamente as relações Norte-Sul, Pomeroy destaca o papel do Articulação Sul ao estudar o tema cooperação como uma política pública. Durante a administração do PT, especialmente nos mandatos do expresidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), a adesão ao multilateralismo, que proporcionou a cooperação brasileira através de organizações internacionais, e o crescimento da cooperação humanitária desde 2008, o Brasil se posicionou como ator essencial no desenvolvimento internacional fomentando a cooperação Sul-Sul. Em 2012, através da gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, a cooperação em tecnologia foi outro destaque para o Brasil. Assim, em relação aos arranjos da cooperação técnica brasileira, a pesquisadora do Articulação Sul destaca os seguintes pontos: a participação do Brasil nas Agendas bilaterais de países desenvolvidos (cooperação trilateral e o fortalecimento de agendas em comum); a formação de parcerias bilaterais no Sul (fortalecimento institucional através da cooperação bilateral com países emergentes e subdesenvolvidos); a participação em Organismos Internacionais (cooperação trilateral como influência em agendas globais) e em Instituições Regionais (cooperação em bloco por meio de convergências e homogeneização de políticas e práticas. Ex.: iniciativa brasileira de criar uma rede de agricultura familiar no âmbito do Mercosul); a utilização de conhecimento setorial para agendas de educação, de combate à fome e de desenvolvimento social também como pautas de cooperação. Nesse ponto, conforme assegurado por Pomeroy, a cooperação Internacional não é apenas dirigida pelas diretrizes da política Internacional, uma vez que enquanto políticas públicas como saúde, educação e agricultura são globalizadas, atores públicos domésticos também ganham relevância global ao participarem, por via de redes e fóruns, de processos decisórios de parcerias. O Brasil, dessa forma, passou a ser considerado pivô estratégico nas relações Sul-Sul. O país foi reconhecido por suas políticas de combate à fome, 4

à pobreza, promoção do agronegócio e incentivo ao desenvolvimento econômico. Além disso, o Estado brasileiro, por possuir processos históricos parecidos com outros países da América do Sul e por tentar manter uma relação horizontal entre governos, também foi caracterizado como legítimo e ainda mais essencial para a cooperação no Hemisfério Sul. Fazendo um comparativo breve entre os governos de Lula e Dilma Rousseff, Pomeroy destaca que entre 2003 e 2010, a diplomacia comercial e as políticas de combate à fome e à pobreza demarcaram o governo lulista, enquanto que durante o mandato da ex-presidente Dilma, também caracterizado pelo aumento do investimento dos países do Norte no Brasil e a diminuição da disponibilidade de recursos, essa demarcação esteve voltada para o aumento do interesse em iniciativas que trouxessem benefícios mútuos e imediatos como objetivos da agenda comercial. No entanto, quais seriam as possibilidades da continuação dessas tendências diplomáticas, comerciais e estratégicas para o governo pós-dilma até 2018? Será que os últimos 13 anos de aprendizado podem influenciar o atual governo a institucionalizar a cooperação brasileira considerando a transição do tema entre demanda e estagnação? Partindo da incerteza das iniciativas do atual governo brasileiro em relação à cooperação do Brasil para o desenvolvimento internacional, Melissa Pomeroy conclui considerando que a criação e/ou aprimoramento do discurso estratégico para cooperação baseado no fortalecimento doméstico, bem como o reforço à institucionalidade da cooperação brasileira, à comunicação estratégica, à busca pelos benefícios da cooperação Sul-Sul (com, de novo, apoio doméstico) e ao monitoramento e avaliação das iniciativas e práticas estatais sobre o tema são importantes para a continuidade do Brasil em um patamar relevante da cooperação para o desenvolvimento internacional, em especial na manutenção das relações com o Sul Global. A discussão da mesa continuou com a fala da professora da UFSC e ex-pesquisadora do Articulação Sul, Iara Leite que teve o objetivo de fazer uma 5

apresentação voltada para as possibilidades da agenda de pesquisa acadêmica na área de cooperação diante do quadro político atual e as aplicações dos estudos sobre a política. Segundo Iara Leite. A agenda de pesquisa sobre cooperação brasileira para o desenvolvimento esteve baseada em recorrências históricas, que possibilitaram a observação de padrões na cooperação brasileira captados através de pesquisa qualitativa. A professora destaca algumas possíveis análises entre os governos de Ernesto Geisel e Lula; João Figueiredo e Dilma; Geisel e Figueiredo e entre Lula e Dilma. Nessas comparações, destaca-se a preocupação dos governos com o ciclo econômico na cooperação internacional para o desenvolvimento; isto é, observa-se uma relação direta entre o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país e a taxa de crescimentos dos recursos de ajuda. Além disso, Iara também apresenta um padrão de causalidade exercido como prioridade dos governantes: manter-se no poder através de políticas de combate à recessão econômica e aos impactos dessa sobre a sociedade. No caso de Geisel X Lula, a economia global passava por um período de retração da economia no centro global em ambos governos (Crise do petróleo de 1973 e a crise financeira global de 2008, respectivamente). Como consequência disso, conforme analisado pela Prof.ª sob lente da Teoria do Sistema Mundo, em períodos de crise no centro capitalista é esperado o aumento do protecionismo dos países mais ricos e a diminuição da demanda por importações de países considerados periféricos ou semiperiféricos. Assim, os países da semiperiferia tendem a se voltar para os países da periferia e, gradativamente, a recuperação dos países do centro recoloca os mercados entre eles, descentralizando o comércio com os países semiperiféricos e periféricos. No caso brasileiro, por exemplo, o pico da cooperação para o desenvolvimento se dá em 2010, em que a crise de 2008 no centro capitalista 6

do Sistema Internacional pode justificar a aproximação brasileira com países do Sul. Observa-se também, no mesmo período, a correlação entre a diminuição do PIB brasileiro e da ajuda do país para o desenvolvimento internacional. A Professora da UFSC destaca a possibilidade brasileira de consolidação de aprendizados em termos da cooperação para o desenvolvimento através da observação de padrões na economia global a fim de entender a cooperação do meio-periférico, à qual o Brasil está inserido e da adoção de uma agenda estratégica não apenas na forma de discurso, mas como uma agenda de fato. Além disso, no mesmo contexto, também destacamse a importância de demonstrar resultados da cooperação; articular um discurso estratégico sobre a cooperação brasileira para o público doméstico; reforçar a institucionalidade da cooperação seja por meio de um decreto de lei, seja por manual de gestão, monitoramento ou avaliação; pensar nas contribuições para a Agenda 2030: contribuição da Cooperação Sul-Sul e aprofundar análise sobre dados do investimento em cooperação a fim de manter a periodicidade do relatório COBRADI. Para Iara Leite, a cooperação brasileira, até então, possui uma diferença distinta de outros países devido ao grau de vontade de cooperar com o Brasil oriunda de muitos atores internacionais, incluindo, claro, os Estados. Opondo-se o exercício da cooperação brasileira através de funcionários públicos e defendendo o aumento da participação acadêmica na área, a professora recomenda uma maior organização e planejamento do Itamaraty e da ABC e Itamaraty para realização da cooperação e o diálogo com a sociedade para pensar planejamento estratégico na agenda da bioeconomia para o desenvolvimento não só do Brasil, mas também da América Latina e dos países africanos, por exemplo. Finalizando sua fala, a ex-pesquisadora do Articulação Sul defende que a Agência brasileira de cooperação, por exemplo, deveria fazer um banco de competência para articulação e aplicabilidade de conhecimento sobre o tema, pois, estrategicamente, 1) facilita a saída de um papel passivo (receber 7

cooperação) de instituições de conhecimento para um mais ativo (ensinar maior aprendizado) e a mudança na estrutura interna da área de cooperação das próprias, como no caso da Empresa brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) aumento da participação dessas instituições na Cooperação Sul-Sul a partir dos anos 2000; 2) promove a internacionalização de empresas, da sociedade brasileira e das universidades brasileiras (participação e discussões globais na cooperação Norte-Sul e Sul-Sul) e 3) incentiva e mobiliza a importância da participação de universidades brasileiras por meio da transição de pesquisa básica para pesquisa aplicada na área de cooperação, visto que, no Brasil, a interação das universidades nacionais, profissionais multidisciplinares e a aplicabilidade de suas pesquisas, especialmente em relação às disciplinas de ciências sociais e humanas, ainda não possuem espaço significativo nas políticas brasileiras no âmbito da cooperação aqui discutido. Com o objetivo de expor uma análise sobre como a cooperação brasileira se desenvolveu e tem sido desenvolvida e como isso se mostra distinta, de certa forma, do que é estudado tradicionalmente sobre cooperação condicionada por development experts, a última apresentação do painel foi conduzida pela Pesquisadora do BRICS Policy Center (BPC), Professora e Doutoranda do IRI/PUC-Rio, Geovana Zoccal. Essa análise traz um pouco, segundo Geovana, a ideia de que a cooperação brasileira, diferentemente da cooperação tradicional feita por development experts, tem sido feita por cooperantes. Esse último conceito é bastante utilizado para que a análise seja feita de maneira bottom-up. Ou seja, tenta-se pensar como os cooperantes, a condição doméstica, a trajetória histórica e as agências executoras possuem um papel particular e como suas atuações, através do conceito de redes de políticas públicas, impactam na institucionalização da cooperação brasileira como um todo, ao invés da abordagem sobre o tema ser apenas pensada na estrutura do desenvolvimento internacional de forma top-down. 8

A Agência de Cooperação (ABC), dessa forma, possui um papel de gestora e não de executora exclusiva da cooperação. Como consequência disso, as redes de políticas públicas 2 ganham cada vez mais destaque, uma vez que a sua atenção permite um alcance internacional trazendo um pouco do que é percebido como positivo e diferente da cooperação brasileira para o desenvolvimento, dado o estudo incompleto que pode ser gerado caso a fragmentação ocasionada pela não centralidade da cooperação na ABC seja utilizado como foco de análise. Nesse contexto, os cooperantes são definidos como pessoas que não necessariamente são especializadas na área de cooperação, mas sim nas suas próprias redes setores de saúde pública, segurança alimentar e inovação agrícola, por exemplo, facilitando o foco em políticas domésticas e na importância setorial da cooperação como possibilidade de pensar algumas previsões acerca das ações do governo brasileiro atual no que diz respeito à cooperação do Brasil para o desenvolvimento internacional. Além disso, também foi percebido uma forte defesa das escolhas constitucionais, como projetos e programas, feitas pelos cooperantes ao longo de suas carreiras domésticas no âmbito da cooperação internacional um funcionário público brasileiro, em alguns casos, é enviado para trabalhar por um tempo fora do Brasil no âmbito da cooperação. Não descartando a ideia de que o trabalho no exterior de funcionários públicos pode prejudicar o trabalho dessas pessoas domesticamente, a Prof.ª de Relações Internacionais da PUC-Rio também aborda a diferença entre development experts e cooperantes como um ponto positivo dessa atuação para a institucionalização da cooperação brasileira. Isso porque, quem é enviado para trabalhar com cooperação são pessoas formadas na trajetória 2 Arranjos relativamente estáveis em que diversos atores, inclusive aqueles que não trabalham diretamente com cooperação como oriundos de diferentes ministérios, por exemplo, são agrupados por possuírem, de certa forma, interesses interdependentes e compartilhados. Essa relação mútua acaba gerando uma divisão de recursos com a finalidade de se chegar nos objetivos comuns desses atores. 9

setorial brasileira, isto é, especializadas em saúde pública ou inovação agrícola, por exemplo, que participaram diretamente de programas, como o Prodecer, no Brasil, inspiração do ProSavana, em Moçambique. O Núcleo de Cooperação para o Desenvolvimento do BRICS Policy Cente, diante disso, pensou quatro elementos fundamentais para a análise das condições domésticas de cada uma dessas redes: 1) integração interna das redes; 2) ter um agrupamento social e político das redes; 3) existência de uma Instituição de referência. No caso da saúde, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) é uma instituição de referência bastante relevante, assim como a Embrapa no setor da inovação agrícola e 4) manter padrões de relacionamentos com a comunidade dessas redes em contexto internacional. Nesse caso, as agências se desdobram nas arenas multilaterais 3, nas minilaterais e regionais 4. Posteriormente, Geovana Zoccal discute separadamente as três redes citadas até então. O debate sobre a saúde pública no contexto apresentado surge através do movimento sanitarista emergido na década de 70 no brasileiro, durante o período de regime militar no país. No final da década de 80, houve reformas na agenda com participação popular considerável. Assim, os valores da rede de saúde pública foram enraizados socialmente na população brasileira como um todo tendo forte influência na dinâmica internacional. Já no âmbito da segurança alimentar, a primeira formação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), no início dos anos 90, o Fórum brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional e a institucionalização 3 A defesa do Brasil do acesso universal a medicamentos na Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo. 4 A defesa brasileira no âmbito da segurança alimentar e na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), por exemplo, sobre o acesso a alimentos adequados como um direito humano. 10

de políticas públicas especialmente pós-2003 5, a lei orgânica de Segurança Alimentar, que colocou a alimentação como um direito humano fundamental consolidando a rede de segurança alimentar no Brasil, são alguns dos marcos apontados. Além disso, Geovana Zoccal também destaca o embate da segurança alimentar com o agronegócio, faltando consenso doméstico para o enraizamento social e político que possa levar a discussão para dobras internacionais. Por último, a rede de inovação agrícola possui instituições chaves na promoção de especialização e capacitação, levando à formação de um Sistema Nacional de Inovação, principalmente a Embrapa. O incentivo à ciência para a produção em larga escala foi facilitado pela chamada Conquista do Cerrado, que integrou pesquisadores da Embrapa e de outras instituições. No entanto, essa rede específica é frequentemente associada ao agronegócio, dado que muitos dos cooperantes que trabalham com inovação agrícola também atuam como pequenos produtores ou em projetos de segurança alimentar. Logo, por mais que haja uma flexibilidade do conceito, o Brasil é considerado um expert em tecnologia agrícola com destaque na agricultura tropical, por exemplo. Voltando nos elementos fundamentais para a análise das condições domésticas das redes, a pesquisadora do BPC destaca que, pelo breve histórico apresentado, a integração interna é abundante na rede de saúde e na inovação agrícola. O enraizamento social e político na saúde tende a ser mais profundo do que nas outras redes, por mais que nestas o engajamento não seja inexistente. As principais instituições de referências são a Fiocruz, para a saúde, e a inovação tecnológica para a inovação agrícola, enquanto na segurança alimentar, mesmo com a relevância do Consea, não há uma instituição de referência específica que faça o papel exercido pelas as outras aqui citadas. E no padrão de relação com a comunidade internacional, percebese um grande alinhamento na rede de saúde, enquanto na segurança alimentar 5 Defesa do governo Lula no combate à erradicação da fome e da pobreza através de programas assistenciais, como o Fome Zero. 11

ainda há momentos de desafios e na inovação agrícola, esse relacionamento acontece de diferente forma a cada novo projeto. Ao finalizar sua fala, a doutoranda do IRI/PUC-Rio acentua que não há um consenso no Brasil sobre o conceito de cooperação estruturante em exercício doméstico. Cada uma dessas redes domésticas possui entendimentos distintos sobre o referente conceito mesmo que perpassem por princípios, dado que alguns cooperantes de diferentes áreas convivem efetivamente no campo prático da cooperação. Além disso, por conta do embate com o agronegócio, não é visto um consenso doméstico necessário para o sucesso de projetos estruturantes, como o ProSavana e a Sociedade Moçambicana de medicamentos, na agricultura como há na saúde. Como consequência disso, percebe-se um questionamento dentro da sociedade civil brasileira sobre o ProSavana, por exemplo, maior do que na própria sociedade civil de Moçambique, devido à continuidade de problemas no Brasil, ainda não resolvidos sobre o tema, transportados para o internacional. Sendo assim, Geovana Zoccal sugere que é importante pensar mais sobre a setorização da cooperação brasileira, mesmo que seja algumas vezes classificada como frágil ou fragmentada, levando em consideração os benefícios presentes na execução da cooperação do Brasil por cooperantes e não por development experts. Após a fala da pesquisadora e professora Geovana Zoccal, foi dado espaço para algumas perguntas referente ao que foi apresentado até então. Uma das perguntas propôs o questionamento sobre qual seria a atuação da sociedade civil para o retorno da agenda da cooperação para o desenvolvimento como uma das prioridades do governo brasileiro. A Prof.ª Iara Leite concordou com a necessidade do papel da sociedade civil na cooperação internacional, acrescentando que essa participação deve acontecer a médio prazo. Instituições como o BRICS Policy Center (BPC) e o Articulação Sul já demonstram a relevância da atuação 12

acadêmica, por exemplo, na criação de conhecimento na área de estudo em questão, entretanto, a participação popular deve ser melhor incentivada. Assim, para que haja um aumento do exercício civil, segundo a Prof.ª da UFSC, devese superar a ideia de que o âmbito da cooperação internacional é conduzido melhor por funcionários públicos. Além disso, programas de desenvolvimento educacional, como já feito no Reino Unido, devem ser criados para que as pessoas saibam, desde crianças, o que está sendo feito pelo Brasil na África e na América Latina, por exemplo. Deve-se também pensar no engajamento da sociedade civil com parceiros internacionais a fim de fortalecer suas agendas de ativismo fora contexto doméstico. Ainda no mesmo questionamento levantando, Melissa Pomeroy argumenta que, por mais que exista uma pauta de conselho com propostas da sociedade civil para que esta tenha mais acesso à discussão sobre cooperação, há interesses diversos no quadro político atual brasileiro sendo defendidos em detrimento da democratização da política externa. Isto é, enxerga-se atualmente apenas uma política externa adotada apenas voltada para a defesa de interesses nacionais. Outra pergunta trouxe para discussão a questão do Programa de Cooperação Tripartida para o Desenvolvimento Agrícola da Savana Tropical em Moçambique (ProSavana). Foi questionado como que o exercício desse programa de cunho empresarial, que envolve a cooperação entre Brasil, Japão e Moçambique e de atuação Top-down, é realizado através de um diálogo horizontal considerando o questionamento da própria população moçambicana; isto é, indagações oriundas de pessoas que não se sentem necessariamente contempladas com a atuação empresarial no seu país. Segundo a Prof. ª Iara Leite, deve-se entender mais sobre a participação de intermediadores que financiam em uma sociedade de pouca renda. Para Iara, sem desconsiderar as críticas da sociedade civil sobre os efeitos do programa, o ProSavana é importante para o desenvolvimento moçambicano. 13

Respondendo à pergunta sobre qual seria o papel do Brasil na cooperação para o desenvolvimento no contexto de crise econômica e política atual, Geovana Zoccal enfatiza a relevância da independência das redes de políticas setoriais e como os cooperantes colaboram ao serem especializados nas suas áreas de atuação para a formulação de projetos, fomentando a possibilidade da criação de um banco de competências, como citado pela Prof.ª Iara Leite, que não seja exclusivamente preenchido por development experts. E relação ao questionamento do programa ProSavana, Geovana realça o problema existente no reforço brasileiro do seu discurso de não interferência e de negociação feita apenas entre governos, o que enfatiza que as demandas da sociedade civil moçambicana devem ser resolvidas apenas com o governo de Moçambique. 14

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