Brasil, Argentina e o projeto Mercosul:

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1 52 COMÉRCIO EXTERIOR, Argentina e o projeto Mercosul: relações comerciais para definir a parceria? Lia Valls Pereira Em 26 de março de 2011 o Tratado de Assunção que criou o Mercosul fez 20 anos. Fora os discursos oficiais que por obrigação sempre apontam as vantagens e os avanços do processo de integração, os objetivos do tratado ainda não foram cumpridos. Mais do que isso, são poucos os que defendem e/ou apostam na formação de um mercado comum (livre circulação de mercadorias, serviços, capital e trabalho) composto pela Argentina,, Paraguai e Uruguai. Mesmo a consolidação da união aduaneira (uma tarifa de importação comum e livre comércio de mercadorias intrarregional), que deveria estar em vigor desde o ano de 2006, continua em compasso de espera. As relações entre e Argentina são cruciais para definirem a trajetória do processo de integração. Afinal, esses dois países explicam 97% do produto interno bruto (PIB) do bloco (ano de 20) e somente o participa com 83% no PIB Mercosul. Um acordo, porém, supõe que os Estados membros consideram que existam ganhos possíveis pela integração que não são alcançados isoladamente e, logo, algum compartilhamento de políticas é necessário. O Mercosul precisa ser um projeto comum dos Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr

2 COMÉRCIO EXTERIOR 53 seus parceiros em que todos percebam um saldo líquido positivo no balanço entre benefícios e custos. Nesse caso, só o comércio não é suficiente. Comércio A corrente de comércio (exportações mais importações) do com a Argentina passou de US$ 14,7 bilhões, em 1998 (o maior valor da década de 1990), para US$ 32,9 bilhões, em 20, e US$ 32,8 bilhões (janeiro a outubro de 2011). No entanto, no ano de 1998, a participação da corrente com a Argentina na corrente de comércio total do era de 13,6%, no ano de 20, foi de 8,6% e no acumulado até outubro de 2011 foi de 8,2%. A corrente de comércio da Argentina com o na corrente total do comércio exterior argentino era de 15%, no ano de 1991, atingiu o seu maior percentual em 1997, 26,5%, e foi de 25,7%, em 20. Como no, a corrente de comércio cresceu em termos de valor, porém enquanto a participação do no comércio exterior argentino é quase igual à dos anos 1990 o inverso não é verdadeiro na pauta argentina. O continua a ter um peso importante no comércio exterior argentino. Um espírito mercantilista preside as negociações comer- As relações entre e Argentina são cruciais para definirem a trajetória do processo de integração do Mercosul. Os dois países explicam 97% do PIB do bloco Gráfico 1 Participação (%) do país na pauta das exportações do parceiro Argentina Gráfico 2 Participação (%) do país na pauta de importações do parceiro Fonte: Secex/Mdic e CEI/MRE da Argentina. Argentina

3 54 COMÉRCIO EXTERIOR Se o governo argentino insistir na defesa de sua indústria com medidas protecionistas, o brasileiro tem outras prioridades e questões na sua agenda de comércio ciais. Os acordos são apresentados para os setores da sociedade como formas de expandir mercados e com poucos efeitos de dano para os setores domésticos. Ao longo do processo de integração, a participação do comércio intrarregional pode crescer, mas se persistem grandes assimetrias o acordo começa a ser questionado. Os gráficos 1 e 2 mostram as participações do e da Argentina nas pautas de exportações e importações do parceiro. Após o aumento dos percentuais até 1997, a participação brasileira nas exportações argentinas caiu e ainda não chegou ao valor de 1997, que era de 13%. O mesmo acontece para a Argentina. O já explicou 31% das exportações argentinas e no ano de 20, esse valor foi de 21%. No entanto, nos fluxos importados, enquanto a importância dos produtos argentinos diminui para o, o percentual importado pela Argentina de produtos brasileiros cresceu, chegou a 34%, em 2003, e foi de 31% em 20. Os argentinos demandam aumento das suas exportações para o mercado brasileiro. Os resultados dos saldos das balanças comerciais reforçam a percepção da assimetria no comércio. O saldo do com a Argentina segue o desempenho geral do comércio. De 1995 a 2000, o saldo foi deficitário com o mundo e a Argentina (gráfico 3). A partir de 2003, quando a economia argentina se recuperou, o saldo com o parceiro seguiu o desempenho favorável na produção de superávits comerciais. No acumulado de janeiro a outubro de 2011, o saldo com a Argentina no valor de US$ 4,9 bilhões já superou o maior saldo da série anual do comércio bilateral. No caso da Argentina, os resultados nem sempre coincidem. Nos anos de 1997/99, o saldo com o mundo era deficitário e com o, superavitário (gráfico 4). A partir de 2004, o saldo é deficitário com o Gráfico 3 Saldos da Balança Comercial do Total US$ bilhões Fonte: Secex/MDIC.

4 COMÉRCIO EXTERIOR 55 US$ bilhões e superavitário com o mundo. A Argentina se beneficiou do aumento dos preços das commodities, mas não com o, que também é um grande produtor de soja e carne bovina. Os setores industriais argentinos reclamam e o governo de Buenos Aires tem respondido ao aumento da assimetria nos fluxos comerciais com o com medidas protecionistas, como a lista de produtos sujeitos a licenças não automáticas. No ano de comemoração dos 20 anos do Mercosul, o governo brasileiro respondeu com outro pacote de licenças não automáticas e o clima de tensão comercial cresceu. Essas tensões não são novidade na relação -Argentina. No início da construção do Mercosul, o déficit comercial com o levou a medidas de proteção, como salvaguardas e direitos antidumping incidentes sobre as importações brasileiras. Acomodou-se a tensão com compromissos de compras de petróleo e trigo. Recentemente, o tema da assimetria comercial foi tratado com a prorrogação de prazos para a entrada em vigor da tarifa externa comum plena. Em adição, foram aceitas exceções ao livre comércio intrarregional. No campo comercial, portanto, e Argentina não são exemplos para a consolidação do processo de integração, pelo menos no momento atual. Outros temas As dificuldades no campo comercial levam a um debate que gira em torno de três eixos. O primeiro abandona o projeto de integração profunda e defende a consolidação de uma área Gráfico 4 Saldos da Balança Comercial da Argentina Fonte: CEI/Ministério das Relacões Exteriores da Argentina. Total de livre comércio. O Mercosul era interpretado como um instrumento importante para os projetos de abertura comercial na década de 1990 e, agora, sua função seria contribuir para impedir um possível retrocesso nesse processo. A ideia da tarifa externa comum simplesmente não deu certo. Se o governo argentino insistir na defesa de sua indústria com medidas protecionistas, o governo brasileiro tem outras prioridades e questões na sua agenda de comércio. O segundo reconhece as dificuldades da agenda comercial e passa a privilegiar outras questões como: infraestrutura; livre movimentação de pessoas e questões de segurança nas fronteiras; cooperação técnica e transferência de tecnologia; acordos para marcos comuns de regulação de serviços; entre outras. Esses temas podem ser objeto de acordos específicos e não dependem de um marco formal de um projeto de integração mercado comum/união aduaneira. Aqui é preciso separar questões que podem ser resolvidas no âmbito exclusivo da relação -Argentina de outras que os países consideram que o arcabouço institucional de um acordo formal de integração seja Mercosul, Aladi (Associação Latinoamericana de Integração) ou Unasul (União Sul-Americana das Nações) possa ser o melhor caminho, como questões do comércio de drogas e armas nas fronteiras.

5 56 COMÉRCIO EXTERIOR O terceiro sugere formas de incentivar a integração econômica. Aqui, é destacado o papel das empresas e do investimento direto no incremento do comércio intraindústria. Além disso, em vez de aceitar como inevitável às exceções ao livre comércio intrarregional e/ou à tarifa externa comum, é preciso recuperar o mínimo de disciplina que o Mercosul institucionalizou. Conclusão No momento, o se destaca no cenário mundial na comparação com a Argentina ou seus outros parceiros na comunidade sul-americana. Em fóruns internacionais, frequentemente a identidade do é BRICs (, Rússia, China e África do Sul). No entanto, um país que tem uma fronteira geográfica com países sul-americanos deve ter como uma das prioridades de sua agenda, a estratégia com os seus vizinhos. E mais: a projeção internacional do se fortalece quando o espaço sul-americano é visto como uma região estável política e economicamente. A defesa do setor industrial argentino e/ou brasileiro não deve se confundir com a volta de práticas protecionistas. A regulação de marcos que promovam a integração dos investimentos dos serviços públicos/privados, criação de ambientes propícios ao comércio intraindústria (criação de cadeias produtivas regionais) são medidas que frequentemente são lembradas, mas pouco se faz para implementálas. Viva ou não o Mercosul, a relação e Argentina é um dos temas prioritários na agenda diplomática e econômica do. Lia Valls Pereira é pesquisadora do Centro de Economia Aplicada