Determinação do Risco Cardiovascular em População de Check-up Espontâneo através do Escore de Framingham



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Transcrição:

Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):356-63 Artigo Original 4 Galvão et al. Determinação do Risco Cardiovascular em População de Check-up Espontâneo através do Escore de Framingham Determination of Cardiovascular Risk in Spontaneous Check-up Population through the Framingham Score Nathalia Ishimaru Galvão 1, Regina de Fátima Jesus Távora Junqueira Vilela 1, Bianca Maria Maglia Orlandi 2, Raquel Franchin Ferraz 2, Fernando Augusto Alves da Costa 2, Djalma José Fagundes 3 Resumo Fundamentos: As doenças cardiovasculares (DCV) estão entre as principais causas de morte em todo o mundo. Muitos dos pacientes que sofrem morte súbita são previamente assintomáticos, o que torna relevante a preocupação com a triagem da doença cardiovascular. A probabilidade de doença coronariana na população em geral pode ser calculada com base nos resultados do Framingham Heart Study. Objetivo: Determinar o risco cardiovascular em população assintomática de check-up espontâneo, utilizando o escore de Framingham. Métodos: Foram coletadas através de estudo de coorte retrospectivo, informações do prontuário de 83, 50 homens e 33 mulheres, com idade entre 30-79 anos, assintomáticos, que realizaram a primeira consulta nos últimos dois anos. Os dados de sedentarismo, tabagismo e presença de diabetes mellitus foram analisados de forma separada, utilizando-se o teste do qui-quadrado. As variáveis da escala de Framingham foram analisadas em escala numérica através do teste de Mann-Whitney. Resultados: Procuraram avaliação cardiológica 52,0 % dos homens quando estavam na faixa de risco moderado a alto e escore de Framingham médio de 9,8, com risco cardiovascular de 14,2 % para o desenvolvimento de doença cardiovascular em cinco anos; 72,7 % das mulheres procuraram avaliação cardiológica quando estavam na faixa de risco baixo, e escore de Framingham médio de 7,2 com risco cardiovascular de 8,3 % para o desenvolvimento de doença cardiovascular em cinco anos. Abstract Background: Cardiovascular diseases (CVD) are among the leading causes of death all over the world. Many sudden deaths occur among formerly asymptomatic patients, underscoring the importance of concern over screening for cardiovascular disease. The probability of coronary disease among the general population may be calculated on the basis of the Framingham Heart Study findings. Objective: To determine the cardiovascular risk in an asymptomatic spontaneous check-up population, using the Framingham score. Methods: Information was collected from the medical records of 83 asymptomatic individuals (50 men and 33 women) between 30 and 79 years old having their first consultation in the past two years. Data on sedentary lifestyles, smoking and diabetes mellitus were analyzed separately though the chi-square test. The Framingham scale variables were analyzed on a numerical scale through the Mann-Whitney test. Results: Cardiological evaluations were sought by 52 % of men in the moderate to high risk range with an average Framingham score of 9.8 and cardiovascular risk of 14.2 % for developing cardiovascular disease within five years, with 72.7 % of the women seeking cardiological evaluations when in the low risk range and an average Framingham score of 7.2 with a cardiovascular risk of 8.3 % for developing cardiovascular disease within five years. 1 Curso de graduação em Medicina - Universidade Anhembi Morumbi - São Paulo, SP - Brasil 2 Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo - São Paulo, SP - Brasil 3 Escola de Medicina - Universidade Anhembi Morumbi - São Paulo, SP - Brasil Correspondência: Nathalia Ishimaru Galvão E-mail: nathalia_galvao@hotmail.com Praça Amadeu Amaral, 47 Conj 12 - Bela Vista 01327-010 São Paulo, SP - Brasil Recebido em: 04/06/2013 Aceito em: 02/10/2013 356

Galvão et al. Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):356-63 Conclusão: Na população assintomática que fez check-up espontâneo, utilizando-se o escore de Framingham, os homens apresentaram risco moderado e alto de DCV, enquanto que esse risco foi muito reduzido entre as mulheres. Palavras-chave: Doenças cardiovasculares; Dislipidemias; Fatores de risco Conclusion: In an asymptomatic spontaneous check-up population, using the Framingham score, the men presented moderate to high cardiovascular risks, with these risks being far lower among the women. Keywords: Cardiovascular diseases; Dyslipidemias; Risk factors Introdução As doenças cardiovasculares (DCV) estão entre as principais causas de morte em todo o mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) são 15 milhões de óbitos anuais devido a essas doenças 1. No Brasil, segundo a Síntese de Indicadores Sociais de 2002, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 2 (IBGE), as DCV se destacam como a principal causa de morte no país (28,8 % para homens e 36,9 % para mulheres), em todas as regiões e estados 2. A região sul e o estado do Rio Grande do Sul, em particular, registram as maiores proporções, sendo responsáveis por 40 % das mortes por doença cardiovascular 3,4. Atualmente, o conhecimento científico acumulado gradualmente na medicina permite diagnósticos mais individualizados e precisos, abrangendo dados que facilitam a prevenção, a detecção precoce e a evolução das doenças, assim como a indicação de procedimentos terapêuticos adequados. Cada vez mais as pessoas percebem que o check-up é uma ferramenta importantíssima para a manutenção da saúde. Homens e mulheres com mais de 35 anos são aconselhados a realizar esse procedimento pelo menos uma vez ao ano, e assim tomam ciência do que está acontecendo com o seu organismo 5. O infarto agudo do miocárdio (IAM) e o acidente vascular encefálico (AVE), duas das principais doenças cardiovasculares, não acontecem subitamente: é preciso uma evolução muito longa para que eles ocorram como um desfecho final. São eventos agudos que estão relacionados a fatores como hipertensão arterial sistêmica (HAS), dislipidemia (DLP), hábito de fumar e falta de exercícios físicos, além dos fatores ambientais e a propensão genética 6. O check-up preventivo inclui um conjunto de exames solicitados por médicos especializados, que oferecem um diagnóstico detalhado acerca das alterações fisiológicas do organismo. Geralmente constitui-se de exame clínico geral e exames complementares como hemograma, glicemia, dosagem de creatinina e ureia, colesterol total e frações, triglicérides, ácido úrico, urina I, exame de fezes (protoparasitológico), eletrocardiograma, teste ergométrico e radiografia de tórax. Os resultados dos exames auxiliarão o médico a determinar qual o tipo de conduta para cada caso, como orientar a mudança de hábitos relativos à alimentação, ao tabagismo, ao uso de medicamentos, à prática de exercícios físicos e, porventura, solicitar novos exames complementares a fim de fundamentar um diagnóstico preciso 7. Muitos dos pacientes que sofrem morte súbita são previamente assintomáticos, o que torna relevante a preocupação com a triagem da doença cardiovascular. O uso de escores de risco para prevenção dessas doenças pode subestimar a existência de doença em alguns grupos, especialmente em mulheres e jovens 7. A probabilidade de doença coronariana na população em geral pode ser calculada com base nos resultados do Framingham Heart Study. De acordo com faixa etária, sexo, valores de pressão arterial sistólica, valores da razão entre o colesterol total e a fração HDL, presença de tabagismo e diagnóstico de diabetes, é possível estabelecer a chance de infarto do miocárdio e angina do peito em 10 anos. Assim, a avaliação desses fatores ao mesmo tempo permite identificar pacientes com alta probabilidade e modular os esforços para a sua redução. A possibilidade de se estimar o risco absoluto em 10 anos permite ações preventivas 8. Nesse contexto pareceu relevante realizar investigação em um segmento da população do município de São Paulo, que tem um fator diferencial socioeconômico que possibilita realizar a avaliação com recursos próprios, sem a participação do sistema público de saúde. O objetivo do estudo foi determinar o risco cardiovascular em população assintomática de check-up espontâneo em clínica particular através de escore de Framingham. Métodos O estudo foi avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência sob o nº 47547 e, após sua aprovação, realizou-se levantamento de prontuários da clínica FGM-Clínica Paulista de doenças cardiovasculares. 357

Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):356-63 Galvão et al. Foram coletadas informações de 83, 50 homens e 33 mulheres, com idade entre 30-79 anos, que realizaram a primeira consulta entre abril 2009 e janeiro 2011 + 3 meses. Foram excluídos aqueles pacientes encaminhados para a segunda avaliação e aqueles procedentes de hospitalização. Os dados de sexo, idade, peso, circunferência abdominal, perfil lipídico, glicemia, tabagismo, sedentarismo, níveis de pressão arterial sistêmica (PAS) foram colhidos em tabela específica. Após preenchimento desses dados calculou-se o valor do escore de Framingham e risco cardiovascular em cinco anos para cada paciente (Tabela 1). Tabela 1 Escore de Framingham para risco de doenças cardiovasculares 9 Idade (anos) Colesterol total (mg/dl) HDL (mg/dl) Pressão arterial sistólica (mmhg) Diabetes Tabagismo 358 Fatores de Risco Pontos (Homem) Pontos (Mulher) <34-1 -9 35-39 0-4 40-44 1 0 45-49 2 3 50-54 3 6 55-59 4 7 60-64 5 8 65-69 6 8 70-74 7 8 <160-3 -2 169-199 0 0 200-239 1 1 240-279 2 2 >280 3 3 <35 2 5 35-44 1 2 45-49 0 1 50-59 0 0 >60-2 -3 <120 0 0 120-129 1 1 139-139 2 2 140-159 3 3 >160 Não 0 0 Sim 2 4 Não 0 0 Sim 2 2 Os dados de sedentarismo, tabagismo e presença de diabetes mellitus foram analisados de forma separada, utilizando-se o teste do qui-quadrado. As variáveis da escala de Framingham foram analisadas em escala numérica, utlizando-se o teste de Mann-Whitney. Foram consideradas diferenças estatisticamente relevantes as que resultaram em valor de p<0,05. Resultados A população estudada abrangeu 83 pacientes, sendo 50 (60,0 %) do sexo masculino e 33 (40,0 %) do feminino. A média de idade foi semelhante em ambos os sexos 50,7±11,0 anos para homens e 52,9±11,9 anos para mulheres. Houve diferença estatisticamente significativa entre os sexos em relação à cintura abdominal, peso e altura. Os indicadores laboratoriais foram comparados por meio do teste de Mann-Whitney e apresentaram diferença significativa para PAS e HDL. O escore de Framingham foi calculado em relação aos parâmetros apresentados, tendo apresentado diferença significativa no risco de DCV em 10 anos para homens e mulheres; no entanto, ao se considerarem os níveis baixo, moderado e alto risco, verificou-se que 57,8 % da amostra foi de baixo risco (<10 % do escore de Framingham), podendo estar associado com a probabilidade de o evento ser diferente em homens (p=0,0053; IC95 % 9,8 13,9), mas não maior (p=0,650; IC95 % 9,8 13,9) (Tabela 2). O objetivo do trabalho, entretanto, foi demonstrar as características da população que buscou a consulta de check-up e os parâmetros encontrados nessa primeira avaliação. Ao se analisar o risco cardiovascular observa-se que os homens apresentam maior risco na avaliação inicial. Assim, serão analisados separadamente os dados de risco cardiovascular entre homens e mulheres (Tabela 2). Tabela 2 Risco cardiovascular entre homens e mulheres estudados Homens n (%) Mulheres n (%) Risco Baixo 24 (48,0) 24 (72,7) Risco Moderado 10 (20,0) 6 (18,0) Risco Alto 16 (32,0) 3 (9,0) Total 50 (100,0) 33 (100,0)

Galvão et al. Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):356-63 Observa-se que os homens de alto risco (pontuação >20 % de risco global) são adultos jovens com sobrepeso, sedentários e dislipidêmicos (Tabela 3). A população masculina de risco moderado (pontuação entre 10-20 % do risco global) caracteriza-se por acima de 50 anos, portadores de hipertensão leve e dislipidemia, contudo o perfil lipídico mostra valores menores em relação àqueles apresentados na população de alto risco (Tabela 4). A população masculina de baixo risco cardiovascular (pontuação <10 % do risco global) caracteriza-se por homens jovens, com idade <40 anos e idosos com idade >65 anos, hipertensos e dislipidêmicos, contudo cada indivíduo provavelmente apresenta um a dois fatores de risco (Tabela 5). Observa-se que 52,0 % dos homens que procuram avaliação cardiológica para check-up estão na faixa de risco alto a moderado para a ocorrência de eventos Tabela 3 Variáveis de risco cardiovascular em homens de alto risco Idade 16 60 7,1 50 79 Peso 16 87,2 20,4 47 135 Altura 16 1,61 0,20 1 1,83 Cintura abdominal 16 104,2 13,7 77 135 Tabagismo 16 Sedentarismo 16 Pressão arterial sistólica 16 137 15 120 160 Pressão arterial diastólica 16 84 8 68 100 Colesterol total 16 203 39 123 276 HDL 16 43,6 11,3 27 64 LDL 16 125,12 34,1 65 192 Triglicerídeos 16 172,43 87,04 100 453 Glicemia 16 113,9 23,67 65 158 Tabela 4 Variáveis de risco cardiovascular em homens de risco moderado Idade 10 59,2 8 50 78 Peso 10 77,8 15,9 60 104 Altura 10 1,65 0,08 1,51 1,8 Cintura abdominal 10 98,2 12,5 82 118 Tabagismo 1 Sedentarismo 1 Pressão arterial sistólica 10 127 11 120 150 Pressão arterial diastólica 10 81,5 6,6 70 95 Colesterol total 10 205,7 53,4 137 295 HDL 10 49,9 15,1 33 83 LDL 10 119,3 43,8 73 199 Triglicerídeos 10 134,2 62,2 44 281 Glicemia 10 96,3 8,4 80 109 359

Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):356-63 Galvão et al. Tabela 5 Variáveis de risco cardiovascular em homens de baixo risco Idade 24 40,8 7,23 31 59 Peso 24 86,4 13,8 66 116 Altura 24 1,73 0,06 1,61 1,89 Cintura abdominal 24 98,6 10,6 79 118 Tabagismo 4 Sedentarismo 2 Pressão arterial sistólica 24 125 10 110 150 Pressão arterial diastólica 24 80,8 8,3 70 100 Colesterol total 24 205 43,7 134 289 HDL 24 49,7 10,17 33 75 LDL 24 137,2 38,5 72 200 Triglicerídeos 24 124,5 66,4 52 279 Glicemia 24 92,8 7,8 74 111 cardiovasculares em 10 anos. Ainda se observa que são adultos jovens e os fatores de risco predominantes são dislipidemia e sobrepeso, embora alguns recebam diagnóstico de hipertensão leve. Quanto ao sedentarismo, pode-se observar que aproximadamente 30 % dos homens com alto risco cardiovascular são sedentários, enquanto que nas outras categorias há cerca de 10 % de sedentários. Em relação às mulheres, somente três pacientes de alto risco cardiovascular (risco global >20 %) foram avaliadas para check-up no período de dois anos. Eram pacientes >60 anos, tabagistas, sedentárias, obesas e dislipidêmicas. É possível que a maioria das mulheres com alto risco cardiovascular procure atendimento cardiológico somente quando exista doença cardiovascular manifesta, o que não foi objetivo do presente estudo (Tabela 6). Foram avaliadas seis mulheres com risco cardiovascular moderado (entre 10-20 % do risco global). Eram adultas jovens (48-66 anos) não tabagistas, com sobrepeso e ao menos um dos fatores de risco: sedentarismo, hipertensão leve, dislipidemia ou resistência insulínica. Pode-se notar que o valor de colesterol fração HDL é de aproximadamente 45 mg/dl, semelhante às mulheres de alto risco e inferior ao valor apresentado por mulheres de baixo risco (Tabela 7). 360 Observa-se que 72,7 % das mulheres avaliadas estão na faixa de baixo risco cardiovascular (pontuação <10 % de risco global), apesar de ser uma população tabagista e sedentária em 100 % dos casos e ainda portadora de pelo menos um dos fatores de risco: dislipidemia, hipertensão leve e diabetes mellitus tipo II. Observa-se ainda que são mulheres predominantemente jovens e com valores de HDL aproximado de 60 mg/dl (Tabela 8). Ao se comparar a população masculina e feminina, nota-se que os homens procuram avaliação cardiológica quando estão predominantemente na faixa de risco moderado ou alto e apresentam maior probabilidade de desenvolver doença cardiovascular em 10 anos (14,2 % com escore médio de 9,8) em relação às mulheres (8,3 % com escore médio de 7,2), com valor de p<0,0053. Discussão Assiste-se a um crescente aumento da incidência de doença cardiovascular no mundo e uma expressiva taxa de mortalidade, em especial no Brasil, em torno de 32 % 10. O impacto dos fatores de risco no desenvolvimento fisiopatológico dessa doença é grande e o tempo para a ocorrência do primeiro desfecho como infarto agudo

Galvão et al. Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):356-63 Tabela 6 Variáveis de risco cardiovascular em mulheres de alto risco Idade 3 70,3 9,01 61 79 Peso 3 77,3 6,6 70 83 Altura 3 1,53 0,05 1,48 1,58 Cintura abdominal 3 99,6 4,5 95 104 Tabagismo 3 Sedentarismo 3 Pressão arterial sistólica 3 136,6 20,8 120 160 Pressão arterial diastólica 3 86,6 11 80 100 Colesterol total 3 206 77,3 117 257 HDL 3 47 2,6 44 49 LDL 3 137 71 55 179 Triglicerídeos 3 150 19 136 172 Glicemia 3 157 81 106 252 Tabela 7 Variáveis de risco cardiovascular em mulheres de risco moderado Idade 6 56 6,7 48 66 Peso 6 70,8 11,2 60 92 Altura 6 1,57 0,07 1,45 1,66 Cintura abdominal 6 90,3 6,7 83 101 Tabagismo 0 Sedentarismo 2 Pressão arterial sistólica 6 131,6 13,2 120 150 Pressão arterial diastólica 6 85,8 6,6 80 95 Colesterol total 6 234,5 24,7 200 271 HDL 6 45,5 10,4 32 59 LDL 6 152,33 23,6 119 181 Triglicerídeos 6 196,8 58,2 132 284 Glicemia 6 103,3 17,01 83 124 do miocárdio e acidente isquêmico cerebral varia de forma interpessoal. Assim, o conhecimento precoce da presença dos fatores de risco e o seu devido tratamento farmacológico e não farmacológico contribuirá sobremaneira para a redução dessa taxa significativa de mortes 11. A procura espontânea de pacientes, principalmente jovens para check-up cardiológico ainda não é uma prática comum. Existem restrições da própria população, ora por não associar os fatores de risco à doença cardiovascular ora pelo medo de receber a notícia da presença da doença. 361

Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):356-63 Galvão et al. Tabela 8 Variáveis de risco cardiovascular em mulheres de baixo risco Idade 24 50,04 11,05 30 67 Peso 24 69,6 12,9 43 97 Altura 24 1,56 0,05 1,46 1,65 Cintura abdominal 24 86,5 11,1 60 109 Tabagismo 24 Sedentarismo 24 Pressão arterial sistólica 24 117 7,7 100 130 Pressão arterial diastólica 24 77 5,5 60 109 Colesterol total 24 212,3 41,8 149 299 HDL 24 63,6 29,1 29 158 LDL 24 123,5 42,9 59 211 Triglicerídeos 24 124,5 64,2 38 272 Glicemia 24 95,3 14,11 71 130 A amostra estudada indica que a procura inicial para check-up espontâneo é feita tardiamente, entre os homens aos 50,7 anos e entre as mulheres aos 52,9 anos. A ocorrência da presença de fatores de risco nessa faixa etária já contribuiu para a longa evolução da doença aterosclerótica em expressiva parte desses pacientes 10,11. A população masculina apresenta maior chance para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares porque existe a presença de fatores de risco de forma mais intensa (Tabela 2). Dado surpreendente e preocupante na presente amostra é que 52,0 % dos homens que procuraram consulta médica de forma espontânea para check-up foram considerados de risco moderado e alto. Sabe-se da crescente incidência das doenças cardiovasculares no Brasil, e também das limitações do escore de Framingham para melhor definição da possibilidade de se ter um evento cardiovascular em 10 anos. A pesquisa de fatores adicionais como presença de doença cardiovascular em parentes de primeiro grau com idade <55 anos, presença de proteína-c ultrassensível, relação médio intimal de carótidas, microalbuminúria, declínio da função renal dentre outros, poderão estratificar melhor a população 12. A importância atual está em verificar a presença do fator de risco ou dos fatores de risco diagnosticados e encorajar os pacientes a tratá-los, incentivando a atividade física, perda de peso e 362 melhora na qualidade de vida. Essa atuação, mesmo na presença de um único fator de risco alterado, é fundamental uma vez que a exposição poderá ter desfechos inesperados. Faz-se necessária a mudança da percepção da população em relação aos fatores de risco para doença cardiovascular. Apesar de suas limitações o escore mostrou-se efetivo para avaliação de risco de doenças cardiovasculares. Dessa forma deve-se enfatizar a presença de fatores de risco e encorajar seu tratamento. Conclusão Na população assintomática que fez check-up espontâneo, utilizando-se o escore de Framingham, os homens apresentaram risco moderado e alto de DCV, enquanto que esse risco é muito reduzido entre as mulheres. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica O presente estudo não está vinculado a qualquer programa de pós-graduação.

Galvão et al. Rev Bras Cardiol. 2013;26(5):356-63 Referências 1. Correia BR, Cavalcante E, Santos E. A prevalência de fatores de risco para doenças cardiovasculares em estudantes universitários. Rev Bras Clin Med. 2010; 8:25-9. 2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. [Internet]. Síntese de indicadores sociais 2002. Síntese de Indicadores Sociais confirma as desigualdades da sociedade brasileira. [acesso em 2006 abr. 10]. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br> 3. Pinho RA, Araujo MC, Ghisi GLM, Benetti M. Doença arterial coronariana, exercício físico e estresse oxidativo. Arq Bras Cardiol. 2010;94(4):549-55. 4. Ministério da Saúde. [Internet]. Datasus. Informações de Saúde. Estatísticas vitais: mortalidade e nascidos vivos. Mortalidade geral desde 1979. [acesso em 2012 maio 30]. Disponível em: <http://www.datasus.gov.br> 5. Lotufo PA. Stroke in Brazil: a neglected disease. São Paulo Med J. 2005;123(1):3-4. 6. Lima WA, Glaner MF. Principais fatores de risco relacionados às doenças cardiovasculares. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum. 2006;8(1):96-104. 7. Martins MA. Check-up do check-up. [Editorial]. Rev Assoc Med Bras. 2005;51(3):121. 8. Rodrigues TFF, Phillipi ST. Avaliação nutricional e risco cardiovascular em executivos submetidos a check-up. Rev Assoc Med Bras. 2008;54(4):322-7. 9. Lotufo PA. O escore de risco de Framingham para doenças cardiovasculares. Rev Med (São Paulo). 2008;87(4):232-7. 10. Godoy MF, Lucena JM, Miquelin AR, Paiva FF Oliveira DLQ, Augustin JL Jr, et al. Mortalidade por doenças cardiovasculares e níveis socioeconômicos na população de São José do Rio Preto, estado de São Paulo, Brasil. Arq Bras Cardiol. 2007;88(2):200-6. 11. Santos MG, Pegoraro M, Sandrini F, Macuco EC. Fatores de risco no desenvolvimento da aterosclerose na infância e adolescência. Arq Bras Cardiol. 2008;90(4):301-8. 12. Sposito AC, Caramelli B, Fonseca FAH, Bertolami MC, Afiune Neto A, Souza AD, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. IV Diretriz brasileira sobre dislipidemias e prevenção da aterosclerose. Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2007;88(supl.1):2-19. 363