VIAS DE ACESSO AO SISTEMA VASCULAR Cateter Venoso Central 1. Definição: introdução de um cateter através do sistema venoso do paciente; a extremidade proximal permite a infusão de soluções, coleta de sangue, realização de medidas à beira do leito; a extremidade distal posiciona-se numa veia do sistema central. 2. Histórico: - os primeiros esforços para acessar o sistema venoso central se deram a partir do ano de 1900, onde há artigos descrevendo a utilização de cateteres dentro da circulação central através das veias cubital e femural; Em 1929, Forssman, realizou cateterizações venosas centrais bem sucedidas em cadáveres; Em 1952, Aubaniac realiza o primeiro acesso venoso central para infusão rápida de fluídos por via infraclavicular. Foi o precursor do intra-cath; Em 1957, Ross descreveu a técnica padrão para acesso à veia cava superior mediante a incisão nas veias basílica e cefálica no braço; Em 1968, Dudrick utilizou o intra-cath para injeção de soluções hipertônicas; Em 1973, Broviac et al idealizaram um cateter todo confeccionado em silastic que foi colocado através de um longo túnel subcutâneo no tórax anterior, criando um shunt definitivo parcialmente implantável, onde podiam ser utilizadas a veia jugular interna e a veia cefálica; Em 1979, Hickman et al modificaram este cateter através de um aumento de diâmetro interno, com o propósito de permitir que este cateter pudesse ser utilizado para múltiplos tratamentos intravenosos e coletas de amostras sanguíneas; Em 1982, Neiderhuber et al propuseram um sistema de acesso vascular totalmente implantado para ambas as infusões venosas e arteriais numa população oncológica, utilizando o reservatório (port) para injeções, implantado em tecido subcutâneo acoplado a um cateter de silicone que se ria ativado através da agulha. 3. Indicações: nutrição parenteral, medida da pressão venosa central, administração de drogas vasoativas ou medicamentos irritantes, terapêutica medicamentosa prolongada, estabelecimento de via venosa de urgência, permitir inserção de marcapasso cardíaco, permitir inserção de cateteres da artéria pulmonar, hemodiálise, aspiração de ar nos procedimento cirúrgicos considerados de alto risco para embolia gasosa venosa (ex: craniotomia da fossa posterior com paciente sentado) Obs: principais = impossibilidade de obtenção de acessos venosos periféricos ou em pacientes portadores de sistema venoso superficial inadequado, necessidade infusão de soluções que não podem ser administradas por um acesso venoso periférico, realização de monitorização hemodinâmica (cateter Swan-Ganz)
4. Escolha do sítio de punção: principais locais = veia jugular interna, veia jugular externa, veia subclávia, veia femoral, veia antecubital (cateteres centrais inseridos na periferia) + utilizados: VJI (> risco de punção arterial inadvertida), VSC (+ associada a pneumotórax) e veia femoral (+ associada a sangramento e infecção) Dificuldades na punção devem ser previstas em vez de constatadas. - local de punção deve ser escolhido de acordo com os riscos individuais, história clínica e anatomia; pacientes com história de cateterização sem sucesso ou trombose em um determinado sítio deve-se considerar a obtenção de acesso num sítio diferente, pela alta chance de complicação - punção da VSC deve ser evitada em pacientes com ventilação mecânica, pois pressão positiva oferecida pelo ventilador pode alterar anatomia torácica (facilita perfuração da cúpula pleural) - na parada cardiorrespiratória prefere-se punção da veia femoral, pois cateterização da VJI e VSC interfere com os procedimentos de reanimação * VJI e VSC mais frequentemente utilizadas, veia femoral utilizada quando há contraindicações para o acesso venoso nos troncos principais das extremidades superiores 5. Procedimentos Técnica disponíveis: Intracath : cateter através de uma agulha curta e calibrosa, Veia jugular interna ou subclávia ou femoral. Técnica de Seldinger: Fio guia metálico pela luz da agulha de punção, menor calibre e mais comprida (menos traumática e menor potencial de embolia). Veia jugular interna: Abordagem central: pulsação da art. carotídea interna a 1-2cm medialmente ao ápice do triângulo do m. esternocleidomastoídeo. Posição: Trendelenburg a 15º e cabeça virada para o lado oposto. (Menor risco de embolia) Anestésico local. Localização: Triângulo clavícula e duas cabeças do m. esternocleidomastoídeo. Punção da pele por agulha fina (localizadora) no ápice do triângulo com aspiração constante. Inserção da agulha de grosso calibre: no ápice do triângulo em um ângulo 45º para o mamilo ipsilateral. Após canulação: inserção de fio guia através da agulha grande, numa profundidade de 15-20cm (evita arritmias). Incisão cutânea para aumentar diâmetro. Dilatador (aumenta o trato subcutâneo). O cateter venoso central é passado sobre o fio guia. Abordagem anterior: inserção a 0,5 a 1 cm lateralmente à pulsação carotídea. Abordagem posterior: inserção a 1 cm dorsalmente ao ponto no qual a veia jugular cruza a margem posterior do m. esternocleidomastóide.
Veia subclávia: Abordagem infraclavicular: punção realizada 2 a 3 cm caudal ao ponto médio da clavícula e direcionada para a incisura supra-esternal. Posição: Trendelenburg 15 a 30º, cabeça virada para lado contralateral, braços ao longo do corpo e rolo entre as escápulas; Punção com agulha fina 2 a 3 cm caudal ao ponto médio da clavícula e direcionada para incisura supra-esternal; Introduzir a agulha o mais próximo possível da margem inferior da clavícula (atenção para não puncionar a cúpula da pleura pneumotórax); Após canulação: remover seringa inserir fio-guia incisão cutânea introduzir dilatador introduzir cateter venoso. Abordagem supraclavicular: punção realizada, logo acima da clavícula e lateral ao músc. esternocleidomastóide, na direção do mamilo contralateral abaixo da clavícula. Veia femoral: punção 1 a 1,5 cm medialmente a pulsação da artéria femoral (entre os terços medial e médio de uma linha que une a espinha ilíaca ântero-superior e o tubérculo púbico; Posição: decúbito dorsal; Localização: 1 a 1,5 cm medialmente a pulsação da a. femoral; Punção com agulha fina e acoplada a uma seringa (formando ângulo de 45º na direção cefálica e 2 a 3 cm inferior ao ligamento inguinal); Após canulação insere-se o fio-guia dilatador cateter. 6. Complicações: podem ser classificadas em mecânicas (relacionadas à punção), trombóticas (relacionadas à presença do cateter), infecciosas (relacionadas à assepsia do procedimento e permanência do cateter) e neurológicas (relacionadas à punção e retirada do cateter) a. Mecânicas - mais comuns: punção arterial, hematoma e pneumotórax - hematoma e punção arterial podem ocorrer na punção da veia femoral (este é o acesso mais frequentemente associado a maiores riscos de complicações mecânicas) - cateterização da VJI e subclavia apresentam riscos similares para complicações mecânicas, sendo qua a cateterização da VSC apresenta maior risco para pneumotórax e hemotórax - punção da VJI está mais associada à punção arterial inadvertida da carótida, com consequente formação de hematomas cervicais, pseudoaneurismas e fístulas arteriovenosas * prevenção: reconhecer fatores que sugerem difícil cateterização (como cicatrizes extensas no local, deformidades ósseas, história prévia de cateterização sem sucesso) ** após o acesso venoso central deve ser realizada radiografia para verificar ausência de lesões iatrogênicas, verificar localização da extremidade do cateter, ausência de nós ou trajetos anômalos Obs: punção inadvertida da carótida = na ausência de coagulopatia são benignas e tratadas apenas com a compressão local por 10 minutos (compressão manual excessiva pode
promover trombose carotídea e infarto cerebral hemisférico ou provocar ateroembolismo cerebral) deve-se ficar atento para os sinais de AVC; alguns autores recomendam a anticoagulação para a prevenção do ateroembolismo ou mesmo da trombose da carótida, no entanto a maioria dos autores não á recomendam pois a formação de hematoma cervical extenso e compressão da via aérea são mais frequentes que os fenômenos tromboembólicos b. Trombóticas - causa multifatorial: associação de alteração da fisiologia do endotélio vascular (pelo trauma de inserção) + presença de corpo estranho no vaso ou de soluções a serem administradas no cateter - risco de trombose: veia femoral > VJI > VSC * prevenção: cateterização prévia de um vaso é fator de risco para evento trombótico neste vaso assim como alterações anatômicas e cirurgias prévias no local de punção ** todas tromboses apresentam potencial emboligênico c. Infecciosas - originam-se a partir de 3 mecanismos distintos: 1. Semeadura microbiana para o espaço intravascular ocorrida no ato da punção; 2. Colonização do lúmen do cateter (pela contaminação das conexões) liberando microêmbolos septicos para a circulação; 3. Infecção do local de punção, com migração do patógeno pela face externa da cateter em direção ao vaso - risco de infecção: veia femoral > VJI > VSC * prevenção: paramentação cirúrgica (máscara, gorro, avental, luvas e campos estéreis grandes) na realização do procedimento; assepsia e anti-sepsia do local escolhido; quando o índice de sepse relacionada ao cateter do serviço é superior a 2% deve-se utilizar cateteres impregnados com ATB se estiverem disponíveis, caso contrário, não se deve aplicar ATB tópico no cateter devido à predisposição de colonização por fungos e seleção de bactérias resistentes ao ATB usados; o cateter não deve ser trocado de rotina, ele deve permanecer instalado até que o paciente não necessite mais de um acesso venoso central ou que o mesmo demonstre sinais de infecção local ou sepse associada ao cateter (a substituição de rotina provou não reduzir o risco de complicações infecciosas além de acrescentar risco de complicação mecânica a cada troca) ** risco de colonização ou infecção relacionada ao cateter aumenta com o passar do tempo (antes de 3 dias é improvável que a presença d eum foco infeccioso seja atribuída a ele) d. Neurológicas Embolia Aérea - risco potencial de qualquer acesso venosa central, rara porém grave complicação (taxa de mortalidade de 30-50%) - fisiopatologia = entrada de ar diretamente pela agulha de punção ou durante a permanência do cateter na veia central ou por desconexão/fratura do cateter ou durante sua retirada, a quantidade de ar intimada para produzir o quadro de embolia aérea significativa é 300-500 ml de ar, numa taxa de 100 ml/s (quantidade menores podem ser
fatais nos pacientes gravemente enfermos e com reserva cardiopulmonar limitada), a interação de sangue com ar desencadeia agregração de plaquetas, hemácias e gordura às bolhas de ar, promovendo obstrução dos vasos pulmonares (consequente aumento da resistência vascular, diminuição da complacência, hipoxemia grave assim como instabilidade hemodinâmica relacionada à hipertensão pulmonar) - fatores predisponentes: condições que reduzem a pressão venosa central (como taquicardia, hipovolemia e cabeceira elevada) assim como as que incrementam a pressão negativa intratorácica (como a hiperventilação) - suspeita: qualquer pacientes com cateter venoso central que subitamente desenvolve hipoxemia inexplicável ou colapso cardiocirculatório - quadro clínico: dispnéia súbita, ansiedade, tonturas, náuseas, sensação de morte iminente, dor retroesternal, sinais neurológicos confusão, obnubilação e perda da consciência (esses sinais podem ser secundários à hipóxia cerebral, hipoxemia e instabilidade hemodinâmica ou por isquemia pela passagem de ar na circulação arterial sistêmica causando embolia arterial cerebral) - conduta: posicionar paciente em decúbito lateral esquerdo e com a cabeça abaixada (posição de Trendelumberg; promove migração do ar para porção mais elevada); oxigênio a 100% ou oxigenoterapia hiperbárica a fim de reduzir o tamanho das bolhas * prevenção: posicionamento do paciente na posição de Trandelumberg e em cefalodeclive (= aumento da pressão venosa); na retirada o orifício de entrada na pele deve ser imediatamente incluído; conectores do tipo Luer-Lok devem ser usados para prevenir desconexão acidental; vigilância continuada dos cateteres Lesões por Injúria Direta do Nervo - nervo pode ser lesado diretamente pela agulha, por compressão por hematoma ou por fluidos irritativos extravasados - cateterismo da VJI: pode ocorrer síndrome de Horner (miose, ptose palpebral, enoftalmia anidrose ipsilateral da face e pescoço) geralmente transitória (sintomas desaparecem gradualmente até 3 meses, mas persistência da miose e da ptose pode ocorrer); pode ocorre lesões do XI e XII após hematomas extensos (principalmente em paciente heparinizados) - lesão do plexo braquial = parestesias dolorosas, contrações musculares, neuropatias transitórias axilar e supraescapular e extensa plexopatia por grande hematoma - cateterização da VSC: lesão do nervo frênico = paralisia temporária ou permanente do diafragma ipsilateral (insuficiência respiratória)