APROPRIAÇÃO DAS TEORIAS DE VYGOTSKY POR PROFESSORES DA REDE PÚBLICA DE ENSINO DE CURITIBA Roberta Ferreira Cavalcanti Solange Regina Silva Almeida Rosangela Alves de Godoy Nilson Fernandes Dinis (Universidade Federal do Paraná) RESUMO: Lev Semenovich Vygotsky, psicólogo russo, formulou várias teorias importantes para a educação, entre elas o socioconstrutivismo. Para verificar se os educadores da rede pública de ensino de Curitiba conhecem estas teorias e se utilizam o socioconstrutivismo, foi feita uma coleta de dados, por meio de um questionário investigativo. A amostra foi composta por 40 questionários respondidos por professores da rede pública de ensino de Curitiba, dos quais 2,5% ainda não concluíram o magistério, 7,5% possuem magistério completo, 22,5% ensino superior incompleto e 67,5% ensino superior completo. A respeito da linha pedagógica que fundamenta o trabalho destes professores foram apontadas três linha principais; o construtivismo, o socioconstrutivismo e a histórico crítica. Em relação à divulgação das teorias de Vygotsky, 75% afirmaram conhecê-la e 25% afirmaram não conhecer nada a respeito. Contudo, ainda houve casos em que os respondentes afirmaram desconhecer o autor mas também afirmaram seguir a teoria socioconstrutivista. O que demonstra que existe um discurso que não necessariamente representa o que ocorre realmente em sala de aula. Por isso, sugere-se que haja uma formação continuada de qualidade por parte dos professores. Ainda, 100% dos professores afirmaram considerar o conhecimento que seus alunos já detêm como ponte para desenvolver os conteúdos escolares, portanto, afirmaram considerar o contexto histórico de seus alunos para desenvolver a aula. O que demonstra que apesar de alguns educadores terem afirmado não conhecerem as teorias de Vygotsky, nem seguirem o socioconstrutivismo utilizam algumas características do autor em sala de aula. O que comprova que as teorias de Vygotsky apresentam um caráter prático que se adapta na escola atual. Palavras- chaves: Vygotsky, socioconstrutivismo, professores da rede pública de ensino Vygotsky, psicólogo russo, começou sua carreira após a Revolução Russa, período em que a Psicologia encontrava-se em crise, dividida em duas correntes filosóficas opostas, a idealista e a empirista. Isso impulsionou os seus estudos sobre a
357 crise da Psicologia e o seu envolvimento na construção de uma nova abordagem desta ciência (REGO, 1999). O seu principal interesse foi construir um sistema científico para a Psicologia, a partir da perspectiva do materialismo histórico dialético de Karl Marx (PINO, 2002). Ele destacou a importância do meio social para o processo de ensinoaprendizagem, discordando da abordagem inatista e da concepção ambientalista, por acreditar que estas duas concepções interagem entre si. Também se interessava pelos problemas da Rússia, sendo que o principal deles era o analfabetismo, cerca de 70% da população era analfabeta. Principalmente por este motivo, dedicou-se aos estudos do processo de desenvolvimento e aprendizagem. Tornou-se membro ativo do Conselho Científico do Estado- Centro metodológico do Comissário de Educação do Povo, instituição que buscava criar um novo sistema educativo para a Rússia. Entre as suas contribuições para a educação encontram-se alguns conceitos importantes, como as zonas de desenvolvimento. Para Vygostky (2002) o desenvolvimento e a aprendizagem ocorrem num processo dinâmico e simultâneo. O desenvolvimento é composto por três etapas ou zonas, o potencial, o proximal e o real. O desenvolvimento potencial representa aquilo que o sujeito é capaz de aprender com o auxílio do outro, independente de sua etnia, religião ou cultura. Vygotsky denominou zona de desenvolvimento potencial ao conjunto de atividades que o sujeito é capaz de realizar com a colaboração de outra pessoa. A aprendizagem nesta etapa desperta vários processos internos capazes de operar somente quando o sujeito interage com outras pessoas em um ambiente e com a cooperação de outros. É justamente nesta fase que surge o papel do educador (ou de outra pessoa) que faz a mediação entre o que a criança tem de potencial para o que ela já é capaz de realizar sozinha, ou seja, ele estimula a criança a desenvolver essa potencialidade, transformando-a em capacidade (desenvolvimento real). Essa fase em que o educador faz o papel de mediador, denomina-se de desenvolvimento proximal. Por fim, a última etapa de desenvolvimento é a real, que representa tudo aquilo que o sujeito é capaz de realizar sozinho. São conceitos que já estão internalizados, em que não é necessário o auxílio do outro. È importante destacar que estas três zonas do desenvolvimento acontecem no decorrer do processo de ensino-aprendizagem.
358 Ainda, para Vygotsky (2002), não existe um período da vida em que estes processos deixem de ocorrer. A evolução intelectual é caracterizada por saltos qualitativos de uma etapa do conhecimento para outra. Portanto, o desenvolvimento e a aprendizagem só podem ocorrer com o auxílio do outro, neste processo deve haver a figura do mediador, como sendo aquele que estimula o desenvolvimento real. Aí, encontra-se uma das principais contribuições de Vygotsky para a educação. Pois, a função do professor é justamente mediar o conhecimento de seus alunos, para transformar o que é desenvolvimento potencial em desenvolvimento real. Outra importante função do educador é reconhecer a capacidade potencial que o aluno apresenta em relação a determinadas práticas, para a partir de então criar situações estimuladoras que possibilita a sua aprendizagem. Conforme Vygotsky (2003) o pensamento e a linguagem possuem origens e trajetórias diferentes e independentes, e que somente mais tarde haverá uma ligação entre os dois. Ele considerou, através de estudos com primatas superiores, a existência de uma fase pré-verbal do desenvolvimento do pensamento, em que os animais procuram instrumentos mediadores e se utilizam deles para solucionar alguns problemas, como por exemplo, se utilizar de varas para alcançar um alimento. Essa fase não depende da linguagem. A linguagem utilizada por eles seriam os sons, gestos e caretas faciais, que demonstram suas emoções, na busca de um contato com outros de sua espécie. Esta é considerada uma linguagem pré-intelectual. Num determinado momento do desenvolvimento filogenético, essas duas trajetórias se unem e o pensamento se torna verbal e a linguagem racional. A associação entre pensamento e linguagem é atribuída à necessidade de intercâmbio dos indivíduos durante o trabalho, atividade especificamente humana (OLIVEIRA,1993,p45). Segundo Vygotsky (2002) esse momento é crucial no desenvolvimento humano, pois o biológico se transforma em sócio-histórico. O desenvolvimento cultural do homem só é possível a partir do momento que ele interage com o outro e com o meio, em uma troca de informações específicas. Como afirma Vygotsky: Na ausência do outro o homem não se constrói. (VYGOTSKY, 2002, p. 235)
359 Segundo Santos (2002) o papel da escola é estimular o processo de desenvolvimento do indivíduo em interação com seu cotidiano na elaboração de conceitos que são construídos a partir da observação, da manipulação, da vivência direta da criança, na sua interação com o meio social e dos conceitos científicos que são os conhecimentos adquiridos em sala de aula, por meio do educador. Embora distintos, esses processos possuem uma relação de dependência entre si, pois fazem parte do desenvolvimento do sujeito. Caso o indivíduo não receba nenhuma espécie de desafio ou estímulo do meio em que vive não poderá desenvolver o seu intelecto, sofrendo conseqüentemente um atraso. O que também pode fazer com que a criança não atinja estágios elevados de raciocínio, ficando a critério do educador saber relacionar a sua prática na formação de conceitos científicos, considerando os conhecimentos espontâneos que a criança já possui. Outra importante contribuição para a educação foi o socioconstrutivismo, construído a partir da aplicação das teorias de Vygotsky na área da Educação. Conforme Rego (1999), para Vygotsky o desenvolvimento humano é compreendido não como a decorrência de fatores isolados que amadurecem, nem tampouco de fatores ambientais que agem sobre o organismo controlando seu comportamento. Mas sim por meio de trocas recíprocas, que se estabelecem durante toda sua vida, entre o indivíduo e o meio, cada aspecto influenciando outro. Portanto, a natureza humana só pode ser entendida quando se leva em conta o desenvolvimento sócio-cultural dos indivíduos. Não existe um indivíduo crescendo fora de um ambiente cultural. Desde o nascimento, o indivíduo passa a integrar uma comunidade marcada por hábitos, gestos, linguagens e tradições específicas, que orientam os rumos de seu desenvolvimento. Dessa forma, Vygotsky entende a origem e a evolução do psiquismo humano, as relações entre indivíduo e sociedade sob uma concepção interacionista, a qual alguns estudiosos chamam de socioconstrutivismo e outros de sociointeracionismo. A apropriação do ensino escolar pode ocorrer também em outros locais de socialização, e não somente nas escolas. Partindo dessas interações em locais não escolares, pode-se extrair princípios que as escolas poderiam adotar, a fim de desenvolver um ensino efetivo. Por exemplo, quando várias pessoas vão ao zoológico,
360 a interação que ocorre entre elas está carregada de valores e informações. As pessoas conversam e ensinam o que sabem para as outras sobre os animais. Situações como esta devem ser utilizadas pelos professores, porque a integração dos alunos facilitará o processo de aprendizagem. O professor socioconstrutivista deve considerar as informações que seus alunos já detêm a respeito do tema a ser estudado, tendo a função de mediar o processo de ensino-aprendizagem. Por meio deste processo pode reconhecer a capacidade que a criança tem de realizar diferentes atividades, compreendendo o seu processo de desenvolvimento real e proximal. Por exemplo, uma criança de três anos de idade, é capaz, com o auxílio do professor, de montar uma torre de peças de plástico. Uma criança de cinco anos, no entanto, é capaz de montar a mesma torre sozinha. Ainda, a criança de um ano, mesmo com o auxílio do professor, poderá não ser capaz de montar a torre. Conforme Rischbieter (2005) a teoria socioconstrutivista sugere que é possível explorar mais profundamente o papel das interações sociais, na construção de ambientes de aprendizagem. Nos quais os indivíduos não aprendem apenas explorando o ambiente, mas também dialogando, recebendo instruções, vendo o que os outros fazem e ouvindo o que dizem. Pois, para os socioconstrutivistas, o papel da linguagem é fundamental. Mais do que uma simples auxiliar do pensamento, ela é uma poderosa "ferramenta cultural", capaz de modificar os rumos do desenvolvimento. Abordando o aspecto da relação entre os indivíduos através da linguagem, os socioconstrutivistas também buscam sua inspiração em Piaget (construtivismo), que falava sobre a importância dos alunos trabalharem e discutirem juntos, com a finalidade de que os participantes explicitem suas idéias e opiniões, ajudando cada um a entender outros pontos de vista e a refletir mais conscientemente sobre as atividades. O objetivo deste trabalho é detectar o conhecimento e a utilização da teoria socioconstrutivista por parte dos educadores da rede pública de ensino da Curitiba. Pois, segundo Rischbieter (2005) a pedagogia socioconstrutivista ainda não está bem definida para os educadores, ainda que o movimento seja cada vez maior na área da educação Para coletar os dados foi elaborado um questionário investigativo, aplicado entre os meses de março a maio de 2005. Foram levantadas as seguintes questões: nos
361 primeiros itens buscou-se uma identificação dos professores pesquisados: o nome; a idade; a instituição em que trabalha; a formação profissional e a série que atua, para aferir dados gerais. A partir da terceira questão até a sexta, foram feitas perguntas para investigar se os professores conheciam algo sobre Vygotsky. Perguntou-se: qual linha pedagógica fundamenta o seu trabalho; seu conhecimento das teorias e do trabalho de Vygotsky ; se considera em suas aulas o contexto histórico de seus alunos e se, para desenvolver os conteúdos, considera as informações que os alunos já detêm sobre o assunto. A última questão visava investigar qual a perspectiva dos professores em relação à educação brasileira. Foram coletados 40 questionários. Com relação à escolaridade dos respondentes, 7,5% concluíram o magistério (nível médio); 2,5% possuem o magistério incompleto; 22,5% possuem o ensino superior incompleto, sendo que alguns destes mencionaram que estão cursando, e 67,5% concluíram o ensino superior. No que diz respeito ao conhecimento sobre o autor, foram obtidos os seguintes resultados: 75% afirmam conhecer o Vygostky e 25% afirmaram não conhecer nada sobre as teorias do autor. Na questão que se referia à linha pedagógica a qual seguem, foram mencionadas: a histórico crítica, a construtivista, e, principalmente, a sóciointeracionista. Ainda, 100% dos educadores afirmaram considerar o contexto histórico de seus alunos e as informações que eles já detêm para trabalhar os conteúdos. Alguns resultados encontrados nesta pesquisa vão de encontro à afirmação de Rischbieter: o socioconstrutivismo ainda não está claro para alguns educadores. Pois, apesar da maioria dos professores terem afirmado que conhecem as teorias Vygotsky, grande parte não escreveu nada elas. Ainda, houve três casos em que os educadores afirmaram seguir o socioconstrutivismo, mas desconhecem Vygotsky. Todavia, também houve casos em que os professores descreveram alguns conceitos principais de suas teorias. Por exemplo:...vygotsky prega que a natureza humana só pode ser entendida quando se leva em conta o desenvolvimento sociocultutal dos indivíduos. ; Vygotsky acreditava que o individuo só aprende a partir do seu meio socio-cultural e suas relações. ; Para Vygotsky o sujeito se constrói a partir da relação com o outro, aprende com o outro e com a mediação....
362 Ainda em relação à última questão que perguntava quais as expectativas para o futuro da educação brasileira, a maioria dos entrevistados mencionou a questão da valorização do professor e de melhorias salariais. Também houve afirmações como: Muita dificuldade futuramente, pois os alunos têm consciência de seus direitos. ;... acredito que para haver melhoria na qualidade da educação são necessárias muitas mudanças, mas que podem e devem começar dentro da própria escola, com a colaboração e boa vontade de todos (trabalho em equipe).... Este trabalho possibilita verificar a formação dos educadores na atualidade e diagnosticar falhas no que diz respeito ao aspecto qualitativo na formação acadêmica. É fundamental ressaltar a importância da qualidade da formação do educador e que seu direito ao aperfeiçoamento profissional continuado é garantido pela lei (LDB9394/96, Art. 67, ítem 2). É possível perceber que a maioria busca um desenvolvimento pessoal, ou por iniciativa própria ou para se enquadrar às exigências da lei (LDB9394/96, Art. 62), tendo em vista que 67,5% dos respondentes da pesquisa possuem o ensino superior completo e que, entre os 22,5% que não possuem o ensino superior completo, alguns estão cursando. Embora tenha-se constatado que as contribuições de Vygotsky para a educação realmente ainda não são bem claras para a maioria dos educadores, o estudo foi válido para questionar a qualidade da formação do professor. Pois, a teoria socioconstrutivista tem importância fundamental para a educação. Ainda, segundo Pino,: Se ignorar a história do meio pode levar a ver a criança como uma abstração genérica ou a implantar nela a ilusão de um futuro impossível ; levar em conta a história do meio pode conduzir a implantar nela a consciência do próprio fracasso e à desistência de toda a educação. O desafio, enquanto essas condições não forem transformadas, é levar em conta a história do meio e conseguir implantar na criança a consciência da sua realidade e da sua possibilidade real de superação das limitações que ela lhe impõem. (PINO, 2002, p.60 ). REFERÊNCIAS: LDB 9394/96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Disponível em: www.mec.gov.br/legis/pdf/l9394.pdf. Acesso em 07/06/2005.
363 OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo sóciohistórico. São Paulo: Scipione, 1993. PINO, A. A Psicologia concreta de Vigotski: implicações para a educação. In: PLACCO, V. M. N. S. (org.). Psicologia e educação: revendo contribuições. São Paulo: FAPESP, 2002. p. 33-61. REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 1999. RISCHBIETER, L. Socioconstrutivismo: a importância fundamental da cultura e do social no desenvolvimento. Disponível em: http: //www.educacional.com.br. Acesso em: 08/04/2005. SANTOS, B. S. Vygotsky e a teoria histórico-cultural. In: ROSA, L. J. (org.). Psicologia e educação: o significado do aprender. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. p. 121-141. VYGOTSKY, L. S. Formação social da mente. Trad.: J. C. Neto, L. S. M. Barreto, S. C. Afeche. 6 ed. São paulo: Martins Fontes, 2002.. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In.: VYGOTSKY, L.S., LURIA, A. R.; LEONTIEV, A.N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Trad.: M. P. Villalobos. 4 ed. São Paulo: Ícone, Edusp, 1992. p. 103-117.