O INCONSCIENTE ENTENDIDO À LUZ DA OBRA DE GILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI: CONTRAPONTOS EM RELAÇÃO À PSICANÁLISE DE MELANIE KLEIN

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Transcrição:

1 O INCONSCIENTE ENTENDIDO À LUZ DA OBRA DE GILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI: CONTRAPONTOS EM RELAÇÃO À PSICANÁLISE DE MELANIE KLEIN Silva, Dayse P. Da Resende, Vera Da Rocha Júnior, Hélio Rebello Cardoso RESUMO: Gilles Deleuze e Félix Guattari foram autores do século XX que criaram a esquizoanálise e discutiram conceitos de várias áreas do conhecimento, como por exemplo, da psicologia. Tomamos em nosso trabalho a aproximação da psicanálise, ramo da psicologia, e da esquizoanálise. A discussão se realiza especificamente acerca da teoria de Melanie Klein, psicanalista da escola inglesa que desenvolveu um entendimento sobre o desenvolvimento infantil a partir das ansiedades e fantasias inconscientes, além de uma técnica específica de análise de crianças. Dessa forma, este trabalho que posssui um cárater teórico, busca pontos de aproximação e distanciamento entre a psicanálise kleiniana e a esquizoánalise. Deleuze e Guattari, no que diz respeito à proposição de um conceito de inconsciente, processo que ocupa boa parte de sua obra, procuram definir seu funcionamento maquínico e, nesse sentido, a aproximação com a psicanálise é um dos eixos fundamentais de sua análise. Um dos elementos-chave para caracterizar o funcionamento do inconsciente é a noção de objeto parcial. Faz-se necessário, então, o entendimento do conceito de objeto parcial, vital e revolucionário da teoria kleiniana e que Deleuze/Guattari (1976) se apropriam de uma forma diferente da autora. Eles consideram os objetos parciais essenciais para se compreender a dinâmica do inconsciente maquínico, na medida em que eles fazem parte da máquina desenjante. Sendo assim, um dos objetivos de nosso trabalho é caracterizar e propor um conceito de inconsciente baseado no embate que Deleuze e Guattari realizam com a psicanálise de Melanie Klein no que se refere aos objetos parciais e a dinâmica nas posições esquizo-paranóide e depressiva, quanto sua função integradora ou desintegradora do ego. A discussão acerca da psicanálise, portanto, permite que façamos uma reconstituição crítica do inconsciente psicanalítico, aproveitando os aspectos produtivos da teoria kleiniana, na medida em que estudos teóricos do psiquismo podem possibilitar uma reflexão sobre a prática psicológica. esquizopsic@yahoo.com.br Curso de Pós-Graduação - Universidade Estadual Paulista (Unesp/Assis) Financiamento: Capes

2 O INCONSCIENTE ENTENDIDO A LUZ DE GILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI: CONTRAPONTOS EM RELAÇÃO À PSICANÁLISE DE MELANIE KLEIN Gilles Deleuze e Félix Guattari se aproximam do campo teórico da psicologia, mais especificamente da psicanálise, em que realizam um amplo questionamento e discussão, principalmente no que concerne ao inconsciente e a maneira como o concebem. A psicanálise de Klein, por sua vez, desenvolve mudanças significativas em termos teóricos e técnicos no que diz respeito à psicanálise de Freud, pois as posições dão um novo entendimento de toda a dinâmica psíquica, enriquecendo-a de elementos que anteriormente não haviam sido considerados como importantes, tais como ansiedades e fantasias. A importância do trabalho aqui presente, então, se resume na possibilidade de se conceber de uma outra maneira o inconsciente, aproveitando as construções teóricas implementadas pela teoria kleiniana, no que elas têm de produtor e inovador. Entendemos, no aprofundamento de nosso estudo, que Deleuze/Guattari adotam muitas das idéias kleinianas, mas não deixam de apontar e explorar as oscilações e brechas da teoria psicanalítica do inconsciente em busca de novas paisagens. É com esse espírito de respeito crítico que, aqui, rastrearemos o contato de Deleuze/Guattari e Melanie Klein. Nosso objetivo é caracterizar o conceito de inconsciente de Deleuze e Guattari no embate que ambos realizam com a psicanálise de Melanie Klein, no que se refere aos objetos parciais e sua dinâmica nas posições esquizo-paranóide e depressiva no desenvolvimento infantil. Para tal estudo, recorremos a uma pesquisa, de caráter qualitativo e teórico. Tentamos entender a pesquisa teórica enquanto um caminho a ser percorrido na construção

3 do conhecimento e, nesse sentido, Edgar Morin (2003) nos ajuda a compreender que o estudo se delineia durante sua realização e o método não pode ser estabelecido a priori. A perspectiva teórica de Edgar Morin se coaduna com o conceito de rizoma de Deleuze e Guattari. O rizoma é uma raiz que se ramifica por todos os lados, podendo ser conectado a qualquer um de seus pontos, bem como reconectado aos anteriores, num princípio que desconhece linearidade e cronologia, eixo principal, unidade ou equivalente geral que sirva de referência a suas ramificações. Considerando que o nosso objeto de pesquisa perpassa a teoria proposta por Deleuze/Guattari - a esquizoanálise - e a psicanálise, o método psicanalítico também constitui um entendimento do objeto de estudo, na medida em que este modo de investigação converge com o anterior. Assim, o método psicanalítico pressupõe que a pesquisa se constrói a partir da experimentação com seu objeto. Nesse sentido, é um conjunto de formulações ainda inacabadas que tolera provisórias proposições, porque o conhecimento se constrói juntamente com o objeto de pesquisa. Apresentados os pressupostos iniciais de nosso estudo, convém aprofundarmos mais nossa temática de pesquisa. A fim de tornar mais didática nossa apresentação primeiramente exporemos a obra de Melanie Klein, mostrando seus conceitos fundamentais e, posteriormente, a aproximação que fizemos do pensamento de Deleuze/Guattari à obra kleiniana. O conceito de inconsciente na obra kleiniana é pautado pelo entendimento dos objetos parciais e a dinâmica destes objetos nas posições esquizo-paranóide e depressiva. Os objetos parciais são fundamentais para a psicanálise de Melanie Klein, bem como no entendimento do sistema inconsciente e das posições propostas por sua teoria. Vejamos.

4 Os objetos parciais compõem-se como parte essencial da posição esquizoparanóide, primeiro momento de desenvolvimento infantil, seguida pela posição depressiva. É importante ressaltar que as posições não são períodos de desenvolvimento fixos, marcando momentos de maior e menor integração egóica e reaparecendo constantemente no decorrer da vida do sujeito. Cada uma dessas posições apresenta uma ansiedade característica, um mecanismo de defesa e um modo de vida de se relacionar com o mundo. Klein designou objetos parciais, constituintes da posição esquizo-paranóide, como o direcionamento da libido para o mundo externo, ou seja, as primeiras experiências emocionais do bebê, gratificantes ou frustradoras boas ou más respectivamente. São considerados parciais, pois se referem a impressões fragmentadas de amor ou de ódio, que são sentidas de uma maneira plena pelo bebê. Nesse sentido, a fantasia tem um papel fundamental, porque ela trará as representações mentais das sensações experimentadas pelo bebê em seu contato com a mãe, fato este que faz com que a alimentação não tenha meramente um caráter fisiológico, mas proporcione uma experiência emocional importante. Há, então, a passagem para a posição depressiva. A partir dos três meses, a criança percebe estes objetos como um todo - que podem tanto frustrar quanto gratificar. Essa integração ocorre, segundo Klein, porque na fase anterior os processos de cisão não são totalmente eficazes, além do ego ter uma capacidade inata de integração decorrentes da pulsão de vida. A ansiedade proveniente dessa posição é a depressiva, na qual o bebê teme perder a mãe, porque dispensa a ela impulsos agressivos, resquícios do período anterior (com os objetos maus ). O sentimento de amor e ódio ao mesmo objeto é chamado de ambivalência e marca um novo modo de percepção do objeto, que passa de parcial à total. O ódio e o amor que antes eram sentidos como experiências completamente dissociáveis atingem o mesmo objeto, que é tanto alvo de investimento libidinal quanto destrutivo.

5 Assim, as relações de objeto se tornam plenamente estabelecidas e sua dependência aumenta, não somente no sentido físico, na satisfação de necessidades (até porque o bebê é mais independente do que no início de sua vida), mas ligadas à obtenção do amor de seu objeto libidinal, pois o bebê sente que pode perdê-lo. Resumidamente, essas são as caracterizações das posições esquizo-paranóide e depressiva. Portanto, o desenvolvimento infantil, de acordo com Klein se alterna entre as posições esquizo-paranóide e depressiva descritas anteriormente. Sendo assim, nesse segundo momento, apresentaremos a partir da obra de Deleuze/Guattari as correlações que realizamos em relação à obra de Melanie Klein, no que diz respeito à dinâmica dos objetos parciais no inconsciente a partir das posições esquizo-paranóide e depressiva. Segundo Deleuze e Guattari (1976), o inconsciente funciona como uma verdadeira máquina desejante, onde não há trajetos e caminhos definidos, traçando suas coordenadas em rizoma, não se conectando de maneira linear e pré-determinada, possuindo uma feição cartográfica ao invés de representativa. Deleuze faz uma observação crítica, que precisa ser analisada em detalhe, pois contém uma inovação ao conceito de objetos parciais e, portanto, à concepção renovada de inconsciente, o qual foi buscar na obra de Nietzsche e Espinosa seus fundamentos. A Ética que propõe a esquizoanálise é baseada na filosofia de Espinosa e Nietzsche, é pautada em preceitos inseridos em um campo prático, de experimentação, sem valor transcendente ou modelo a ser repetido. Dessa forma, encaminhamos as proposições de Deleuze (2002) para propor o que podemos chamar de consciente e inconsciente. Os afectos que estão no plano de imanência ou na virtualidade são inconscientes e aqueles que puderam se expressar ou se tornar atuais são conscientes. Ora, assim complementamos e aproximamos as proposições deleuzianas para pensar o funcionamento do psiquismo, estabelecendo relações entre suas idéias e a

6 psicologia, embora os autores não tenham se proposto em sua obra a discutir tal acepção e formar uma teoria psicológica propriamente dita. De acordo com Deleuze/Guattari (1976), os objetos parciais são peças das máquinas desejantes e agentes de produção do inconsciente, a matéria-prima para a construção de planos de imanência com os quais são criados territórios de existência singulares. Não são fluxos de inconsciente em seu estado puro, já possuem uma configuração, mas a qualquer momento podem novamente desfazer-se e voltar a serem fluxos. Deleuze (1998) recorre à obra de Melanie Klein não para discordar dos objetos parciais, mas para discutir a maneira os dispõem nas posições. A teoria kleiniana, ao invés de usá-los como fluxos, faz uso desses objetos como pertencentes a pessoas específicas (pai e mãe), edipianizando o inconsciente e impedindo a conectividade do desejo. Nesse sentido, a passagem da posição esquizo-paranóide para a depressiva traz sempre às conexões de desejo seu caráter edipiano como única fonte de existência, do qual Deleuze e Guattari procuram esquivar-se. Deleuze e Guattari (1976) mostram que não há fragmentação do sujeito quando este entra em contato com os objetos parciais, mas novos fluxos e devires para a conectividade do desejo, uma vez que os objetos parciais participam desta produção desejante. A família não é uma imagem pré-determinada, dada no sujeito a priori, mas sim um dos componentes do plano de conexão. Nesse sentido, há algo de positivo na não integração da posição esquizo-paranóide, já que a fragmentação dos objetos parciais é importante para a conectividade do ego que se constitui a partir da produção do inconsciente. Eis mais uma das lacunas que Deleuze explora na teoria kleiniana.

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