AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO OPERACIONAL DE RODOVIAS DE PISTA DUPLA PAULISTAS Cláudia C. B. R. Naizer Gustavo Riente de Andrade José Reynaldo A. Setti Universidade de São Paulo Escola de Engenharia de São Carlos RESUMO O presente trabalho busca avaliar o desempenho operacional das rodovias de pista dupla paulistas. Para tal, selecionaram-se sensores rodoviários pertencentes a trechos homogêneos de autoestradas e rodovias de pista dupla. A Agência de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP) forneceu dados de tráfego atualizados, os quais foram tratados de forma a possibilitar a calibração de curvas fluxo-velocidade através do método desenvolvido por Andrade (2012). Assim, o produto desse estudo são as curvas fluxo-velocidade características para rodovias rurais e urbanas da região, que refletem uma série de tráfego mais longa e abrangente do que a usado no desenvolvimento do método original. 1. INTRODUÇÃO Tradicionalmente, a avaliação do desempenho operacional é feita através de uma série de procedimentos padronizados, estabelecidos no Highway Capacity Manual HCM 2010. A aplicação desses procedimentos, no entanto, requer adaptações locais, uma vez que as funções de desempenho usadas foram calibradas com dados coletados em rodovias norte-americanas (TRB, 2010). Trata-se de uma necessidade frequentemente percebida pelos profissionais do setor de transportes do Brasil, sendo que na última década diversos autores e órgãos vêm recomendando adaptações do HCM às rodovias do país (Demarchi, 2000; Egami e Setti, 2006; DNIT, 2006, p.263; Andrade et al., 2008; Setti, 2009; Andrade et al., 2011). Para o desenvolvimento deste trabalho, obtiveram-se os dados referentes ao fluxo e à velocidade da corrente de tráfego de estações permanentes de monitoramento de tráfego, fornecidos pela Agência Reguladora de Transportes do Estado de São Paulo ARTESP. Em seguida, foram identificados os parâmetros da corrente que podem ser usados para fornecer medidas de desempenho que foram usadas para avaliar a qualidade do serviço no trecho, conforme recomendado por Andrade e Setti (2014). A partir desses dados, o objetivo deste trabalho é o estudo da relação entre fluxo e velocidade para as condições das autoestradas rodovias de pista dupla do estado de São Paulo. Para a calibração das curvas fluxo-velocidade, foi utilizado o método proposto por Andrade (2012), sendo as curvas resultantes, provenientes de uma base de dados mais ampla e atualizada, comparadas com as apresentadas nesse estudo anterior e no HCM 2010. 2. ESCOLHA DAS ESTAÇÕES DE MONITORAMENTO Na primeira etapa do trabalho, foram analisados uma série de sensores rodoviários, buscandose listar quais encontravam-se em trechos homogêneos capazes de produzir dados adequados ao estudo. A definição de trechos homogêneos permite que parâmetros de tráfego coletados em um determinado ponto do trecho sejam considerados válidos para toda a sua extensão, visto que a uniformidade das suas características físicas e da corrente de tráfego (Andrade, 2012). 1593
Para tal análise, foi necessário identificar quais dos trechos poderiam ser classificados como autoestradas ou rodovia de pista dupla, objeto do estudo. Segundo o HCM (TRB, 2010) autoestradas (freeways) são caracterizadas pelo controle total dos acessos, enquanto que rodovias de pista dupla (multilane highways) podem possuir acessos não controlados ou mesmo cruzamentos em nível. Em especial, a turbulência gerada por dispositivos de acesso controlados interfere diretamente na homogeneidade dos trechos, tendo sido também um fator de exclusão. Assim, foram identificados dispositivos de entrada (on-ramp), saída (off-ramp) e entrelaçamentos (weavings), tendo sido desconsiderados no estudo quaisquer estações de coleta de dados localizadas dentro dos trechos de interferência dos mesmos, definidos pelo HCM como 450 m para ramps e 750 m para entrelaçamentos, conforme preconizado pelo HCM (TRB, 2010). Também foram considerados como critérios de exclusão as limitações do método do HCM, tais como segmentos extensos em ponte ou túnel ou aqueles com praças de pedágio a jusante. A partir destes critérios de seleção, foi possível identificar 205 trechos que possuem potencial de estudo, dentro do universo apresentado pela ARTESP. Esses pertencem a dezoito rodovias do estado de São Paulo. 3. OBTENÇÃO DOS DADOS Os dados de tráfego coletados para cada sensor selecionado foram concedidos pela Agência Reguladora de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP). Dos locais candidatos a serem usados no estudo, os dados referentes a alguns dos sensores das rodovias SP 270, SP 280, SP021 e SP 348 foram fornecidos pela ARTESP, abarcando o período de 2011 a 2014. Dessa forma, os sensores para os quais não se obtiveram dados não puderam ser usados neste estudo. Para as estações de coleta remanescentes, foram criados dois bancos de dados, um referente as características dos segmentos selecionados e outro referente aos dados de tráfego de cada sensor. 3.1 Banco de dados de caracterização dos trechos selecionados Para o banco de dados dos segmentos, coletaram-se os dados referentes a largura da pista e largura livre lateral externa, os quais foram comparados com as condições padrão do HCM. Nos trechos nos quais não existem condições padrão, a velocidade, a qualidade do serviço e a capacidade tendem a ser afetados (TRB, 2010) O tipo de ocupação lindeira à via, rural ou urbana, também é relevante, já que interfere na velocidade permitida e na densidade de acessos e, portanto, na turbulência gerada. Para a calibração também faz-se necessário conhecer as características que afetam a velocidade média dos automóveis e o fluxo equivalente. Tais características compreendem: se existem faixas auxiliares; a velocidade máxima permitida; a densidade de acessos, a geometria vertical e horizontal da via e a presença de rampas íngremes. 3.2 Banco de dados de tráfego Inicialmente, os dados de tráfego recebidos foram padronizados e armazenados em um banco de dados. Em seguida, foi realizada um a filtragem preliminar dos dados, retirando-se dados anômalos das observações recebidas. 1594
Foram descartados dados inconsistentes devido a erros dos sensores, outliers (pontos que visualmente se encontram fora da nuvem de pontos" formada pelos dados de tráfego) e períodos anteriores às 6:00 h e posteriores às 20:00 h, que apresentam ao mesmo tempo volume de tráfego muito baixo e má condição de visibilidade, não sendo interessantes para o estudo. Foi considerada no estudo apenas a faixa mais à esquerda, a qual sofre a menor influência de veículos comerciais possível. Desse modo, foram descartados os dados provenientes das faixas centrais e da direita, bem como observações com percentual de caminhões superior a 3%, aplicando-se um fator de equivalência sobre os veículos remanescentes, conforme realizado em estudos anteriores (Andrade, 2012). Além disso, o HCM 2010 não estabelece um método para tratar e avaliar os dados provenientes de motos, portanto, optou-se por excluir intervalos onde suas observações fossem superiores a 5%. Em outro estudo recente, (Pizzol et al., 2012), verificou a existência de interferência da chuva na velocidade de fluxo livre e na capacidade das rodovias. Nesse projeto, os autores desenvolveram um algoritmo para a análise de imagens meteorológicas fornecidas pelo Instituto de Pesquisas Meteorológicas (IPMet). Para este estudo, o IPMet forneceu imagens de radares que indicavam os momentos de precipitação pluviométrica em todo o estado de São Paulo no período estudado, de 2012 até 2014. Os dados foram compatibilizados com o banco de dados de tráfego, permitindo excluir os dados de tráfego que correspondiam a períodos de chuva ou condições meteorológicas indefinidas. A partir de uma análise das séries temporais de tráfego, foram identificados períodos atípicos nos quais a nuvem de pontos descrevia dois padrões distintos para a relação fluxo-velocidade, em um mesmo trecho. Analisando-se as datas das observações, foi possível relacionar tais alterações a obras para aumento de capacidade em todos os casos. Nesse caso, utilizaram-se os dados correspondentes à condição mais recente, ou seja, após o término da intervenção. No total, foram produzidas 1.853.682 observações de tráfego úteis ao estudo, correspondentes a 20 sensores. Aas velocidades de fluxo livre FFS variaram de 79 a 129 km/h. 4. CURVAS FLUXO-VELOCIDADE E DISCUSSÃO Para a calibração do modelo, utilizou-se o método desenvolvido por Andrade (2012) para calibração da região convexa das curvas fluxo-velocidade. Primeiramente, obteve-se a velocidade de fluxo livre correspondente a cada ponto, calculada como a média das velocidades médias observadas para os sete intervalos de 50 cpe/(h.faixa), até 350 cpe/(h.faixa). Em seguida, foram calculados o ponto de transição (BP) e a densidade na capacidade (CD). O BP corresponde ao fluxo a partir do qual a velocidade média da corrente de tráfego decresce em função do aumento do fluxo de tráfego, sendo definido como o ponto de derivada igual a zero do polinômio de terceiro grau que representa a relação entre fluxo e o desvio padrão em torno da velocidade de fluxo livre. O CD reflete a razão entre a capacidade e a velocidade média da corrente de tráfego nos fluxos máximos observados em condições não congestionadas, tendo sido calculado através do Product Limit Method, método que estima a capacidade viária através de uma analogia com análises de vida útil de produtos e o colapso (breakdown) da corrente de tráfego. 1595
A calibração das curvas foi realizada como indicado por Andrade (2012), através de um problema de otimização, cujo objetivo é a minimização do quadrado dos erros entre a velocidade prevista pelo modelo proposto e das observações realizadas para cada intervalo válido, considerando todas as curvas simultaneamente. Embora o autor sugira o ajuste de curvas distintas para rodovias urbanas e rurais, neste trabalho, foram obtidos dados para apenas dois trechos localizados em área urbana, de forma que foram calibradas curvas gerais para autoestradas e rodovias de pista dupla paulistas. A Figura 1 mostra uma comparação entre as curvas obtidas (a) e as apresentadas pelo HCM 2010 (b). Nota-se que o ponto de transição BP é muito parecido entre os dois modelos. A maior diferença se dá na capacidade e velocidade na capacidade para velocidades de fluxo livre inferiores a 110 km/h, mais limitados no caso paulista. Velocidade dos automóveis (km/h) 130 120 110 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 (a) Modelo proposto (b) Modelo do HCM 2010 2,400 2,250 2,100 1,950 Ponto de transição CD = 25 cpe / (km.faixa) 0 400 800 1,200 1,600 2,000 2,400 Fluxo de tráfego (cp/h/faixa) Velocidade dos automóveis (km/h) Figura 1: Curvas fluxo-velocidade obtidas neste estudo e apresentadas no HCM 2010 130 120 110 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Ponto de transição CD = 25 cpe / (km.faixa) 2,400 2,350 2,300 2,250 0 400 800 1,200 1,600 2,000 2,400 Fluxo de tráfego (cp/h/faixa) Agradecimentos: Os autores agradecem a ARTESP, que forneceu os dados de tráfego, e ao IPMet, que forneceu as imagens dos radares meteorológicos. O desenvolvimento dessa pesquisa também não teria sido possível sem o financiamento do CNPq (proc. 146872/2014-2). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Andrade, G. R.; Rodrigues-Silva, K. C.; Gouvêa, R. G. (2008) Aplicabilidade das Metodologias Rodoviárias do Highway Capacity Manual 2000 no Brasil. In: Anais do XXII Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes, ANPET, Fortaleza, CE (CD-ROM), 8 p. Andrade, G.; Rodrigues-Silva, K. C.; Puty Filho, S. A. (2011) Panorama Normativo e Tecnológico da Avaliação Operacional das Concessões Rodoviárias. In: Anais do 7º Congresso Brasileiro de Rodovias e Concessões CBR&C 2011, Foz do Iguaçu, PR (CD-ROM), 14 p. Andrade, G. R. (2012) Capacidade e Relação Fluxo-Velocidade em Autoestradas e Rodovias de Pista Dupla Paulistas. Dissertação (mestrado), EESC-USP, São Carlos, SP, 154 p. Andrade, G. R. e Setti, J. R. (2014) Speed-flow relationship and capacity for expressways in Brazil. In: Proceedings of the 93rd Annual Meeting of the Transportation Research Board. National Academy of Sciences, Washington, D.C. (CD-ROM). Demarchi, S. H. (2000) Influência dos Veículos Pesados na Capacidade e Nível de Serviço de Rodovias de Pista Dupla. Tese (doutorado), EESC-USP, São Carlos, SP, 166 p. DNIT (2006) Manual de Estudos de Tráfego: Publicação IPR 723. Instituto de Pesquisas Rodoviárias, Rio de Janeiro, RJ, 384 p. Egami, C. Y.; Setti, J. R. (2006) Adaptação do HCM 2000 para rodovias de pista simples sem faixas adicionais no Brasil. In: Anais do XX Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes, ANPET, Brasília, DF, v. 1, p. 75-75. 1596
Pizzol, B.; Andrade, G. R.; Setti, J. R. (2013) Fusão de Bancos de Dados para estudo do efeito das condições meteorológicas no fluxo de veículos em rodovias paulistas. In: Anais do XXVII Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes, ANPET, Belém, PA, 12 p. Setti, J. R. (2009) Highway Capacity Manual ou Manual de Capacidade Viária. In: Anais do 6º Congresso Brasileiro de Rodovias e Concessões CBR&C 2009, Florianópolis, SC (CD-ROM), 11 p. TRB (2010) Highway Capacity Manual 2010. Transportation Research Board, NAS, Washington, EUA. Cláudia C. B. R. Naizer (ccbrnaizer@gmail.com) Gustavo Andrade de Andrade (guriente@hotmail.com) José Reynaldo Setti (jrasetti@usp.br) Departamento de Engenharia de Transportes, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo Av. Dr. Carlos Botelho, 1465 São Carlos, SP, Brasil 1597