Grupo focal como técnica de coleta e análise de dados em pesquisas qualitativas

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ARTIGO DE REVISÃO / REVIEW ARTICLE / DISCUSIÓN CRÍTICA Grupo focal como técnica de coleta e análise de dados em pesquisas qualitativas The focal group as a technique for data collection and analysis in qualitative research El grupo focal como técnica para la recolección y el análisis de datos en la investigación cualitativa Dirce Stein Backes* Juliana Silveira Colomé** Rolf Herdmann Erdmann*** Valéria Lerch Lunardi**** RESUMO: O grupo focal se constitui em uma importante técnica de coleta de dados em pesquisas qualitativas. Com o propósito de ampliar a sua utilização e promover os participantes como sujeitos ativos de pesquisas de enfermagem, o presente estudo teve por objetivo propor o grupo focal como técnica de coleta e de análise de dados qualitativos. Tal proposição representa uma nova estratégia metodológica para as pesquisas qualitativas, além de uma possibilidade de instigar novos saberes, de re-significar posturas profissionais e de aproximar a pesquisa dos cenários de prática e vice-versa. PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa em Enfermagem. Grupos Focais. Pesquisa Qualitativa. ABSTRACT: The focal group constitutes an important technique for data collection in qualitative research. With the aim of extending its use and to constitute the participants as active subjects of nursing research, the present study aimed at examining the focal group as a technique for data collection and analysis of qualitative data. Such proposal represents a new methodological strategy for qualitative research, in addition to being a possibility to instigate new knowledge, ressignify professional attitudes and to approach research of the settings of practice and vice versa. KEYWORDS: Nursing Research. Focus Groups. Qualitative Research. RESUMEN: El grupo focal constituye una técnica importante para la recolección de datos en la investigación cualitativa. Con la meta de ampliar su uso y constituir a los participantes como sujetos activos de la investigación de cuidado, este estudio tuvo como objetivo examinar el grupo focal como técnica para la recolección de datos y el análisis de datos cualitativos. Tal oferta representa una nueva estrategia metodológica para la investigación cualitativa, además de ser una posibilidad para instigar a nuevos conocimientos, resignificar actitudes profesionales y acercarse a la investigación de los ambientes de práctica y viceversa. PALABRAS-LLAVE: Investigación en Enfermería. Grupos Focales. Investigación Cualitativa. Introdução O campo da pesquisa qualitativa se constitui de diversas possibilidades metodológicas, as quais permitem um processo dinâmico de aderência a novas formas de coleta e de análise de dados. Dentre essas possibilidades, o grupo focal representa uma técnica de coleta de dados que, a partir da interação grupal, promove uma ampla problematização sobre um tema ou foco específico. Apreendido como técnica de coleta de dados, o grupo focal se originou no cenário da pesquisa social, sendo utilizado nas áreas da antropologia, ciências sociais, mercadologia e educação em saúde. Embora tenha se originado da pesquisa social, o grupo focal ficou à margem dos estudos dessa área, tendo em vista o predomínio da observação participante e da entrevista semiestruturada 1. A partir do final da década de 80, a técnica tem sido retomada por seus precursores, os quais triplicaram os números de pesquisas utilizando-a como principal técnica de coleta de dados 2. Na busca por uma caracterização dessa técnica, pode-se argumentar que se trata de uma entrevista em grupo, na qual a interação configura-se como parte integrante do método. No processo, os encontros grupais possibilitam aos participantes explorarem seus pontos de vista, a partir de reflexões sobre um determinado * Doutora em Enfermagem. Professora do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Franciscana UNIFRA, Santa Maria, RS. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Empreendedorismo Social da Enfermagem e Saúde GEPESES. E-mail backesdirce@ig.com.br ** Doutoranda em Enfermagem da Universidade Federal de Rio Grande FURG. Professora do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Franciscana UNIFRA, Santa Maria/RS. Membro do GEPESES. E-mail: julianacolome@yahoo.com.br *** Doutor em Administração. Professor titular do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. E-mail rolf@newsite.com.br **** Doutora em Filosofia da Enfermagem. Professora titular do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Rio Grande FURG. Pesquisador 1 A do CNPq. E-mail vlunardi@terra.com.br 438 O MUNDO DA SAÚDE, São Paulo: 2011;35(4):438-442.

fenômeno social, em seu próprio vocabulário, gerando suas próprias perguntas e buscando respostas pertinentes à questão sob investigação. Desse modo, o grupo focal pode atingir um nível reflexivo que outras técnicas não conseguem alcançar, revelando dimensões de entendimento que, frequentemente, permanecem inexploradas pelas técnicas convencionais de coleta de dados 3. O reconhecimento dos grupos focais como espaços privilegiados para o alcance de concepções grupais acerca de uma determinada temática tem potencializado sua utilização em diversas áreas da produção de conhecimentos, como nas pesquisas em enfermagem. Nessa área, observa-se que os grupos focais estão presentes, ainda que de forma pouco expressiva 1. Por sua vez, os estudos desenvolvidos por pesquisadores de enfermagem buscam, em sua maioria, compartilhar experiências que utilizaram a técnica de grupo focal, discutindo sua utilização no contexto de seus estudos 1,4,5. Em contrapartida, evidencia-se um reduzido número de artigos envolvendo enfermeiros que discutem essencialmente a técnica do grupo focal 6. Considerando a dinamicidade e circularidade do grupo focal, bem como a necessidade da diversificação de métodos nas pesquisas de enfermagem, a proposição de utilizá-lo como técnica de coleta e de análise de dados apresenta-se como um desafio necessário e pertinente. Nessa perspectiva, poderia haver o deslocamento da posição do participante como porta-voz de determinado fenômeno para sujeito ativo no processo analítico e interpretativo de dados qualitativos. Com o propósito de ampliar a sua utilização e promover os participantes como sujeitos ativos das pesquisas de enfermagem, o presente estudo teve por objetivo propor o grupo focal como técnica de coleta e de análise de dados qualitativos. Abordagem do grupo focal como técnica de coleta de dados Apresentaremos, neste item, uma caracterização geral do grupo focal no que se refere às vantagens, limites, habilidades do pesquisador e demais membros de sua equipe, além de questões organizacionais que o envolvem, como número e duração dos encontros, composição do grupo, número de participantes, entre outros elementos. O grupo focal representa uma fonte que intensifica o acesso às informações acerca de um fenômeno, seja pela possibilidade de gerar novas concepções ou pela análise e problematização de uma ideia em profundidade. Desenvolve-se a partir de uma perspectiva dialética, na qual o grupo possui objetivos comuns e seus participantes procuram abordá-los trabalhando como uma equipe. Nessa concepção, há uma intencionalidade de sensibilizar os participantes para operar na transformação da realidade de modo crítico e criativo 6. Os estudos que utilizaram o grupo focal demonstram ser esse um espaço de discussão e de troca de experiências em torno de determinada temática. Além disso, o grupo estimula o debate entre os participantes, permitindo que os temas abordados sejam mais problematizados do que em uma situação de entrevista individual. Os participantes, de modo geral, ouvem as opiniões dos outros antes de formar as suas próprias e, constantemente, mudam de posição, ou fundamentam melhor sua opinião inicial, quando envolvidos na discussão em grupo 7. Essa técnica vem sendo utilizada para explorar as concepções e experiências dos participantes, podendo ser usada para examinar não somente o que as pessoas pensam, mas como elas pensam e por que pensam assim. O grupo focal pode facilitar, ainda, a discussão de temas que normalmente são pouco explorados ou até mesmo evitados, visto que tendem a gerar comentários mais críticos, e os participantes mais extrovertidos, geralmente, conseguem envolver e estimular os demais 3. Nessa perspectiva, ganha sentido o pressuposto de que o grupo focal tem como uma de suas maiores riquezas basear-se na tendência humana de formar opiniões e atitudes na interação com outros sujeitos. Ele contrasta, nesse sentido, com dados colhidos em questionários ou entrevistas, em que o participante é convocado a emitir opiniões sobre assuntos que talvez nunca tenha refletido anteriormente 8. No que se refere aos seus limites, observa-se que, em alguns casos, a discussão grupal pode reprimir determinadas posturas que sejam dissidentes dos demais participantes, mas desacordos dentro dos grupos podem ser usados para encorajar a defesa de seus pontos de vista 2. Podem-se enumerar outros limites associados à utilização da técnica, como a dificuldade de garantir um total anonimato, a possibilidade de interferência quanto aos juízos de valores do pesquisador e o risco de que as discussões sejam desviadas ou dominadas por poucos participantes, gerando uma distorção dos resultados 7. Assim como outras técnicas, o grupo focal não é capaz de condicionar ou influenciar o delineamento dos objetos e objetivos de pesquisa. Essa evidência não implica a afirmação de que a técnica é um elemento secundário da pesquisa, mas sim de que ela não O MUNDO DA SAÚDE, São Paulo: 2011;35(4):438-442. 439

possui autonomia metodológica para reger ou definir a sua própria utilização 9. Tais considerações evidenciam que as atribuições da equipe de coordenação do grupo focal necessitam estar bem definidas, a fim de planejar, avaliar e redirecionar os encontros conforme o desenvolvimento grupal. A função do coordenador ou moderador é significativa na dinamização dos grupos e está relacionada ao preparo e instrumentalização em todas as fases do processo, como a definição de um guia de temas, que consiste em um resumo dos objetivos e das questões a serem tratadas, além de um esquema norteador do encontro 6. O coordenador realiza o esclarecimento sobre a dinâmica de discussões, os aspectos éticos vinculados ao estudo e ao processo interativo. Estimula o debate, elabora a síntese dos encontros anteriores e encerra a sessão por meio de acertos e combinações para os próximos encontros. A figura do observador, do mesmo modo, é importante para o desenvolvimento dos encontros, uma vez que lhe cabe registrar a dinâmica grupal, auxiliar na condução das discussões, colaborar com o coordenador no controle do tempo e monitorar o equipamento de gravação. Realiza, ainda, registros relacionados às falas dos participantes para facilitar a transcrição dos dados 6. É importante que o ambiente dos encontros seja acolhedor e assegure privacidade para facilitar o debate e aprofundar as discussões. Da mesma forma, sugere-se que as cadeiras ou assentos sejam organizados em torno de uma mesa de conferências, em um círculo ou em outra disposição que promova a participação e a interação dos envolvidos 10. Com relação ao número de encontros, alguns aspectos importantes necessitam ser considerados, como a organização de ao menos dois grupos para cada tópico considerado pertinente para o tema tratado; a realização de grupos até que a informação obtida deixe de ser nova, bem como o desenvolvimento de grupos em cada região geográfica na qual se considere que existe uma diferença importante. Sugere-se que a duração de cada um dos encontros varie de uma hora e meia a duas horas 10. Para a composição do grupo focal, há que se considerar que os integrantes possuam entre si ao menos uma característica comum importante, e os critérios para a seleção dos sujeitos sejam determinados pelo objetivo do estudo, caracterizando-se como uma amostra intencional. Nesse contexto, sugere-se que o número de participantes esteja situado em um intervalo entre seis e quinze, sendo que, quando se deseja gerar tantas ideias quanto possível, é mais enriquecedor optar por um grupo maior, ao passo que se o que se pretende é alcançar a profundidade de expressão de cada participante, um grupo pequeno seria mais indicado 6. A maioria dos pesquisadores recomenda a homogeneidade nos grupos focais, a fim de potencializar as reflexões acerca de experiências comuns. No entanto, também pode ser vantajoso reunir um grupo diversificado para maximizar diferentes perspectivas dentro de um grupo, embora a hierarquia profissional, de classe, escolaridade, entre outras, possam interferir na expressão dos dados 3. Observa-se, portanto, que o grupo focal se constitui em um processo complexo, tendo em vista a sua dinamicidade, dialogicidade e capacidade de análise e síntese reflexivas dos envolvidos. Torna-se pertinente a busca do aperfeiçoamento, aprofundamento de discussões e proposição de inovações na utilização da técnica, apreendida como um recurso estratégico para se alcançar uma prática mais crítica e inovadora nas pesquisas qualitativas. Grupo focal como técnica de coleta e de análise de dados O grupo focal como técnica de coleta de dados já é conhecido e utilizado há várias décadas, conforme mencionado anteriormente. Em relação a ele como técnica de análise, porém, as discussões são incipientes e divergentes. Sendo assim, propõe-se um delineamento estratégico para a apreensão do grupo focal, tanto para a coleta, quanto para a análise de dados. O modelo de coleta e de análise de dados proposto apresenta-se em analogia ao referencial do Planejamento Estratégico, mais especificamente à Análise S.W.O.T., uma ferramenta estrutural utilizada na análise do ambiente interno e do cenário externo de uma determinada organização. A ferramenta em questão busca identificar e analisar as forças e fraquezas, assim como as oportunidades e ameaças externas relacionadas, para o delineamento de estratégias 11,12. Nessa direção, forças e fraquezas (Strenghts e Weakness, S e W da sigla) são fatores internos de criação ou prejuízo de valor, como habilidades ou recursos que uma organização tem à sua disposição em relação aos fatores externos. Por sua vez, as oportunidades e as ameaças (Opportunities e Threats, O e T da sigla) são fatores externos de criação ou prejuízo de valor, os quais a empresa não pode controlar, uma vez que podem emergir tanto da dinâmica competitiva do 440 O MUNDO DA SAÚDE, São Paulo: 2011;35(4):438-442.

mercado como de fatores demográficos, econômicos, políticos, tecnológicos, sociais ou legais 11,12. Propõe-se, a partir da ferramenta de gestão organizacional S.W.O.T., a Análise Focal Estratégica (AFE) como possibilidade analítica própria para a técnica do grupo focal, com ênfase na inserção do participante como sujeito ativo no processo de pesquisa. Nessa modalidade, os encontros iniciais seguem o modelo tradicional de grupo focal, preconizado para a coleta de dados. A partir do momento em que pesquisadores e participantes ampliam e aprofundam a discussão grupal, os encontros subsequentes seguem os seguintes passos: Análise Focal Estratégica das potencialidades e fragilidades internas relacionadas ao fenômeno sob investigação e a Análise Focal Estratégica do cenário externo, no intuito de identificar as oportunidades e desafios relacionados ao objeto de estudo. A AFE do ambiente interno, a ser realizada em no mínimo um encontro, remete às potencialidades ou forças que maximizam a expressão dos dados do fenômeno sob investigação, tais como experiências agregadoras, inovadoras e transformadoras. As fragilidades ou fraquezas podem ser consideradas fatores que fragilizam ou minimizam a capacidade interativa e associativa do fenômeno sob investigação. Como exemplo, cita-se aqui o cuidado de enfermagem como objeto de pesquisa. Para esse fenômeno, as potencialidades podem estar relacionadas ao cuidado de enfermagem como um todo, às habilidades interativas e integrativas, ao acolhimento e vínculo profissional, entre outros. Já as fragilidades para esse mesmo objeto de estudo podem estar relacionadas ao cuidado pontual, linear, impessoal e descontextualizado, entre outros. A AFE do cenário externo, a ser realizada em um novo encontro, refere-se às oportunidades que sinalizam novos espaços de atuação profissional, novas tecnologias, processos e produtos, entre outros. Já os desafios ou ameaças estão relacionados às perturbações ou irritações externas, que provocam adequações e alinhamentos consonantes às múltiplas interferências sociais do fenômeno sob investigação. Retomando o exemplo do cuidado de enfermagem como objeto de estudo, as oportunidades podem estar associadas ao cuidado de enfermagem empresarial, domiciliar, multiprofissional e outros. Os desafios, por sua vez, podem estar relacionados à ampliação e contextualização do cuidado como fenômeno social. Para finalizar o processo de AFE, sugere-se a criação de uma estrutura de referência teórica, que visibilize estratégias de reflexão e ação que integrem tanto as potencialidades e fragilidades quanto as oportunidades e os desafios em um processo dinâmico e circular, conforme Figura 1. Tanto a coleta de dados, conforme preconizada pelo grupo focal, quanto a Análise Focal Estratégica proposta neste artigo representam um processo dinâmico e gradual, no qual os participantes da pesquisa serão autores e atores de proposições estratégicas. Considerações finais Pela sua capacidade interativa e problematizadora, o grupo focal como técnica de coleta e de análise de dados se constitui em uma importante estratégia para inserir os participantes da pesquisa no contexto das discussões de análise e síntese que contribuam para o repensar de atitudes, concepções, práticas e políticas sociais. Figura 1. Estrutura de referência teórica para a análise focal estratégica Fonte: Construção primária das autoras. O MUNDO DA SAÚDE, São Paulo: 2011;35(4):438-442. 441

Sendo também uma ferramenta de gestão, a Análise Focal Estratégica se constitui em um método que pode auxiliar na organização do processo de trabalho da enfermagem e saúde, pela possibilidade de analisar tanto as potencialidades e fragilidades internas, quanto as oportunidades e desafios externos, que requerem adequações e novas articulações profissionais e sociais. O grupo focal como técnica de coleta e de análise de dados representa, em suma, uma nova possibilidade metodológica para as pesquisas qualitativas. Nessa direção, poderá representar uma conquista e um desafio para os pesquisadores de enfermagem, pela possibilidade de instigar novos saberes, de ressignificar posturas profissionais e aproximar a pesquisa dos cenários de prática e vice-versa. REFERÊNCIAS 1. Ressel LB, Beck CLCB, Gualda DM, Hoffmann IC, Silva RM, Sehnem GD. O uso do grupo focal em pesquisa qualitativa. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):779-86. 2. Kitzinger J, Barbour RS. Introduction: the challenge and promise of focus groups. In: Kitzinger J, Barbour RS, organizadores. Developing focus group research: politics, theory and practice. London (UK): Sage; 1999. p. 1-20. 3. Kitzinger J. The methodology of focus group: the importance of interaction between research participants. Sociol Health Illn. 1994;16(1):103-20. 4. Gomes VLO, Telles KT, Roballo EC. Grupo focal e discurso do sujeito coletivo: produção de conhecimento em saúde de adolescentes. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009;13(4):856-62. 5. Oliveira DL. The use of focus groups to investigate sensitive topics: an example taken from research on adolescent girls perceptions about sexual risks. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;14(7):3093-102. 6. Dall Agnol CM, Trench MH. Grupos focais como estratégia metodológica em pesquisa na enfermagem. Rev Gaúcha Enf. 1999;20(1):5-25. 7. Trad LB. Grupos Focais: conceitos, procedimentos e reflexões baseadas em experiências com o uso da técnica em pesquisa de saúde. Physis. 2009;19(3):777-96. 8. Iervolino AS, Pelicioni MCF. A utilização do grupo focal como metodologia qualitativa na promoção da saúde. Rev Esc Enferm USP. 2001;35(2):115-21. 9. Neto OC, Moreira MR, Sucena LFM. Grupos Focais e Pesquisa Social Qualitativa: o debate orientado como técnica de investigação; 2002. Disponível em: http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2002/com_juv_po27_neto_texto.pdf 10. Debus M. Manual para excelência en La investigación mediante grupos focales. Washington: Academy for Educational Development; 1997. 11. Value Based Management. Management Methods; 2005. Disponível em: http://www.valuebasedmanagement.net 12. Bicho L, Baptista S. Modelo de Porter e análise SWOT: estratégias de negócio; 2006. Disponível em: http://www.ecnsoft.net/ wp-content/plugins/downloads-manager/upload/fatec-sbc_adme_forcas_competitivas_de_porter.pdf Recebido em 8 de agosto de 2011 Aprovado em 5 de setembro de 2011 442 O MUNDO DA SAÚDE, São Paulo: 2011;35(4):438-442.