Consultoria Legislativa NOTA INFORMATIVA Nº 1.385, DE 2015 Relativa à STC nº 2015-03673, do Senador Ricardo Ferraço, que solicita a análise sobre a legislação federal e estadual, acerca da possibilidade de os procuradores do Estado do Paraná exercerem a advocacia, à luz do caso do Sr. Luiz Edson Fachin Durante a reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), suscitou-se questionamento sobre a legalidade e constitucionalidade do exercício da advocacia pelo sr. Luiz Edson Fachin, em concomitância com o desempenho do cargo de Procurador do Estado do Paraná. Para dirimir a dúvida sobre a questão, o Senador Ricardo Ferraço solicita a esta Consultoria a elaboração de Nota Informativa em que se analise o tema, à luz da legislação estadual e federal a respeito. Tendo em vista o caráter público das discussões travadas na reunião de 29 de abril, dispensaremos o relato dos debates, passando diretamente à análise do caso. 1. CONTEÚDO DA LEGISLAÇÃO ESTADUAL DO PARANÁ SOBRE O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA POR PROCURADORES DO ESTADO APLICABILIDADE AO CASO ESPECÍFICO Senado Federal Praça dos Três Poderes CEP 70165-900 Brasília DF Telefone: +55 (61) 3303-4141 alosenado@senado.gov.br
2 O sr. Luiz Edson Fachin realizou concurso público para provimento do cargo de Procurador do Estado da Paraná, sob a égide da Lei Complementar estadual nº 26, de 30 de dezembro de 1985, com a redação dada pela Lei Complementar nº 40, de 8 de dezembro de 1987. Nessa versão da Lei, não havia proibição dos procuradores do Estado de exercer a advocacia privada. Contudo, em 5 de outubro de 1989, sobreveio a Constituição Estadual, que, no inciso I do 3º do art. 125, dispôs ser vedado aos procuradores do Estado exercer advocacia fora das funções institucionais. Ressalvou-se apenas a situação daqueles que já eram procuradores do Estado na data da promulgação da Constituição (art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), o que não era o caso do sr. Fachin. Registre-se, aliás, ser absolutamente errada a afirmação constante da Nota emitida pela Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Paraná (OAB-PR), segundo a qual a Constituição do Estado do Paraná, antes da reforma de 1999, não veda o exercício da advocacia privada aos Procuradores de Estado, limitando-se, apenas, a impedir a advocacia contra o próprio Estado-membro 1. Na verdade, a Emenda Constitucional nº 7, de 24 de abril de 2000, alterou os incisos II e III do 3º do art. 125, mas nada modificou no inciso I, que trata da proibição de advogar. Demais disso, em 18 de janeiro de 1990 antes ainda da posse de Luiz Edson Fachin, foi publicada a Lei Complementar estadual nº 51. Esse diploma dispôs, no art. 5º, que É vedado aos ocupantes de cargos de Procurador do estado o exercício da advocacia particular, ressalvado o direitos dos atuais integrantes da carreira referidos no art. 2º. O art. 2º, por 1 Disponível em: http://www.oabpr.com.br/noticias.aspx?id=21053. Acesso em 04.05.2015.
3 sua vez, referia-se aos membros que haviam ingressado na carreira antes da promulgação da Lei o que, uma vez mais, não é o caso do sr. Fachin. A Lei previu sua entrada em vigor imediatamente (art. 10). Por outro lado, ainda que não existisse a proibição na Lei Complementar nº 51, de 1990, a norma constitucional estadual seria suficiente para estabelecer a proibição. É consabido que, com o advento de uma nova constituição, restam revogadas (por ausência de recepção) todas as normas infraconstitucionais com ela materialmente incompatíveis 2. Em outras palavras: mesmo antes da edição da Lei Complementar nº 51, de 1990, que proibiu o exercício da advocacia privada, a Lei Complementar nº 26, de 1985 (com a redação da Lei Complementar nº 40, de 1987), já estava revogada, por não ter sido recepcionada pela Constituição Estadual de 1989. Embora não tenhamos à disposição a data exata em que o professor Fachin tomou posse no cargo, é certo que tal fato se deu após 12 de fevereiro de 1990, pois é essa a data da publicação do decreto de nomeação no Diário Oficial do Paraná (Decreto nº 6.560, de 8 de fevereiro de 1990, publicado no Diário Oficial nº 3.202, de 12 de fevereiro). Assim, quando da posse do procurador, tanto a Constituição Estadual quanto a Lei Complementar nº 51, de 1990, proibiam inequivocamente o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. 2. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO À ADVOCACIA PRIVADA 2 Cf. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 129. No mesmo sentido: STF, Pleno, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2/DF, Relator Ministro Paulo Brossard, DJ de 21.11.1997.
4 Consideramos, ademais, não prosperar o argumento de que, tendo sido o concurso realizado sob a égide de uma legislação, o futuro procurador estaria por ela regido. Trata-se de um caso clássico de mera expectativa de direito, uma vez que a investidura em cargo público e, por conseguinte, a definição do seu regime jurídico se dá com a posse 3, não com a realização do concurso. Dessa forma, irrelevante que a Lei Complementar vigente à época do concurso permitisse a advocacia: no momento da posse, tanto a Constituição Estadual quanto a Lei Complementar nº 51, de 1990, proibiam aos Procuradores de Estado o exercício da advocacia privada. Demais disso, ainda que se entendesse que a Lei Complementar vigente na época do concurso seria o regime jurídico ao qual estaria vinculado o Procurador, é certo que tal regime poderia ser, a qualquer tempo, modificado. Isso porque a remansosa jurisprudência considera não haver direito adquirido a regime jurídico. Essa orientação, aliás, embora ainda atual, não é nova: já era sufragada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 1954 4, e até o antigo Tribunal Federal de Recursos, antecessor do atual Superior Tribunal de Justiça, já assim decidira, em 1981 5. Essa construção remonta a Savigny, em seu Tratado de Direito Romano 6, tanto assim que Carlos Maximiliano já sustentava, em 1955, que: Não há direito adquirido no tocante a instituições, ou institutos jurídicos. Aplica-se logo, não só a lei abolitiva, mas 3 Por todos, cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 522. 4 O leading case no STF é o julgamento, pela Primeira Turma, do Recurso Extraordinário (RE) nº 24.362/DF, Relator Ministro Ribeiro da Costa, DJ de 02.12.1954, p. 14.907. 5 Apelação Cível nº 54.225/AC, Relator Ministro Gueiros Leite, DJ de 22.10.1981. 6 Apud MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. Cit., p. 406.
5 também a que, sem os eliminar, lhes modifica essencialmente a natureza 7. 3. COMPETÊNCIA DO ESTADO DO PARANÁ PARA LEGISLAR SOBRE O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA POR SEUS PROCURADORES Finalmente, também consideramos que não se sustentam os argumentos lançados pela Associação dos Procuradores do Estado do Paraná (APEP), para quem: A advocacia privada desempenhada pelo Professor Luiz Edson Fachin, acumulada à função de Procurador do Estado que exerceu até o ano de 2006, é plenamente legítima e legal. Referente aos questionamentos formulados pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado da República a respeito dessa compatibilidade, a APEP presta os seguintes esclarecimentos: 1. A Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso XIII, condiciona as restrições ao exercício de profissão à existência de lei, que, conforme o artigo 22, inciso XVI, é privativa da União. 2. O Estatuto da Advocacia, Lei nº 8906/1994, em seu artigo 30, dispõe sobre a existência de impedimento para o exercício da advocacia pelos servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora. 3. A lei federal que rege a matéria, portanto, não veda o exercício da advocacia privada dos Procuradores de Estado, limitando-se, apenas, a impedir a advocacia contra o próprio Estado-membro. 4. Durante o período em que perdurou a atividade do Dr. Fachin como Procurador do Estado, a OAB Paraná realizou a devida anotação do impedimento para a advocacia contra o Estado do Paraná, restando autorizada a advocacia privada que não infringisse tal impedimento. 8. Logicamente, o regime jurídico dos procuradores de Estado não se confunde com a tarefa de legislar sobre profissões. A segunda 7 MAXIMILIANO, Carlos. Direito Intertemporal ou Teoria da Retroatividade das Leis. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 62. 8 Disponível em: http://apep.org.br/home/apep-presta-esclarecimentos-sobre-exercicio-profissional-defachin/. Acesso em 04.05.2015.
6 matéria é privativa da União, mas a primeira constitui tema cuja legislação compete a cada ente federativo. O Estatuto da OAB não proíbe a advocacia pelos Procuradores de Estado, simplesmente porque essa matéria deve ser definida por cada Estado da Federação, tanto assim que alguns a permitem, outros não. E a legislação paranaense, como vimos, proíbe essa atividade. Enfim, a legislação sobre deveres e proibições dos advogados públicos cabe a cada ente federativo, como adverte Fabiano André de Souza Mendonça: Enquanto servidor público, sua responsabilidade éticodisciplinar dá-se na forma estabelecida no Regime Jurídico do quadro de servidores a que estiver vinculado 9. Tanto podem os Estados-membros definir o regime jurídico dos seus procuradores, que o STF já julgou constitucional regra prevista na Constituição Estadual dispondo sobre a escolha do Procurador-Geral do Estado diferentemente do que ocorre com o Advogado-Geral da União 10. Nesse julgado, inclusive, restou registrado que tal questão (o regime jurídico dos procuradores) pode ser definida pela Constituição Estadual, competência esta que se insere no âmbito de autonomia de cada Estadomembro 11. Dessa maneira, parecem-nos legítimas todas as normas paranaenses que vedam a advocacia por seus procuradores, uma vez que o Estado está, ao exercer seu poder de autolegislação, fixando regras do regime jurídico de seus servidores. 4. CONCLUSÕES 9 MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Da Advocacia Pública (comentários aos arts. 131 e 132 da CF). In: BONAVIDES, Paulo et al. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 1.657. 10 Nesse sentido: FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 1.058. 11 STF, Pleno, ADI nº 2.682/AP, Relator Ministro Gilmar Mendes, Informativo STF nº 535.
7 Com base em tudo que expusemos, pode-se concluir que, tendo o sr. Luiz Edson Fachin tomado posse após janeiro de 1990, quando já se encontravam em vigor as proibições de advogar constantes tanto da Constituição do Paraná quanto da Lei Complementar nº 51, de 1990, a atuação no âmbito da advocacia privada, concomitantemente com o exercício do cargo de Procurador do Estado, viola, prima facie, o ordenamento legal. Não há, ademais, que se falar em direito adquirido, uma vez que a doutrina já desde Savigny e a jurisprudência do STF desde 1954 reconhecem não haver direito adquirido a regime jurídico, muito menos se se levar em conta que o Procurador já tomou posse sob a égide das regras que proibiam a advocacia fora das atribuições institucionais. Permanecemos à disposição do Senador Ricardo Ferraço para os esclarecimentos que Sua Excelência julgar oportunos. Consultoria Legislativa, 4 de maio de 2015. João Trindade Cavalcante Filho Consultor Legislativo