Aluno: Camila Noronha de Oliveira Orientador prof. Dr. Samuel Frederico Universidade Federal de Alfenas - UNIFAL e-mail: che_noronha@hotmail.com Região competitiva e vulnerabilidade A produção de café orgânico como uma alternativa à vulnerabilidade territorial do Sul de Minas INTRODUÇÃO A principal preocupação deste artigo é analisar a produção dos pequenos produtores de café orgânico cooperados à Coopfam (Cooperativa dos Pequenos Produtores de Poço Fundo e Região). A partir da década de 1990, com a extinção do Instituto Brasileiro de Café e a desregulamentação do mercado cafeeiro, pequenos produtores da região do Sul de Minas começaram a produzir café orgânico como uma alternativa à produção de café convencional. A produção de orgânico, além de agregar valor ao produto, diminui os custos de produção, elimina intermediários, impacta com menor intensidade o ambiente e preserva a cultura local, ganhando atributos de uma anti-commodity. Atualmente, o município de Poço Fundo-MG possui a maior área plantada de café orgânico do país. Diante dessa situação, partimos da hipótese de que a produção de café orgânico, ao contrário da convencional, é menos vulnerável às oscilações de mercado e ao controle externo da produção, conferindo maior autonomia política e econômica aos pequenos produtores. A agricultura orgânica caracteriza-se por produtos cultivados sem o uso de fertilizantes, agrotóxicos, hormônios ou sementes geneticamente modificadas. São produtos saudáveis, que provêm de um sistema de cultivo baseado no respeito e preservação dos recursos naturais. Grande parte das técnicas da agricultura orgânica está sendo aplicada ao cultivo de café, obtendo-se produções satisfatórias principalmente na região do Sul de Minas Gerais. O café orgânico é cultivado com controle biológico de pragas, eliminando o uso de fertilizantes solúveis e agrotóxicos, substituídos por subprodutos da reciclagem da matéria orgânica vegetal e animal, utilizando dejetos de animais, biofertilizantes, polpa e casca de café, compostos, húmus de minhoca, etc. O conceito, bastante amplo, além das características de 1
preservação ambiental, mencionadas acima, considera também os aspectos econômicos e sociais da produção. A produção orgânica de café no Brasil começou no município de Machado no Sul de Minas em 1990. Com a extinção do Instituto Brasileiro de Café (IBC), o Estado acabou com a política de garantia de preço e compra das safras. Tal política inibia a competitividade entre os produtores, primando pela quantidade em detrimento da qualidade dos grãos ofertados. Com o fim do IBC, o mercado de café foi desregulamentado, fazendo com que os produtos começassem a se organizar em torno de cooperativas e associações regionais, buscando uma melhoria na qualidade e diferenciação dos produtos. Dessa forma, diferentes agentes econômicos começaram a se mobilizar num movimento de valorização da qualidade da bebida. Dentre as iniciativas tomadas para diferenciar o café commoditie destaca-se a produção de café orgânico. O Brasil possui uma área plantada de café de cerca de 2,1 milhões de hectares. A área com café orgânico é de 6 mil hectares, representando apenas 0,3 % da área total, com uma produção que varia de 35 a 40 mil sacas/ano (Fispal, 2008). Se considerarmos que o país tem a maior área plantada de café do mundo, pode-se imaginar que possui o maior potencial de crescimento na área com café orgânico. No entanto, o Brasil é somente o oitavo produtor mundial do produto. A maior parte da produção de café orgânico do Sul de Minas destina-se aos Estados Unidos, Europa e Japão, com preços entre 15% e 50% superior ao do café convencional. A única exigência dos importadores é a certificação que garante a origem orgânica dos produtos, concedida pelo Instituto Biodinâmico (IBD-Botucatu/SP) ou pela Associação de Agricultura Orgânica (AAO/SP). A COOPFAM (Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região) é referência em agricultura orgânica, solidária e agroecológica. A Cooperativa possui 246 famílias de pequenos cafeicultores associadas e desenvolve diversos programas de incentivo à produção de café orgânico e ajuda social nos municípios de Poço Fundo, Machado, Campestre, Ouro Fino, Cambuí, Paraguaçu, Santa Rita do Sapucaí, Natércia, Nepomuceno e Inconfidentes (todas localizadas no sul de Minas Gerais). A união dos produtores teve início na década de 1980, com a iniciativa da Igreja Católica. Em 1991, o grupo fundou a Associação dos Pequenos Produtores da Comarca de Poço Fundo, com o objetivo de superar as dificuldades enfrentadas no agronegócio. Na mesma década, a Escola Agrotécnica 2
Federal de Machado introduziu o cultivo orgânico e o comércio justo (Fair Trade). Em 2003, com mais profissionalismo e organização a Associação fundou a Cooperativa. No ano de 1997, iniciou-se o ciclo de certificação orgânica pela Associação da Agricultura Orgânica (AAO). Em 2002, a entidade passou a ser qualificada em produção orgânica pela certificadora Sapucaí e através dela obteve o selo BCS ÖKO GARANTIE (certificadora alemã que reconheceu a excelência do café da COOPFAM). Apesar de possuírem os certificados e de preencherem os requisitos de qualidade da bebida, os agricultores da Associação, na década de 1990, enviavam suas amostras, mas não conseguiam vender seus produtos, pois a demanda ainda era muito pequena e priorizava a produção de outros países. Com o aumento da procura por café orgânico, a COOPFAM conseguiu, em 2002, realizar a sua primeira comercialização no mercado americano, obtendo preços acima do mercado de commodities. Atualmente, o certificado fair trade é reconhecido pela Fair Trade Labelling Organization International (FLO Cert) que confere credibilidade aos selos do comércio justo através da comprovação de desenvolvimento social e econômico independente. A comercialização é feita diretamente com os compradores, sem intermediários, agregando valor e maior rentabilidade aos agricultores. As famílias cooperadas possuem em média sete hectares, totalizando 1.575 assistidos. Desta área, cerca de duzentos hectares são destinados ao cultivo do café orgânico, representando a mais importante área produtora deste segmento no Brasil, com o envolvimento direto de 136 famílias. A produção média dos cooperados é de 12 mil sacas/ano, exportadas principalmente para os Estados Unidos, Itália e Inglaterra. A busca constante pela qualidade levou os associados da COOPFAM a produzir de 40 a 45 sacas por hectare, quando a média do café convencional está entre 25 e 30 sacas. O comércio com os Estados Unidos ocorre através da Parceria Fornecimento Responsável, projeto do qual participam a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional no Brasil (USAID), a Companhia de Torrefação Café Bom Dia, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Walmart/Sam s Club e a TransFair USA, organização norte-americana sem fins lucrativos que agrega iniciativas de comércio justo em todos os continentes do mundo. Estima-se que a exportação de café Fair Trade tenha crescido 38% no Brasil, entre 2007 e 2008. Das 49 mil sacas do 3
produto exportadas pelo país, 75% são proveniente do projeto Parceria Fornecimento Responsável. A noção de região competitiva, segundo Castillo analisa com mais acuidade o fenômeno da constituição de regiões funcionais ao mercado mundial no território brasileiro. Para o autor (2008, p. 58), a região competitiva trata-se de um compartimento geográfico caracterizado pela especialização produtiva obediente a parâmetros externos (em geral internacional) de qualidade e custos. A competitividade além de ser um atributo dos lugares, devido às diferentes densidades técnicas (disponibilidade de infra-estruturas de comunicação, de transporte, de energia, de pesquisa, de desenvolvimento, de cultivares adaptada à região) e normativas (incentivos fiscais, denominações de origem, acordos entre o poder público e empresas) existentes entre as regiões, permitem maior ou menor fluidez e produtividade. Uma das virtudes que a região necessita ter para tornar-se competitiva é possuir uma eficiente logística de produção. Castillo (2008) afirma que a logística é definida pelo conjunto de competências em infra-estrutura (armazéns, porto secos, terminais internacionais, transportes, centros de distribuição), institucionais (normas, pareceria público-privada, agências reguladoras, tributação, instituições) e estratégicas/operacionais (conhecimento técnico dos prestadores de serviços e operadores logísticos), que reunidas numa dada região, conferem competitividade aos agentes econômicos e aos circuitos espaciais produtivos. No território brasileiro existem diversos exemplos de constituição de regiões competitivas. Os casos mais significativos são as grandes regiões produtoras de commodities agrícolas e minerais. O destino à exportação da maioria da produção, a presença de firmas transnacionais, a criação de sistemas técnicos e normativos com o intuito de viabilizar a produção, a especialização funcional das cidades locais são características comuns presentes na maioria dessas regiões. Nesse contexto, o sul do estado de Minas Gerais se caracteriza como uma região competitiva. As políticas territoriais formuladas pelos agentes públicos e privados têm como objetivo central conferir fluidez ao circuito espacial produtivo do café (CASTILLO e FREDERICO, 2004). Nessa região foram criadas diversas competências em infra-estrutura (porto seco do Sul de Minas, localizado na cidade de Varginha; Redex de Poços de Caldas e Guaxupé; armazéns específicos; caminhões contêineres; sistema de comunicação), institucionais (presença de agentes da receita federal para o rápido desembaraço das 4
mercadorias; selo de denominação de origem do café; corretores; cooperativas) e operacionais (transportadoras e operadores logísticos especializados em café), com o intuito de tornar eficiente a logística da produção. O Sul de Minas é uma região tradicional na produção do café e, atualmente, configura-se como a principal produtora do estado. Na safra 2006, foram produzidas pouco mais de 10 milhões de sacas, correspondendo a metade da produção de Minas Gerais e 25% da produção nacional (AGRITA). Os dados permitem averiguar a forte concentração da produção cafeeira, o que gera condições para o aumento da produção e da produtividade elevando a competitividade de alguns lugares e regiões para um determinado tipo de produção, como por exemplo, a agricultura orgânica. Evidencia-se, então, que o Sul de Minas configura-se como uma região competitiva. Por um lado, a região competitiva se destaca por ter um elevado índice de produtividade, devido à grande racionalidade da produção, mas, por outro, a região torna-se vulnerável devido à falta de autonomia na regulação de sua própria produção. A região competitiva está atrelada aos mercados internacionais, sujeita a fatores externos que não pode controlar e nem mesmo prever, ou seja, a vulnerabilidade territorial se caracteriza pela pouca ou nenhuma autonomia da região competitiva em saber o que produzir, de que maneira, e em quais quantidades. Além disso, há o risco de imobilizar grandes quantidades de capital em complexos sistemas de engenharia a serviço de monoculturas de exportação que podem tornar-se ociosas por conta das oscilações dos mercados (Castillo, 2005). O controle externo é evidenciado pela ação das empresas do agronegócio, que dominam o beneficiamento (classificação, limpeza, secagem), a assistência técnica, o mercado de insumos agrícolas, o armazenamento, a comercialização e a exportação. Dessa forma, esse projeto tem como objetivo principal investigar a possibilidade dos pequenos produtores cooperados a COOPFAM (Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo MG) buscarem alternativas como na produção de café orgânico a fim de evitarem a vulnerabilidade. OBJETIVOS Este projeto de iniciação científica, ainda em andamento, deriva de um projeto maior intitulado Montanhas do café: a constituição de uma região competitiva no Sul de Minas, 5
que tem como objetivo principal analisar como o Sul de Minas vem se constituindo como uma região competitiva (CASTILLO, 2008), vinculada às demandas mundiais do circuito espacial produtivo do café (FREDERICO & CASTILLO, 2004). O Sul de Minas, ao longo do século XX, se consolidou como a principal região brasileira produtora de café. A especialização produtiva, decorrente da reunião de diversos fatores produtivos conferiu, por um lado, maior competitividade à região, mas, por outro, a tornou vulnerável às oscilações do mercado mundial do café. A partir da década de 1990, com a extinção do Instituto Brasileiro de Café e a desregulamentação do mercado cafeeiro, pequenos produtores da região do Sul de Minas começaram a produzir café orgânico como forma de melhorar a qualidade do produto cultivado, agregar valor e abrir novos mercados consumidores. O município de Poço Fundo/MG concentra a maior área plantada de café orgânico do país, cultivada em sua maioria por pequenos produtores. Diante desta constatação, esta pesquisa tem como objetivo geral analisar como a produção de café orgânico, nesse município, se constitui como uma alternativa de renda aos pequenos produtores e uma forma de atenuar a vulnerabilidade à qual está submetida a produção convencional de café. OBJETIVO ESPECÍFICO Analisar a inserção e a competitividade da produção do café orgânico na cidade de Poço Fundo/MG; Analisar as práticas de cultivo, as relações de produção e o mercado do café orgânico produzido no município de Poço Fundo/MG; Analisar como as relações sociais se modificaram após a inserção da cafeicultura orgânica na região, bem como estudar sobre a mão-de-obra e as dificuldades enfrentadas pelos produtores de café orgânico; Analisar o funcionamento da cooperativa COOPFAM (Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região); Analisar o processo de aquisição dos selos e certificados de qualidade dos produtos orgânicos; Investigar se a união dos pequenos produtores atenua a vulnerabilidade, à qual as regiões competitivas estão suscetíveis, e se a produção de café orgânico é uma 6
alternativa viável ao café convencional; RESULTADOS PRELIMINARES Diversos exemplos podem ser mencionados para demonstrar a menor vulnerabilidade da produção de café orgânico. Diferentemente do café convencional, a produção orgânica não sofre o impacto da bianualidade, ou seja, quando em um ano a planta produz mais e no outro, menos grãos. A explicação, para que a quantidade produzida seja praticamente a mesma, está na forma de manejo da lavoura, com o uso de adubos orgânicos. Outro fator são os menores custos de produção, por não necessitar da compra de agrotóxicos e produtos solúveis. Os insumos químicos representam em média, no Sul de Minas, 40% do custo total da saca de café convencional (Conab, 2010). Na agricultura orgânica, em um solo já equilibrado, os insumos representam apenas 6,64% do total dos gastos do produtor, sendo a matéria orgânica responsável por mais da metade dessa porcentagem (3,37%), e o restante dividido entre a aquisição de nitrogênio para a correção dos solos e de fungicidas aceitos pela regulamentação. Além do menor custo de produção, o café orgânico obtém um preço diferenciado, deixando de se configurar como uma commodity. Essa diferenciação é resultado da certificação (concedida por agências internacionais) e do fair trade (comércio justo), A certificação é o processo de verificação da conformidade da produção com normas e padrões técnicos pré-estabelecidos, sejam eles privados ou baseados nas legislações dos diversos países. Já a comercialização (fair trade) é realizada diretamente entre os produtores e os consumidores finais, sem o intermédio das grandes corporações. Portanto, a produção de café orgânico, alicerçada numa prática que preserva o ambiente e a cultura local, pode se configurar como uma alternativa e uma forma de defesa dos pequenos produtores às oscilações e ao controle externo da produção, diminuindo, assim, a vulnerabilidade sócio-territorial. METODOLOGIA A metodologia consiste na realização de pesquisa e revisão bibliográfica, na execução de atividades técnicas e na realização de pesquisas de campo. Pesquisa e revisão Bibliográfica: 7
pesquisar e realizar a revisão bibliográfica de textos (livros, artigos e teses) relacionados à teoria da geografia, ao agronegócio do café, à produção de café orgânico, à produção de café no Sul de Minas. As fontes de pesquisa será a biblioteca da Universidade Federal de Alfenas; as bibliotecas virtuais de teses da Universidade de São Paulo (USP) e Unicamp; a biblioteca da USP; a biblioteca da Universidade Federal de Lavras; artigos disponíveis em sítios e revistas eletrônicas na internet. Atividades técnicas: Análise, interpretação e elaboração de tabelas, quadros, gráficos e mapas sobre a produção de café no Sul de Minas, em especial, a região produtora de café orgânico de Poço Fundo, a partir dos bancos de dados disponíveis no Anuário Estatístico do Café (Gazeta Mercantil), no Cecafé (Confederação dos Exportadores de Café), na ABIC (Associação Brasileira da Indústria de Café), na Produção Agrícola Municipal (IBGE), no Cadastro das Unidades Armazenadoras (Conab) e nas Estatísticas Coffee Business. Cartografia das principais regiões brasileiras produtoras de café orgânico, com o uso do software Arcgis; Redação dos relatórios de pesquisa. Visitas técnicas: Visita à COOPFAM e a produtores de café orgânico do município de Poço Fundo/MG, com objetivo de realizar entrevistas com técnicos, diretores e produtores, e coletar informações sobre a produção de café orgânico. Cronograma das atividades Tarefas 8
1. Levantamento bibliográfico, fichamentos e leituras. 2. Levantamento de dados e informações. 3. Visitas técnicas e trabalhos de campo. 4. Trabalhos técnicos (elaboração de quadros, tabelas, gráficos e mapas). 5. Participação em eventos científicos, com apresentação de trabalhos derivados da pesquisa. 6. Redação de relatórios. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTILLO, R. A. 2008. Região competitiva e logística: expressões geográficas da produção e da circulação no período atual. In: IV Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional, 2008, Santa Cruz do Sul RS. Anais do IV Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional. Santa Cruz do Sul RS : Unisc, v. 1. FREDERICO, S & CASTILLO, R.. 2004. Circuito espacial produtivo do café e competitividade territorial no Brasil. Bauru, SP: Revista Ciência Geográfica, vol. X, Set./Dez., p.236-241. SANTOS, M.(1985) 1997c. Espaço e método. São Paulo: Ed. Hucitec. SANTOS, M.1996a. A natureza do espaço, técnica e tempo, razão e emoção. 3ª edição, São Paulo: Ed. Hucitec. SOUZA, Maria Célia M. de. 2006. Cafés sustentáveis e denominação de origem: a certificação de qualidade na diferenciação de cafés orgânicos, sombreados e solidários. São Paulo: Tese de Doutorado/FEA/USP. COOPFAM (Cooperativa dos Pequenos Produtores de Poço Fundo e Região) 9