Tutela e efetividade dos interesses difusos da criança e do adolescente Como as plantas somos seres vivos, Como as plantas temos que crescer. Como elas, precisamos de muito carinho, De sol, de amor, de ar para sobreviver. Quando a natureza distraída Fere a flor ou o embrião, O ser humano, mais que as flores, Precisa na vida De muito afeto e toda compreensão. i Patricia Martinez Almeida 1 Sumário 1. Breve análise histórica 2. Criança, proteção integral e cuidado devida a especial condição da pessoa em desenvolvimento 3. Tutela dos Direitos Individuais, Difusos e Coletivos da Criança e do Adolescente e o Principio da Reserva do Possível 1. Breve análise histórica 1 Advogada em São Paulo. Graduada pela Universidade Nove de Julho e pós graduanda em Direito Constitucional com ênfase em Direitos Humanos pela mesma Instituição de Ensino.
2 Ao nos debruçarmos sobre a questão da Tutela dos Interesses e Direitos Individuais, Difusos e Coletivos da criança e do adolescente, abarcados no Estatuto da Criança e do adolescente em seu artigo 208 e seguintes, cumpre, primeiramente, fazer uma breve analise histórica para, assim, entendermos a necessidade do Diploma protetivo e seus mecanismos de instrumentalização e efetivação. O revogado Código de Menores de 1979 destinava-se a assistência aos menores em situação irregular, como objeto de medidas judiciais. A defesa do adolescente, a quem se atribuía a autoria de ato infracional, era restrita ao Curador de Menores Promotor Público, o mesmo que o acusava, desenvolvendo, assim, processos de verificação de situação de risco de menor, que se valia do poder de policia para realização de blitz e recolhimento de menores das ruas e locais das referidas situações de risco. Ou seja, a participação limitava-se às autoridades judiciárias, policiais e administrativas. ii Tal modelo de atuação, com o advento da Constituição Federal de 1988, denominada Cidadã, e, sendo certo que o Instituto abarcado no revogado Código de Menores não mais refletia as reais necessidades da sociedade, pois consubstanciado em abandono e descaso às futuras gerações, uma vez que referido modelo protetivo, que na realidade revelou-se em medidas equiparadas às de um Código Penal só que para adolescente, se demonstrou completamente divorciado de qualquer preocupação com a formação psicossocial da pessoa em desenvolvimento, assim, culminou na necessidade e efetiva instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente. A criança e o adolescente passaram, assim, de objetos de proteção a sujeitos de direitos, pois, como futuros cidadãos da sociedade brasileira, mereciam especial atenção do Estado. Neste sentido, corrobora o entendimento nos ensinamentos de Kant Por conter essa dignidade, esse valor intrínseco, sem preço e acima de qualquer preço, que faz dele pessoa, ou seja, um ser dotado de consciência racional e moral, e por isso mesmo capaz de responsabilidade e liberdade. iii
3 O Texto Constitucional de 1988, balizado nos princípios éticos da sociabilidade e operacionalidade, fundamentados na Dignidade da Pessoa Humana artigo 1, III da Constituição Federal, na Especial Proteção da Criança e do Adolescente artigos 227 e 228, ensejou a criação de mecanismos de real proteção aos direitos humanos e interesses difusos da criança e do adolescente, por serem, tais normas e instrumentos, imprescindíveis às reais necessidades da sociedade para garantia das futuras gerações. iv Assim, nos dizeres de Oliver Wendell Holmes O mais importante da vida não é a situação em que estamos, mas a direção para qual nos movemos. v 2. Criança, proteção integral e cuidado devido à especial condição de pessoa em desenvolvimento Como aponta Rodrigo da Cunha Pereira Exigir, por meio de preceito constitucional que o Estado reconheça a dignidade da pessoa humana, é exigir que ele garanta a todos direitos que podem ser considerados válidos para um ser humano capaz de compreender o que é o bem. vi Desarrazoado, portanto, a manutenção de um Diploma que não vislumbrava meios de proteção e efetivação do tão famigerado desenvolvimento pleno e sadio, em todas as suas fases, ou seja, material, moral, intelectual, para, desta maneira, proporcionar uma segura transição da criança em adulto funcional, colaborativo, ativo e, portanto, cidadão. Nos ensinamentos da Ilustre Professora Tânia da Silva Pereira ser sujeito de direitos significa, para a população infanto-juvenil, deixar de ser tratada como objeto passivo, passando a ser, como os adultos, titular de direitos juridicamente protegidos. vii
4 Tais direitos são norteados pelo Principio da proteção integral artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente -, com vistas ao melhor interesse da criança artigo 227 da Constituição Federal -, tendo o cuidado como Principio Geral do Direito, na nova visão de Tutela dos Direitos Difusos, com a finalidade de efetivar a especial proteção à pessoa em desenvolvimento, por sua peculiar condição (artigo 6 do Estatuto da Criança e do Adolescente). Pressupõe a eterna e constante busca à igualdade material, ou seja, a prioridade e especial proteção do Estado às crianças e aos adolescentes se consubstanciado nos meios hábeis de se alcançar o pleno e sadio desenvolvimento das futuras gerações, diante da especial condição de pessoa em desenvolvimento. 3. Tutela dos Direitos Individuais, Difusos e Coletivos da Criança e do Adolescente e o Princípio da Reserva do Possível Os Direitos e Garantias abarcados no Estatuto da Criança e do Adolescente, por serem reflexos do mandamento constitucional, não possuem caráter taxativo, ou seja, não excluem outros decorrentes dos demais textos normativos, uma vez que a interpretação de direitos não deve ser feita de forma restritiva. Assim, além da expressa subsidiariedade do Código de Processo Civil e da Lei de Ação Civil Publica, nos termos do Estatuto em comento, há também, dispositivos protetivos aos direitos das crianças e dos adolescentes por todo o ordenamento jurídico interno, como os direitos à personalidade disposto no artigo 2 do Código Civil, direitos sucessórios, direito de filiação e, suas garantias, instrumentos de efetivação, nas leis de Investigação de Paternidade Lei 8560/1992, Adoção Lei 12010/2009, Alimentos Lei
5 5484/1968, Alimentos Gravídicos Lei 11804/2008, dentre outras para a consecução dos direitos humanos nos interesses individuais da criança e da pessoa em desenvolvimento. Os interesses difusos da criança e do adolescente, por sua particular condição, dispostos no artigo 208 e seguintes do Estatuto da Criança e do Adolescente, consubstanciados nos dos direitos: ensino fundamental obrigatório, saúde e prioridade no atendimento, assistência psicossocial, atendimento em creches e pré-escolas, acesso a material didático escolar, transporte, escolarização e profissionalização dos adolescentes privados de liberdade, estão amparados pelos mecanismos de fiscalização de sua instituição pelos Representantes do Ministério Público da Infância e Juventude, com participação da sociedade, através dos Conselhos Tutelares, bem como pelos instrumentos judiciais 2, das ações de responsabilidade civil por ofensa ou descumprimento dos referidos interesses, ação civil pública, ação de obrigação de fazer, ações mandamentais, ação popular, mandado de segurança individual ou coletivo, mandado de injunção e todas as demais que se fizerem necessárias para garantir e efetivar os direitos difusos inerentes a eles viii. Contudo, mesmo diante dos inúmeros mecanismos e instrumentos judiciais para Tutelar referidos direitos, nos deparamos, nos casos concretos, o confronto do princípio da proteção integral com outro principio que, por mais das vezes, impossibilita a sua efetivação, qual seja: o da reserva do possível ix. Em muitos casos resta inviabilizado o acesso e efetivação dos direitos difusos da criança e do adolescente por insuficiência ou completa ausência de verba orçamentária, quer seja do município, quer seja da entidade responsável pela instituição das políticas publicas necessárias ao cumprimento do dispositivo legal. 2 Bem como os demais legitimados para a propositura de ações que versem sobre Direitos Difusos e Coletivos da Criança e do Adolescente, elencados no artigo 210 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
6 Assim, chegamos ao cerne da questão: como se dar efetividade aos direitos difusos e coletivos da criança e do adolescente, quando as políticas públicas de sua instituição se ver obstada diante da problemática questão orçamentária e o conflito entre os princípios do mínimo existencial e a reserva do possível, vastamente alegada como escusa ao cumprimento dos referidos direitos? Notadamente, vivemos num Estado Social Democrático minimalista, ou seja, modelo social em que o Estado deve garantir o mínimo para existência digna, contudo, o que nos é colocado a disposição, em muitos casos, não atinge a finalidade de sua instituição, razão pela qual, alguns interesses e direitos recebem, em seu nascedouro, a especial proteção do Estado e, portanto, devem ser priorizados, com efeito, é o caso dos Direitos e Interesses Difusos da Criança e do Adolescente. É preciso, para tanto, evocar princípios outros para que, diante da vinculação da Administração Pública à legalidade, moralidade, eficiência das prestações dos serviços públicos, conforme inteligência do artigo 37 da Constituição Federal, se possa concluir pela prioridade na instituição e da efetividade dos direitos difusos da criança e do adolescente, e, portanto, garantir e reservar orçamento necessário e suficiente para integral cumprimento aos interesses tutelados, por se tratar de questão de ordem pública o resguardo ao saudável desenvolvimento das futuras gerações de cidadãos e atores sociais funcionais, preservando, assim, o futuro da sociedade. 4. Bibliografia BARCELLOS, Ana Paula de. O mínimo existencial e algumas fundamentações; John Raws, Michael Walzer e Robert Alexy in Legitimação dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. CARVALHO, Pedro Caetano de. A defesa técnica na justiça da Infância e da Juventude in Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente: o cuidado. Revista do Advogado, ano XXVIII, n 101. São CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. HOLMES apud TELLES, COLTRO in O Estatuto da Criança e do Adolescente: uma lei de gente grande. São
7 KANT apud TELLES e COLTRO in O Estatuto da Criança e do Adolescente: uma lei de gente grande. São PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. PEREIRA, Tânia Silva. O principio do melhor interesse da criança no âmbito das relações familiares in Direito de Família e psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2003, p.210. VERONESE, Josiane Petry. Interesses Difusos e Direitos da Criança e do Adolescente. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. i TOQUINHO. Natureza distraída. ii CARVALHO, Pedro Caetano de. A defesa técnica na justiça da Infância e da Juventude in Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente: o cuidado. Revista do Advogado, ano XXVIII, n 101. São CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. iii KANT apud TELLES e COLTRO in O Estatuto da Criança e do Adolescente: uma lei de gente grande. São iv VERONESE, Josiane Petry. Interesses Difusos e Direitos da Criança e do Adolescente. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. v HOLMES apud TELLES, COLTRO in O Estatuto da Criança e do Adolescente: uma lei de gente grande. São vi PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. vii PEREIRA, Tânia Silva. O principio do melhor interesse da criança no âmbito das relações familiares in Direito de Família e psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2003, p.210. viii CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. ix BARCELLOS, Ana Paula de. O mínimo existencial e algumas fundamentações; John Raws, Michael Walzer e Robert Alexy in Legitimação dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.