Almandrade e o poder da condensación verbovisual

Documentos relacionados
Exposição Almandrade INSTALAÇÃO E POEMAS VISUAIS

Colégio Valsassina. Modelo pedagógico do jardim de infância

FAZENDO A R T E COM TARSILA

BEM-VINDO AO ESPAÇO DO PROFESSOR. interação e inter-relação que esperamos potencializar.

1.º C. 1.º A Os livros

B Características sensoriais e mentais que constituem o raciocínio nos processos de expressão gráfica.

GESTÃO DE CONTEÚDOS 2017/2018

O JOGO DA PINTURA Wagner Barja 1

DESENHO PARA QUE E COMO?

1º e 2º ano do Ensino Fundamental Anos Iniciais

Linguagens de meninas e meninas, em especial: o desenho entrelaçando manifestações expressivas. Marcia Gobbi FEUSP

Vamos brincar de construir as nossas e outras histórias

Ementas das Disciplinas CURSO DE ESCRITA CRIATIVA

Projeto de revisitamento - Melissa Stern

PLANEJAMENTO ANUAL 2018

Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. a) Pesquisas com resultados parciais ou finais (dissertações e teses);

O ESPAÇO NA PEDAGOGIA-EM- -PARTICIPAÇÃO

PROJETO I 2018 EDUCAÇÃO INFANTIL - COLÉGIO SÃO JOSÉ

Mostra do CAEM a 21 de outubro, IME-USP UMA INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA COM PENTAMINÓS

Minha, tua, nossa cadeira: desdobramentos do objeto

Família fazendo arte! inscreva-se. sobrinhos e amigos! Palestra Oficinas Vídeo Web Site Exposição*

Oi, Ficou curioso? Então conheça nosso universo.

EDUCAÇÃO INFANTIL OBJETIVOS GERAIS. Linguagem Oral e Escrita. Matemática OBJETIVOS E CONTEÚDOS

Análise de software. 1 o software analisado: Workshop Vila Sésamo

CONTEÚDO OBJETIVOS ESTRATÉGIAS RECURSOS AVALIAÇÃO. - Roda de música. cantadas - Momentos

PROJETO 3º PERÍODO DE 2018

EDUCAÇÃO INFANTIL OBJETIVOS GERAIS. Linguagem Oral e Escrita. Matemática OBJETIVOS E CONTEÚDOS

PLANEJAMENTO ANUAL 2018

ARTISTA QUE transita com desenvoltura pelas manifestações da arte - unidas

ATELIER LIVRE DA PREFEITURA XICO STOCKINGER CURSOS REGULARES º semestre

ESCOLA ANIMADA. O QUE É. Crianças e jovens estão cada vez mais inseridos de alguma forma no universo da animação,

Concretismo e Neoconcretismo

I FÓRUM PEDAGÓGICO Da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aos Currículos

EDUCAÇÃO INFANTIL OBJETIVOS GERAIS. Linguagem Oral e Escrita. Matemática OBJETIVOS E CONTEÚDOS

Idéia norteadora. Temas. Preferência. Busca principal

Professor Roberson Calegaro

Fiat lux, lux in tenebris, fiat lux et pereat mundus

ANEXO I. QUADRO DE OFICINAS INTEGRANTES DOS PROGRAMAS DE FORMAÇÃO ARTÍSTICA DO CUCA (COM EMENTAS) Categoria I

Justificativas para a Lista de Material Pedagógico Berçário 1

Atendemos na Feira de artesanato Miramar no Largo da Alfandega SC Fone: celular:

PROJETO 3º PERÍODO DE 2018

MATERIAIS EDUCATIVOS MAR MUSEU DE ARTE DO RIO

EDUCAÇÃO INFANTIL OBJETIVOS GERAIS. Linguagem Oral e Escrita. Matemática OBJETIVOS E CONTEÚDOS

Faça um exercício de memória e descreva o espaço físico da sua escola. Faça isso em forma de texto ou, coletivamente, em voz alta.

1º PERÍODO (Aulas Previstas: 64)

ARTISTAS EM RESIDÊNCIA

CURSO PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE E EDUCAÇÃO

Paisagem transitória espaço fugaz

TEORIA DO DESIGN. Aula 03 Composição e a História da arte. Prof.: Léo Diaz

TEXTOS SAGRADOS. Noções introdutórias

uma das características mais marcantes da literatura contemporânea

O formato determina a composição. O formato exerce um papel fundamental no resultado final da composição.

TEMPLO DA POESIA. Programação 21 / 22 / 23 de Abril

II ENCONTRO "OUVINDO COISAS: EXPERIMENTAÇÕES SOB A ÓTICA DO IMAGINÁRIO"

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DR. VIEIRA DE CARVALHO Departamento da Educação Pré-Escolar Planificação Mensal Ano Letivo 2015/2016

Metodologia e Prática do Ensino de Educação Infantil. Elisabete Martins da Fonseca

CURSO PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE E EDUCAÇÃO

Luis Carlos Zabel Curso de Iluminação - Mod. Verde Programa Kairos - Processo De Criação SP Escola de Teatro Orientação Grissel Piguillem

PROJETOS CRIATIVOS TURNO 2016

Quando você receber a nova edição do Caderno do Aluno, veja o que mudou e analise as diferenças, para estar sempre bem preparado para suas aulas.

PLANEJAMENTO ANUAL 2018

NOÇÕES DE PSICOLOGIA DO RELACIONAMENTO

Educação Infantil 2019_PC_INF.indd 5 25/05/ :05:26

Informativo Número 01/ Janeiro a Abril /2016 O BRINCAR PRAZER, RECREAÇÃO E INTERAÇÃO!

CONTAR UMA HISTÓRIA É DAR UM PRESENTE DE AMOR.

CEP -CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS. Curso de Formação em Pasicanálise. Ciclo IV 3ª Noite

Moderna Plus: Literatura

HENRY, Michel. Ver o invisível: Sobre Kandinsky. São Paulo: Realizações, 2012.

Clube Atelier de Artes 2. in Currículo Nacional do Ensino Básico Competências Essenciais

PROJETO 3 PERÍODO DE 2018

Currículo Referência em Dança Ensino Médio

P L A N I F I C A Ç Ã O A N U A L 1 º A N O

CERIMÔNIAS DO FAZER FOTOGRÁFICO

1. Observe este quadro do pintor René Magritte.

OUTROS TERRITÓRIOS OFICINA O CASACO DE MARX

POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL FRENTE AOS DESAFIOS DA BNCCEI. Rita Coelho

PAINTANT STORIES. Lúcia Pantaleoni*

PLANIFICAÇÃO ANUAL EDUCAÇÃO ARTÍSTICA - Artes Visuais 1º ANO

A sua obra, maioritariamente em fotografia e vídeo, tem um grande carácter subjetivo e é bastante marcada por referências literárias e históricas.

UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO

ARTE E SEMIOTICACOMO PROCESSO NAAPRENDIZAGEM: UMA EXPERIENCIA EM ARTES VISUAIS PARFOR.

Critérios de Avaliação 9 Ano

Presente Perfeito A. D. Feldman

Aula lá Fora. Episódio: Artes Plásticas

Por quê? Pergunte como cuidar da natureza

Análise de discursos textuais: questões

AS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS HOWARD GARDNER

Educador A PROFISSÃO DE TODOS OS FUTUROS. Uma instituição do grupo

Até que surgiu o dia certo, a hora certa em que todas estávamos disponíveis: a visita ao atelier transformouse num almoço leve e numa conversa tarde

LISTA DE RECUPERAÇÃO DE ARTE 4º BIMESTRE 1ª SÉRIE. Renascimento, Barroco, Neoclassicismo, Romantismo, Impressionismo. Questão 01:

Eixos/temas Noções / Conceitos Competências e Habilidades UNIDADE 1 SOU UM SER HUMANO COM NOME E IDENTIDADE UNIDADE 2 EU VIVO UNIDADE 3 MEU CORPO

Revista RecreArte 12 Revista RecreArte 12 > I - Creatividad Básica: Investigación y Fundamentación

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA - PIBID

COLÉGIO OBJETIVO JÚNIOR

O som de uma infância desaparecendo 1. Fernando Luiz FAVERO 2 Maria Zaclis VEIGA 3 Universidade Positivo, Curitiba, PR

o big bang da poesia Álvaro Andrade Garcia

Aulas 21 à 24 TEXTO NARRATIVO

Transcrição:

No. 1 (2011) Interview Almandrade e o poder da condensación verbovisual Dr. Laura López Fernández, editora da Revista EXP, falou com o expoente da poesia visual brasileiro Almandrade (Antonio Luiz M. Andrade) LLF: Almandrade, para informar o leitor que não o conhece, descreva sua trajetória artística de poemas visuais, multimeios e projetos de instalações. As mudanças ou processos de evolução que existem em seu trabalho poético visual e os movimentos ou princípios artísticos em que você opera. A: Iniciei meu trabalho entre a literatura e as artes plásticas na década de 1970. Em 1972, participei do primeiro Salão de Artes, ainda estudante de pré- vestibular de arquitetura que comecei a cursar no ano seguinte e conclui em 79. Através da poesia concreta e do poema processo cheguei ao concretismo e logo em seguida à arte conceitual, a partir de então, estabeleci uma trajetória de trabalho que utilizo de vários suportes, como: pintura, desenho, escultura, instalação e poesia visual e

verbal, sem perder a coerência. Em todos esses suportes o que há de comum é uma opção estética pela síntese, pela leveza. LLF: Acha que existe um pensamento visual independente ou interdependente do pensamento verbal nas artes visuais? A: As artes visuais são pensamentos do olhar, do silêncio. Mas de um silêncio estimulador de falas, de todo lugar que se olhar inventa-se uma fala. Em certos momentos, a fala é fundamental mas não substitui a obra, é uma espécie de catalizador, que facilita o acesso a obra de arte mas não participa dela. Ela insinua um modesto conhecimento que pode apenas contribuir para o relacionamento do espectador com a obra. LLF: Você pesquisa e cria com princípios de condensação, transgressão, abstração? Você acredita numa essência da obra de arte? A: Todo princípio ou pesquisa é um esforço para construir uma linguagem, que em última instância é a "essência" da obra de arte. Aquilo que conceito nenhum mais dá conta, explica, por isso mesmo, que é uma obra de arte, e não outra coisa. LLF: O movimento concretista que importância tem na sua obra? A: É uma referência, um ponto de partida, principalmente o Neo concretismo, que com suas experiências e questionamentos dos suportes tradicionais abriu um caminho para a contemporaneidade no Brasil. Meu trabalho dialoga com a tendência construtiva, como também com a Arte Conceitual e o Minimalismo. Em um determinado momento da década de 1970, o meu interesse pelo Neoconcretismo, me levou a construir amizades com artistas como o Hélio Oiticica, um dos expoentes do movimento. LLF: Sua obra dialoga mais com o intelecto do que com questões de emoção?. Dito doutra maneira podemos dizer que: Sua obra estimula o intelecto primeiramente? A: Não sei se mais com o intelecto ou com a emoção. Aparentemente dialoga mais com o intelecto. Em função da minha formação, eu trabalho a partir de elementos objetivos, racionais, mas sempre me encontro em questões subjetivas. Acho que o trabalho de arte dialoga com uma tensão entre o o racional e o emocional, em alguns momentos um predomina mais que o outro.

LLF: Que importância tem a emoção na sua obra de arte? tem uma época mais emotiva do que outra? A: A emoção está sempre presente, mesmo que seja uma emoção contida, digamos, até recalcada. A arte é a sublimado do que foi reprimido. Mesmo depois de um processo de objetivação, eu não posso negar as referências da minha infância, por exemplo. Não só a minha formação intelectual, mas também a minha história, a minha infância, me direcionaram para uma opção estética. Tem épocas mais emotivas, acontecimentos que marcam determinadas obras, mas nem sempre tenho consciência, descubro depois. LLF: Que importância tem a comunicação dos sentidos na sua obra visual?. Existe uma ordem de importância no uso dos distintos sentidos na sua obra? A: Não existe uma ordem de importância. Eu não tenho nenhuma ordem de importância na produção de sentidos. Quando o trabalho sai do atelier se defronta com muitos olhares que são os responsáveis pelos seus significados. A obra de arte é reinventada e a ordem dos sentidos. LLF: Quais são os seus poemas visuais preferidos e por quê? A: Eu não tenho poemas preferidos, em algum momento um me chama mais atenção, outras vezes outros me tocam mais. É uma coisa relativa. LLF: Segundo Nicolas Bernard em "Poética de la levedad" a sua poesia representa o outro lado de Bahia e tem coma reflexão a próprio arte e o estar em o mundo. Você concorda com que sua poesia representa o outro lado de Bahia? A: De certa forma a minha poesia não é espontânea, diferente do que se conhece da poesia baiana. É mais experimental com influências das artes visuais e da minha formação de arquiteto, é uma linguagem mais enxuta, concisa, resultado também das minhas leituras.

Depoimento: PENSANDO A ARTE A PARTIR DA MINHA EXPERIÊNCIA O homem se protege na linguagem, mas na arte a linguagem é o caminho que leva ao desconhecido, onde o artista pensa imagens para habitar a intimidade do mundo. Contemplar uma obra de arte é compartilhar de um conhecimento, é apropriar-se de um conjunto de ideias que pertence a um código secreto, desvelado pelo pensamento do olhar. Para responder às suas provocações, estamos sempre imaginando realidades e referências, que não constituem leituras definitivas. Cada espectador faz a leitura que lhes convém, conforme suas experiências, seu repertório e seus interesses culturais, resultando em definições que se aproximam mais ou menos da natureza da obra. Uma obra de arte nunca está definitivamente concluída, está sempre reivindicando novas leituras, em decorrência das transformações do pensamento. Conceitos vão sendo acrescentados ao longo do tempo, como se o ato de olhar projetasse no objeto de arte novos saberes e novas dúvidas.

Desenho Preencher a superfície do papel até tangenciar a profundidade da desordem, inscrever e re-significar o vazio. Diagramar o espaço e perseguir um sentido à distância. A história do desenho e a emoção. Tratado de semiótica que gira em torno de si mesmo, objetivando um estado de tensão. O olho ri, religiosamente, da sensualidade matemática. Escrituras do silêncio, não falam, mostram, não, nada. Espelhos paralelos a repetir imagens diferentes. Enigmas além da perspectiva. Mapas de regiões geograficamente insituáveis. Miragem, abismo, abstração da ausência. Escultura, Objeto e Instalação As imagens da leveza e do equilíbrio se inventam, dialeticamente, no processo do fazer e no desafio da mão e da mente em lidar com a matéria, o espaço e os conceitos. A sensação de leveza revela o esforço de construir com a metáfora do vôo a poesia do imprevisível, a passagem da desordem para a ordem, relacionando o raciocínio e o lúdico. Discretas e contraditórias, as partes se interagem num repouso momentâneo (e duradouro). A matéria revestida pela cor resulta em outra realidade, marcada pela tensão, pelo equilíbrio, pelo ritmo e pela sugestão de espaço. Pintura A pintura passou a ser uma forma de restauração da tela. Atrás da superfície branca, onde a mão e o raciocínio vão agir, habitam muitas sombras, formando uma paisagem obscura, que escondem alguns conflitos da visualidade. A tela é como um velho quadro negro, que não é mais negro, é cinza. O giz e o atrito do apagador deixaram nele cicatrizes de inúmeras escrituras. Assim é a tela, um território com rastros de muitas inscrições. Pintar é enfrentar os fantasmas da pintura, é escavar a densidade de uma superfície que se apresenta branca, na procura de referências para construir um lugar, mesmo que seja um lugar inacabado, para estimular as reflexões do olhar. A pintura renasce de si, deixando aparecer seus sonhos e rugas, revelando dúvidas e imperfeições, dando forma ao invisível. A cor e o traço vibram e se interrogam como atributos de um suporte que abriga a encenação de uma pintura.

O FAZER E O CONCEITO Cabe sempre ao artista fazer de muitas coisas uma só, e da menor parte de cada coisa criar um mundo. Rilke Trabalhar com o essencial de elementos plásticos para construir um objeto ou um lugar por onde transita a imaginação e sonha o impossível é uma questão de método. O objeto de arte acrescenta ao mundo uma provocação. Não há outro compromisso que não seja com o belo, entendendo-se o belo como uma ideia reconhecível que, ao ser depositada na matéria reprocessada pelo artista, seduz o olhar, a admiração e o pensamento. As minhas pinturas e esculturas são pensadas e executadas dentro de um mesmo princípio. A realização de uma única coisa ou criar, com o mínimo, um mundo. Em pequenos formatos (maquetes e objetos) que sonham em ser grandes, abrigos não habitáveis, arquiteturas do acaso, leves e lúdicas. As esculturas/objetos construídas em série são formadas com peças repetidas que se multiplicam e se diversificam segundo a ordem dos encaixes ou das combinações. Novas posições insinuam novas leituras, novas esculturas. Coloridas, divertidas, não negam uma sintonia com a tradição construtiva e a arte conceitual. Esculturas que são objetos pintados, planos e formas articulados. Pinturas que desejam sair da parede e ocupar o espaço como as esculturas. Traço e cor são os poucos elementos que inserem na tela um modelo de pensar e sentir. Coisas diferentes das outras coisas que existem por si mesmas. Aceitar as suas provocações é participar de seu jogo secreto que faz o olhar pensar e brincar. LLF: Caro Almandrade, muito obrigada por compartilhar suas idéias estéticas para os nossos leitores de EXP.