REFORMA DE ESTADO E GESTÃO DE SISTEMAS E SERVIÇOS DE SAÚDE



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Transcrição:

REFORMA DE ESTADO E GESTÃO DE SISTEMAS E SERVIÇOS DE SAÚDE TERMO DE REFERÊNCIA (NOVEMBRO DE 2009) I PREMISSAS 1. A luta pela democratização do Estado brasileiro e por inclusão social ocorrida nas décadas de 1970 e 1980 na qual o movimento pela Reforma Sanitária esteve fortemente inserido exerceu grande influência na aprovação da Constituição Federal de 1988. Um dos produtos dessa luta foi a criação do SUS, que incorporou os princípios de acessibilidade universal, integralidade na atenção à saúde, participação social e descentralização no texto da nova Constituição; 2. Esse movimento, no qual o CEBES foi um dos protagonistas mais relevantes, compartilhava o entendimento de que a democratização da saúde e a viabilização do SUS dependiam de um conjunto de reformas sociais que ultrapassava os limites estritos do setor saúde. Reformas estruturais no Estado brasileiro que aperfeiçoassem seu sistema de proteção social, universalizando direitos, e modernizassem a gestão pública tornavam-se indissociáveis da melhoria das condições de vida e saúde da população; 3. O processo de implementação do SUS exigia também mudanças que adequassem os instrumentos jurídico-legais, administrativos, normativos, de financiamento, regulação e controle do Estado para que a construção da política de saúde inserida no texto constitucional fosse concretizada. O Estado, composto pelos três poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, pode ser entendido como uma condensação material de uma relação de forças. Ao tempo em que regula as relações sociais e contribui para a reprodução da sociedade, o Estado é também espaço de disputa entre projetos de diferentes segmentos e integra um conjunto de atividades teóricas e práticas mediante as quais a classe dirigente exerce a direção política e cultural, conseguindo a coesão e o consenso ativo dos governados. 4. Nestas duas últimas décadas a adaptação do Estado brasileiro à ordem econômica internacional sob hegemonia neoliberal ocorreu através de aplicação de diretrizes para as políticas econômicas que deram um caráter secundário às reformas sociais, fazendo com que as políticas sociais não ultrapassassem os limites de cuidar dos mais pobres, e se mantivessem muito mais na categoria de políticas e estratégias focalizadas, em alguns momentos mais e em outros menos, proeminentes e expansivas em seu caráter inclusivo, e não atingissem o status de políticas públicas universais; 5. Mais especificamente com relação ao setor saúde pode-se considerar, por um lado, que mesmo com as limitações conjunturais e

estruturais para sua viabilização, a reforma sanitária conseguiu influenciar positivamente nos movimentos sociais, incorporando de forma gradativa o direito de acesso à saúde com qualidade como uma condição de cidadania e como agenda de luta política, fato esse que representa um importante avanço na dimensão cultural da reforma; 6. É importante reconhecer, por outro lado, que os avanços obtidos com a Constituição e configuração do arcabouço jurídico-legal da reforma não foram acompanhados das medidas necessárias para superar barreiras e entraves que levassem à viabilização do SUS da reforma sanitária e, particularmente do que trata esse termo de referência, promovesse condições para uma adequada gestão de sistemas e serviços de saúde; 7. Conforme a implementação do SUS procurava avançar tornavamse mais evidentes as contradições entre o que estabelece o texto constitucional e as possibilidades concretas de sua efetivação. Se esse período se caracterizou, por um lado, por alguns avanços importantes na inclusão social em saúde, especialmente no acesso de população excluída de áreas da assistência, e na melhora de muitos indicadores, por outro, podem-se destacar a persistência das seguintes contradições: (1) Financiamento público insuficiente, da ordem de 3,5 a 3,9% do PIB, incompatível com as necessidades para consolidação de um sistema público universal de saúde; o gasto público per capita oscila em torno de U$ 300 por ano, enquanto nos países em que o sistema público predomina, esse valor é superior a U$ 1.500; (2) Presença de um subsistema privado de atenção à saúde forte, com significativo subsídio público e acolhido no interior do aparelho de Estado; naturaliza-se a opção quase obrigatória por esse subsistema entre servidores públicos, sindicalistas, classe media e grandes empresas e criam-se formas de regulação estatal pela ANS, que são reveladoras do interesse predominante pela perenidade e coparticipação com forte protagonismo desse subsistema no sistema nacional de saúde; o subsistema privado, tanto o de pré-pagamento (planos de saúde) como o de desembolso direto (medicina liberal tradicional), consolida-se como alternativa destinada aos segmentos sociais mais privilegiados. Esse fato, por outro lado, também é revelador da intenção de tornar o subsistema público uma opção para os outros segmentos sociais, mais desfavorecidos economicamente; reforça-se cada vez mais no imaginário social a classificação do SUS como um sistema para pobres; a isso se soma a utilização do SUS pelos usuários do subsistema privado, com favorecimento no acesso tanto por deturpação da porta de entrada do sistema público quanto por deflagração de medidas judiciais, no que ficou conhecido como judicialização da saúde; O portador de plano de saúde ou que tem seu médico particular, em geral da classe média, têm tanto direito ao SUS como qualquer outro cidadão brasileiro rico ou pobre. O que não pode é furar a fila,

distorção na maioria das vezes, decorrente da existência da dupla porta criada a partir da defasagem entre o a tabela SUS e os valores vigentes no mercado (planos de saúde e pacientes que pagam diretamente). A consolidação do SUS depende da adesão e apoio da classe média. Afastá-la ainda mais, impedindo o seu acesso aos serviços públicos que ela procura, seja por reconhecer a sua qualidade, seja por não poder custeá-los no mercado, só dificultaria uma indispensável aliança desse segmento com a militância do SUS. Lembremos que o NHS inglês só sobreviveu a era Thatcher porque a população resistiu. A judicialização, por sua vez, não é um mal em si mesma. Ao contrário. Recorrer a justiça é a última opção para garantir direitos na saúde ou em qualquer outra área. Os mais influentes utilizando advogados particulares, os mais pobres valendo-se da defensoria pública. Ambos, muitas vezes recorrendo ao Ministério Público. Em tese não há nada de errado nisso. Uma coisa é procurar um medicamento que não está disponível por problemas de gestão da Secretaria de Saúde. Outra coisa é a demanda judicial em busca de liminar para furar a fila do transplante ou obter medicamentos de alto custo não autorizados no Brasil e/ou sem eficácia comprovada. No vácuo da lei o judiciário acaba legislando. Assim aconteceu, para citar como exemplo um caso fora da área da saúde, com a greve no setor público. A omissão do legislativo na regulamentação do dispositivo que a legaliza, levou o STF a determinar a aplicação, no setor público, da mesma lei que rege a greve no setor privado. (3) Incoerência entre as políticas de formação, educação e carreira da saúde e as necessidades do sistema público de saúde; os profissionais de saúde formados com recursos públicos em sua maioria atendem o perfil almejado pelo subsistema privado; (4) Incoerência entre a transferência de responsabilidades na gestão e execução das ações de saúde para estados e municípios em decorrência do processo de descentralização e os recursos e condições disponibilizados; além dos recursos financeiros geralmente serem insuficientes criam-se ou mantêm-se constrangimentos jurídicolegais que dificultam ou impedem a contratação de novos trabalhadores, como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), e a implementação e expansão de políticas e programas de saúde descentralizados que trazem dificuldades crescentes na gestão da saúde. Esse processo de descentralização incompleto e desarticulado tem como principais subprodutos: (i) acentuada precarização da força de trabalho, (ii) dificuldades para construção de carreiras sólidas e interiorização de profissionais; (iii) baixos salários e (iv) a submissão dos agentes e gestores públicos à pressões corporativas diversas, muitas vezes totalmente contrárias aos interesses da população;

8. Nesse contexto, o SUS preconizado pela Reforma Sanitária não está se consolidando. Parece razoável reconhecer que, apesar de avanços e conquistas com destaque para o êxito de alguns programas de atenção à saúde de grupos populacionais específicos e outros tais como de imunização, saúde bucal, AIDs, entre outros o sistema público ainda é considerado como uma opção para aqueles que não podem pagar algum plano de saúde. A persistência das dificuldades para a superação dos problemas do sistema público reforça em muitos a imagem do SUS, como um sistema pobre para os pobres ; 9. O movimento de construção do SUS proposto pela reforma sanitária continua e inclusive incorpora novos atores e movimentos sociais, mas passa a se dar por diferentes movimentos de resistência que podem ser classificados como contra-hegemônicos, nem sempre consensuais ou articulados entre si; alguns atores se tornam mais proeminentes em virtude de estarem imersos em desafios mais diretamente relacionados à agendas tornadas relevantes no processo de implementação. Deixa de existir um movimento sanitário como reconhecido nas décadas de 1970 e 1980. A agenda política do SUS é dominada pelos temas específicos relacionados à operacionalização de suas políticas e programas. Nessas agendas mais específicas, nas quais predomina a gestão para a implementação do SUS, freqüentemente abandona-se a imagem-objetivo do SUS da Reforma Sanitária ou desconsideram-se os obstáculos estruturais e contradições do Estado e a necessidade de seu enfrentamento e superação como elementos fundamentais para mudanças concretas; os atores não envolvidos diretamente com a gestão, tais como os militantes dos movimentos sociais, associações de doentes, conselheiros de saúde, entre outros, igualmente, constroem suas identidades a partir das especificidades de suas agendas, se distanciando de um debate mais amplo sobre suas conquistas e mazelas; 10. Nesse ambiente os assuntos/temas que mobilizam os potenciais aliados do SUS passam a ser pontuais e muitas vezes conjunturais e instrumentais, tais como, por exemplo, a criação de alternativas para suprir problemas decorrentes da estrutura de oferta de trabalhadores, os reajustes de repasses de recursos para programas pactuados, a alteração nas formas de alocação de recursos financeiros para suprir demandas específicas, etc; Grandes temas que poderiam ser catalisadores de debates mais aprofundados sobre o papel e configuração do Estado tais como OS, Oscips, a reforma Bresseriana, as fundações estatais de direito privado, entre outras não se consolidam tomo tal. Os debates não mobilizam aliados do SUS ou, quando o fazem, ressaltam as divergências sobre o Estado que queremos, mostrando o quão distante está o movimento sanitário de recuperar sua identidade e ampliar sua resistência contra-hegemônica visando ampliar o caráter redistributivo e de adequação do Estado; esses temas acabam sendo também habitualmente tratados em seus aspectos específicos e de forma fragmentada, sem uma associação com os aspectos estruturais e macro políticos da reforma do Estado na saúde;

11. Nos aspectos mais específicos da gestão pública de sistemas e serviços de saúde, mantêm-se entraves e barreiras que dificultam respostas efetivas e de qualidade, tais como: (i) a persistência de um modelo de gestão burocrático e ineficiente, submetido a um rol confuso de leis, decretos, portarias e resoluções que dificultam os investimentos, o custeio, a gestão de pessoas, a contratação de serviços e a aquisição de insumos; (ii) o predomínio da remuneração por prestação de serviços, que estimula a oferta e produção nem sempre condizente com as necessidades da população e a qualificação do cuidado; (iii) o subfinanciamento crônico das ações e responsabilidades descentralizadas; (iv) os anacronismos do RJU (regime jurídico único) e os efeitos da LRF nas gestões descentralizadas que dificultam a expansão dos postos de trabalho e a gestão do trabalho, e contribuem para manter privilégios, distorções e injustiças; (v) além disso, há os milhares de cargos de confiança utilizados nos arranjos político-partidários e da prática do nepotismo que corrompem a administração pública, mediante ações clientelistas e patrimonialistas, impedindo a qualificação e a profissionalização da gestão em saúde, o que compromete a legitimidade e a sustentabilidade do SUS. 12. As conseqüências de um marco normativo e regulatório inadequado estão na presença de diversos problemas para a gestão dos sistemas e serviços de saúde, com destaque para: (i) desmesurado crescimento de várias formas de terceirização através de fundações de apoio, organizações sociais (OS), organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP), cooperativas, entre outras; (ii) predomínio dos interesses da oferta de serviços em detrimento do atendimento às necessidades da população; (iii) lentidão e inadequação das respostas da gestão pública; (iv) modelo de atenção com baixa participação da atenção básica, que permanece com cobertura insuficiente, baixa resolutividade e grande dificuldade para sua qualificação e consolidação como porta de entrada preferencial do sistema de saúde. II - TEMAS PARA REFLEXÃO 1. A relevância assumida pelos temas conjunturais e instrumentais na construção do SUS, reduz a proeminência no debate de questões que remeteriam a aspectos estruturais de configuração do Estado, tais como: a. Quais são as condições minimamente necessárias para a construção de um forte sistema nacional de saúde de acesso universal? b. Que Reforma Sanitária e que SUS queremos no médio prazo? c. Que Estado é necessário, ou, ao menos, que mudanças fundamentais são necessárias, para viabilizar essa Reforma? d. É possível avançar na construção dessa Reforma mantendo-se distante de agendas políticas relacionadas à Seguridade Social, Pacto Federativo, Reforma Tributária, políticas de renúncia fiscal, políticas redistributivas de inclusão social, entre outras?

2. Como construir novas formas de gestão na saúde que não estejam em sua essência representando uma capitulação diante de uma conjuntura difícil, ou, em outras palavras, sucumbindo diante de dificuldades estruturais resultantes da configuração do Estado atual? Ou seja, por exemplo, como implementar agendas para construção de uma nova relação públicoprivado na saúde como movimentos táticos ou estratégicos que impulsionem mudanças positivas no Estado?. Como fazer com que essas mudanças contribuam para erradicar a precarização das relações de trabalho e assegurar o respeito aos direitos dos trabalhadores, a eficiência e eficácia das ações de Estado, a integralidade na atenção da saúde, a humanização dos serviços, a redução de filas de espera etc.; 3. No complexo processo de implementação do SUS não podemos fugir dos temas específicos da gestão. Esses, contudo, devem estar amparados pelas questões mais amplas, de fundo. Nessa perspectiva quais são os temas específicos prioritários que têm interface com a gestão do SUS no contexto atual e que precisariam ser debatidos?: (1) A qualificação e humanização dos serviços de saúde em geral? (2) Os processos de formação e educação em saúde? (3) Os temas relacionados as carreiras e interiorização de recursos humanos, formas e mecanismos de remuneração desses profissionais e dos serviços de saúde? (4) A Regionalização e consolidação de Redes de Atenção à Saúde? (5) A gestão e gerência de rede hospitalar? (6) Os instrumentos e normas de regulação pública do sistema de saúde como um todo? (7) Os mecanismos e canais de expressão e participação da sociedade, bem como os de controle social? (8) Os mecanismos de alocação de recursos públicos e de responsabilização dos entes públicos e privados na saúde? (9) A despartidarização e a profissionalização da gestão em saúde? 4. Para exemplificar, com relação à Atenção Básica torna-se necessário construir consenso sobre a imagem-objetivo esperada para uma atenção qualificada em um sistema nacional de saúde universal, não se restringindo à estratégias pontuais ou meramente setoriais. Nessa perspectiva as experiências internacionais e nacionais acumuladas sugerem as seguintes condições estruturais mínimas para que a AB se consolide como porta de entrada do Sistema público de Saúde: (i) adoção de um modelo que privilegie a integralidade da atenção e seja resolutivo para 85-90% das necessidades assistenciais dos usuários; (ii) financiamento público para custeio e investimento que proporcione uma AB qualificada com estrutura física

suficiente e suporte logístico que propicie, particularmente, uma assistência farmacêutica sem solução de continuidade; (iii) recursos humanos motivados e qualificados. Seriam necessários, por exemplo, mais de cem mil profissionais com essas características. Estima-se que, atualmente, tenhamos menos de 10% desses profissionais com o perfil adequado. A politização do debate da Atenção Básica no SUS se faz associando os aspectos macro e micro da reforma sanitária e fugindo da concepção polarizada e reduzida que ocorre na crítica dessa e das outras áreas de atenção de que o problema do SUS é de financiamento ou o problema do SUS é de gestão. Obviamente existem os dois problemas e o debate sobre ambos ao ser descontextualizado de uma concepção mais ampla de reforma não contribui para sua solução. III EM BUSCA DE NOVOS FORMATOS PARA A GESTÃO PÚBLICA NA SAÚDE 1. A busca de propostas mais adequadas para a gestão pública da saúde pressupõe romper com o modelo burocratizado, visando construir alternativas que superem a lentidão e os desperdícios e esteja voltada para as necessidades e direitos da população. Torna-se, assim, necessário reduzir as terceirizações às situações específicas que de forma complementar e através de parcerias contribuirão para implementar os princípios e diretrizes da universalidade, igualdade, integralidade, regionalização e participação social, do SUS. Essas entidades permanecem regidas pelos Art. 24, 25 e 26 da Lei nº 8080/90; 2. Deve-se, portanto, rejeitar as terceirizações que não se enquadrem nessas condições, particularmente aquelas que têm caráter privatizante da gestão do SUS, que deve ser obrigatoriamente pública impedindo a expansão indiscriminada e descontrolada e submetendo as já existentes às seguintes exigências, que devem constar no seu ato de criação e/ou no seu contrato com a Gestão Pública: (1) Tanto na sua instituição como na implantação e funcionamento devem se pautar rigorosamente nos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência; (2) Devem elaborar e submeter à aprovação da Gestão Pública, planos de atividades (finalísticas e meio) inseridos ou compatibilizados no planejamento municipal, regional e estadual do SUS, inclusive quanto às metas, prioridades e qualidade; (3) Suas compras de materiais devem pautar-se em processos publicizados de tomada de preços, carta convite e outros, com prazos definidos em função da oferta de serviços com base nas necessidades da população; (4) Suas contratações e reposições de pessoal devem obedecer a processos seletivos publicizados, assim como PCCS que

atendam as diretrizes estabelecidas pelo Gestor contratante, abrangendo celetistas e estatutários cedidos; (5) Devem prestar serviços de atenção à saúde ou de apoio (limpeza, segurança, por exemplo) na área territorial definida pelo Gestor Público, exclusivamente aos usuários do SUS, sendo-lhes vedado vender serviços no mercado; (6) Não podem vender serviços de saúde no mercado; (7) A relação do gestor público com essas entidades deve ser orientada por contratos que estipulem metas e valores de remuneração compatíveis com os custos dos serviços. 3. As unidades públicas prestadoras de serviço, em particular as de maior porte, devem ter ampla autonomia gerencial associada ao cumprimento de metas monitoradas; 4. As diretrizes para a definição de responsabilidades dessas unidades devem levar em conta os seguintes aspectos: (i) prestação de serviços de atenção integral à saúde exclusivamente ao SUS; (ii) integração ao planejamento ascendente com base nas necessidades da população; (iii) articulação com as metas das demais unidades da rede regionalizada; (iv) prioridades e indicadores de qualidade aprovados e acompanhados pelos órgãos de controle social; (v) processos formais publicizados para compras, concursos e seleção de pessoal, PCCS, contratações/reposições, abrangendo tanto funcionários estatutários como celetistas, e (vi) estabilização das equipes de saúde junto à população adscrita, sem prejuízo da mobilidade do pessoal em territórios pré-definidos; (vii) intercambio de experiências com outras unidades nas áreas de educação permanente, consultorias técnicas e outras, com financiamento compartilhado; 5. A formalização jurídico legal da autonomização gerencial de entes públicos estatais fica condicionada a processo legislativo (federal, estadual ou municipal), por meio de lei especifica e lei complementar. O comando constitucional consta no Art. 37 da CF/1988 (Cap. VII da Administração Pública), no seu inciso XIX e 8º. Alguns Estados e Municípios já aprovaram legislação criando Fundações Públicas ou Estatais. Na esfera federal projeto de lei nesse sentido e encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados. Para o aprimoramento e aperfeiçoamento dessa legislação é fundamental a participação de entidades ligadas à Reforma Sanitária e do Ministério Público; 6. O financiamento das unidades públicas dar-se-á, preferencialmente, mediante repasse global em valor não inferior ao custo real dos serviços e vinculado ao cumprimento de metas quantitativas e qualitativas. O pagamento por produção poderá ser adotado para determinados serviços se essa excepcionalidade tiver autorização de CIT e CIB; 7. Os colegiados interfederativos de pactuação (CIT, CIB e CGR) devem ser legalizados e fortalecidos, sem prejuízo das competências dos conselhos de saúde;

8. A alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal é fundamental para viabilizar a gestão descentralizada do SUS; 9. Os elementos para novos modelos de gestão aqui dispostos não excluem a vigência da Administração Direta e Autárquica, permanente ou temporária, em situações a serem definidas no âmbito da CIT, CIBs, CGRs e Conselhos de Saúde. Silvio Fernandes da Silva Nelson Rodrigues dos Santos Jairnilson Paim Solon Magalhães Vianna