Introdução: O termo doença inflamatória intestinal (DII) é usado para descrever um grupo de desordens intestinais crônicas, recorrentes, de patogênese complexa, representadas principalmente pela doença de Crohn (DC) e retocolite ulcerativa (RCU) (JEWEL DP, 2002). Foi observado que pacientes com doença inflamatória intestinal têm 3 a 4 vezes maior chance de tromboembolismo (incidência de aproximadamente 6,5%) (MIEHSLER et al, 2004), o que parece ser independente da associação com os fatores de riscos procoagulantes clássicos tais como imobilização, cirurgia, terapia esteroidal e outros.
Relato de caso HSMS, 18 anos, admitida em 06/11/2014 pela coloproctologia para investigação de doença inflamatória intestinal, pois estava apresentando episódios de diarreia sanguinolenta há 1 mês associada com perda ponderal de 18kg nesse período. Evoluiu durante a internação com cefaleia holocraniana, estrabismo convergente, diplopia binocular à levoversão e em posição primária do olhar, fotofobia e turvação visual à esquerda. Ao exame neurológico: paresia do sexto par a esquerda. A fundoscopia evidenciou papiledema. Foi realizada angiorressonância de crânio, que evidenciou trombose de seio sagital superior e transverso a esquerda. Iniciada anticoagulação com Enoxaparina em dose terapêutica, foi solicitado screening das trombofilias mais comuns: Prot. S: 76%, Prot. C: 170%, Antitrombina 3: 128%, Homocisteína 6,4, Mutação do gene MTHPR: negativo, Fator V de Leiden: negativo Mutação do gene protrombina: ausente, FAN: negativo. Anticardiolipina: negativo. Anticoagulante lúpico: negativo. A biópsia intestinal evidenciou colite crônica moderada, com atividade focal.
Figuras 1 e 2: presença de trombo com hipersinal em T1 e falha de enchimento na angiografia, fase venosa. Figura 03: Mucosa de intestino delgado evidenciando leve processo inflamatório crônico inespecífico. HE. Aumento: 100x. Figura 04: Colite crônica com formação de folículo linfóide. HE. Aumento: 400x
Discussão A cascata de coagulação, tanto quanto a fibrinólise e as funções plaquetárias são alteradas na doença inflamatória intestinal, resultando em um estado protrombótico generalizado (TWIG et al, 2005). Entretanto, nem a prevalência elevada de distúrbios com hipercoagulabilidade conhecidos nem a correlação com a doença ativa foram de forma inequívoca comprovados entre os pacientes com doença inflamatória intestinal (MIEHSLER e al, 2004).Como resultado de processos de má-absorção e do uso de medicações como agentes que depletam folato, pacientes com doença inflamatória intestinal tendem a desenvolver hiperhomocisteinemia (OLDENBURG et al, 2005). São amplamente reconhecidas evidências de uma relação causal entre a concentração de homocisteína, aterotromboses, acidentes vaculares cerebrais isquêmicos e leucoaraiose (WELCH, LOSCALZO, 1998). Apesar de ser uma complicação possível, as maiores casuísticas não demonstram grande incidência de trombose venosa cerebral secundária a doença inflamatória intestinal. Porém, diante da exaustiva investigação em relação as possíveis causas, e ao fato da mesma não possuir outros fatores predisponentes (como uso de contraceptivos orais) esse foi o diagnóstico final.
Referências: JEWEL, MA. Ulcerative colitis. In: FELDMAN, M; SCHARSCHIMDT, BF; SLEISENGER: Sleisenger and Fordtran s gastrointestinal and liver disease Pathophysiology, diagnosis and management, 7 ed, Philadelphia. Saunders; p.1735-61; MIESLER W, Reinisch W, Valic E, Osterode W, Tillinger W, Feichtenschlager T, et al. Is inflammatory bowel disease an independent and disease specific risk factor for thromboembolism? Gut 2004; 53: 542-8; OLDENBURG, B et al. Risk factors for thromboembolic complications in inflamatory bowel disease: the role of hyperhomocysteinaemia. Dig Dis Sci. V.50 2005; WELCH,GN; et al. Homocysteine and atherotrombosis. N Engl J Med, v.338 p. 1042-1050. 1998;