Análise microbiológica de leite de vacas mestiças alimentadas com óleo de palma e gordura de côco Milk microbiological analysis of crossbred cows fed with palm oil and coconut Rafaela Vacondio, Grasiele Scaramal Madrona, Raíssa Sant Ana Bueno, Silvana Aparecida da Silva Corradini, Ivanor Nunes Do Prado Resumo Considerando a importância que o leite representa na alimentação humana e os efeitos do seu consumo em relação à segurança alimentar, é de grande importância o estudo das condições higiênico-sanitárias desta matéria-prima. Neste contexto, o objetivo deste trabalho foi avaliar a qualidade microbiológica do leite cru produzido por vacas mestiças alimentas com óleo de palma e gordura de coco no município de Mirador-PR. Foram coletadas vinte e três amostras de leite em dois períodos diferentes (em 21 e 36 dias). Foram realizadas quantificações de CCS (contagem de células somáticas) e CBT (contagem total de bactérias). Observou-se que treze animais encontram-se dentro do limites da legislação vigente tanto para CCS quanto para CBT durante as duas coletas. Os resultados encontrados indicam uma situação preocupante, pois refletem a falta de higiene no processo de obtenção do leite nas propriedades avaliadas. Palavras-chave: Contagem de células somáticas. Contagem bacteriana tota. Leite in natura. Abstract Considering the importance that milk has for human food and the effects of its consumption in relation to food security, it s very important to study the sanitary conditions of this raw material. In this context, the objective of this job was to evaluate the microbiological quality of raw milk produced by crossbred cows fed with palm oil and coconut in the municipality of Mirador-PR. Twenty three samples were collected in two different periods. Measurements were performed CCS (somatic cell count) and CBT (total bacterial counts). It could be observed that thirteen animals were within the limits of existing legislation for both CCS and CBT. The results indicate a worrying situation, because it reflects the lack of hygiene in the process of getting milk in the evaluated properties. Keywords: Somatic cell count. Total bacterial count. Fresh milk. 1 INTRODUÇÃO O leite é definido grosso modo como um produto da secreção mamária de mamíferos. De acordo com o regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), artigo 475, denomina-se leite, o produto normal, fresco, integral, oriundo da ordenha completa e ininterrupta de vacas sadias (TRONCO, 2003). Do ponto de vista físico-químico, o leite é uma mistura homogênea de grande número de substâncias (lactose, glicerídeos, proteínas, sais, vitaminas, enzimas, etc), das quais algumas estão em emulsão (a gordura e as substancias associadas), e algumas em suspensão (as caseínas ligadas a sais minerais) e outras em dissolução verdadeira (lactose, vitaminas hidrossolúveis, proteínas do soro, sais, etc). A composição do leite faz com que ele tenha destaque entre os alimentos mais nutritivos para o ser humano. Esta condição também o torna favorável ao desenvolvimento de várias espécies de microrganismos patogênicos, que podem contaminá-lo por meio das más condições de higiene durante sua obtenção e processamento. Durante a ordenha e logo após deixar o úbere, o leite entra em contato com inúmeros microrganismos contaminantes. Esta contaminação é bastante variável tanto qualitativa quanto quantitativamente,
70 Análise microbiológica de leite de vacas mestiças alimentadas com óleo de palma e gordura de côco dependendo das condições climáticas da região, da higiene do ordenhador, do ambiente, dos utensílios e equipamentos (ALVES et al. 2003). O trabalho de ASSIS e RODRIGUES (2007) mostra que o Brasil destaca-se como sendo um dos principais produtores de leite no mundo, pesquisas demonstram a produção e o consumo de leite e derivados passa por um processo de crescimento nos últimos anos. Contudo, este é um produto que muitas vezes apresenta problemas de qualidade. A produção nacional do leite pode ser caracterizada pela presença de dois tipos de matéria-prima: o produto de baixa e o de alta qualidade, em decorrência dos problemas de fiscalização e exigências de padronização e qualidade, além da existência de um mercado formal e outro informal de produtores segundo SILVA e FERNANDES (2005). Segundo ASSIS e RODRIGUES (2007) apesar da produção leiteira brasileira apresentar um crescimento, o produtor de leite no Brasil ainda trabalha com uma escala muito reduzida e em condições muito aquém dos padrões técnicos recomendados, sendo a qualidade do leite cru considerada um bom termômetro das mudanças que estão ocorrendo no setor, uma vez que a conquista da qualidade do leite só acontece mediante a profissionalização da cadeia produtiva como um todo. As normas para qualidade do leite mudaram, a Instrução Normativa n 51, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, publicada em setembro de 2002 tem como objetivo melhorar a qualidade dos produtos oferecidos aos consumidores no Brasil e no exterior. Esta normativa trata de todos os aspectos referentes à obtenção higiênica do leite (IN 51, 2002). O objetivo do trabalho foi realizar análises de contagem bacteriana (CBT) e contagem de células somáticas (CCS) de amostras de leite coletadas na Fazenda Marques em Mirador-PR, com a intenção analisar os componentes sólidos e microbiológicos do leite produzido por vacas mestiças alimentadas com óleo de palma e gordura de coco durante 21 dias e 36 dias. 2 MATERIAL E MÉTODOS Foram coletadas vinte e três amostras de leite de vacas mestiças com diferentes tratamentos de dietas alimentares, sendo (1) controle, (2) óleo de palma e (3) gordura de coco. A primeira coleta foi após 21 dias de alimentação e a segunda após 36 dias do início. Os animais eram sempre alimentados durante a ordenha. A coleta das amostras ocorreu na Fazenda Marques com o auxílio da Vaca Móvel em vidros devidamente esterilizados em dezembro de 2010. A metodologia para análise de CCS foi por citometria de fluxo (International IDF Standart 148-2;1995) e para CBT foi citometria de fluxo (International IDF Standart 196;1995). 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Segunda a Normativa 51 a média geométrica dos últimos três meses de análise tem como limites para CCS (cels/ml) e CBT (UFC/mL) até 30 de julho de 2008 1.000.000 e a partir de 1 de julho de 2008 este limite foi reduzido para 750.000. O método de citometria de fluxo devido às vantagens em relação aos métodos tradicionais, dentre elas pode-se citar a alta precisão centesimal relacionada e leitura eletrônica, eliminação da subjetividade da leitura humana, tempo reduzido para análise e baixo custo. As Figuras 1 e 2 representam um gráfico com os valores de CCS e CBT respectivamente nos animais avaliados e apresenta também uma comparação com o limite estabelecido pela Normativa 51 de 18 de setembro de 2002 (IN 51, 2011), que é a legislação vigente para o leite in natura.
Vaconcio et al 71 Figura 1. Valores de CCS (Contagem de Células Somáticas) nos animais estudados. Figura 2. Valores de CBT (Contagem bacteriológica total) nos meses estudados. Por meio da Figura 1 observa-se 18 das amostras de leite avaliadas em 21 dias não ultrapassaram o limite de CCS indicado pela Instrução Normativa n. 51 de 18 de setembro de 2002 (IN 51, 2011), sendo assim 78,2% encontram-se dentro dos padrões da legislação e que para as amostras coletadas após 36 dias, 18 animais não ultrapassaram o limite de CCS, sendo 65,21% do total. Para análise de CBT (Figura 2) podemos verificar que apenas 3 animais não se encontravam nos parâmetros da legislação durante o período de 21 dias, ou seja (82,6%) encontram-se dentro do limite sugerido pela legislação e para a coleta após 36 dias apenas 2 não estavam dentro do limite estabelecido, assim, 91,3% das amostras encontraram-se dentro do limite. Sendo assim nota-se que a maior parte das amostras de leite in natura avaliadas não encontram-se em conformidade com a legislação vigente tanto para CCS quanto para CBT e também que os diferentes tratamentos não apresentaram diferença significativa entre si diante desses parâmetros. MARTINS et al (2008) avaliaram a qualidade de leite cru em trinta amostras colhidas de tanques de expansão no estado de Goiás, sendo que do total dos tanques de expansão, 30% (9/30) apresentaram CBT >10 6 UFC/mL, em 46,67% (14/30) a CBT estava entre 10 5 e
72 Análise microbiológica de leite de vacas mestiças alimentadas com óleo de palma e gordura de côco 10 6 UFC/mL e em 23,33% (7/30) havia CBT <10 5 UFC/mL. As médias observadas foram CBT de 9,2 x 10 6 UFC/mL, CBT de 4,5 x 10 5 UFC/mL e CBT de 5,1 x 10 4 UFC/mL, respectivamente. Dos tanques de expansão com CBT >10 6 UFC/mL, 100% eram de uso coletivo e mostraram valores de CBT significativamente maiores (P<0,05). Medidas de educação e treinamento quanto aos procedimentos de obtenção higiênica do leite, à higiene dos equipamentos de ordenha, à correta implantação e execução de programa de controle de mastite e do sistema de refrigeração da matéria-prima pós-ordenha precisam ser adotadas visando à melhoria da qualidade do leite cru. Segundo os autores tais medidas beneficiam tanto a indústria, concorrendo para rendimento da matéria-prima, quanto o produtor rural, pela possibilidade de remuneração mais vantajosa, por empresas do setor lácteo que adotam o sistema de pagamento por qualidade do leite. Favorecem o comércio, pelo aumento da vida de prateleira dos derivados lácteos, e o consumidor, que adquire produto de mais qualidade. As amostras de leite analisadas refletem as condições da ordenha, como limpeza dos equipamentos e cuidados com os animais. Para controle de CBT a IN 51 recomenda alguns cuidados antes e após a ordenha que podem não estar sendo seguidas pelos produtores, tais como lavagem dos tetos do animal a ser ordenhado com água corrente, seguindo-se secagem com toalhas descartáveis e início imediato da ordenha, com descarte dos jatos iniciais de leite em caneca de fundo escuro. Com relação à CCS, os resultados obtidos no presente estudo diferem daqueles apresentados por MACHADO et al. (2000), que, ao analisarem o leite proveniente de quase 8.000 tanques de refrigeração do estado de São Paulo e Sul de Minas Gerais, observaram que 29% das amostras tinham CCS superior a 750.000 cel/ml e 17% de amostras com CCS superior a 1.000.000 cel/ml. Diferenças quanto à origem das amostras (tipo de propriedades, nível de modernização e especialização na atividade leiteira) podem explicar a diferença de resultados. Alguns fatores como a idade do animal, o estado de lactação e o estresse térmico tem sido apontados como causas no aumento de CCS. LIMA et al (2006) observaram em seus estudos que das propriedades avaliadas, 53,84% apresentaram média da CCS inferiores a 400.000 céls./ml e 30,76% apresentaram contagens entre 401.000 a 750.000 céls/ml. No total de propriedades estudadas, 84,6% já apresentariam leite com CCS dentro do limite estabelecido pela instrução normativa n 51 (IN 51, 2002). Estes resultados podem ser considerados bastante consideráveis e animador para os produtores da região Agreste do estado de Pernambuco. MENDONÇA et al. (2001) estudando a contagem de células somáticas de 75 propriedades leiteiras de Minas Gerais, encontraram 12% das propriedades com leite apresentando valores médios de CCS superiores a 1.000.000/mL. Para o controle de CCS, em casos especiais, como os de alta prevalência de mastite, a norma recomenda que se adote o sistema de desinfecção dos tetos antes da ordenha com produtos desinfetantes e em seguida fazer secagem criteriosa. Outro procedimento recomendado é que após a ordenha, o ordenhador desinfete imediatamente os tetos com produtos apropriados, fazendo com que os animais permaneçam em pé pelo tempo necessário para o fechamento do esfíncter do teto, prevenindo desta forma que os microrganismos encontrem uma porta de entrada para o interior do teto, facilitando assim a contaminação do mesmo e do leite no momento da ordenha. 4 CONCLUSÃO Com as análises de CCS e CBT realizadas nas amostras de leite cru de vacas mestiças alimentadas com óleo de palma e gordura de coco no município de Mirador-PR, pôde-se concluir que as condições higiênico-sanitárias estão aquém dos padrões indicados. Considera-se também, que os diferentes tipos de alimentações utilizados não influenciaram nos resultados de analises microbiológicas.
Vaconcio et al 73 REFERÊNCIAS ALVES, V. S; COSTA, P. S; ROBBS, P. G; FAVARIN, V. Avaliação tecnológica sobre a produção artesanal de queijo minas frescal, utilizando glucona-delta-lactona (GDL), e sua importância no controle de Staphylococcus aureus. Higiene Alimentar, 17 (107), 27, 2003. ASSIS, E. M; FARIA, M. G; RODRIGUES, F. C. Qualidade do leite bovino e efeitos de seu consumo sobre a saúde. Higiene Alimentar, 21 (156), 47-48, 2007. IDF, Interncional Dairy Federetion, Milk Quantitative determination of bacteriological quality Guidance on evalution of routine methods. Belgium: Interncional Dairy Federetion, 1995. IN 51. Instrução Normativa nº 51, de 18 de Setembro de 2002. Disponivel em: <http://www.aex.com.br>. Acesso em 27 Abril de 2011. LIMA, M. C.G, SENA, M.J., MOTA, R.A., MENDES, E.S., ALMEIDA, C.C., SILVA, R.P.P.E Contagem de células somáticas e análises físico-quimicas e microbiológicas do leite cru tipo C produzido na região Agreste do estado de Pernambuco. Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.73, n.1, p.89-95, 2006. MACHADO, P. F. et al. Células somáticas no leite em rebanhos brasileiros. Scientia Agricola, Piracicaba, v. 57, n.2, p. 359-361, 2000. MARTINS, M.E.P., NICOLAU, E.S., MESQUITA, A.J., NEVES, R.B.S., ARRUDA, M.T. Qualidade de leite cru produzido e armazenado em tanques de expansão no estado de Goiás. Ciência Animal Brasileira, v. 9, n. 4, p. 1152-1158, 2008. MENDONÇA, A.H. DE; PENNA, C.F. DE A.M.; C ERQUEIRA, M.M.O.P.; SOUZA, M.R. DE; SIQUEIRA, T.M.L.; CAMARGOS, C.R.M. Qualidade físico-química de leite cru resfriado: comparação de diferentes procedimentos e locais de coleta. Revista do Instituto Laticínios Cândido Tostes, v.56, n.321, p.276-282, 2001. SILVA, C. A. B; FERNANDES, A. R. Projetos de empreendimentos agroindustriais. Viçosa: Editora UFV, v. 1. Universidade Federal de Viçosa, 2005. TRONCO, Vânia Maria. Manual para inspeção da qualidade do leite. 2ª ed., Santa Maria. Editora da UFSM, 2003. 192p.