Débora Cota. Mestre em Literatura. Anuário de Literatura 8, 2000, p

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Transcrição:

A relação entre o literário e o social nas últimas histórias literárias brasileiras' : 13reve análise com 13ase nos estudos sobre os poetas Castro Alves e Gregório de Mattos Débora Cota Mestre em Literatura Os termos história e literatura implicam duas distintas áreas de conhecimento, o que leva, na constituição de uma história da literatura, a uma reflexão sobre as mesmas e a um posicionamento quanto à relação que estas mantém. Não discutindo aqui qual posição teria maior validade, mas levando em conta que existem tais posições, pois segundo Luiz Costa Lima', a relação da linguagem literária com a sociedade é um dos eixos em que se enraíza a atividade crítica-literária no século XX, pode-se afirmar que estas implicam uma história, a história das idéias que perpassam Anuário de Literatura 8, 2000, p. 57-68.

58 A relação entre o literário e o social as histórias literárias. Neste sentido, o que se pretende neste trabalho é refletir sobre esta idéia, ou seja, observar como alguns críticos tratam em suas histórias literárias desta relação entre a sociedade e a literatura, elementos sociais e estéticos, perspectiva extrínseca e intrínseca (as denominações variam de acordo com o crítico). As histórias literárias em questão foram produzidas entre as décadas de 30 e 70 e correspondem aos seguintes autores: Nelson Werneck Sodré, Afrânio Coutinho, Alfredo Bosi e Antonio Candido. A leitura atenta destas obras apontou para diferenças nem sempre exorbitantes entre estas e, por outro lado, para igualdades somente aparentes. Portanto, pode-se antecipar que cada uma destas histórias da literatura tem sua metodologia própria, sua escritura peculiar, seus princípios a serem defendidos. Em a História da literatura brasileira3 de Nelson Werneck Sodré publicada em 1938, tem-se a proposta de se analisar a literatura como "expressão da sociedade", como parte do processo histórico. A literatura, segundo o autor, assume importância extraordinária como sinal da "atividade coletiva". Werneck Sodré se posiciona contra os estudos biográficos de alguns historiadores da literatura, dizendo que não se pode elevá-los à categoria de gênero peculiar. Para o crítico, o dado biográfico é apenas um dos vários elementos que pode determinar a obra literária, e que por si só não possui muito valor. Sendo assim, também se mostra contrário a trabalhos que acreditam na eminência do fato literário, pois estes poderiam ser tomados como trabalhos de qualquer literatura,

Débora Cota 59 tanto brasileira, como persa. Segundo o autor, "a sociedade brasileira não ficou representada naqueles trabalhos. Para historiadores desse tipo (...) a obra de arte nasce inteira e acabada da cabeça dos autores, sem raízes, sem condicionamentos, sem nenhum laço com o meio" (SODRÉ: 1988, p. 03). Observa-se então, a partir destas idéias, que Werneck Sodré compreende a literatura como parte do processo histórico da sociedade e que para analisá-la é preciso retomar este processo. Sendo assim todos os elementos extrínsecos à obra são de grande importância. O estudo de Werneck Sodré sobre a obra de Castro Alves que faz parte do segundo capítulo de sua História da literatura brasileira, mais precisamente da parte intitulada "A poesia romântica" contribui para a compreensão de sua perspectiva de análise. Castro Alves, segundo Werneck Sodré, foi o poeta do povo, não apenas do escravo e aí parece estar o cerne de sua análise. Reconhece um Castro Alves lírico e social, porém seu valor está no fato de o poeta conseguir expressar os ideais do povo, do povo daquele tempo ressalta o autor, e ao mesmo tempo fazer com que o povo comungue seus sentimentos e idéias. Valoriza ainda Castro Alves porque "anunciava o novo na vida nacional (...),porque sentiu que a rua era o lugar do povo, porque entendeu a posição da cultura como caminho para a liberdade" (SODRÉ: 1988, p. 309). Preparada e redigida entre os anos de 1945 e 1951 e publicada em 1959, a Formação da literatura brasileira levou Antonio Candido a ser reconhecido nacionalmente como crítico literário. No capítulo introdutório da Formação4 o escritor deixa claro que se trata de um livro de crítica, mas escrito do ponto de vista histórico o que justifica, de certa forma,

60 A relação entre o literário e o social sua perspectiva de análise desta história. Esta distingue "manifestações literárias" de literatura propriamente dita que só se dá quando se tem um sistema articulado de obras que integram um processo de formação literária e que ao influir sobre a elaboração de outras obras, forma, no tempo, uma tradição. Além deste pressuposto geral, há outro, que aponta para o uso de um método, "que seja histórico e estético ao mesmo tempo, mostrando, por exemplo, como certos elementos da formação nacional (dado histórico-social) levam ao escritor a escolher e tratar de maneira determinada alguns temas literários (dados estéticos), (CANDIDO: 1997, p. 16)."5 Percebe -se, além da importância dada aos fenômenos históricos/sociais na construção do literário, uma negação às análises centradas apenas nas questões estéticas, ao "esteticismo mal compreendido", como o próprio autor nomeia. Os fatos histórico-sociais nas análises de Antonio Candido não são focalizados como fatores "de fora" e sim são surpreendidos no literário, ou seja, o social, segundo o autor, "habita" o literário. Porém folheando a Formação da literatura brasileira, nota-se que não há um aprofundamento das questões sociais presentes nas obras literárias da mesma forma que em estudos posteriores deste mesmo autor, como por exemplo, em seu artigo Literatura e subdesenvolvimento'. Todavia a análise elaborada neste artigo também se contrasta com as de seu livro Na sala de aula, pois estas trazem uma leitura centrada na obra, focalizando, como o próprio autor nos diz no prefácio, "às vezes a correlação dos segmentos, às vezes a função estrutural dos dados biográficos, às vezes o ritmo, a oposição dos significados, o vocabulário

Débora Cota 61 etc. (CANDIDO: 1998, p.05)", ou seja, leituras muito mais intrínsecas do que extrínsecas. Contudo Na sala de aula leva em conta também a idéia de que cada texto requer tratamento adequado à sua natureza, aspecto este já presente na Formação: o crítico destaca os aspectos extrínsecos da obra quando eles se sobre elevam na mesma, caso isto não ocorra, os aspectos estéticos tornam-se o cerne da análise. Neste sentido, a análise da poesia e oratória de Castro Alves, capítulo do segundo volume da Formação, é exemplar. Sobre esta o autor afirma: Os seus aspectos positivo e negativo atingem o grau máximo na poesia abolicionista, onde a beleza lírica se alterna ou mistura ao mau gosto oratório e folhetinesco. Ela é o seu florão maior, não apenas por ser a sua contribuição mais pessoal à nossa evolução poética, mas porque reúne os dois aspectos fundamentais da sua obra: poesia pública e poesia privada a sociedade e o eu. (CANDIDO: 1997, p. 274) Nesta análise, parte dedicada ao tema do negro, há uma preocupação do autor com o significado do tema do negro na literatura do tempo mostrando a dificuldade de incorporar o negro na literatura, de elevá-lo a objeto estético. Já nas análises seguintes, a crítica se concentra em elementos predominantes de sua poesia, como a paixão amorosa e o sentimento da natureza. Em síntese: o tema do negro faz parte da "poesia social" de Castro Alves e pede uma leitura que abarque o social, já o tema seguinte faz parte da sua "poesia

62 A relação entre o literário e o social amorosa" que leva a uma leitura da linguagem e imagens referenciadas. Uma importante questão social que Antonio Candido explora a partir do literário na Formação, é o nacionalismo. A este tema dedica várias páginas principalmente quando aborda o romantismo brasileiro ("O nacionalismo literário") e considera a literatura brasileira "empenhada", ou seja, voltada para a construção de uma cultura nacional. No entanto o crítico não toma tal questão como traço diferencial, como critério de valor em seu livro. Seu objetivo é antes detectar o início de uma literatura propriamente dita, sendo ela diversa ou não da portuguesa. O nacionalismo é, portanto, uma questão social trabalhadapor Candido, porém não como central. Enquanto que em Antonio Candido o movimento é da literatura para o social, ou seja, o social emerge da obra literária e, ao mesmo tempo, as questões estéticas têm sua relevância, em Werneck Sodré, como se viu, o movimento parece ser contrário, do social para obra: a obra expressa ou não a sociedade do seu tempo? Expressa ou não os sentimentos e idéias de seu povo? É atacando a crítica histórica e defendendo uma certa autonomia do literário, do intrínseco que Afrânio Coutinho organiza A literatura no Brasil, livro de seis volumes publicado em 1955. No prefácio à primeira edição, o autor afirma: "Crítica e história literária, unidas como devem existir em face da obra literária, visam à obra nos seus elementos intrínsecos ou artísticos. As outras disciplinas de natureza ou do espírito podem trazer-lhes dados que as ajudem em sua tarefa, mas não emprestar-lhes o seu método nem substituílas no seu modo de operar" (COUTINHO: 1986, p. 11). Tal posição é coerente com sua definição do literário: para o autor,

Débora Cota 63 a literatura é uma arte e a história literária é a história dessa arte e não da cultura brasileira, posição esta que tem base nos estudos do New criticism norte-americano. "O conceito dominante do livro (A literatura no Brasil) é literário, isto é encara a literatura como literatura, reduzindo-se por isso aos gêneros propriamente literários" (COUTINHO: 1986, p. 62), afirma o autor. No capítulo dedicado a Gregório de Matos' em A literatura no Brasil podemos apreciar a prática da perspectiva de crítica de Afrânio Coutinho. Através de uma linguagem rebuscada que faz jus à época e ao poeta analisado, o crítico esboça uma análise literária de cunho estético buscando os elementos recorrentes na obra do poeta como o "contraste entre a posição espiritual perante a vida e a natureza erótica e satírica de um temperamento exaltado" (COUTINHO: 1986, p. 114), analisando as soluções estilísticas do vocabulário do escritor, os elementos plásticos utilizados, entre outras questões. A análise traz em forma de notas de rodapé dados biográficos do poeta, a bibliografia do artigo e uma lista de obras a consultar, além de um pequeno texto que trata de uma polêmica sobre o poeta ser ou não plagiário dos poetas barrocos castelhanos, da qual Coutinho não toma partido. Um único momento no qual Afrânio Coutinho parece utilizarse de elementos extra-literários é em um esquema que faz dos temas, das situações e das atitudes que definem o poeta satírico dentro dos quadros da atmosfera barroca do século XVII. Neste o crítico cita o fato de Gregório de Matos ter vivido na marginalidade nos últimos anos de sua vida, vivendo (( entre as solicitações terrenas e a procura de Deus para solução de seus problemas interiores" (COUTINHO: 1986, p. 124).

64 A relação entre o literário e o social A parte que se refere à Castro Alves é escrita por Fausto Cunha. Nela pode-se observar a utilização de elementos biográficos e a elaboração de certa contextualização literária da obra do autor em questão, porém, os elementos que se sobressaem são os estéticos. Até a temática do negro é para Fausto Cunha secundária na obra de Castro Alves: "a cada instante o pensamento social é soterrado pelo pensamento poético, o fato pela metáfora, o real pelo idealizado" (COUTINHO: 1986, p. 222). À Castro Alves o crítico designa o feito de ter compreendido ou sentido, o que nenhum contemporâneo seu, exceto Varela, parecia compreender ou sentir: "o que confere a uma obra de arte poder sobre o tempo não é a causa que ela defende, ou o sentido de que se imbui. É sua qualidade" (COUTINHO: 1986, p. 223). Tal designação deixa à mostra mais uma vez a importância aos elementos intrínsecos na construção da obra. Por fim, a última história literária aqui destacada é a de Alfredo Bosi, publicada em 1970. O título História concisa da literatura brasileira está de acordo com a brevidade e objetividade do livro. Não apresenta uma discussão de seu método ou dos critérios levados em conta na elaboração desta história e a conta em um sentido cronológico de acordo com os movimentos literários. Afrânio Coutinho também segue uma periodização por estilos literários em A literatura no Brasil. Aliás, dos autores em questão, o que mais foge as formas comuns de apresentação da história literária é Antonio Candido. Isto se dá devido ao propósito de sua obra que é o de estudar a formação da literatura brasileira e a seu modo de conceber a literatura como "sistema". Desta maneira a Formação da literatura brasileira sugere uma idéia de movimento, passagem, comunicação entre fases, grupos e obras e tem como linha condutora o sentido da tomada de

Débora Cota 65 consciência literária e tentativa de construir uma literatura, portanto, não organiza sua obra tendo como base os movimentos literários. Na obra de Alfredo Bosi, a parte dedicada à poesia de Castro Alves', apresenta brevemente aspectos como o contexto de estréia do poeta, a constatação de seu traço lírico/amoroso e social/libertário como elementos "novos" e sua linhagem burguesa liberal, entusiasta com a penetração da máquina no meio agreste, o que demonstra que Bosi considera os fatos extra-literários em suas análises, não de maneira determinista, mas como informações importantes para a compreensão do literário. Por outro lado também não descarta os fatores intrínsecos da obra. Quando trata da oratória de Castro Alves, por exemplo, questão que não se apresenta tão breve quanto às outras no livro, utiliza-se do esquema de Roman Jakobson (meio, emissor, receptor, destinatário...) e a ele une a idéia de que o "poema é obra humana" e que está sempre em "função dialógica" para afirmar que: "É no convívio da mensagem com os vários códigos possíveis (prosaico, oratório, lírico) que se modela o texto literário e se concretizam esteticamente os valores em cujo mundo estão imersos poetas e leitores" (BOSI: 1996, p. 135). Aí está o critério que o crítico utiliza para diferenciar, como ele mesmo diz, "o poeta superior do medíocre": vendo a "adequação dos meios à mensagem". Este critério lingüístico de linhagem formalista não volta a ser encontrado no livro, pelo menos nas partes lidas. Bosi utiliza ainda dos estudos de Antonio Candido, assim como também dos de Afrânio Coutinho e Werneck Sodré, o que de certa forma aponta para o fato de o autor não manter um método ou uma perspectiva de análise.

66 A relação entre o literário e o social Em sua já conhecida leitura crítica do soneto de Gregório de Matos, "À Bahia", Bosi aponta como chave de leitura o fato da Bahia ter vivido um estado melhor que foi modificado com o mercantilismo, "Do antigo estado à máquina mercante" é o título do ensaio'. Gregório de Matos teria vivido os dois momentos, os dois estados, ou seja, estava inserido na estrutura econômica da época e sua obra é resultado desta vivência. Pode-se, portanto, afirmar que, pelo menos nesta leitura, o social domina e é determinante na análise crítica de Bosi, pois o crítico utiliza-se de elementos biográficos, de dados históricos para contextualizar o soneto e também o poeta, e procura demonstrar, de certa forma, como a estrutura econômica e social da época determina a obra. O fato de sua História concisa da literatura brasileira ter sido escrita para fins didáticos, ou seja, com a finalidade de ser objetiva, clara e informativa, não deveria descartar a perspectiva ou as idéias do autor com relação à literatura, mas dificulta a apreensão da mesma. Fica-se, portanto, com a impressão de que, pelo menos nas análises desta obra, o autor não teve a preocupação em afirmar seus princípios literários. A apreciação destas histórias literárias brasileiras indicou a impossibilidade de se tomar a questão em seus extremos, ou seja, não se pode unir Antonio Candido e Werneck Sodré pelo fato de os dois críticos levarem em conta em suas análises os fenômenos sociais, pois cada um os toma de uma maneira particular. Por outro lado também não se poderia considerar Afrânio Coutinho como o único crítico que defende o literário e o enfatiza em suas análises, pois ao considerar que o social está dentro do literário, Antonio Candido está também, de certa forma, privilegiando o literário.

Débora Cota 67 As duas vias de análise, relação entre literatura e sociedade de um lado e, autonomia do literário de outro, ou como nomeia Flora Sussekind2, a "crítica sociológica" e a "crítica estética", marcaram, segundo esta autora, a crítica brasileira moderna, e mesmo com os estudos a partir da década de 60 (como a estética da recepção, a escola de Frankfurt, o círculo lingüístico de Praga, entre outros) que nos propuseram outras formas de pensar a história literária, essas vias não deixaram de existir e continuam, através de outros ângulos, a dividir os estudos desta área.. - Notas 1 Trabalho elaborado para o curso: "A história literária em questão", ministrado pela Prof. Dr. Maria Lucia de Barros Camargo no primeiro semestre de 2000. 2 COSTA LIMA, Luiz. "Concepção de história literária na Formação". In Dentro do texto, dentro da vida: ensaios sobre Antonio Candido, p 153. 3 SODRÉ, Nelson Wemeck. História da Literatura Brasileira. V ed., 1988. 4 CANDIDO, Antonio. "Literatura como sistema". In: Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 9 ed., pp 23-25. 5 Op. Cit. "Prefácio da 22 edição", p 16. Publicado pela primeira vez em português em Argumento revista mensal de cultura, n2 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1973, pp 06-24. 7 Op. Cit., "Gregório de Matos", vol. 2, p 114. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira, p 132. 9 BOSI, Alfredo. "Do antigo estado à máquina mercante". In: Dialética da colonização, 22 ed. 1994, pp 94-118.

t SUSSEKIND, Flora. "Rodapés, tratados e ensaios". In: Papéis colados, 1993, pp 13-33. Referências Bibliográficas BOSI, Alfredo. Do antigo estado à máquina mercante. In: Dialética da colonização, 22 ed., São Paulo: Companhia das Letras, 1994, pp 94-118. História Concisa da Literatura Brasileira. 342 ed., São Paulo: Cultrix, 1996. CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira. 82 ed., Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Itatiaia, 1997. 2 vol. Na sala de aula: caderno de análise literária. 64 ed., São Paulo: Atica,1998. Literatura e subdesenvolvimento. Argumento revista mensal de cultura, Out. 1973, n. 01. Paz e Terra. pp 06-24. COUTINHO, Afrânio (Org.) A Literatura no Brasil. 32 ed., Rio de Janeiro: José Olympio; UFF, 1986. 6 Vol. LIMA, Luiz Costa. Concepção de história literária na Formação. In: Dentro do texto, dentro da vida: ensaios sobre Antonio Candido. Org. Maria Angela D'Incao e Eloísa E Sacarabôtolo. São Paulo: Companhia das Letras, pp 153-204. SODRÉ, Nelson Werneck. História da Literatura Brasileira. 8 2 ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. SUSSEKIND, Flora. "Rodapés, tratados e ensaios". In: Papéis colados. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1993..."".11111111,