Urolitíase em eqüino Renato S. Pulz Camila Silva Luis A. Scott Cíntia Simões Heloísa Santini Flávia Facin RESUMO Os eqüinos podem ser acometidos por urolitíases, e o cálculo vesical é o mais comum. O mecanismo de formação dos urólitos é desconhecido e vários fatores podem estar envolvidos na formação da doença. O presente trabalho teve por finalidade descrever a ocorrência de um cálculo cístico em um eqüino. O animal com sinais clínicos de obstrução das vias urinárias e diagnóstico ultra-sonográfico de cálculo na bexiga foi submetido a cirurgia. A cistotomia revelou um cálculo arenoso de aproximadamente 3 quilos composto basicamente por carbonato de cálcio. No pós-operatório o paciente apresentou atonia vesical. Não foi possível concluir qual foi a etiologia da doença, porém foram considerados como fatores predisponentes a elevada dureza da água consumida e uma possível atonia vesical prévia. Palavras-chave: Urólito. Cálculo vesical. Eqüino. Bexiga. Urolithiasis in equine ABSTRACT The equines can have urolthiasis and the vesical calculi is most common. The mechanism of formation of the urolith in unknow and some factors can be involved in the formation of disease. The aim of this paper is to describe the occurrence of a cystic calculi in a horse. The animal with clinical signs of blockage of the urinary tract and diagnostic ultrasound of a stone in the bladder was submitted to surgery. The cystotomy basically disclosed three kilos approximately and is composed of an arenaceous stone of calcium carbonate. In the postoperative period the patient it presented vesical atony. It was not possible to conclude which was the etiology of the illness, however it can be consider as predisponent factors the raised hardness of the water and a previous vesical atony. Keywords: Urolith. Vesical calculi. Equine. Bladder. Renato S. Pulz é Médico Veterinário, Dr. Professor da Disciplina de Cirurgia da ULBRA. Camila Silva é Médica Veterinária 1ª Tem. do 3 0 Regimento de Cavalaria de Guarda. Luis A. Scott é Médico Veterinário. Cíntia Simões é Médica Veterinária Residente do HV ULBRA. Heloísa Santini é Acadêmica do Curso de Medicina Veterinária da ULBRA. Flávia Facin é Acadêmica do Curso de Medicina Veterinária da ULBRA. Endereço para correspondência: Faculdade de Medicina Veterinária ULBRA. Av. Inconfidência, 101, Prédio 25. Canoas/RS. CEP: 92420-280. E-mail: renatopulz@hotmail.com Veterinária em Foco Veterinária Canoas em Foco, v.5 v.5, n.2, jan./jun. p.137-142 2008 jan./jun. 2008137
INTRODUÇÃO A espécie eqüina é raramente afetada por doenças do trato urinário (KELLER, 1990). Segundo o autor uma das enfermidades que podem ocorrer é a formação de cálculos. Os precipitados em forma de pedra em qualquer local das vias urinárias são chamados de urolitíases. A pedra é chamada de urólito ou cálculo urinário e são encontrados com maior freqüência na bexiga e nestes casos são denominados de cálculos císticos (JONES, 2000). Knottembelt e Pascoe (1998) comentam que os cálculos vesicais constituem a forma clínica mais comum de urolitíase no cavalo e Bayly (2000) observou uma prevalência estimada em 0,11% e 7,8% dos cavalos examinados por doenças do trato urinário. Segundo Divers (1993), a ocorrência da doença é maior em machos do que nas fêmeas e esta menor predisposição da fêmea deve-se a uma uretra mais curta, larga e distensível, o que permite a passagem do cálculo. Frasier (2001) afirmou que o mecanismo de formação dos urólitos nos eqüinos é desconhecido, porém ressaltou que o ph e o alto teor mineral urinário possam favorecer a formação de cristais. A urina normal de cavalos contém grande quantidade de mucoproteínas, que podem servir como substância cimentante para aderir os cristais. Além disto, é altamente alcalina, o que facilita a cristalização da maioria dos componentes de um urólito, em especial o carbonato de cálcio. O mesmo autor salientou ainda que o consumo de água e alimentos ricos em teor mineral pode aumentar a concentração urinária de solutos e com isto promover a cristalização e precipitação. Segundo Scott II (2000) os fatores que contribuem para a precipitação de cristais urinários incluem a hipersaturação urinária e a retenção prolongada de urina, além de tendências genéticas para excretar grandes quantidades de cálcio, ácido úrico ou oxalatos. Conforme este autor, nos casos de paralisia de bexiga, a estase do fluxo urinário possibilita o contato entre o material cristalóide e uroepitélio favorecendo a nucleação. Bayly (2000) corrobora a afirmação de que a atonia da bexiga pode ser responsável pelo acúmulo de sedimentos e obstrução. Knottenbelt e Pascoe (1998) também citaram a ocorrência de paralisia de bexiga em eqüinos como fator predisponente da enfermidade. A perda do controle da função vesical é um problema relativamente raro em eqüinos, as disfunções da micção em eqüinos podem estar associadas a mieloencefalopatias de causas traumáticas, neoplásicas ou infecciosas. Nestes casos, podem estar presentes ainda sinais como: a perda do tônus do esfíncter anal, paralisia da cauda, hipoalgesia sobre o períneo, atrofia dos músculos do quadril e do membro posterior e fraqueza nos posteriores (BAYLY, 2000; DÜSTERDIEK, 2003). Segundo Brown e Bertone (2005), o esvaziamento vesical incompleto causa acúmulo de grandes quantidades de sedimento urinário sabuloso ou mucóide na bexiga, que consiste basicamente em cristais de carbonato de cálcio (urolitíase sabulosa). O peso e o volume desse material provoca uma distensão progressiva da bexiga, com a perda da função do músculo detrusor e paralisia progressiva (bexiga miogênica), que vai interferir na micção normal. 138
De acordo com Divers (1993) o exame clínico deve incluir a observação do cavalo durante a micção, palpação retal da bexiga, evacuação manual da bexiga durante o exame retal e avaliação do tônus do esfíncter anal. Uma história completa, inclusive o exame neurológico, deveram ser obtidos em todos cavalos com incontinência urinária inexplicada. Os sintomas da presença do cálculo vesical variam muito e dependem do tamanho e da composição da pedra. Comumente causam cistite, e o animal pode apresentar evidente desconforto abdominal, encurvamento da coluna lombar (cifose), dificuldade locomotora posterior e relutância para trotar e galopar. O cavalo apresenta tenesmo e dor à micção, e a urina pode apresentar coloração vermelha (hematúria), devido à lesão vascular na parede da bexiga, ou apenas manchada de sangue no final da micção. Perda de peso crônica pode ocorrer, pois pode estar associada a quadros de desconforto abdominal de graus leves e esporádicos (THOMASSIAN, 1996). Knottenbelt e Pascoe (1998) observaram que no macho, o sinal mais evidente é a incontinência urinária, em que ocorre gotejamento intermitente ou contínuo de pequenos volumes de urina normal, resultando em assadura dos membros pélvicos. Frasier (2001) cita que os eqüinos afetados freqüentemente se esticam para urinar e podem manter essa postura por períodos variáveis antes e depois da micção. Os sinais adicionais podem incluir queimadura com urina no períneo das fêmeas ou na face medial dos membros traseiros dos machos. Os machos podem protrair o pênis flacidamente por períodos prolongados, enquanto gotejam urina de modo intermitente. Os eqüinos afetados podem exibir ocasionalmente episódios recorrentes de cólica ou andadura de membro posterior alterada. Entre os sinais clínicos, é comum uma má condição corporal (DIVERS, 1993; PIRIE, 2003). Segundo Divers (1993), o sinal clínico mais comum exibido por cavalos com cálculo vesical é a hematúria após o exercício. Polaciúria, estrangúria, ou disúria podem também ser observadas, assim como também se pode encontrar um fino sedimento (areia) na bexiga de alguns cavalos exibindo disúria. RELATO DO CASO O animal foi atendido por apresentar dificuldade para urinar há mais de uma semana e por não adquirir a posição normal de micção, além de caminhar com dificuldade e perder peso. Também foi relatado que a urina apresentava-se esbranquiçada, com aspecto arenoso e que escorria aos poucos pelo prepúcio sujando os pêlos dos membros. O eqüino se alimentava com ração comercial de baixa qualidade e elevado teor de farelos. Ao exame físico geral foram observadas: má condição corporal, dismetria, incontinência urinária e os pêlos dos membros esbranquiçados. A palpação retal revelou a bexiga repleta e um tônus do esfíncter anal reduzido, a urina apresentou um sedimento denso de aspecto esbranquiçado e arenoso (Figura 1). Na urinálise foram observados cristais de carbonato de cálcio em excesso. O exame ultrassonográfico confirmou o diagnóstico de cálculo vesical. 139
FIGURA 1 Sedimento arenoso (esquerda) e urina densa (direita). O eqüino foi submetido ao tratamento cirúrgico para remoção do cálculo. Sob anestesia geral inalatória foi realizada uma cistotomia (Figura 2). Na cirurgia observouse a presença de um cálculo com aproximadamente 3 kg, amarelo-esverdeado, de aspecto arenoso, friável ao toque e que se despedaçava com facilidade (Figura 3). No tratamento pós-operatório foi realizada a administração de antiinflamatório e antibiótico. A análise do cálculo revelou uma composição de carbonato de cálcio. FIGURA 2 Bexiga. FIGURA 3 Cálculo arenoso de 2,9 kg. 140
O eqüino permaneceu com incontinência urinária e com dificuldade do completo esvaziamento da bexiga, quadro que permaneceu até o último exame realizado 6 meses após a cirurgia. DISCUSSÃO As urolitíases são raras nos eqüinos (BAYLY, 2000). Os cálculos das vias urinárias em eqüinos são mais comuns na bexiga e principalmente em machos (JONES, 2000), o que foi verificado neste caso. O cavalo em questão se encontrava em uma criação com mais 200 cavalos e não houve registro de caso semelhante nos últimos 10 anos, corroborando com a incidência registrada na literatura. O diagnóstico foi baseado nos sinais clínicos evidentes de obstrução urinária, além de exames complementares. O paciente apresentava todos os sinais clínicos citados por Knottembelt e Pascoe (1998) e Frasier (2001), exceto os acessos recorrentes de cólica. A caquexia apresentada pelo paciente provavelmente decorreu da presença da dor abdominal crônica causada pela distensão da bexiga (THOMASSIAN, 1996). Os exames laboratoriais revelaram azotemia e a presença elevada de cristais na urinálise e a confirmação através da ultra-sonografia via retal foi fundamental para decisão pelo tratamento cirúrgico. Conforme afirmou Frasier (2001), o mecanismo de formação dos urólitos nos eqüinos é desconhecido e os casos naturais ocorrem mais provavelmente como resultado da interação de vários fatores. Segundo o mesmo autor, a ingestão de dieta rica em farelos e a água com elevada dureza podem ter contribuído para formação do cálculo. Porém ao considerarmos a rara ocorrência da doença no plantel mantido sob o mesmo manejo alimentar, competem como fatores predisponentes mais aceitos os aspectos individuais: como a idade avançada e uma possível atonia vesical prévia (BAYLY, 2000; BROWN e BERTONE, 2005). Não foi possível estabelecer uma possível causa para a disfunção da bexiga, mas várias etiologias foram sugeridas (BAYLY, 2000). A fraqueza muscular dos membros posteriores e um reduzido tônus anal sugeriam uma disfunção neurológica. O acúmulo de uma grande massa de sedimento urinário de aspecto arenoso na face ventral da bexiga de eqüinos foi denominado por Brown (2002) como urolitíases sabulosa. O autor comentou ainda que nos eqüinos com paresia vesical, a sedimentação dos cristais da urina normal pode levar a formação do urólito sabuloso. A análise do cálculo revelou uma composição básica de carbonato de cálcio, correspondendo com a afirmativa de Frasier (2001). A cistotomia é o tratamento de eleição e foi considerado satisfatório, porém o paciente continuou com a incontinência urinária. Este fenômeno poderia ser considerado uma seqüela da cirurgia, mas acreditamos que a atonia vesical era prévia ao tratamento cirúrgico, sendo provável que esta disfunção tenha sido um fator predisponente para a formação do cálculo arenoso, conforme sugeriu Brown (2002). 141
CONCLUSÃO O cálculo arenoso vesical em eqüinos pode ser causado por um sedimento a base de carbonato de cálcio e ocupar praticamente toda a bexiga causando uma obstrução das vias urinárias com sinais clínicos evidentes. Existem inúmeros fatores concorrentes no desenvolvimento da doença e as causas podem não ser completamente estabelecidas, porém o tratamento deverá ser cirúrgico e com um prognóstico favorável. REFERÊNCIAS BAYLY, W.M. Incontinência Urinária e Disfunção Vesical. In: REED, S. M.; BAYLY, W. M. Medicina interna eqüina. Rio de Janeiro: Guanabara Koogann, 2000, p.778-780. BROWN, C. M.; BERTONE, J. J. Consulta Veterinária em 5 min. Espécie eqüina. São Paulo: Manole, 2005. DIVERS, T. J. Sistema Renal Eqüino. In: SMITH, B. P. Tratado de Medicina Interna de Grandes Animais. V.1. São Paulo: Manole, 1993, p.873-888. DÜSTERDIEK, K. F. Obstructive disease of the urinary tract. In: ROBINSON, N. E. Current Therapy in Equine Medicine 5. Philadelphia: W. B. Saunders, p.832-834, 2003. FRASIER, C. M. Manual Merck de Veterinária. 8.ed. São Paulo: Roca, 2001. KELLER, H. Doenças do sistema urinário. In: WINTZER, H. Doenças dos eqüinos. São Paulo: Manole, 1990, p.146-158. KELLER, H. Doenças do Sistema Urinário. In: WINTZER, H. J. Doença dos Eqüinos. São Paulo: Manole, 1990, p.167-181. KNOTTEMBELT, D. C.; PASCOE, R. R. Afecções e Distúrbios do Cavalo. São Paulo: Manole, 1998. PIRIE, R. S. Bladder, retal, anal, and tail paralysis; perineal hypalgesia; and other signs of cauda eqüina syndrome. In: ROBINSON, N. E. Current Therapy in Equine Medicine 5. Philadelphia: W. B. Saunders, p.755-760, 2003. SCHOTT II H. C. Doença Obstrutiva do Trato Urinário. In: REED, S. M.; BAYLY, W. M. Medicina interna eqüina. Rio de Janeiro: Guanabara Koogann, 2000, p.755 763. SCHOTT II, H. C. Fisiologia Renal. In: REED, S. M.; BAYLY, W. M. Medicina interna eqüína. Rio de Janeiro: Guanabara Koogann, 2000, p. 701-711. SCHOTT, H. C. Sistema Urinário. In: SAVAGE, C. J. Segredos em Medicina de Eqüinos. Porto Alegre: Artmed, 2001, p.171-202. THOMASSIAN, A. Enfermidades dos Eqüinos. 3.ed. São Paulo: Varela, 1996. Recebido em: mar. 2008 Aceito em: maio 2008 142