Os Limites à Responsabilidade Civil do Incapaz - O Código Civil e seu Art. 928 e uma breve explicação sobre Guarda e Poder Parental Por Alessandro Casoretti Lavorante e Nicolas Farfel, Sócios de Lavorante e Farfel Advogados Sem paralelo na legislação civilista de 1916, o artigo 928, que trata sobre a responsabilidade civil do incapaz, é um dos mais controversos do Código Civil. Antes, porém, de avançar na leitura crítica do seu enunciado, vamos ao seu teor: Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem. Conforme explica Flávio Tartuce, em sua basilar obra Manual de Direito Civil 1, em referência 2 às lições de Jones Figueiredo Alves e Mário Luiz Delgado sobre o tema, o dispositivo trouxe notável avanço sem contrariar o Enunciado 41 do Conselho de Justiça Federal, que assim prevê: A única hipótese em que poderá haver responsabilidade solidária do menor de 18 anos com seus pais é ter sido emancipado nos termos do art. 5º, parágrafo único, inc. I, do novo Código Civil. 1 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 6ª Ed. 2016. p. 572 2 Ibidem, pp. 572-573
Adverte-se, entretanto, que tal responsabilidade é uma decorrência da letra da lei, sendo subsidiária, desde que os pais não tenham condições de arcar com os deveres indenizatórios quando legalmente obrigados. Diante da sistemática do novo Código Civil, quer seja a pessoa relativamente ou absolutamente incapaz, sua responsabilidade será subsidiária sempre que seus representantes tiverem o dever de indenizar os danos por ela causados, bem como dispuserem de meios para fazê-lo" 3. Em todos os casos, não se pode esquecer regramento contido no parágrafo único do artigo em análise, pela qual não se pode privar o incapaz ou os seus dependentes do mínimo para que vivam com dignidade, à luz da própria Constituição Federal. Cumpre aludir, em complemento, aos artigos que tratam da responsabilidade objetiva por atos de terceiro, em sentido estrito, artigos 932, I e II, e 942, parágrafo único, do Código Civil. Segundo esses mandamentos, haverá responsabilidade dos pais, tutores e curadores em relação aos filhos menores, e também tutelados e curatelados, de forma sempre objetiva e solidária (entre os responsáveis, aí sim valendo a prova em contrário). A regra se estende aos donos de estabelecimentos de ensino, que respondem pelos educandos menores que estiverem sob sua autoridade (para nos mantermos na responsabilização do incapaz, apenas). A esse respeito, temos dois enunciados do Conselho de Justiça Federal, autoexplicativos e reproduzidos a seguir: Enunciado 39, I Jornada CJF: a impossibilidade de privação do necessário à pessoa, prevista no art. 928, traduz um dever de indenização equitativa. Informado pelo princípio constitucional da 3 Ibidem, p. 573
proteção à dignidade da pessoa humana. Como consequência, também os pais, tutores e curadores serão beneficiados pelo limite humanitário do dever de indenizar, de modo que a passagem ao patrimônio do incapaz se dará não quando esgotados todos os recursos do responsável, mas quando reduzidos estes ao montante necessário à manutenção de sua dignidade. Enunciado 449, V Jornada CJF: A indenização equitativa a que se refere o art. 928, parágrafo único, do Código Civil não é necessariamente reduzida sem prejuízo do Enunciado n. 39 da I Jornada de Direito Civil. Por fim, e para sintetizar os comandos do art. 928 c/c 932 do Código Civil, esclarece-se: para que os pais respondam objetivamente, é preciso comprovar a culpa dos filhos; para que os tutores ou curadores respondam, é preciso comprovar a culpa dos tutelados ou curatelados; para que os empregadores respondam, é preciso comprovar a culpa dos empregados; e assim sucessivamente. Vale lembrar que, especificamente em relação aos incapazes, deverá haver ilícito civil como tivesse ocorrido com aferição de culpa ou dolo, fosse esses imputáveis. No caso, haverá possibilidade, sim de responsabilização do patrimônio do incapaz quando insuficiente o de seus responsáveis para cobrir os danos causados. Desse modo, é fundamental repetir que não se pode mais falar em culpa presumida (culpa in vigilando ou culpa in eligendo) nesses casos, mas em responsabilidade sem culpa de natureza objetiva 4. Nesse sentido, na VII Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, em 2015, deliberou-se a favor de que a responsabilidade civil dos pais pelos atos dos filhos menores, prevista no art. 932, I, do Código Civil, não obstante 4 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil.06ª Ed., 2016. p. 574
objetiva, pressupõe a demonstração de que a conduta imputada ao menor, caso o fosse ao agente imputável seria hábil para a sua responsabilização 5. Esse entendimento resultou no enunciado, de nº 590: A responsabilidade civil dos pais pelos atos dos filhos menores (...) pressupõe a demonstração de que a conduta imputada ao menor (...) seria hábil para a sua responsabilização. Acima do que foi dito, ainda é preciso identificar a que se refere o legislador, quando no inciso I do art. 932 diz que são responsáveis os pais pelos filhos em sua companhia e autoridade. Tradicionalmente, entende maior parte da doutrina que companhia, aqui, quer referir a guarda, custódia legal, ao passo que autoridade diz respeito ao poder parental, que subsiste (ainda em caso de perda da guarda por um dos genitores) até cessar a incapacidade civil dos filhos. Verossímil é o enunciado 450 do CJF, verbis: Considerando que a responsabilidade dos pais pelos atos danosos praticados pelos filhos menores é objetiva, e não por culpa presumida, ambos os genitores, no exercício do poder familiar, são, em regra, solidariamente responsáveis por tais atos, ainda que estejam separados, ressalvado o direito de regresso em caso de culpa exclusiva de um dos genitores. Quanto à situação dos emancipados, considerados maiores, e, portanto, cessado o poder parental, os doutrinadores consideram que, nesse caso, os pais não seriam mais responsabilizados, com a ressalva do inciso I, do artigo V, do Código Civil/2002 6, que trata de emancipação facultativa. 5 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil.06ª Ed., 2016. p. 571 6 Art. 5 o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. (...). I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
O referido comando diz que está rompida a menoridade quando o menor obtiver a concessão dos pais (ou de um deles, na falta do outro) ou quando, atingidos 16 anos completos, ouvido o tutor, o juiz o declarar maior. Uma vez concedida, ela será irretratável, exceto em caso de nulidade absoluta. Apesar de haver emancipação de fato, pela ótica doutrinária, majoritária, cabe responsabilidade solidária entre os pais e o filho por se tratar de emancipação voluntária. Corroborando tais conclusões, sintetiza o seguinte acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: RESSARCIMENTO DE DANOS. PICHAÇÃO DE MUROS DE ESCOLA MUNICIPAL. ATO INFRACIONAL PRATICADO POR MENORES. AÇÃO PROPOSTA EM FACE DE INCAPAZES. INOBSERVÂNCIA DAS CONDIÇÕES DO ART. 928, DO CÓDIGO CIVIL. As consequências civis dos atos danosos praticados pelo incapaz devem ser imputadas primeiramente aos pais. Extinção do processo sem resolução do mérito" (TJSP, Apelação 994.09.025881-9, 13ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Ferraz de Arruda, j. 09.06.2010) O CASO DOS AVÓS E SUA RESPONSABILIDADE CIVIL Em consonância com o que foi arguido até o momento, tem-se entendido que e tão somente quando estes partilharem legalmente do dever de guarda ou poder parental -, podem os avós ser solidariamente responsabilizados pelas infrações cíveis que cometerem seus netos, menores de idade (ou incapazes). Para sintetizar, colacionamos um relativamente recente acórdão do STJ sobre o tema, cuja ementa merece, pela riqueza e precisão com que aborda o tema em comento, ser reproduzido na íntegra:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE DOS PAIS E DA AVÓ EM FACE DE ATO ILÍCITO PRATICADO POR MENOR. SEPARAÇÃO DOS PAIS. PODER FAMILIAR EXERCIDO POR AMBOS OS PAIS. DEVER DE VIGILÂNCIA DA AVÓ. REEXAME DE FATOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL COMPROVADO. (...) 2. Ação de reparação civil movida em face dos pais e da avó de menor que dirigiu veículo automotor, participando de "racha", ocasionando a morte de terceiro. A preliminar de ilegitimidade passiva dos réus, sob a alegação de que o condutor do veículo atingiu a maioridade quando da propositura da ação, encontra-se preclusa, pois os réus não interpuseram recurso em face da decisão que a afastou. 3. Quanto à alegada ilegitimidade passiva da mãe e da avó, verifica-se, de plano, que não existe qualquer norma que exclua expressamente a responsabilização das mesmas, motivo pelo qual, por si só, não há falar em violação aos arts. 932, I, e 933 do CC. 4. A mera separação dos pais não isenta o cônjuge, com o qual os filhos não residem, da responsabilidade em relação ao atos praticados pelos menores, pois permanece o dever de criação e orientação, especialmente se o poder familiar é exercido conjuntamente. Ademais, não pode ser acolhida a tese dos recorrentes quanto à exclusão da responsabilidade da mãe, ao argumento de que houve separação e, portanto, exercício unilateral do poder familiar pelo pai, pois tal implica o revolvimento do conjunto fático probatório, o que é defeso em sede de recurso especial. Incidência da súmula 7/STJ. 5. Em relação à avó, com quem o menor residia na época dos fatos, subsiste a obrigação de vigilância, caracterizada a delegação de guarda, ainda que de forma temporária. A insurgência quanto a exclusão da responsabilidade da avó, a quem, segundo os recorrentes, não poderia se imputar um dever de vigilância sobre o adolescente, também exigiria reapreciação do material fático-probatório dos autos. Incidência da súmula 7/STJ. (...) (STJ, Recurso Especial. REsp 1074937 MA 2008/0159400-7. DJe 19.10.09) Alerta-se para o fato de que a responsabilidade dos avós se caracteriza quando legalmente amparada a guarda, ou na hipótese de substituição do poder parental dos pais. Fora dessas hipóteses, não cremos ser possível falarse em responsabilização (solidária ou subsidiária).
Se o mero evento cotidiano de estar sob a companhia dos avôs e avós ensejasse tal efeito, perderia razão de ser o conceito de responsabilidade indireta, objetiva, dos pais em relação aos filhos que não estão em sua presença..